ACTAS  
 
8/25/2015
Portugal com futuro: Finanças Públicas sustentáveis
 
Dep.Carlos Coelho

Dou as boas-vindas à Dra. Maria Luís Albuquerque, Ministra de Estado e das Finanças, que já nos deu o prazer de estar connosco no ano passado com uma brilhantíssima aula sobre o Euro. Achámos em 2014 que a abordagem da Europa devia ser feita da lógica das questões financeiras – aliás, continuam hoje a marcar a atualidade, mas que na altura eram mais novidade do que são hoje.

A nossa convidada tem como hobby a leitura, a comida preferida é o bife na pedra, o animal preferido é o gato, sugere-nos o livro "Viva o Povo Brasileiro” e o filme "extremamente alto, incrivelmente perto” e a qualidade pessoal que mais aprecia é a coragem. E não podemos deixar de sublinhar que a nossa convidada de hoje é indiscutivelmente uma mulher corajosa.

O seu tema de hoje versa a economia, que faz parte do chamado "currículo obrigatório” da Universidade de Verão. A aula é "Portugal com Futuro: Finanças Públicas Sustentáveis”. É como muito prazer que lhe dou as boas-vindas e lhe passo a palavra.

Muito obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Muito obrigada, Carlos. Boa tarde a todos.

É com grande satisfação que volto a estar presente na Universidade de Verão da JSD. É uma oportunidade excelente para explicar o que o governo faz, por que o faz e que resultados obtém da aplicação das políticas. Mais, é uma oportunidade única de responder diretamente às questões dos jovens, a partir da perspetiva que a sua idade lhes confere, necessariamente diferente da de outras gerações, como a minha, mas essencial quando queremos olhar o futuro.

Quem está aqui hoje esperará ouvir-me dizer que a disciplina das contas públicas é fundamental hoje, como o foi antes, e como será no futuro. E deixem-me começar por dizer que não vos vou desiludir. Repetirei sempre esse mantra porque tenho a profunda convicção que implica princípios que temos de interiorizar, de refletir nas decisões políticas e de ter presentes no momento de fazer escolhas fundamentais para o nosso futuro.

Não pretendo dedicar o tempo que tenho hoje convosco a revisitar as dificuldades dos últimos anos. Prefiro centrar-me no muito que conseguimos apesar dessas dificuldades e realçar como esses resultados são essenciais para o que nos propomos fazer.

Daqui a menos de 5 semanas realizam-se as eleições legislativas. Nunca é demais repetir a importância crucial de que estas eleições se revestem. Representam o fechar de um ciclo difícil mas concluído com sucesso em muitas áreas e progressos assinaláveis nas restantes. Mas mais que isso representam a abertura de um novo ciclo onde as escolhas serão mais livres e, por isso mesmo, onde a responsabilidade dos decisores políticos é mais que nunca fundamental. Quando este governo iniciou funções há já mais de 4 anos, tínhamos plena consciência da dificuldade da tarefa com que nos defrontávamos. Sabíamos que a prioridade tinha de ser colocada na conclusão com sucesso do programa de ajustamento, em todas as suas vertentes. Sabíamos que recuperar a credibilidade externa era essencial para recuperar a capacidade de financiamento da economia. Sabíamos que as reformas estruturais eram essenciais para reforçar a competitividade da economia nacional e que a aposta tinha de estar nos sectores transacionáveis. Mas soubemos também desde o início que a dimensão da tarefa a que deitámos mão em 2011 precisaria de mais de 4 anos para ser concluída.

Recordar o passado, em particular o percurso nos anos que antecederam abril de 2011, é um exercício fundamental. Primeiro, porque o que aconteceu em Portugal não foi obra do acaso, nem um azar que tivemos. Nem foi exclusivamente o resultado da crise financeira internacional que deflagrou em agosto de 2007. O país não avaliou corretamente a dimensão das oportunidades e dos desafios que a adesão ao euro trouxe. Os erros de avaliação foram cometidos em primeiro lugar pelos governos, mas também pelos empresários e até pelas famílias, iludidos todos pelo crédito fácil e barato. Não faltaram vozes avisadas, em Portugal como lá fora, a alertar para a insustentabilidade do caminho, mas a verdade é que se prosseguiu assim até o país ficar na iminência de bancarrota e não termos alternativa que não fosse contar com a solidariedade dos nossos parceiros europeus e com o apoio técnico e financeiro do FMI.

É também importante recordar as medidas que o governo do PS adotou para enfrentar a crise financeira em 2009 e 2010. Aumentou a despesa pública, estimulou o consumo privado e o resultado foi o que sabemos. O défice atingiu valores nunca vistos – ultrapassou os 11% em 2010 – e a dívida pública disparou. E os mercados fecharam-se. Não só para o tesouro, mas também para os bancos portugueses, logo para as empresas, sobretudo as PME. Apostou-se no aumento do consumo público e privado para combater a crise, como se o país não tivesse problemas de desequilíbrio externo e de excesso de endividamento público e privado. E essa lição é de facto muito importante, porque só o facto de não ter percebido o que aconteceu pode justificar que o PS volte a apresentar hoje, em 2015, depois de um resgate duríssimo para todos os portugueses, de novo a mesma receita.

A um ministro das finanças é confiada a tarefa de zelar pela saúde das contas públicas. É um trabalho que só pode ser bem sucedido se contar com o apoio inequívoco do Primeiro-Ministro e com a determinação de todos os membros do governo. O objetivo para o défice é definido de acordo com as regras do Tratado Orçamental e distribuem-se os recursos disponíveis pelos vários programas e funções que o Estado desempenha. Em cada ano, a maior parte da despesa pública está pré-determinada e é rígida, no curto e no médio prazo. Os salários, as pensões e outras prestações sociais têm de ser pagos, os juros da dívida têm de ser pagos, os compromissos assumidos em anos anteriores – com contratos de prestação de serviços ou de aquisição de bens – têm se ser satisfeitos, a administração pública tem de funcionar para prestar os serviços que os cidadãos exigem. Quando a receita esperada não é suficiente para fazer face a todos estes compromissos, só há duas vias possíveis: ou se aumenta a receita ou se reduz a despesa. Num ciclo de crescimento económico, a receita fiscal aumenta e a capacidade de acomodar despesa aumenta também, sem com isso fazer aumentar o défice. Mas receita e despesa não têm comportamentos equivalentes. Em ciclos recessivos a despesa aumenta, até pelo efeito dos estabilizadores automáticos – como o subsídio de desemprego, por exemplo, e a receita cai, por vezes muito e muito rapidamente. Em ciclos de recuperação económica, a despesa deve ser contida e a receita adicional deve ser utilizada para promover a redução de despesa futura, reduzindo a dívida pública e, consequentemente, o peso dos juros.

Defender que o aumento da despesa pública é gerador de riqueza em si mesmo é, para mim, incompreensível. A dívida é a memória dos défices passados e, para lá de uma discussão em termos meramente económicos ou até em termos ideológicos, a evidência é de tal forma óbvia que não pode ser ignorada. Durante a primeira década da participação de Portugal no euro, assistimos a um aumento continuado da despesa pública. Tivemos crescimento? Não. Crescemos menos de 1% em média anual (fomos os segundos piores da área do euro, a seguir à Itália); o desemprego, em particular o estrutural, cresceu; alimentámos um défice externo elevado e persistente; a dívida pública e privada aumentou.

Defender que o consumo privado é o motor da economia e promove o crescimento é também incompreensível. Mais uma vez, para lá da discussão teórica ou ideológica, os factos falam por si. Na primeira década da participação no euro, o rendimento das famílias aumentou, é verdade, e com ele o consumo. Mas com o correspondente aumento das importações e, também no sector privado, da dívida, sobretudo externa.

Assim, como é possível que um partido se apresente aos Portugueses com propostas que falharam tão rotundamente quando aplicadas no passado? E como é possível que se afirme que agora sim, agora resulta. Porquê? O mundo já não é global? A competitividade deixou de ser importante? Já não vivemos numa economia aberta? Porque haveriam os Portugueses de acreditar que exatamente a mesma receita que conduziu ao desastre de 2011 produziria agora resultados diferentes? Simplesmente, não é credível.

O caminho de futuro para Portugal tem de ser outro. A recuperação do rendimento tem de ser sustentada e sustentável. São as empresas que criam emprego e riqueza, são os sectores capazes de enfrentar com sucesso uma economia global cada vez mais competitiva que encontram novos mercados e reforçam presença nos mercados tradicionais, que produzem em Portugal com qualidade e preço que nos permitem consumir o que é português. É por acreditarmos nestes valores que temos trabalhado para que as empresas tenham acesso a financiamento a custos adequados, ao restabelecer a credibilidade externa do País; é por isso que iniciámos a reforma fiscal pelo IRC, num quadro de previsibilidade que nos permitiu baixar a taxa e ainda assim aumentar a receita; é por isso que desenvolvemos esforços coordenados de diplomacia económica facilitando o acesso a novos mercados pelas empresas nacionais; é por isso que reduzimos a burocracia, como com a criação do balcão único do empreendedor ou a simplificação do processo de licenciamento ambiental; é por isso que revimos e melhorámos os mecanismos de recuperação e revitalização de empresas; é por isso que criámos a Instituição Financeira de Desenvolvimento para centralizar os instrumentos de apoio ao financiamento às empresas e desenvolver instrumentos de capitalização de que as nossas empresas tanto precisam; é por isso que revimos o código fiscal do investimento, e poderia continuar ainda por muito tempo a enumerar todas as medidas que pusemos em prática. E sabemos bem que o sucesso da estratégia que nos permitiu aumentar as exportações de 29% do PIB em 2010 para 40% em 2014 se deve, mais do que a qualquer outra coisa, à capacidade dos nossos empresários, à sua visão e dinamismo. E é por isso também que para os próximos quatro anos propomos aprofundar esta estratégia e continuar a criar as condições para o investimento, seja nacional, seja estrangeiro.

Sabemos também quais os desafios que as famílias enfrentam, em particular o drama do desemprego. E que há ainda muitos Portugueses que não sentiram as melhorias da economia no seu dia-a-dia, mas a verdade é que a recuperação económica é consistente e dá esperança a todos.

O PIB cresce desde o segundo trimestre de 2013, há 9 trimestres consecutivos. O desemprego desce consistentemente desde o pico no primeiro trimestre de 2013 e atingiu em junho deste ano 11,9%, um número demasiado elevado, é verdade, mas já inferior ao segundo trimestre de 2011, quando este governo iniciou funções. O investimento recupera e os índices de confiança de consumidores e empresários atingem máximos de há muitos anos. As contas públicas continuam a evoluir positivamente, o défice está controlado e este ano iremos ter um défice inferior a 3%, terminando o procedimento por défices excessivos e possibilitando assim aceder à flexibilidade prevista nas regras europeias para continuar a conduzir reformas estruturais ou para realizar investimento. A dívida pública em percentagem do PIB atingiu o seu pico no final de 2014 e desceu já no primeiro e no segundo trimestres deste ano. A receita fiscal continua a aumentar em 2015, apesar da redução da taxa do IRC e da introdução do quociente familiar no IRS, sem que tenha havido aumento nas taxas do IVA.

Todos os dias são divulgados indicadores económicos que comprovam a recuperação ampla da economia nacional, desde as exportações às transações realizadas via rede multibanco, dos juros da dívida negativos à redução do crédito mal parado, da redução do número de falências ao nascimento de novas empresas em todos os sectores de atividade, ao reembolso antecipado ao FMI que permite poupar centenas de milhões de euros em juros.

Por mais que a oposição tente fazer crer que o país está pior, a realidade todos os dias nos diz o contrário. E como devemos reagir a esta sucessão de notícias positivas?

Em primeiro lugar, com a satisfação de saber que cada indicador positivo significa melhorias na vida de muitas pessoas. Em segundo lugar, com trabalho para que os indicadores positivos se repitam e sejam cada vez mais robustos, não permitindo nunca que se pense que está tudo feito, mas não deixando de evidenciar o que os portugueses a cada dia conquistam, porque é vendo os frutos do trabalho que todos encontramos ânimo para fazer cada vez mais e melhor.

E podemos também realçar a subida muito expressiva dos candidatos ao ensino superior para o próximo ano letivo, ou o aumento do número de nascimentos no primeiro semestre deste ano. Ou a subida de 15 posições no ranking de competitividade. Ou os números record no turismo, que fazem de cada ano o melhor de sempre. E tantas outras evidências de que o caminho que temos vindo a traçar é o correto e que agora é que não podemos mesmo desistir nem andar para trás. Se é verdade que é muito difícil governar sob um programa de ajustamento – e este governo sabe bem como foram penosos os três anos de troika, com avaliações a cada 3 meses para garantir o recebimento da tranche seguinte – não é fácil governar bem quando a economia recupera. Um ciclo de recuperação económica alivia a restrição orçamental e é nesse momento que verdadeiramente se põe à prova a responsabilidade de quem toma as decisões. Nenhum governo toma decisões difíceis, como reduzir salários ou pensões, se tiver alternativas que penalizem menos as pessoas. Não são decisões que se tomem de ânimo leve ou que algum governante goste de anunciar. Mas quando a responsabilidade o impõe, há que ter a coragem de as tomar e de as comunicar claramente. E quando a situação melhora não é altura de anunciar que já passou tudo e que podemos de um momento para o outro passar uma esponja no que aconteceu e repetir os mesmos erros.

O que seria de Portugal se nos próximos anos se voltasse repentinamente a aumentar a despesa? Se se prometesse tudo a todos? Na melhor das hipóteses, teríamos uma breve ilusão de crescimento, para voltarmos a acordar para uma realidade ainda mais dura que a de 2011. Acredito, no entanto, que nem essa ilusão breve nos seria permitida. Os mercados estão vigilantes e já nos mostraram como podem de um dia para o outro negar o financiamento de que Portugal precisa para continuar a crescer. E o que diriam os nossos parceiros europeus que agora olham para nós com renovada confiança? Que afinal Portugal não tinha mudado, apenas tinha aceite as restrições quando não tinha alternativa e que sem essa vigilância externa, permanente, voltaria aos erros passados.

Acreditamos que essa não é de facto a vontade dos Portugueses. Que o terceiro programa de ajustamento em menos de 40 anos de democracia foi o último e que mudámos de vida, para melhor. Porque o que recuperámos é sólido e é a base de um futuro sempre melhor, porque o pior já passou mas a fatura dos erros passados é ainda pesada e exige consistência na ação e determinação nos objetivos.

O programa de estabilidade e o programa nacional de reformas que o governo apresentou na Assembleia da República e enviou para Bruxelas em abril deste ano constituem a referência macro-orçamental e a continuação do caminho de reformas iniciado nesta legislatura. São a base sobre a qual foi construído o programa eleitoral com que a coligação PSD-CDS se apresenta às próximas eleições. O programa de estabilidade foi avaliado, tanto nos seus pressupostos como nas suas conclusões, pelo Conselho de Finanças Públicas, pela UTAO e pela Comissão Europeia. Não nos limitamos a afirmar que é credível, sujeitámos os nossos números ao escrutínio independente destas entidades. E ao longo destes quatro anos aumentámos a transparência das contas públicas, permitindo a todos que acedam a toda a informação. Disponibilizámos o orçamento numa aplicação interativa que permite que todos possam saber de onde vêm as receitas do orçamento do Estado e onde se gasta o dinheiro. Promovemos ativamente o escrutínio da ação governativa porque acreditamos que os cidadãos merecem ter toda a informação para poderem avaliar adequadamente a forma como desempenhamos as funções que nos foram confiadas pelo seu voto. A credibilidade, como a confiança, não se proclama, nem se reclama, merece-se.

Nos próximos quatro anos, os partidos que compõem a coligação Portugal à Frente querem continuar o trabalho iniciado nos últimos quatro. Manter a disciplina das contas públicas, como condição de base, indispensável ao crescimento, à criação de emprego, à confiança dos Portugueses, dos nossos parceiros e dos mercados. Queremos prosseguir as reformas estruturais iniciadas, usar de forma cada vez mais eficiente os recursos públicos, respeitando o esforço que os cidadãos fazem ao pagar impostos. Queremos garantir o SNS acessível a todos, com qualidade, sustentável, sem acumular dívidas imensas que resultam no aumento dos custos e na deterioração dos serviços. Queremos uma escola inclusiva, com liberdade de escolha mas que dê a todos oportunidade de chegar tão longe quanto o seu mérito permitir. Queremos uma justiça mais célere, porque só assim será mais justa. Queremos uma sociedade menos desigual do que Portugal tem sido historicamente, apoiando quem mais precisa mas sempre promovendo a autonomia e o esforço individual que permite escapar à armadilha da pobreza. Queremos ser cada vez mais competitivos, sem proteções artificiais e insustentáveis num mundo globalizado. Queremos ser uma voz respeitada na Europa, ser um parceiro de pleno direito, no respeito pelas regras que ajudámos a definir e a que nos comprometemos voluntariamente. Queremos continuar a atrair os estrangeiros que procuram Portugal para trabalhar ou para passar férias, e cada vez mais para investir. Queremos continuar a ser um dos países mais seguros do mundo.

E acreditamos que o percurso traçado nestes duríssimos quatro anos nos permite dizer que somos capazes de continuar a caminhar de forma segura para atingir todos estes objetivos.

A nossa ambição é grande, mas acreditamos que é a ambição de todos os Portugueses. Tanto dos que vivem em Portugal, como daqueles que, recentemente ou há mais tempo, procuraram oportunidades noutros países. Queremos continuar a construir um país mais próspero, mais justo, mais competitivo e mais livre. Com todos os Portugueses.

Muito obrigada.

 
Simão Ribeiro

Muito obrigado, senhora Ministra.

Passamos agora às perguntas.

Grupo Bege, Hugo Alves.

 
Hugo Alves

Eu antes de mais gostaria de cumprimentar a senhora Ministra e agradecer as suas palavras para connosco.

Relativamente ao tema de hoje, a sustentabilidade das finanças públicas, e como a senhora Ministra acabou de referir, acaba-se sempre por invocar conceitos como o equilíbrio orçamental, a diminuição da dívida pública, a disciplina e as próprias reformas e restruturações necessárias.

Como estamos perto das legislativas, há uma questão que tem sido levado a cabo pela oposição: o IVA da restauração. Foram já feitos vários relatórios, e mesmo diretivas quer da União Europeia quer do próprio Parlamento Europeu, que sustentam que a redução da taxa do IVA poderá sempre aumentar o crescimento económico, diminuir o desemprego e – de uma forma simbiótica – aumentar o emprego jovem. Inclusivamente, tendo em conta medidas que já foram adotadas no combate à evasão e fraude fiscal, neste momento temos uma taxa de cumprimento que acaba por ser aceite ao nível de 98% do cumprimento fiscal por parte do setor da restauração, hotelaria e similares.

Apresentamos também uma taxa de IVA que acaba por estar muito longe das que são praticadas na Zona Euro. Foi agora também aplicada na Grécia, mas como forma de obter receita "mais rápida”.

A minha pergunta é esta: tendo em conta todos os relatórios, diretiva e pareceres elaborados por entidades que serão de reputar como idóneas; tendo em conta que todos esses relatórios acabam por defender o próprio crescimento económico, o aumento do emprego, a redução do custo da própria Segurança Social; o facto dos demais países da UE apresentarem uma taxa substancialmente inferior – como o caso da Irlanda, em que a baixa da taxa criou 100 mil postos de trabalho, salvo erro; tendo também em conta os princípios do nosso ordenamento tributário e fiscal; e terminando, tendo em conta a própria natureza do IVA, no caso da restauração, das operações realizadas a montante e a jusante, operações dedutivas e a própria liquidação, não considera que a taxa de IVA a 23% - não obstante a necessidade de obtenção de receita fiscal, acaba por ser um valor elevado neste setor do nosso tecido económico?

Obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Esta questão já tem sido muito debatida, a do IVA da restauração.

A vontade do governo é de reduzir a carga fiscal mas estabelecemos um conjunto de prioridade. Ou seja, onde começaríamos por reduzir os impostos, quais deviam ser essas prioridades.

Se for possível ter um IVA inferior de 23% ótimo. Na restauração e nos outros setores todos. A nossa prioridade foi começar por descer o IRC para todas as empresas. Recordo que a sobretaxa de IRC – aquela taxa adicional que incide sobre lucros de maior montante de mantém. Ou seja, as empresas com maiores lucros continuam a pagar mais, mas o IRC reduziu-se para todas as empresas. Incluindo para as empresas do setor da restauração, naturalmente.

E demonstrámos que com essa descida – que corresponde a um compromisso assumido, conseguimos um aumento de investimento e também da receita do IRC. A nossa segunda prioridade foi moderar o IRS, em particular para as famílias com dependentes a cargo. Ascendentes ou descendentes. Isto para dar também um sinal que queremos promover a natalidade, ajudar as famílias com filhos, para que tenham uma vida mais facilitada.

Sabemos que o incentivo fiscal não é o suficiente mas é um sinal importante a que juntamos outras medidas nesse sentido.

Queremos que o nosso caminho seja esse de ir reduzindo progressivamente a carga fiscal. Mas queremos fazê-lo de forma a incentivar a produção, o investimento, olhando com particular atenção para os setores transacionáveis. É verdade que o aumento da eficácia da máquina fiscal, o aumento da eficácia das medidas de combate à fraude, permitiram aumentar significativamente a receita, incluindo do IVA e da restauração, mas precisamos de continuar nesse caminho.

Aquilo que nós observamos neste momento é que temos um aumento da atividade em todos os setores – incluindo no setor da restauração – apesar de a taxa do IVA estar ainda nos 23%.

Esta não é uma prioridade nossa. Entendemos que a forma como a economia está a evoluir, a recuperação do rendimento dos portugueses e o aumento do número de turistas, tudo isso contribui para que se melhore também a margem do setor da restauração e a capacidade de criar emprego. Quando se puder baixar o IVA – e não é uma promessa que estamos a fazer para agora, não encontramos para já espaço para tomar essa medida – gostaríamos de o poder fazer para todos os setores de atividade. E não só para a restauração.

Já discutimos essa matéria. Eu sei que há imensos estudos. Aliás, há sempre muitos estudos a documentar muita coisa.

Já agora, que estamos só entre nós, reparei que na quantificação das medidas do PS, a descida do IVA da restauração provoca uma perda de receita que é constante.

O que é uma coisa que me faz imensa confusão, porque supostamente se a perda da receita leva a um aumento de emprego, isso deve levar a um aumento da atividade, já que em princípio não se empregam mais pessoas para fazer o mesmo trabalho. Ora, se a atividade aumenta, como é que a queda da receita é igual ao longo do prazo todo?

Enfim, falando de credibilidade, de rigor das contas, de transparência, entre outros, veio agora a propósito dessa pergunta.

Obrigada.

 
Simão Ribeiro

Mais uma vez, sem prejuízo obviamente do conteúdo das vossas questões, pedia que fossem efetivamente diretos e objetivos.

Temos a seguir o João Pedro Matias do Grupo Rosa.

 
João Pedro Matias

Boa tarde.

O Grupo Rosa preocupou-se com dois temas em relação a esta questão: a evasão fiscal e a opinião generalizada de que os portugueses não associam a despesa pública àquilo que é a carga fiscal.

Deste modo, no seu entendimento, qual foi a razão mais decisiva para a redução da evasão fiscal: a fatura da sorte e os benefícios fiscais associados às medidas, ou a consciencialização por parte da população portuguesa da necessidade de pagar impostos?

Muito obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Muito obrigado, João Pedro Matias.

Gostaria de acreditar que é um bocadinho de tudo e de preferência a última, da consciencialização, mas genuinamente acho que é verdade.

Esta crise, para já tornou toda a gente mais atenta às matérias orçamentais, aos juros da dívida pública e passámos a seguir todos quotidianamente com mais atenção estas matérias que antes não eram seguidas da mesma forma. Isto criou, de facto, nas pessoas uma consciência mais clara da importância que tem todos cumprirem as suas obrigações fiscais, para que a cada um possa ser pedido um esforço menor.

As medidas como a fatura da sorte ou os benefícios fiscais ajudam, ou seja, constituem um estímulo que para além da consciencialização dá uma vantagem adicional.

No caso da fatura da sorte, atendendo ao apreço que os portugueses têm por carros - que é uma coisa muito nossa, bastando ver como quando a economia recupera as importações de vendas de carros disparam imediatamente -, o facto de serem sorteados carros seguramente também estimula a que as pessoas peçam fatura cada vez que fazem alguma compra. Revelou-se uma medida eficaz e de um enorme retorno, porque o custo dos carros comparado com a vantagem fiscal da possibilidade de cruzarem informação e de reduzirem significativamente a fraude e a evasão fiscal, de facto ajudou muito.

Mas isso também muda, além das consciências, os hábitos. Hoje, vamos às lojas e na maior parte dos sítios perguntam se quer fatura com o número contribuinte e a maior parte das pessoas diz que sim.

Mesmo depois se um dia desaparecer a fatura da sorte, o hábito fica. Portanto, estes mecanismos são importantes para introduzir determinados hábitos diferentes nos cidadãos, mas acredito também que há uma maior consciência. Como os impostos pesam muito e custam a pagar, as pessoas têm uma maior consciência da relação que se estabelece entre o dinheiro que se quer gastar e aquilo que é preciso pagar em impostos para sustentar a despesa pública.

Isso cria uma pressão adicional para a redução de despesa em áreas que não são essenciais e julgo que quando os portugueses olham para as propostas dos partidos também olham para ver quem é que se propõe aumentar a despesa e quem é que se propõe controlar a despesa. Porque já perceberam que aumento de despesa dá aumento de impostos, fatalmente, mas também por uma consciência de cidadania que se vai aprofundando.

A nossa democracia ainda é relativamente jovem. A era da informação - todos termos acesso - é uma coisa que vos parece que sempre existiu mas eu que também ainda não sou assim tão velha, garanto-vos que é uma coisa mesmo bastante recente.

Tudo isso ajuda a ter essa consciência e precisamos de continuar a trabalhar para que assim seja, naturalmente.

 
Simão Ribeiro
De seguida, a Maria João, do Grupo Azul.
 
Maria João Podgorny

Muito boa tarde. A nossa pergunta vem na continuidade do que falámos agora. Prende-se com a questão da literacia financeira. Porque, como disse, há uma maior consciencialização, efetivamente, da ligação entre as receitas e as despesas. Mas temas como a dívida soberana, as emissões de dívida e a fiscalidade na sua totalidade são temas bem complexos que hoje em dia estão no coração do debate político.

Se estivermos de acordo para dizer que estes são temas que vieram para ficar, o que é que se pode fazer, o governo e a sociedade civil, para aumentar a literacia financeira de todos nós, a compreensão desses temas e assegurar que o debate é informado e inclusivo?

Obrigada.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Maria João, é uma excelente pergunta. Enfim, há respostas fáceis em termos de palavras que possa dizer aqui, mas no concreto estamos a falar de um problema que é complexo.

A literacia financeira deve começar na escola. Ou seja, é importante que as crianças tenham logo desde cedo a noção do dinheiro, de quanto é que é preciso para gastar nalguma coisa e que façam até nos problemas de aritmética e depois de matemática, que usem exemplos associados à gestão do orçamento. Pois, na prática, a gestão do orçamento é algo com que todos nós nos confrontamos, que mais não seja o nosso orçamento pessoal, ou o da nossa família, ou da nossa empresa, ou, no meu caso, o orçamento do Estado. Em termos dos princípios básicos, a lógica não difere muito, obviamente com as diferenças que têm de ser salvaguardadas.

É importante que efetivamente se perceba, ou que se aumente o grau de informação e compreensão sobre estas matérias. Nomeadamente no que diz respeito à dívida. É uma matéria que tem sido muito debatida em Portugal, nomeadamente com um debate que agora também já desapareceu aparentemente das propostas do PS, mas andou por lá muito tempo, aliás até com algumas pessoas que agora subscrevem este cenário, que era o tema da reestruturação da dívida.

Esse tema desapareceu da discussão, mas não deixa de ser importante que se esclareça por que razão é que a dívida é alta, o que podemos e devemos fazer para a reduzir e quais são as consequências de medidas mais drásticas.

Essa discussão, para lá da discussão político-partidária, em termos de informação para as pessoas, é de facto uma discussão importante.

Como eu disse na minha intervenção inicial e é uma expressão que eu utilizo com frequência: a dívida é a memória dos défices passados. Aquilo que nós temos de dívida é tudo o que no passado gastámos a mais do que aquilo que tínhamos e que tivemos de pedir emprestado. Isso foi acumulando até ao stock da dívida que temos hoje, porque o défice é um fluxo. Todos os anos temos uma determinada diferença entre receitas e despesas.

Sendo défice significa que a despesa é superior à receita, mas a dívida é um stock , pois a cada ano em que há défice juntamos mais uma parcela à dívida.

É por isso que ela tem vindo sempre a crescer, porque temos vindo sempre a ter défices. A conclusão lógica deste raciocínio é que para que a dívida diminua temos de passar de ter défices para passar a ter excedentes orçamentais.

Aqui também podemos separar em duas análises distintas: uma coisa é a dívida em percentagem do PIB e outra coisa é a dívida em valor absoluto em euros.

A dívida em percentagem do PIB, ou seja, a dívida em valor absoluto, enquanto houver défice e na ausência de receitas extraordinárias, aumenta sempre. Acrescentam sempre mais euros, infelizmente aos milhares, ou milhares de milhões, e aumentam sempre enquanto houver défice.

Mas a dívida em percentagem do PIB pode diminuir se o ritmo de crescimento da dívida, do numerador, for inferior ao ritmo de crescimento do denominador, ou do PIB.

Quanto maior for o crescimento, mais fácil é promover a redução da dívida. Devemos olhar para as duas formas de analisar a dívida, percebendo bem a diferença entre as duas. Para que se reduza em termos absolutos temos de ter um excedente orçamental; para reduzir em percentagem do PIB, como estamos a falar de duas taxas de variação, é preciso que a taxa de variação de dívida seja mais pequena que a taxa de variação do PIB. Para isso temos de ter, antes de mais, excedente primário.

Ou seja, quando olhamos para as receitas e despesas do Estado temos de conseguir que as receitas sejam suficientes para cobrir pelo menos uma parte dos juros. A despesa primária é a despesa do Estado excluindo os juros. Se conseguirmos que a receita seja suficiente para cobrir isso, mais uma parte dos juros, já estamos a conter o efeito de crescimento da dívida pública em percentagem.

Quando olhamos para as previsões que estão incluídas no Programa de Estabilidade apresentado por este governo, verificamos que a nossa previsão para 2019 é de ter já um excedente orçamental.

Portanto, quando olhamos para o nosso percurso, para a evolução do nosso saldo orçamental, esperamos em 2019 ter mais receita do que despesa, juros incluídos. Isso permitirá reduzir a dívida, não só em percentagem do PIB, mas mesmo em valor absoluto, baixá-la efetivamente.

Isso é a forma como nós defendemos que a dívida pública deve ser abordada e deve ser reduzida.

Porque se fôssemos para uma abordagem diferente, de uma reestruturação da dívida, o que é que isso significa na prática? Que iríamos junto dos nossos credores dizer que não íamos pagar aquilo que prometemos e ainda por cima precisávamos que nos emprestassem mais qualquer coisa.

Não é uma conversa muito fácil de fazer e sobretudo não é nada fácil que quem está do outro lado ache que esta é uma conversa séria. Porque uma coisa é dizer que não pago e não peço mais nada, já é mau, mas agora dizer que não pago e ainda peço mais, é muito difícil achar que os credores estarão dispostos a um exercício dessa natureza. Sobretudo se estivermos a falar de credores de mercado, de pessoas que aplicam os fundos de pensões, as poupanças recolhidas junto dos cidadãos e das empresas para que elas tenham retorno e que o capital lhes volte com algum rendimento.

Portanto, num país que continua a depender do financiamento externo, que está integrado numa moeda única e que quer continuar a beneficiar de taxas de juros baixas nos mercados, a resposta tem de ser disciplina das contas públicas para baixar a dívida. Porque isso permite-nos manter os juros baixos, ir substituindo dívida antiga a juros mais altos por dívida nova a juros mais baixos, reduzindo o custo orçamental e assim contribuir cada vez mais para que a dívida diminua.

Da mesma forma que há um efeito negativo com o descontrolo das contas públicas que acelera o processo do aumento da dívida também há um efeito positivo ou um ciclo virtuoso quando conseguimos manter as contas públicas disciplinadas, que é acelerar o efeito da redução da dívida. Porque isso em si gera um conjunto de efeitos positivos, não apenas para o Estado e o orçamento, mas para todos os agentes económicos como empresas e cidadãos porque todos têm como referência o custo de financiamento do Estado.

Se o Estado se financiar mais barato, os bancos financiam-se mais barato, as empresas financiam-se mais barato, têm maior rentabilidade, produzem mais, criam mais emprego e há toda uma dinâmica positiva associada à sustentabilidade das contas públicas. Por isso é que pretender dizer que manter o défice controlado é uma opção ideológica, não é nenhuma opção ideológica; ideologicamente também defendo, mas não tem opção absolutamente nenhuma, pois é uma questão de bom senso e de boa gestão.

A boa gestão não tem ideologia, é boa gestão, é poupar recursos futuros e conseguir fazer melhor com os recursos que se tem.

É importante transmitir estas mensagens às pessoas. Como é que podemos promover a literacia financeira nestas matérias mas também noutras? Também para que as pessoas tenham consciência de que quando aplicam as suas poupanças, o que são aplicações de risco e o que não são, para que tenham aquilo que se chama de "desconfiómetro”. Quando alguém lhe diz que isso paga mais mas não tem nenhum risco, isso devia fazer tocar campainhas na cabeça de toda a gente.

Aliás, há um ditado popular que diz que "quando a esmola é grande, o pobre desconfia”. Quando se diz que se tem um produto mesmo bom, que paga uma taxa muito mais alta, mas que não tem risco absolutamente nenhum, na cabeça de qualquer pessoa devia surgir a dúvida de que se não tem risco porque é que pagam mais. Essa associação imediata devia ser feita. Isso consegue-se com explicação, repetição da explicação através dos meios a que as pessoas têm acesso.

Como digo, na escola é obviamente importante e é importante desde cedo, porque depois quem vai estudar Economia ou Gestão tem esses conceitos, mas para quem vai estudar outras coisas, se calhar, passa um bocado ao lado. Mas é também importante que seja transmitido através da televisão, das redes sociais, que haja uma consciencialização generalizada da importância de as pessoas perceberem os conceitos associados ao dinheiro.

E que cada um de nós tenha noção de que os problemas do orçamento do Estado são de todos nós. Não é um problema do governo. Se o défice derrapa não é um problema do governo, é um problema dos portugueses, dos cidadãos, porque quem vai sofrer as consequências são os cidadãos todos, incluindo os membros do governo.

Portanto, essa noção torna-nos cidadãos mais exigente para com os governos e nós temos feito um esforço muito grande para disponibilizar essa informação, fazendo por exemplo o orçamento do cidadão.

Se forem à página da Direção Geral do Orçamento encontram lá a possibilidade de analisar todas as despesas e todas as receitas por ministério, por programa, por função, de acordo com a classificação económica, com a classificação funcional, encontram tudo nesta aplicação interativa.

Há, de facto, informação para se poder acompanhar esta matéria.

Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Marta de Madureira

Boa tarde. O governador do Banco de Portugal afirmou que Portugal devia assumir os problemas das finanças públicas. Acha que deve haver um programa que permite proteger as finanças públicas das oscilações partidárias e da composição do governo?

Obrigada.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Marta. Suponho que uma forma de responder a essa pergunta será que sim, que achamos que a Regra de Ouro deve estar na Constituição.

Achamos que é de facto fundamental, pelas consequências que o descontrolo das finanças públicas tem, que haja limites concretos à ação governativa, independentemente de quem sejam os governos.

Naturalmente, temos de permitir espaço na democracia para opções diferentes, mas sempre com limites. Porque, independentemente das razões que estiveram ou estejam na base do descontrolo orçamental, a verdade é que sabemos por triste e dura experiência que os seus impactos se fazem sentir sobre toda as pessoas.

A nós dizem-nos muitas vezes que só nos preocupamos com os números e não com as pessoas, mas quando alguém não se preocupa com os números quem sofre são as pessoas. Os números não sofrem, estão lá no papel, mas as pessoas sofrem, porque os números são aquilo que garante que há dinheiro para pagar salários e pensões, para manter a economia a funcionar, o serviço nacional de saúde, a segurança social, as escolas, a segurança e tudo aquilo que nós prezamos.

É o controlo e respeito pelos números que nos permite o respeito pelas pessoas. Quem achar que pode ignorar os números, dizendo que só se preocupa com as pessoas, ou está muito enganado, ou - como eu acredito - está a tentar enganar, o que é bastante pior. Portanto, sim, defendemos que deve haver uma limitação àquilo que é a livre escolha, ou a margem de manobra que deve existir para todos os governos livremente eleitos, mas que de qualquer forma também vai ao encontro daquilo que são as restrições a nível europeu nesta matéria, que nós aceitámos ao entrar para uma moeda única e ao aceitar subscrever o tratado orçamental que na altura, a propósito, também não mereceu objeção por parte do Partido Socialista.

Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Simão Ribeiro

Quem fala assim, fala muito bem. Isto para um jovem soa a música.

De seguida, a Ana Vieira, do Grupo Laranja.

 
Ana Vieira

Boa tarde. Tem-se falado diversas vezes da emissão da dívida pública a juros negativos. Gostaríamos de saber que benefícios é que essa emissão dos juros negativos poderá trazer para o país.

Obrigada.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Ana.

Vamos por partes. Em termos práticos, emitir dívida a juros negativos significa que emprestamos dinheiro a alguém e que em vez de sermos nós a pagar, pagam-nos eles. Isso é a tradução dos juros negativos: pedimos cem emprestados e quando chegar a altura de devolvermos vamos devolver menos de cem. Desse ponto de vista, o efeito direto nas contas públicas é positivo.

Significa o facto de termos feito emissões a taxas de juro negativo, apesar de ser num prazo muito curto, que efetivamente estamos a substituir dívida que tinha juros positivos que tínhamos de pagar por dívida em que nos pagam para nos emprestarem o dinheiro. Basicamente, é como se cobrássemos por tomar conta do dinheiro dessas pessoas ou entidades.

Isto é o que significa na prática e tem um efeito imediato positivo nas contas públicas.

O que é que significa em termos macroeconómicos e mais a prazo? Que alguma coisa não está a funcionar como era suposto. Ou seja, a dívida pública não é um cofre onde nós depositamos o dinheiro para não nos roubarem, é uma forma de aplicação de recursos.

Portanto, quando estamos num ciclo absolutamente normal de crescimento económico, quando há inflação, o normal é que efetivamente pague uma taxa de juro, que deve ser baixa para as contas públicas. Quanto mais baixa for, mais isso significa que há confiança de quem nos empresta dinheiro, porque não é preciso pôr ali um prémio de risco. É a tal questão de se o juro é muito alto é porque há-de haver ali algum risco, portanto, quanto menos risco houver menos temos de pagar por essa dívida que contraímos.

Mas em circunstâncias normais da evolução da economia as taxas devem ser positivas, porque significa que temos uma inflação normal e que o ritmo de crescimento também é normal.

Nesta fase, face à recessão profunda que o Mundo atravessou, em particular a Europa, que começou com a crise financeira em 2007, mas que depois se transformou na crise das dívidas soberanas, assistimos a um período de ameaça de deflação e o BCE tomou medidas muito agressivas para estimular de novo a inflação.

Esse perigo da deflação parece estar afastado, pois vemos a inflação a convergir lentamente para aquilo que deve ser o valor objetivo dos 2% e, portanto, as taxas negativas também tenderão a desaparecer à medida que haja esta normalização.

Em qualquer caso, o contexto é o mesmo para todos os países e alguns beneficiam de taxas fortemente negativas, até em prazos mais longos, outros nem a curto-prazo lhes emprestam dinheiro a taxas altas, quanto mais com taxas negativas.

Portanto, separando os dois efeitos: como situação de longo-prazo não é desejável porque reflete uma fase que não é a melhor; a curto-prazo, face às medidas tomadas, com Portugal ter conseguido pôr-se na situação de beneficiar desse aspeto, é claramente um ponto positivo a destacar.

Enquanto estamos nesta fase de recuperação da deflação e crescimento, podermos beneficiar de taxas negativas, é obviamente um sinal de que os mercados confiam em nós e tem impactos positivos óbvios no orçamento de Estado, logo, no bolso de todos nós.

Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Simão Ribeiro
Segue-se a Beatriz Almeida, do Grupo Castanho.
 
Beatriz Almeida

Boa tarde. Apesar de ter referido muitas melhorias em termos económicos ao longo destes quatro anos, um dos problemas que o país atualmente sofre é a fuga de jovens qualificados. Pergunto-lhe que medidas é que acha que deveriam ser adotadas para promover o emprego e capitalizar a formação de excelência oferecida aos jovens portugueses.

Obrigada.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Beatriz. Este é um ponto que para vocês é particularmente relevante. Mais uma vez, vamos por partes. Primeiro, vocês, jovens, devem ter como horizonte o Mundo. Não há nenhuma razão para que jovens qualificados, portugueses ou de outro país europeu, que falam inglês, que cresceram na era da Internet, que têm o programa Erasmus, não queiram ir lá para fora, ver o Mundo e ganhar outras experiências.

Portanto, sair à procura de experiências, crescimento, oportunidades, não é mau em si mesmo. Da mesma forma que esperamos poder atrair a Portugal jovens de outros países que queiram vir ganhar essa experiência, esse conhecimento, esse Mundo, para Portugal.

Este intercâmbio é enriquecedor. É importante que os jovens tenham contacto com outras realidades, isso ajuda-os a quando voltarem serem cidadãos frequentemente mais conscientes, mais participativos e mais ativos. Trazem experiências que partilham, novos métodos de trabalho e portanto há muito de positivo na circulação de jovens qualificados.

A sua pergunta, no entanto, parece que vai mais no sentido de como evitar que os jovens que não querem ir saiam, ou que aqueles que foram e gostavam de voltar como promover que voltem. Essa é que é a questão que nos deve interessar de facto. Não é tanto impedir que os jovens vão. Como já tenho dito mais do que uma vez, com certeza que se nós ensinamos inglês às nossas crianças desde os cinco anos e promovemos o programa Erasmus não é para elas ficarem a estudar e a trabalhar a vida toda no bairro onde nasceram, não é esse o objetivo.

Mas queremos de facto que o país ofereça oportunidades aos jovens para começarem cá se quiserem, ou para irem lá fora e depois virem para cá, como acharem mais adequado. Isso consegue-se sobretudo promovendo o crescimento do país, porque quando o país cresce gera oportunidades para todos. Por definição, gera mais oportunidades para os jovens. À medida em que vamos aumentando a flexibilidade do mercado laboral, que pode tender a privilegiar demasiado quem está e a excluir demasiado quem ainda não entrou, esse caminho também está a ser feito.

Os jovens são mais dinâmicos, mais adaptáveis, frequentemente mais qualificados e, portanto, numa economia que cresça os jovens encontram oportunidades.

Aquilo que nos cabe fazer enquanto governo, é essencialmente promover o crescimento sempre com a base sólida das finanças públicas, que deitam tudo abaixo e por isso essa âncora nunca se pode perder de vista. Mas promover o crescimento das empresas e do emprego, que necessariamente terá efeitos positivos para os jovens.

Depois, também é importante que os jovens escolham estudar aquilo que gostam, com a intenção de fazerem aquilo que gostam, mas que tenham noção de que se todos gostarem de um curso que não tem saída profissional não haverá grande coisa que se possa fazer.

Portanto, ninguém pede a um jovem que vá estudar uma coisa que detesta só porque isso lhe dá a possibilidade de um emprego, mas uma combinação sensata do que se gosta com a empregabilidade, não é má ideia, sobretudo quando falamos em grandes números. Foi divulgado este ano quais são os cursos que têm maior taxa de empregabilidade. Também é uma informação importante para saber como gerir as expectativas.

Portanto, é um conjunto de todas estas medidas de orientação sem determinação, obviamente, e respeitando a liberdade de escolha individual, mas de orientação dos jovens para as áreas em que o mercado de trabalho tem mais capacidade de absorção dessa mão-de-obra, porque isso potencia a capacidade de encontrarem não só um emprego, mas um bom emprego. Porém, também fazer com que os jovens sejam dinâmicos - tenho de dizer isto com cuidado para não ser mal interpretada, mas vou usar o meu próprio exemplo. Quando comecei a trabalhar comecei a dar aulas, acabei o curso e fiquei a dar aulas e a fazer o mestrado. A dada altura decidi que queria ter uma outra atividade profissional que não apenas a atividade académica e comecei à procura de um emprego. A primeira oportunidade que me surgiu foi no mês de Agosto que era supostamente o meu mês de férias, em que me disseram para eu ir trabalhar nesse mês e se gostassem, contratavam-me e pagavam-me, mas se não, ficava lá o mês de Agosto e não me pagavam nada. Fui, achei que era uma proposta justa, porque pensei que de facto tinha de mostrar e depois pagarem-me alguma coisa.

Reparem que não estou a promover que os jovens trabalhem à borla ou que sejam mal pagos, não é nada disso, mas é a noção que tem de ser interiorizada de que eu não posso simplesmente achar que mereço porque sim. Ninguém merece porque sim, as pessoas fazem por merecer, trabalham para isso, demonstram.

Às vezes não se começa a trabalhar na nossa área de formação, o meu primeiro emprego foi numa consultora imobiliária, que não tem nada a ver com a minha área de formação, mas aprendi. Foi um sítio útil por onde passei, foi uma boa experiência de trabalho e daí parti para outras coisas.

Portanto, há aqui também uma questão de devermos ter mais abertura às oportunidades, começar às vezes numa coisa um bocado diferente enquanto se procura outras oportunidades.

Portanto, é a conjugação de uma coisa que faz sempre muita falta, que é o bom senso, naturalmente, com o crescimento económico, o aumento do dinamismo da economia, para que as oportunidades sejam cada vez mais e melhores.

Devemos sim, sempre, continuar a apostar na formação dos nossos jovens, dando-lhes as qualificações adequadas ao mercado de trabalho. Não têm de ser todas no ensino superior, não só só licenciados que fazem falta, precisamos ainda de muitos mas também precisamos de muitos profissionais não-licenciados, mas que tenham aprendido uma profissão e que tenham ganho uma qualificação própria para aquilo que se propõem a fazer.

Não é um desafio fácil. O desemprego jovem tem vindo a descer, mas atingiu de facto valores muito, muito, elevados, mas é sobretudo com o crescimento que isso se consegue combater e com uma maior diversificação das ofertas formativas. Por exemplo, para o ensino profissional e vocacional que foi algo que promovemos muito ao longo desta legislatura e também orientando os jovens no sentido de saber quais são as áreas de formação que o mercado de trabalho mais precisa e onde será mais fácil encontrar emprego.

Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Simão Ribeiro
Temos agora o Laurindo, do Grupo Roxo.
 
Laurindo Frias

Boa tarde à senhora Ministra, é sempre bom ter uma mulher de armas aqui na nossa universidade.

O nosso grupo vem falar hoje sobre o empreendedorismo, que é uma palavra que entrou em moda desde que entrámos na crise. Basicamente, toda a gente fala sobre empreendedorismo, nomeadamente pessoas que ocupam altos cargos, que dizem que os jovens têm de ser empreendedores e que é bom sê-lo.

Quando queremos a sério empreendedores, o que notamos é que é preciso muito tempo e muito dinheiro. Porque não se pode começar uma empresa com o dinheiro que o pai dá de mensalidade.

O que estamos a assistir é que, apesar de haver a dita iniciativa dos jovens, não existe resposta para a falta de dinheiro. Claro que eles precisam de se esforçar ao máximo e há casos de sucesso, sem dúvida, mas muitos ficam pelo caminho porque não há dinheiro e o próprio tempo, devido à burocracia, entre outros obstáculos.

Sendo eu dos Açores, o estado em que está é muito pior devido à insularidade e ao próprio governo regional que basicamente gosta de fazer concorrência aos nossos jovens com as suas empresas. Então, deixamos a seguinte pergunta à senhora Ministra: quais são as propostas ou ideias do próximo governo para tentar diminuir essas dificuldades que os jovens sentem quando querem começar as suas empresas, as suas start-ups , como costumam dizer.

Obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Laurindo. Sim, imagino que numa região ultraperiférica as dificuldades possam ser exacerbadas, acredito que sim.

"É preciso muito tempo e muito dinheiro para ser um empreendedor”, depende do tipo de empreendedorismo que estejamos a falar. Há empresas de sucesso que começaram com relativo pouco dinheiro, mas é também verdade que uma percentagem muito elevada dessas iniciativas empreendedoras não dão em nada.

Sejamos razoáveis: uma boa parte delas não dá em nada porque as ideias também nem eram boas. Porque é assim mesmo, as ideias não são todas boas, por definição. Portanto, é importante que haja filtros. Não é simplesmente dizer "sou jovem, tenho um projeto e preciso de dinheiro”, tem de ser mais do que isso, tem de haver um mínimo de demostração de viabilidade.

Naturalmente que nem todos os projetos que parecem viáveis vão revelar-se viáveis, mas há muitos projetos que ficam pelo caminho que devem ficar pelo caminho.

Depois, é importante que existam mecanismos de incentivo públicos, que existem, ao empreendedorismo. Junto das universidades há programas que promovem essas iniciativas de empreendedorismo, em que fazem a associação entre a investigação na universidade e a aplicação prática das ideias com utilidade para empresas. Portanto, é explorar estas sinergias entre empresas e universidades, e muitas start-ups surgem precisamente nesse contexto.

Também temos, por exemplo, os mecanismos de crowdfunding que não é algo promovido por governo nenhum mas que surgiu espontaneamente e acaba por ser a resposta para determinados investimentos, sobretudo de dimensão não muito elevada. Mas, também aqui, a resposta passa muito pela melhoria das condições generalizadas.

Ou seja, o que queremos que seja o financiamento da economia para as empresas empreendedoras mas também para as empresas já instaladas? Que haja um preço adequado, isto é, que o preço que uma empresa paga pelo crédito que pede seja adequado ao nível de risco que essa empresa apresenta e que seja diferenciado.

Aquilo que assistimos durante a crise e ainda um pouco, embora já se tenha reduzido bastante, era que uma empresa em Portugal exatamente igual a uma empresa na Alemanha tinha e tem ainda custos de financiamento mais elevados; mas essa diferença já foi brutal. Ora, o que é que estava aqui? Era o risco da economia no seu todo a ser a principal parcela do preço do juro que era cobrado à empresa. Portanto, a primeira parte do esforço é nessa primeira parcela.

Voltando à pergunta de há bocado, das taxas de juros negativas, o que é que isso quer dizer? Quer dizer que essa primeira parcela já está muito mais diminuída com o recuperar da credibilidade e da confiança que os estrangeiros e também os nacionais têm em Portugal. Portanto, essa primeira parcela diminuiu. Depois, essa parcela de risco adicional, quando olhamos para os bancos, eles devem pôr o preço adequado à remuneração do risco.

Depois, conjugamos esta fontes de financiamento mais tradicional com outras alternativas de financiamento que por exemplo a instituição financeira de desenvolvimento também vai promover. Potenciam-se assim os fundos comunitários, fazendo uma gestão mais centralizada e racionalizada dos mecanismos que existem de apoio ao financiamento das empresas, e também de instrumentos de capital ou quase capital. Porque uma empresa não precisa apenas de financiamento, precisa também de capital.

Portanto, a conjugação de um contexto mais favorável que baixa essa primeira camada do custo de qualquer coisa, este conjunto de instrumentos permitirá aos investidores com boas ideias - só esses, pois não queremos financiar os outros - conseguir um financiamento mais baixo. Mas que vai dar trabalho sempre, vai. Isso não acho mal, porque basicamente nada do que vale a pena se consegue sem esforço.

Não digo encontrar dificuldades desnecessárias, mas ser preciso fazer esforço para conseguir lançar um projeto é bom, pois obriga a olhar com atenção para o projeto, obriga fazer esforço para o apresentar adequadamente àqueles que queremos convencer e obriga a saber onde é que têm de ir e a quem se devem dirigir.

Portanto, é preciso ter os incentivos certos e estes não significam tornar-se tudo demasiado fácil, mas sim criar o grau adequado de facilidade para fazer algum filtro das ideias e até da própria determinação logo à partida.

Porque às vezes a ideia era boa e o que falta é determinação. Se for tudo muito fácil, frequentemente desiste-se. Portanto, não é simplesmente deitar dinheiro para cima das coisas e achar que elas vão correr bem por causa disso. Mas temos a promoção da eficiência nos instrumentos existentes e a criação de instrumentos especificamente criados para esse segmento também para apoio ao capital inicial, já existem vários, mas vamos também continuar a apostar nessa frente. Mantendo sempre que aquela primeira fatia do custo depende do nosso desempenho conjunto e isso temos de continuar até baixar mais e sobretudo impedir que ela aumente outra vez.

Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Simão Ribeiro
Agora temos a pergunta do Emanuel, do Grupo Verde.
 
Emanuel Pereira
Boa tarde. A nossa pergunta é sobre exportações. Já ontem estivemos a dizer que a nossa balança externa é positiva desde 2013. Isso é algo que decorre apenas do aumento das exportações e da nossa competitividade perante o exterior ou também se deve ao declínio do poder de compra ao nível nacional, o que conduz a uma redução das importações?
 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Emanuel. São as duas coisas. Em termos simples, o que aconteceu com a crise? Verificámos que de facto os empresários são muito racionais e se conseguirem ter uma boa rentabilidade vendendo ao pé da porta, sem ter muito trabalho, é o que fazem. É uma questão de racionalidade, é assim mesmo.

Quando, no início da crise, o mercado interno contraiu muito por causa da quebra de rendimento mas também por uma mudança de atitude das pessoas, notem que o consumo caiu mais do que o rendimento disponível. Ou seja, houve um efeito de perda de rendimento que levou à quebra do consumo, mas houve também um efeito de receio e preocupação com o futuro, que fez com que as pessoas, mesmo aquelas que podiam gastar, não gastavam naquela fase.

Portanto, tivemos uma contração do mercado e consumo internos muito forte e isso levou a que muitos empresários que tinham bens e serviços que também poderiam vender para o mercado externo, basicamente pegaram nas pernas e foram à procura desses mercados.

Tenho conhecido alguns casos absolutamente notáveis de pessoas que não tinham conhecimentos lá fora, muitos até nem falavam inglês, mas lá foram à procura de mercados e muitos deles tiveram sucesso. Esse mérito, essa capacidade de reação rápida e eficaz dos nossos empresários é um ativo muito precioso que nós temos e que devemos enaltecer.

Mas é verdade que um primeiro impulso foi dado precisamente pela contração do mercado interno. Só que neste momento, o que estamos a assistir, já é mais do que isso. Ou seja, esses empresários que nessa altura e com esse impulso imediato procuraram mercados externos, hoje já têm uma rede construída, já têm contactos e mercados.

Não é o facto de conseguirem vender mais internamente que os vai fazer desistir desses mercados. Não quer dizer que não aconteça num ou noutro caso, mas na generalidade deles não vai acontecer.

Portanto, mesmo que a motivação inicial tenha sido a contração do mercado interno, que levou a mais exportações e a uma melhoria do saldo da balança, é verdade que há aqui um elemento estrutural da balança, que veio para ficar.

Quando olhamos para o saldo é a combinação das duas coisas: as exportações aumentaram e as importações diminuíram. Aliás, o que temos assistido agora nos dados mais recentes é que as exportações continuam a aumentar e isso é positivo, mas tivemos um crescimento muito significativo das importações.

Voltamos à história de os portugueses gostarem de carros, que eu falava há bocado. Aí nota-se imenso e não produzimos carros cá, ou produzimos poucos, e isso nota-se muito nas importações.

Mas também porque há o efeito de aumento de rendimento disponível, como o desemprego tem vindo a baixar, como houve reposição de parte das reduções salariais e também de parte das contribuições sobre as pensões e, portanto, isso aumentou o rendimento disponível.

Porém existe outro efeito: da mesma maneira que as pessoas na fase inicial tiveram medo e coibiram-se de consumir, agora nesta fase já têm mais confiança e esperança e pensam que agora já podem comprar aquelas coisas que queriam comprar há muito tempo.

Portanto, é a conjugação destes vários fatores. Qual é o ponto aqui? Olhando para dados mais recentes, é difícil perceber por que há quem ache que devemos estimular o consumo privado.

Ou seja, o consumo privado está a recuperar muito bem conforme está, não precisa de choques nem de estímulos adicionais. Choques adicionais terão impacto direto sobre as importações, porque, convenhamos que se os portugueses tiverem mais dinheiro, não vão comer mais pera de Alcobaça, vão comprar um carro, um tablet ou um iPhone , ou uma televisão nova, e tudo isso é importado.

Não vão, felizmente, gastar mais em comida, porque a generalidade das pessoas não está nessa fase e, portanto, vão ter tendência a consumir mais bens que são importados. Nós, naturalmente, como vivemos numa economia aberta e não-dirigista, não vamos dizer às pessoas que não podemos comprar carros ou uma televisão, nem vamos introduzir impostos alfandegários que já não existem.

Mas estimulá-los a gastar cada vez mais, com medidas específicas destinadas a isso, vai fatalmente voltar a desequilibrar a balança, mesmo que as exportações continuem a crescer. Portanto, quando se está a conduzir a política económica é preciso observar estes desequilíbrios e perceber onde é que os estímulos fazem falta.

Naquilo que já está a funcionar bem da forma que está, não é preciso gastar recursos públicos para dar estímulos adicionais. Se já está a correr bem, deixemos evoluir e concentremos os recursos que temos nas áreas que ainda precisam ser estimuladas.

Vamos concentrar esses recursos na promoção do investimento, em baixar a carga fiscal generalizadamente, porque isso permite não só mais algum consumo, mas mais investimento, mais criação de riqueza e mais criação de emprego.

Quando olhamos para a balança é a conjugação das duas coisas, há uma mudança estrutural em termos das exportações, que veio para ficar, mas olhando para o equilíbrio é preciso pôr os estímulos onde eles fazem falta e apontar as baterias para o lado certo. Senão voltamos a desequilibrar tudo e se tivermos estímulos direcionados só para o consumo, só para as importações, vamos de facto criar emprego mas não é cá, é no estrangeiro.

Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Simão Ribeiro
De seguida, o Ruben Reis, do Grupo Encarnado.
 
Rúben Reis

Muito boa tarde. A nossa pergunta é: que mecanismos legislativos podem ser utilizados para proteger a continuidade do programa da sustentabilidade das finanças públicas?

Obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Ruben.

O primeiro destes mecanismos legislativos é o tratado orçamental. Portanto, Portugal subscreveu o tratado e fez aprovar essa legislação na Assembleia da República, não na Constituição - que era a versão que nós preferíamos -, mas através de uma lei de valor reforçado, ou seja, superior em termos de hierarquia das leis.

Isso reflete a transposição para a legislação nacional daquilo que foi o acordo, o tratado, a que aderimos ao nível da área do Euro e que determina qual é o comportamento que as finanças públicas devem ter dependendo da situação económica.

Portanto, as regras do tratado orçamental começaram com a adesão ao Euro, como sabem, e de forma simples: 3% de défice, 60% de dívida em percentagem do PIB. Entretanto, complicaram-se, o que é necessariamente uma evolução no sentido certo, mas de facto complicaram-se.

Mas no essencial qual foi a razão por que se complicaram? Procurou-se evitar ter mecanismos completamente rígidos e dizer que o objetivo, ou melhor, o limite de défice é de 3%. Há aqui um vício de linguagem, que nós estamos tão habituados a ter défice há tanto tempo que já nos habituamos a que objetivo é ter menos de 3%, mas não, o objetivo é ter excedente; 3% é o limite máximo, aquele que nunca, em circunstância alguma, deveria ser ultrapassado.

Porém, estando tantos anos acima dos 3% já achamos que o objetivo é os 3%. É um objetivo, mas é só um objetivo de passagem. Temos de passar por ter menos de 3% e depois continuar até ao excedente orçamental.

Temos de começar a mudar, eu própria tenho de combater a tendência de falar no objetivo dos 3%, como se a coisa ficasse por aí. Não, é um primeiro passo para um objetivo maior que é chegar a uma situação de excedente orçamental.

Aquilo que nós temos é um conjunto de regras europeias que depois transpostas para a legislação nacional e que efetivamente impõem obrigações aos governos.

O facto de ser uma lei do Parlamento e não um princípio inscrito na Constituição, faz com que a sua modificação seja mais fácil. As leis do Parlamento são aprovadas por maioria simples, já as alterações à Constituição exigem maioria de dois terços. Portanto, para mexer na Constituição é preciso que pelo menos os chamados partidos do arco da governabilidade estejam de acordo. Isso impõe mais controlo mútuo à atuação dos partidos políticos.

Fizemos numa lei da Assembleia porque foi aquilo que foi possível de fazer, uma vez que PS não estava disponível para aceitar a inclusão na Constituição, mas no essencial a arquitetura europeia em termos de controlo das finanças públicas já está refletida na nossa legislação através deste mecanismo.

Temos também um instrumento muitíssimo importante, que é a nova lei de enquadramento orçamental, que aprovámos no Parlamento agora já na fase final da última sessão legislativa, que tem um período de transição longo. Ou seja, correndo tudo bem, de acordo com o plano, o primeiro orçamento feito já de acordo com as regras inteiramente será o de 2019, mas a modificação é de tal forma profunda que exige este período de modificação e adaptação.

Embora seja algo que não é fácil de explicar em termos de conceitos à população geral, nós no Ministério das Finanças acreditamos que é mais do que uma reforma estrutural, é uma verdadeira revolução.

Se conseguirmos pôr em prática a lei de enquadramento orçamental conforme ela foi desenhada e está prevista, teremos orçamentos mais simples, mais pequenos - porque aquilo de ir com não-sei-quantas caixas para o Parlamento também não é uma coisa que faça muito sentido -, que dão maior responsabilidade e maior liberdade - que são coisas que andam sempre a par -, a cada um dos ministros que tem a responsabilidade de gerir a sua área.

Tira também uma parte da carga burocrática ao Ministro das Finanças e aquele poder de veto que tem sido necessário mas que não é a melhor forma de funcionar, nem é muito razoável que seja pedido ao Ministro das Finanças para decidir se gastamos mais dinheiro na Saúde ou na Educação.

Não é uma decisão que deva caber ao Ministro das Finanças sozinho, mas sim ao Conselho de Ministros no seu todo.

A lei de enquadramento orçamental que foi agora aprovada é um mecanismo absolutamente fundamental e uma verdadeira revolução em matéria de gestão das contas públicas. Daqui até 2019 o tempo passa num instante e quando eu vier aqui falar em 2018 da preparação do orçamento de Estado para 2019, na altura explico-vos.

[APLAUSOS]

 
Simão Ribeiro
João Fernandes, do Grupo Cinzento.
 
João Fernandes
Muito boa tarde. Há pouco falou-se das taxas de juros negativas e contudo os títulos de dívida de há onze anos estão com uma taxa de juro de 3,3%. Assim, levanto a questão, como curiosidade minha, pois gostaria de saber se me poderia indicar algum tipo de breaking point a partir do qual a taxa de juro se tornaria insustentável para o país. Muito obrigado.
 
Maria Luís Albuquerque

Um número desses não ouvem da minha boca e vou explicar por quê. Primeiro, porque as coisas não são preto ou branco.

Ou seja, um número absoluto não é desligado do contexto. Imaginem que tínhamos uma inflação de 8%, algo no mínimo altamente improvável no atual contexto. Mas só para usar um número que o ex-ministro Teixeira dos Santos usou, se a inflação fosse 8% uma taxa de 7% não era uma coisa dramática.

Se a inflação for zero ou um é provavelmente insustentável, mas a coisa não pode ser vista assim e não, não há nenhum número que possa pôr a dizer que a partir daí é insustentável.

Esse tipo de afirmações são terríveis, perseguem as pessoas e funcionam como self-fulfilling prophecies , como profecias que se autoalimentam e depois se materializam. Porque nada é mais tentador para o mercado do que testar esse tipo de coisas: "Ai é? É insustentável? Então, vamos lá experimentar, vamos fazer subir a taxa de juro”.

Portanto, não, não há um número desses. O que sabemos é que não é possível aumentar a dívida eternamente. Da mesma forma que também não há um número mágico para a sustentabilidade. Há um modelo que pode-se dizer que é 120 ou 130, mas agora já se começa a olhar para uma abordagem diferente, dizendo que o que é relevante não é tanto a percentagem da dívida no PIB, mas sim quanto é que em cada ano é preciso se ir buscar ao mercado. Porque a verdade é que vemos países que vão à falência com dívidas de 50% e 60% do PIB e vemos países que se aguentam com dívidas superiores a 200% do PIB como é o caso do Japão.

Por isso, depende de imensa coisa.

A taxa de juro, como um rácio de dívida do PIB, se são ou não sustentáveis, depende de um enorme conjunto de fatores e não há uma resposta simples para cada caso. Eu não ponho esse tipo de números em cada coisa porque acho que isso é perigoso e volta-se contra nós, sempre, necessariamente.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem. Acabaram as perguntas obrigatórias e vamos passar para o "Catch the Eye”. O Nuno Matias vai tomar nota das vossas iniciativas. Enquanto vocês se inscrevem dou a nota à Dr.ª Maria Luís Albuquerque de que o nosso debate está a ser seguido em canal fechado pelos antigos alunos da Universidade de Verão.

Tenho duas perguntas de dois antigos alunos, do Paulo Afonso, de 2013, e do João Carlos Passinhas, de 2010, que lhe vou colocar pedindo a sua resposta.

O João Carlos Passinhas diz o seguinte: "Considera que a turbulência nos BRIC, em especial o rebentar da bolha chinesa pode representar um forte handicap para a continuação do bom comportamento das exportações portuguesas? Poderá uma crise despoletada na China pôr em causa os objetivos macroeconómicos para Portugal previstos no Programa de Estabilidade? Se sim, que medidas estarão ao nosso alcance para mitigar esse cenário?”.

O Paulo Afonso faz uma pergunta diferente, diz que: "o Rendimento Básico Incondicional surge cada vez mais na agenda política. Os suíços vão referendar a sua introdução em 2016, outros países atribuem como dividendos soberanos como um modelo de proteção social simplificado, alternativo aos atuais subsídios sociais atribuídos com base nos recursos de cada indivíduo e que tendem a desencorajar o desemprego na medida em que corta o subsídio na proporção do aumento do rendimento.

Na sua opinião o Rendimento Básico Incondicional associado a uma tributação de taxa única proporcional seria aplicada em Portugal? Seria uma alternativa sustentável aos atuais modelos burocráticos que requerem um elevado número de funcionários públicos na sua atribuição? Seria exequível e orçamentalmente saudável e sustentável?”.
Portanto, são duas perguntas de dois companheiros nossos à distância.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada. Começaria então pela resposta ao João Carlos sobre a turbulência nos BRIC.

Ontem, em particular, foi um dia negro nas bolsas. Esta turbulência na China já tem de facto algum tempo. Estaremos a falar de uma redução muito significativa e de uma crise, ou estaremos a falar de um ajustamento face a um crescimento demasiado rápido?

Tivemos uma valorização da bolsa, no último ano e pouco, na China, bem acima de 100%. É normal que haja algum ajustamento.

Seria prudente nesta fase. Naturalmente, observamos estes acontecimentos com preocupação e naturalmente que hoje numa economia globalizada o que acontece em qualquer economia de dimensão relevante tem impacto sobre todas as outras. Portanto, o que acontece na China é claramente importante para a Europa, como é importante para os EUA, como é importante para o Brasil e outros países. Mas acho que é cedo para entrar em pânico, se posso pôr as coisas nesses termos.

É para observar com atenção, é naturalmente uma fonte de preocupação, porque reduz a capacidade, ou o potencial, do crescimento mundial, mas ainda assim, quando olhamos para a China e pensamos que só cresce 7%, olhando para o PIB da China 7% é uma verdadeira enormidade.

Portanto, há que observar os dados em proporção e olhar para a evolução razoavelmente. Claro que é uma preocupação se se revelar como um verdadeiro crash que possa levar a China a medidas mais agressivas, até de controlo das importações, é um problema. Não será um problema direto para Portugal porque aquilo que exportamos para a China é ainda razoavelmente limitado, mas é um problema grande para alguns dos nossos principais mercados. A Alemanha, por exemplo, exporta muitíssimo para a China. Claro que se a Alemanha se visse impedida de exportar para a China isso tinha consequências para a economia alemã e isso iria traduzir-se numa redução das exportações de Portugal para a Alemanha.

Porque hoje é assim que o Mundo funciona, estamos todos de facto ligados neste Mundo globalizado e aquilo que afeta alguma economia de dimensão relevante, tem impacto para os outros todos.

Portanto, o que é que podemos fazer? Bom, para influenciar a economia da China, absolutamente nada - sejamos razoáveis. Aquilo que é a nossa principal força e que explica por que o comportamento das nossas exportações consegue manter-se positivo e evoluir positivamente, mesmo quando algumas coisas correm menos bem, é a diversificação.

Nós exportamos muitas coisas diferentes e exportamos para muitos mercados diferentes. Essa é a melhor proteção que podemos ter face a este tipo de turbulências.

Agora, se tivermos uma economia de crise de dimensão mundial, pois, só as economias em autarcia que vivem fechadas passam imunes a essas coisa e nós felizmente não somos nem queremos ser uma economia dessas.

Portanto, num cenário desses claro que seríamos afetados, as nossas metas seriam postas em causa, como de resto as de toda gente, e teríamos com certeza de pensar num cenário diferente.

Mas parece-me prematuro nesta fase achar que é isso que vai acontecer. Manter a prudência orçamental é sempre útil, vale sempre a pena e nunca se perde - é como a oportunidade de meter isto em cada resposta, também nunca se perde.

[RISOS]

A pergunta do Paulo Afonso sobre o Rendimento Básico Incondicional e uma taxa única, acho que essa discussão em Portugal neste momento é completamente teórica, entre outras coisas porque a nossa previsão constitucional é que o imposto sobre o rendimento tem de ser progressivo. Portanto, temos desde logo um impedimento de natureza constitucional a ter uma flat rate por exemplo no IRS.

Do ponto de vista teórico e conceptual, simpatizo imenso com a ideia, é muitíssimo mais simples e separar-se claramente aquilo que é a função dos impostos, que é recolher receita para satisfazer as necessidades de financiamento do Estado e uma função em parte também distributiva, e deixar a parte da Segurança Social em que se dão os apoios necessários para cada finalidade.

Simpatizo com a ideia do ponto de vista teórico e conceptual, acho que são efetivamente sistemas mais simples e, para além do impedimento constitucional que existe em Portugal, acho que é de facto muito contrário à maneira como nós vemos e percebemos a máquina do Estado.

Não significa que a longo-prazo não se pudesse pensar nesses termos, mas diria que introduzir o ruído dessa discussão no presente não traz vantagem e acho que seria difícil fazer perceber às pessoas e temos imensas outras coisas que são mais urgentes e, julgo, mais importantes.

Conceptualmente, a ideia até me agradava, mas não estamos a trabalhar só com conceitos, estamos a trabalhar pragmaticamente, que é uma coisa que também é muito útil.

Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Nuno Matias

Muito obrigado, senhora Ministra e, se me permite, um cumprimento especial também porque é uma fantástica cabeça-de-lista da coligação Portugal à Frente no meu distrito.

Passávamos ao "Catch the Eye” com o João Diogo do Grupo Laranja.

 
João Ferraz Diogo

Boa tarde, senhora Ministra, como está? Bem-disposta, julgo eu.

[RISOS]

Gostaria de saber se já foi realizado algum estudo sobre o impacto na receita fiscal, nomeadamente no aumento dessa receita, na hipótese de tributar atividades atualmente ilegais, ou menos idóneas. Isto é, no fundo toda a receita conseguida é uma ajuda e o combate à economia paralela seria ainda maior já que tais atividades tão cedo não irão desaparecer, mais vale tributar, não é?

Pegando numa frase que disse: "Boa gestão não é ideologia” e daí, para rematar, não quero que julguem que sou um infiltrado do Bloco de Esquerda ao perguntar isto, mas acho que é uma questão pertinente.

Muito obrigado e espero que goste da estadia aqui na Universidade de Verão.

 
Nuno Matias
Tem agora a palavra o Fábio Machiel, do Grupo Castanho.
 
Fábio Machial

Boa tarde, senhora Ministra. A minha questão ia no âmbito da dívida pública, tendo em conta que em Janeiro deste ano o governo avançou que ia proceder ao pagamento antecipado de 14 mil milhões de euros ao FMI dos 26 mil milhões de euros em dois anos e meio.

Que impacto é que o pagamento antecipado a que o governo procederá terá nas finanças públicas e que visão é que os nossos parceiros europeus tiveram quando Portugal tomou esta decisão, após a Irlanda tomar a mesma?

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada. Bom, começando pelo João Diogo, não, no Ministério das Finanças nunca fizemos um estudo desses. Suponho que se está a referir a atividades como prostituição, venda de drogas, etc., enfim, atividades que acontecem desde sempre e vão continuar a acontecer independentemente de serem tributadas ou não.

Seria uma discussão complexa e longa sobre se o facto de nós reconhecermos que elas acontecem, é razão suficiente para que elas sejam como que sancionadas através de uma inclusão num contexto legalizado. É uma questão complexa, de valores, em muitos aspetos, que provavelmente ultrapassam a mera questão da ideologia partidária e terá muito que ver com os valores de cada um.

Não fizemos esse estudo mas há estudos internacionais e estimativas do quanto é que representa essa parte da economia paralela em matéria de receita fiscal.

Mas nessas atividades tenho alguma dificuldade em acreditar que alguém fosse pedir uma fatura com o número de contribuinte para depois dizer que lhe saiu um Audi, porque foi ali comprar certos serviços, talvez não.

Enfim, mas deixemos essas questões mais práticas como chegar em casa e a mulher perguntar ao marido de que é a fatura.

[RISOS]

Digamos que o facto de ser ilegal tem também a ver com o facto de muitas pessoas acharem que é imoral. Não é só a questão da legalidade, mas também uma questão de moralidade.

Se fizer aqui juízos de valor, num sentido, ou noutro, acho que as sociedades para adotarem determinados comportamentos também devem estar preparadas para isso, para ser uma coisa aceite naquilo que se chamava antigamente a boa moral e bons costumes, que é um conceito, em si mesmo, evolutivo.

Portanto, não estou aqui a dizer se sim ou se não, mas acho que ainda não estamos lá e um bocadinho à semelhança da resposta anterior, temos outras coisas com que nos preocupar primeiro. Embora não deixará de ser uma questão relevante para o futuro e há outros países em que uma parte destas atividades já estão legalizadas, ou enquadradas fiscalmente.

É sempre uma matéria complicada, porque as questões são legais mas também morais e de valores de uma sociedade. Isso implica a dificuldade inerente a abordar essas matérias.

É capaz de ser um tema fraturante, daqueles que alguém vai introduzir na agenda e para o qual julgo que a maior parte dos portugueses não prestará uma atenção muito grande porque não é das coisas que mais os preocupa.

Em todo o caso, é um tema interessante para uma discussão.

Quanto à questão do Fábio sobre o reembolso antecipado ao FMI: aquilo que fizemos foi, à semelhança do que já tinham feito os irlandeses, pedir aos nossos parceiros europeus autorização para reembolsar antecipadamente o FMI sem acompanhar o reembolso antecipado aos parceiros europeus.

Porque quando pedimos dinheiro emprestado, pedimos aos parceiros europeus, no caso ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira e pedimos também ao FMI, e estes contratos têm uma cláusula a par e passo, ou seja, quando se paga a um paga-se ao outro. A menos que, no caso dos parceiros europeus, abdique desse direito. Foi isso que pedimos, pedimos aos parceiros europeus que nos autorizassem a reembolsar o FMI primeiro, sem ao mesmo tempo reembolsar a parte deles. Eles responderam que sim.

Porque quisemos fazer isto? Porque já conseguimos ir buscar financiamento ao mercado mais barato do que aquele que o FMI nos custa. Portanto, faz sentido.

Ao contrário, o financiamento que vem dos nossos parceiros europeus é ainda significativamente mais barato do que aquele que obtemos no mercado. Portanto, esse não temos vantagem nenhuma em reembolsar antecipadamente. Por isso é que optámos por reembolsar primeiro ao FMI e reembolsaremos os nossos parceiros europeus a seu tempo, à medida que os empréstimos forem atingindo a maturidade.

Enfim, mesmo sendo uma pessoa otimista como sou, acho que será difícil conseguirmos um financiamento melhor do que consegue o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira que tem um rating AAA.

Acho que ainda temos de trabalhar bastante para lá chegar, portanto não prevejo reembolsos antecipados ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Mas ao FMI sim. Já começámos esse processo e tencionamos no prazo máximo de dois anos e meio utilizar toda esta autorização que já nos foi dada. Mais ainda, pedir autorização para reembolsar o remanescente.

O efeito que isso terá nos juros está incluído no Programa de Estabilidade.

Quando projetámos a despesa com juros ao longo dos próximos anos, nós obviamente considerámos pressupostos para o comportamento da taxa de juro e o reembolso antecipado ao FMI no total num prazo mais curto, de forma a podermos beneficiar desse ganho em juros. Esse efeito está inteiramente refletido no Programa de Estabilidade, o tal que foi auditado, escrutinado e validado pelo Conselho de Finanças Públicas, pela UTAO, pela Comissão Europeia, e que é, esse sim, credibilizado pela análise de todas estas entidades independentes.

Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Nuno Matias
Segunda ronda do "Catch the Eye”: temos a Ana Ramos dos Santos, do Grupo Verde, e o Chico Parloa, do Grupo Rosa.
 
Ana Ramos dos Santos

Boa tarde.

Gostaria de voltar à China, se me permite, e falar da desvalorização da moeda chinesa que foi registada a níveis históricos. Quais as consequências que terá para o Euro a curto e médio-prazo e para Portugal em concreto?

Obrigada.

 
Chico - Patchê Parloa

Boa tarde.

Queria perguntar: a crise trouxe desafios a longo-prazo para as gerações e levou muitos governos internacionais a tomar certas medidas e, em particular, o governo português.

Tendo em conta o percurso alcançado até agora pelo governo português, que medidas sólidas faltam ser tomadas para que a administração fiscal possa ser mais eficiente e mais próxima dos cidadãos contribuintes, evitando que as gerações futuras possam pôr isso em causa, se possa também garantir a sustentabilidade das finanças e não regressar ao passado, com a retoma da economia?

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada. Começando pela pergunta da Ana que me remete um pouco para aquilo que estávamos a falar quando estava a responder a umas perguntas anteriores sobre o impacto da crise chinesa, nomeadamente sobre nós.

A desvalorização da moeda chinesa teve como impacto imediato tornar as importações na China mais caras. Logo, o que isso significa é que o potencial exportador para a China pode vir a ser limitado pelo facto de os chineses serem desincentivados às importações porque elas se tornaram mais caras.

É uma forma de melhorar a competitividade das economias, quando elas dispõem de moeda própria e de conter desequilíbrios que possam estar a gerar-se nas balanças comerciais.

Portanto, aquilo que as autoridades chinesas fizeram foi de facto com esta medida estimular as exportações chinesas e reduzir as importações na China.

Quais as consequências para o Euro? Para Portugal, como já respondi há pouco, as exportações diretas para a China não representam ainda muito no conjunto, mas por via indireta podem ter um impacto muito grande.

Se esta medida de desvalorização se traduzir numa diminuição marcada nas exportações dos outros países europeus da área do Euro para a China, isso vai ter um impacto económico negativo na área do Euro e, obviamente, isso tem outras repercussões para Portugal também.

Mas depende da forma como esta desvalorização vai impactar. Porque temos na China várias coisas a acontecer em simultâneo: um abrandamento da taxa de crescimento, mas uma classe média em crescimento muito rápido e em cada ano são adicionados muitos milhares de consumidores novos de produtos importados no mercado chinês. São pessoas que saem do campo, passam para os meios urbanos e a ter acesso a esse conjunto de bens e serviços importados, que naturalmente para a generalidade dos chineses não são acessíveis, mas mesmo que seja uma percentagem relativamente pequena - como eles são muitos -, tem impacto.

Portanto, é preciso ver até que ponto é que o instrumento "desvalorização”, mesmo tendo sido bastante agressivo, vai ou não materializar-se numa redução das importações.

Se o impacto for muito grande, para a China é positivo e nesse aspeto pode ajudar a um maior crescimento da China, o que vimos há pouco que também é positivo para o resto. Se esse impacto for diminuto e feito para a China, é menos bom, mas o impacto negativo do lado de quem exporta para a China também é menos mau.

Quando estamos a falar de tudo isto - e por isso é que a economia é uma ciência mais difícil -, é porque de facto não fazemos nada em laboratório, em ambiente controlado e, portanto, existem estimativas, algum conhecimento dos mecanismos que fazem com que se tomem determinadas medidas, mas depois é preciso acompanhar, recalibrar e ajustar para se produzir o efeito desejado.

Também aqui, à semelhança do que aconteceu nas bolsas, acho que não é razão para entrar em pânico, devemos manter-nos vigilantes e certamente que países como a Alemanha e outros grandes exportadores para a China também estão a ver até que ponto é que precisam de tomar medidas para compensar o efeito que algum abrandamento das importações por parte da China possa vir a ter.

Não diria, para já, que é uma ameaça ao Euro, a curto ou a médio-prazo, a menos que de facto se venha a verificar que é uma situação mais grave do que aquilo que parece neste momento.

Quanto à questão colocada pelo Chico sobre a administração fiscal: a nossa administração fiscal é cada vez mais eficiente. Acho que uma área onde precisamos mesmo de trabalhar, na próxima legislatura, é de fazer com que essa eficiência seja mais amiga do contribuinte.

Ou seja, sem prejuízo de continuarmos a apostar nas medidas de combate à fraude e à evasão fiscal, temos de tornar mais amigável a relação entre a administração tributária e os contribuintes.

Isso implica que os funcionários da administração tributária sejam até formados nesse sentido. Ou seja, é importante que haja não só um conjunto de regras, mas uma formação específica, para aqueles que estão a lidar com os contribuintes para terem a atitude certa.

Porque é verdade que há muitos funcionários da administração tributária que têm essa atitude positiva e que quando são abordados por um contribuinte ajudam, explicam e bem, dizem o que é e como é que é preciso fazer, enfim, qual a solução mais favorável para o contribuinte. Mas isso ainda não é suficientemente generalizado, o que significa que temos de investir também nessa área de formação e nessa aproximação entre a Autoridade Tributária e o contribuinte.

É bom ter respeito ao fisco e uma pontinha de medo também não é mau.

Aquela lógica de ser uma entidade mais musculada do que as outras, por isso é que se chama "autoridade”, não é mau, mas como em tudo com conta, peso e medida.

Ouvimos falar diversas histórias em que o fisco foi longe demais e que tomou medidas que não devia ter tomado, todos conhecemos casos práticos e próximos, portanto, temos de trabalhar na próxima legislatura para, sem se perder a eficiência e a eficácia, a relação entre o contribuinte e a Autoridade Tributária seja mais amigável.

Temos a unidade dos grandes contribuintes, por exemplo, que já faz uma espécie de um serviço mais dedicado às grandes empresas, porque são aquelas que geram mais receitas e, por isso, do ponto de vista da afetação de recursos começámos por aí por ser o mais eficiente.

Mas precisamos de estender esse espírito e alinhar melhor os incentivos daquilo que é o trabalho da Autoridade Tributária. É importante que haja incentivos relacionados com os objetivos de receita, mas que também devem ser moderados para que não se sobreponham a tudo o resto. Portanto, temos de trabalhar nesse sentido.

Ainda há dias, falei com a atual Diretora-Geral da Autoridade Tributária sobre a importância de alguma reorganização e mudança interna que vá neste sentido. Claramente é um objetivo que temos.

É, no entanto, fundamental - e qualquer país desenvolvido do Mundo tem - uma administração tributária eficaz e funcional. É central no controlo das finanças públicas, mas é também central enquanto exercício de cidadania, voltando à primeira pergunta que me colocaram.

Se as pessoas estão mais conscientes de pagar impostos isso também é um trabalho que faz que avance em paralelo com a eficácia e eficiência da Autoridade Tributária.

Estamos muitíssimo evoluídos face ao que era a Autoridade Tributária há uns anos atrás, na altura, o fisco. Mas é um trabalho sempre em construção e precisamos de apostar muito em tornar isto mais em que as pessoas sintam que é uma obrigação, mas que não são excessivamente penalizadas. Será sempre uma obrigação, aliás basta ver a palavra que temos para as "obrigações” fiscais, é imposto, obrigam-nos, não é uma coisa que se faça voluntariamente. A escolha das palavras não é irrelevante.

Até estava a lembrar disto porque ontem recebi numa revista de imprensa que em dinamarquês a mesma palavra pode ser usada para "imposto” ou para "querido”. Portanto, eles gostam de pagar impostos e nós não.

[RISOS]

Temos de continuar a trabalhar nesse sentido. Não ao ponto de chamarmos "queridos” aos impostos, também não vamos tão longe, mas fazer com que seja uma imposição um bocadinho menos custosa.

[RISOS]

 
Nuno Matias
Muito obrigado. Temos agora na terceira ronda o João Fortes, do Grupo Cinzento, e depois o Manuel Torres, do Grupo Encarnado.
 
João Fortes

Muito boa tarde, senhora Ministra.

No seguimento do que tem sido a política do governo, a contenção orçamental, a questão que se segue será: qual a margem de progressão ainda existente e prevista pelo executivo no redimensionamento do peso humano da administração pública?

Isto é, ainda há capacidade, ou estamos em condições, de redimensionar esta dimensão de acordo com a informatização de certos serviços, ou estamos no limiar do equilíbrio para que todas as funções do Estado possam ser representativas e eficazes?

Obrigado.

 
Manuel Poêjo Torres

Senhora Ministra, é para mim um privilégio fazer estas perguntas, porque viajei muitas vezes ao seu lado quando íamos para Bruxelas e dadas as circunstâncias nunca pudemos conversar.

Peço desculpa, desde já, ao fórum pela natureza da minha pergunta, porque foge um bocadinho à técnica daquilo que foi aqui discutido.

Dado que neste momento estamos a atravessar uma fase de crise internacional a vários níveis, que a guerra híbrida adotou novas dimensões e que neste momento no Sul da Europa estamos a tentar lidar com uma crise humanitária muito grave, pergunto-lhe se as finanças públicas portuguesas estão fortificadas o suficiente para modernizar tecnológica e estrategicamente as Forças Armadas portuguesas.

Obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Esta tenho de responder com muito cuidado, senão o meu amigo José Pedro Aguiar Branco, que é meu colega de carteira no Conselho de Ministros nunca mais me fala.

Vamos começar pelos recursos humanos enquanto me dá tempo para mastigar esta.

O redimensionamento dos recursos humanos na administração pública depende daquilo que nós quisermos que a administração pública seja.

Se quisermos que a administração pública - ou as administrações públicas no sentido mais lato, incluindo a administração central, regional e local -, continue a prestar exatamente os mesmos serviços que prestou tradicionalmente, há algumas áreas onde ainda é possível reduzir pessoas, mas há outras onde já sentimos a necessidade de contratar para substituir alguns que saíram.

Portanto, dependendo do que queremos para a administração pública podemos estar mais ou menos com o número de pessoas necessário - não necessariamente no perfil, mas no número -, ou não estar.

Agora, se entrarmos por uma lógica como aquela que defendemos mais, em que aquilo que é verdadeiramente importante é que os serviços sejam prestados, acessíveis a todos os cidadãos, de acordo com a sua capacidade e com qualidade.

Se for mais eficiente prestá-los através de um protocolo com uma entidade privada ou do setor social, então, do nosso ponto de vista só há vantagens nisso.

Uma coisa é garantir a prestação dos serviços que consideramos importantes, a outra coisa é prestá-lo diretamente. Isto aplica-se à Educação, à Saúde, a determinadas funções sociais e no essencial só não se aplica às funções de soberania que são inalienáveis, como a Segurança, a Justiça e a Defesa. Estas são funções de soberania que o Estado tem de desempenhar diretamente, não pode protocolar com outras entidades.

As outras, pode. Aquilo que defendemos é que, quer do ponto de vista da descentralização, passagem de competências da administração central para o nível local, por exemplo na Educação, dando mais liberdade às autarquias para organizarem as escolas, ou celebrando protocolos com entidades do setor social para haver creches e lares da terceira idade. É onde, hoje, já tem um peso muito grande setor social.

Se formos mais por essa via, então de facto há um conjunto de recursos humanos que deixamos de precisar na administração pública, porque essas pessoas passam a fazer falta noutras áreas.

Portanto, a dimensão da administração pública depende destas escolhas fundamentais.

O que é que valorizamos? Que o serviço seja prestado com qualidade, de forma eficiente, acessível a todos os cidadãos, ou queremos mesmo que o serviço seja prestado diretamente, gerido diretamente pelo Estado e com funcionários públicos. Dependendo desta escolha, assim teremos a dimensão adequada dos recursos humanos na administração pública.

A parte da informatização permitirá ainda, de facto, uma poupança. Hoje, muita gente já não tem de se deslocar até a uma repartição de finanças para tratar de um assunto e pode fazê-lo ao telefone ou através da Internet. Da mesma forma que a maior parte das pessoas deixou de ir ao banco fazer operações do dia-a-dia. Já não me lembro da última vez que fui ao banco.

Por isso é que os bancos também reduziram balcões e despediram pessoal, porque passaram a ter outros canais de atendimento ao público.

Aí, ainda temos algum espaço, mas continuamos a ter uma população que não tem generalizadamente acesso a esses meios e, portanto, continuamos a precisar ter uma resposta física, onde as pessoas possam tratar dos seus assuntos. Podemos gerir mais adequadamente ao nível local, por exemplo, como estamos a fazer com o Programa Aproximar, em que juntamos no mesmo espaço o atendimento da Autoridade Tributária, da Segurança Social, da Conservatória do Registo Civil, etc., para poupar recursos. Mas há um contacto físico, está lá alguém capaz de esclarecer, resolver e de responder às necessidades das pessoas.

Porém, à medida que vamos avançando, por exemplo, podemos também atualizar esses espaços. Estava a lembrar-me de um caso que tivemos há uns tempos no Conselho de Ministros, em que tínhamos incentivos à produção de artesanato e dizia-se que se podia consultar e as pessoas inscreverem-se através de uma plataforma informática.

A discussão era sobre se as pessoas que querem vender estes feitos à mão e que vivem numa localidade qualquer do Interior têm ou não capacidade de aceder a meios informáticos e de os utilizar adequadamente. A resposta foi de as juntas de freguesias terem uma pessoa capaz de ajudar o artesão a fazer a interação com a plataforma informática.

Portanto, é possível usar os meios informáticos, mesmo sem que cada português tenha um computador em casa. Há várias soluções que permitem que em vez de termos um serviço com muitas pessoas, temos uma pessoa na junta de freguesia que ajuda a tratar. Há margem de progressão aí, mas a grande diferença é na filosofia e na forma como olhamos para a administração pública além das funções de soberania.

Pronto, não dá para fugir mais à questão do Manuel sobre a crise humanitária, lá terei de ir.

Em primeiro lugar, na crise humanitária existem muitas coisas que nos impressionam e devem nos impressionar. Primeiro, é a banalização. Nós, à força de vermos todos os dias fotografias e imagens do drama humano dos migrantes que fogem do Norte de África e do Médio Oriente à procura do mínimo de condições de vida e de segurança para si e para as suas famílias, à força de vermos repetidas e repetidas aquelas imagens, corremos o risco de as pessoas tornarem-se insensíveis e de perderem a noção de que são pessoas que ali estão.

Aquilo não são filmes, nem coisas de ficção, são pessoas, vidas reais, que ali estão. É preciso muito cuidado para que a informação que é necessário dar e que devemos poder aceder não resulte na banalização daquele drama humano.

A Europa é um continente rico, porque mesmo com a dimensão da nossa crise, quando nos comparamos com muitos desses países a nossa situação é infinitamente confortável. Aquelas pessoas arriscam a própria vida para poderem viver entre nós, como vivem os nossos mais pobres.

Isso deve-nos fazer refletir e agir coletivamente na Europa.

Sobre a questão que colocou sobre as mais novas formas de guerra e as novas ameaças que se colocam à segurança: as nossas Forças Armadas têm vindo a ser redimensionadas de umas que existiam para o Império e para umas que passaram a ter um país que é relativamente pequeno.

Portanto, esse redimensionamento que foi sendo feito era necessário. Nós estávamos historicamente dimensionados para um país com dimensão ultramarina, que são umas palavras horríveis que não se podem dizer agora mas que correspondem àquilo que era a nossa realidade até à independência desses países, até ao 25 de Abril, que não foi assim há tanto tempo. Aliás, há muita gente nas Forças Armadas que já lá estava por essa altura. Alguns deles fazem questão de se mostrar periodicamente e de lembrar essas coisas.

Contudo, a questão aqui, precisamente porque estas formas de guerra são diferentes, eventualmente não se colocará tanto nas Forças Armadas. Faço já o alerta de que não sou especialista, de todo, nestas matérias, nem quero ser, aliás. Mas isto tem a ver com a cooperação que temos de ter e de reforçar com serviços de informação e com coisas mais discretas do que tropas nas ruas.

Porque estamos a falar de formas de fazer a guerra que são bastante diferentes e aí temos sido capazes de responder. Admito que aí haja uma interpretação diferente, provavelmente, dos serviços de segurança, que acham que não e que lhes demos muito pouco, mas temos-lhes dado sempre mais alguma coisa para permitir que continuem a trabalhar com eficácia para manter o país protegido.

É um risco que existe. Não me parece que a questão se venha a colocar em termos de se reforçar as Forças Armadas, pelo menos não no sentido em que eu interpretei a pergunta, mas é possível que seja necessário afetar mais alguns recursos a funções que de uma forma menos visível de facto trabalham para assegurar a nossa segurança coletiva. Isto dependendo criticamente da coordenação com outros serviços, porque este caráter global, transfronteiriço, também significa que ninguém se consegue defender sozinho.

Vai ser preciso, provavelmente, mais algum investimento nessa matéria, pois obviamente preservar a nossa segurança é um valor fundamental, mas diria, pelo menos tanto quanto me disseram, que não é nada que ponha em causa a sustentabilidade das finanças públicas. Nunca me puseram as coisas nesses termos e tem sido sempre em termos de que é acomodável.

Se, porventura, a dada altura nos pedirem muito dinheiro, faço aquilo que faço sempre quando alguém me vem pedir: voltamos ao Conselho de Ministros e decidimos. "Ora, temos aqui este senhor que precisa de dinheiro para esta finalidade”, reconhecemos todos que é importante, então damos a volta à mesa para saber quem é que do seu orçamento dá para aquele que quer mais.

Porque o meu 2,7% não mexe.

[APLAUSOS]

 
Nuno Matias
Temos de seguida, Juliana Correia, do Grupo Azul, e Paulo Martins, do Grupo Amarelo.
 
Juliana Mendes Correia

Muito boa tarde, senhora Ministra. Penso que não vale a pena estar aqui a enaltecê-la, porque o seu exemplo já é reconhecido por todos nós.

Gostaria que falasse um bocadinho da reforma da Segurança Social. Que medidas é que entende que deveria adotar de forma a equilibrar a Segurança Social, a sustentabilidade da mesma, e garantir o apoio dos que hoje são jovens e que nada fizeram para esse desequilíbrio que sobre eles recairá.

Muito obrigada.

 
Paulo Martins

Boa tarde, senhora Ministra.

A minha questão vai direcionada para a precariedade do emprego jovem.

Gostaria de saber, no que toca ao trabalhador independente, chamado "recibo verde”, se há alguma medida ou estratégia para combater atualmente os chamados "falsos recibos verdes”. Sem haver medidas negativas no défice, há alguma estratégia de se fazer a divisão da retenção na fonte entre a entidade que solicita o serviço ao trabalhador independente e este último? Ou, neste caso, será possível diminuir em termos de orçamento de Estado a taxa de retenção na fonte de IRS do trabalhador independente?

Obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Começando com a pergunta da Juliana, devo dizer que a sua pergunta é muitíssimo pertinente.

A vossa geração está confrontada com a possibilidade da insustentabilidade da Segurança Social, mas se permite acho que a minha ainda está pior. Porque é assim: a minha geração está já a pagar, nomeadamente eu há mais de 20 anos, para as pensões dos atuais pensionistas.

Aquilo que me é prometido agora é mais ou menos 40% daquilo que é prometido a um pensionista que se reformou há dois ou três anos. Mas eu já vou adiantada no meu percurso laboral e, portanto, tenho construído o trabalho sempre na perspetiva de que pago, hei-de receber e desconto para a Segurança Social.

Quando lá chegar, aquilo que me prometem pagar já é hoje muito menos daquilo que parecia quando comecei a trabalhar e daqui até a eu lá chegar veremos o que é efetivamente.

Vocês estão numa situação complicada, mas têm conhecimento dela à partida e aquilo que nós nos propomos é começar a mudar a questão da Segurança Social. O plafonamento (que é mostrado depois como um bicho papão) é na prática permitir que as pessoas tenham mais liberdade.

Ou seja, há uma parte dos descontos sobre o nosso rendimento do trabalho que é para a Segurança Social porque serve uma função de solidariedade, isto é, precisamos de contribuir não apenas para nós mas também para os outros e pede-se essa solidariedade a todos. Mas a partir de um determinado nível de rendimento deve definir-se um patamar de liberdade. Eu devo poder escolher se quero descontar para a Segurança Social sobre a totalidade do rendimento ou aplicar de uma outra forma o que ultrapassa aquele patamar obrigatório.

Portanto, aquilo que significa é que não sou obrigado a descontar - já não será para mim, mas em princípio para a vossa geração poderá ser - acima de um determinado valor, mas a vossa pensão futura também tem um limite, naturalmente, que é para as coisas baterem uma com a outra.

Isso permite, de facto, maior liberdade. Uma coisa que me faz muita confusão quando se diz que se quer privatizar a Segurança Social, é o medo profundo que a Esquerda tem da liberdade que se quer dar aos cidadãos. Têm um enorme medo da liberdade de escolha, da liberdade de afetar uma parte desse planeamento da pensão futura, de dizer que quero escolher uma escola privada, ou quero escolher uma pública, de dizer que uma saúde pública ou privada, e uma liberdade que não dependa apenas dos rendimentos elevados.

Porque quem tem rendimentos elevados tem essa liberdade porque paga e nós queremos que essa liberdade seja alargada aos cidadãos em geral, com uma forma que permite assegurar a solidariedade, garantir que todos têm acesso, mas que há, de facto, maior liberdade de escolha. A liberdade dos cidadãos, a nós não nos assusta.
Andarem com bichos papões de que queremos privatizar isto e aquilo, parece-me que é tentar explorar ideias atávicas que no Mundo de hoje já nem deviam fazer grande sentido. Mas a verdade é que se agita o papão.

Então, quais são as medidas que queremos tomar? Esta é uma medida que queremos introduzir mas que não se pode fazer de um momento para o outro.

Se nós introduzíssemos o plafonamento agora, de um momento para o outro, isso significava que deixávamos de ter capacidade de pagar com a TSU as pensões dos atuais pensionistas. Só tendo um orçamento em que já tivéssemos um excedente muito significativo é que conseguiríamos acomodar esse impacto.

Como não estamos nessa situação, temos de fazer a coisa mais gradual e demorar mais tempo, mas pode depois até no futuro ser acelerado se as condições orçamentais o permitirem. Porque o impacto de imediato seria demasiado grande e não há condição, mas não devemos dizer com isso que então não se faz. Faz-se é mais gradualmente, porque se continuarmos a adiar começamos daqui a 40 anos. Vocês não estarão sequer na idade da reforma e eu, em princípio, daqui a 40 anos, já hei-de conseguir lá estar, provavelmente até um bocadinho antes, para mal dos meus pecados.

Quanto àquilo que podemos fazer, é uma área em que de facto existe um consenso político alargado. Até às eleições não é possível discutir matéria nenhuma, não foi possível discutir com o PS. Achamos que no Parlamento até sobre as horas do dia nós não conseguiríamos chegar a acordo, portanto antes das eleições não vale a pena.

Esperamos que depois das eleições já seja possível ter uma conversa mais construtiva sobre uma matéria que é relevante para todos e que partidos moderados não deveriam ter assim tanta dificuldade em encontrar uma plataforma de entendimento, mesmo se as nossas visões forem diferentes relativamente ao cerne e o mais importante.

Quanto à questão do trabalho independente e das medidas para combater os "falsos recibos verdes”, tem de haver fiscalização.

Já demos proteção no desemprego para os trabalhadores a recibos verdes, que era um problema sério para muitas dessas pessoas, da mesma forma que fizemos para os gerentes das empresas e outras pessoas que não tinham um sistema de apoio quando a vida lhes corria mal. Mas há duas grandes razões para o abuso dos recibos verdes. Um é o excesso de carga fiscal sobre o trabalho, que é pesado e que devemos esforçarmo-nos por diminuir, quer a que recai para a Segurança Social, quer o imposto sobre o rendimento, mas também a rigidez do mercado laboral.

Muitas vezes, o empregador precisa de alguém mas acha que pode não precisar durante tanto tempo quanto um contrato de trabalho o imporia e isso tem melhorado muito pois temos hoje um mercado de trabalho que é mais flexível. Contrariamente àquilo que se diz que se quer facilitar o despedimento, não, queremos é facilitar a contratação.

Se a pessoa achar que no dia em que contratar um trabalhador tem de ficar com ele, quer seja bom ou mau, quer precise dele ou não, porque senão é proibitivo o que tem de lhe pagar para o mandar embora, o que é que um empregador faz nessas circunstâncias? Não contrata e recorre a esquemas de contratos a prazo ou de recibos verdes para não ficar agarrado a uma solução que tem receio depois de não ser adequada e não se conseguir livrar.

Portanto, este equilíbrio entre a proteção dos direitos do trabalhador que não pode ser mandado para a rua por qualquer razão, mas a proteção também dos interesses do empregador, pois sem empregadores não há empregados. Temos de proteger as empresas, os empregadores, porque objetivamente eles fazem falta a todos nós que queremos trabalhar e, portanto, é tentar encontrar este equilíbrio.

O abuso dos recibos verdes tem de ter fiscalização, mas temos de conseguir um melhor equilíbrio em matéria de fiscalização, de flexibilidade laboral e também reduzir os impostos sobre o trabalho, porque esses são um desincentivo a uma contratação mais formal.

A questão da divisão da retenção na fonte entre as partes, a retenção na fonte é o IRS, imposto sobre o rendimento do trabalhador e, portanto, esse é o que é. Sabem, com certeza, que se o empregador não entregar o dinheiro da Segurança Social ou do IRS para o trabalhador isso não tem consequências negativas. A empresa sofre consequências de ter retido importâncias que não lhe pertenciam e de não terem entregue, mas isso não afeta, de todo, os direitos do trabalhador.

Portanto, o IRS é uma responsabilidade de cada indivíduo, é o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, por isso é uma responsabilidade nossa que deve ser feita. A retenção na fonte destina-se a fazer com que as pessoas paguem os impostos à medida que vão auferindo rendimento, em lugar de fazerem o acerto só no ano seguinte.

Há uma coisa que precisamos de fazer, que é fazer com que a retenção na fonte seja mais próxima do imposto efetivo. Aquilo que acontece hoje a muitas famílias é que a retenção na fonte é exagerada e a prova disso é que depois têm dinheiro a receber no ano seguinte.

Um sistema fiscal eficiente deveria aproximar estas duas realidades. Ou seja, para a maior parte dos contribuintes em circunstâncias normais não deveria haver lugar, nem a receber, nem a pagar, mais IRS. A retenção na fonte devia estar mais ajustada ao nível do rendimento.

Mas isso exige uma maior informação sobre qual é, de facto, o imposto que cada agregado de família, ou cada indivíduo, irá pagar. Estamos a dar passos nesse sentido, temos hoje mais informação, mas também no momento em que fizermos esse ajustamento vamos ter um impacto orçamental no ano em que o fizermos, porque em vez de recebermos o dinheiro num ano, passamos a receber no outro. Por isso, vamos ter de fazer também com algum gradualismo.

Quando estávamos no programa no ajustamento, diziam muitas vezes que devia fazer isto ou aquilo, se houvesse dinheiro para isto ou para aquilo, mas eu dizia sempre que se realmente tivesse dinheiro poupava imenso, e o problema é que tivemos de fazer tudo com pouco dinheiro. Portanto, fez-se o que foi possível com os recursos que tínhamos, sem mais tempo nem mais dinheiro.

Por isso é que muitas das soluções que nós sabemos que são importantes e que até gostaríamos de pôr em prática mais rapidamente, têm de ser gradualmente, pois estamos a olhar para um conjunto de objetivos ao mesmo tempo e se tentarmos pressionar demasiado um, prejudicamos os outros. Então temos de andar a empurrar todos: primeiro um, depois outro, depois mais um bocadinho o outro, para levar tudo para a frente.

Isso torna, de facto, toda a gestão do processo mais exigente e faz com que algumas coisas que nós achamos que são óbvias e que podiam ser feitas, não possam ser feitas no imediato.

Mas o que importa, acima de tudo, é que se vá caminhando nesse sentido e iniciando os processos. Não se pode fazer de repente, então faz-se gradualmente, mas o importante é ir fazendo, até pelo sinal que isso transmite às pessoas.

[APLAUSOS]

 
Simão Ribeiro

Muito obrigado, senhora Ministra.

Uma das imagens da Universidade de Verão é precisamente o cumprimento integral e religioso dos nossos horários, quer do início das aulas, quer do seu término.

Portanto, estamos aqui com um problema para gerir, porque temos atempadamente inscritos cinco alunos para questionarem a senhora Ministra e faltam quinze minutos para as 17h que é a hora de encerramento desta aula. Portanto, escusado será dizer que se sugere concisão e brevidade nas questões.

Farei um bloco de duas questões, seguido por um bloco de três. O primeiro bloco tem o Rui Manuel Martins, do Grupo Castanho, e a seguir o Filipe Reis, do Grupo Laranja.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigado, Simão, por acaso já não contava falar, mas ainda bem. Senhora Ministra, ontem tivemos cá a jantar o Dr. Horta Osório, como saberá, e num dos gráficos que ele nos mostrou tivemos a oportunidade de perceber que o crescimento do PIB assume tendências decrescentes nas últimas décadas, situando-se nos últimos anos muito perto dos 2%, mas abaixo.

Numa das respostas, a senhora Ministra disse que para promovermos o emprego só com crescimento. A questão é: quando estudamos macroeconomia, aquilo que conseguimos perceber é que o aumento do número de postos de trabalho é tão mais efetivo quanto mais acima dos 2% o crescimento do PIB for. Isto é, é aquela barreira que nos permite afirmar que estamos realmente a criar postos de trabalho e não a recorrer apenas às tais medidas de curto-prazo.

No médio e longo-prazo, que medidas seriam de adotar, agora que a ferida está estancada, para promover de facto um crescimento acima dos 2% que seria aquele que também nos permitiria, por outro lado, deixar o défice e passarmos para o superavit.

Muito obrigado, senhora Ministra.

 
Filipe Miguel Reis

Disse-nos há pouco que o estímulo ao consumo provocará um estímulo ao consumo de produtos principalmente estrangeiros. Não seria positivo promover a criação de empresas de produtos que atualmente têm alta importação, mas a nível nacional?

Obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Começando pelo Rui, deixe-me dizer que a Lei de Okun já não é o que era. Ou seja, esta questão de que só se cria emprego acima dos 2% de crescimento é uma evidência empírica e é daí que decorre essa ligação, mas a evidência empírica mais recente sugere que é possível criar emprego antes de chegar a esse patamar.

Aquilo que observamos, de facto, ao longo dos últimos anos, é que muitas das relações que conhecíamos empiricamente entre variáveis macroeconómicas mudaram. O que, atendendo termos estado a trabalhar para uma transformação estrutural, não devia surpreender-nos. Se estamos a transformar estruturalmente uma economia, as relações entre variáveis também se alteraram, as elasticidades, os malfadados multiplicadores, essa relação que é preciso crescer mais de 2% para criar emprego. Mas objetivamente, quanto mais crescermos em termos reais, maior é o potencial de criação do emprego.

É verdade que temos vindo a crescer, mas há alguma consciencialização que temos de fazer quando pensamos o que são as nossas ambições razoáveis e realistas em matéria de crescimento.

Habituámo-nos a ver a Europa como uma região de grande crescimento, que passava por crises, mas depois recuperava com taxas de crescimento muito elevadas. Porém essa Europa, para já enfrentava uma concorrência global bastante menos agressiva do que enfrenta hoje e, depois, era uma Europa significativamente mais jovem.

Temos em Portugal uma situação dramática, mas é a mesma em muitos países da Europa, que é termos uma demografia muito adversa. Economias mais velhas crescem menos, porque são mais avessas ao risco, são menos inovadoras, enquanto na Europa são mais caras em termos de Segurança Social e aquilo que são os nossos valores de modelo social.

Portanto, há que olhar seriamente para a questão do desequilíbrio demográfico, como é que a natalidade, mas também a imigração para a Europa pode contrariar esse problema, porque a verdade é que a nossa capacidade de crescimento, em termos genéricos e olhando para um futuro mais longo, está fortemente prejudicada pelo facto de estarmos velhos.

Sei que não é aquilo que mais vos passa pela cabeça, porque são todos jovens e estamos numa universidade jovem, mas a Europa no seu conjunto está velha e isso é de facto importante e é preciso olhar para esse problema de frente, sem dramatismos. Não é necessariamente uma tragédia, mas como é um problema que demora muito tempo para resolver, é urgentíssimo começar a tratar dele e a adaptar e adequar as expectativas, porque depois leva-nos à questão da reforma da Segurança Social, o que os jovens podem esperar e todas as questões que já debatemos aqui hoje.

Quanto à questão do Filipe, de promover a criação de empresas para produtos transacionáveis que substituam as importações, diria que se houver portugueses a comprar essas coisas deveria haver empresários a produzi-las.

A ideia de que devemos promover, não devemos dar incentivos aos setores não transacionáveis e devemos, quando temos incentivos para dar, nomeadamente ao investimento, selecionar os setores transacionáveis. Mas com uma boa regulação, acredito no bom funcionamento do mercado e de facto se houver procura de determinados produtos, é bem provável que eles sejam fabricados cá. É preciso também perceber que há determinados bens que só faz sentido produzir em determinada escala. Portanto, ou nós produzimos para o mercado externo e interno, ou de qualquer forma, não vamos ser competitivos no preço e na qualidade, e por isso não vai funcionar.

Quando digo que muito se promove as importações, se exportarmos muito, voltando ao exemplo da pera-rocha ou de outras coisas que produzimos bem, não faz mal continuar a importar iPhones e não precisamos de os fazer cá. O que temos é de garantir que a nossa capacidade de exportar é maior do que aquilo que é comido pelas importações; não significa que tenhamos de produzir tudo cá.

Mas se calhar há algumas coisas que importamos que eventualmente produziríamos cá com qualidade e preço, mas há outras que não: nunca seremos um grande produtor de automóveis, de iPhones , ipads , etc., também não estou a ver que vamos ganhar grande dimensão por essa via, mas se houver uma oportunidade de mercado, não faltarão com certeza empresas que a vejam.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem, cabe-me a mim dar as más notícias de que vamos mesmo ter de fechar. A Dr.ª Maria Luís Albuquerque é campeã das perguntas nesta Universidade de Verão; vamos ver os próximos, mas duvido que seja possível ultrapassar este recorde.

Agradeço-lhe muito a disponibilidade que teve em estar connosco uma vez mais. Ela não irá sair já da sala, vai dar uma entrevista à UVTV.

Tenho umas coisas para vos dizer entretanto, mas de qualquer forma é justo que possamos desde já despedirmo-nos dela da forma habitual.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

Vamos fazer outra coisa para prosseguirmos depois os nossos trabalhos. Os vossos coordenadores receberam ontem a encomenda do trabalho de grupo que presumo que já é do conhecimento de todos vós.

Vão trabalhar na base dos dois trabalhos académicos que o Presidente da República encomendou ao Instituto de Ciências Sociais e à Universidade Católica Portuguesa sobre o comportamento dos jovens e porque é que os jovens parecem divorciados da atividade cívica e da atividade política.

O que vos pedimos, através dos vossos coordenadores, é que produzam um documento escrito que responda a três requisitos e que o façam nas peças de puzzle que vos vão ser entregues, três linhas relativamente aos dois primeiros.

Ao analisarem o estudo têm de responder à pergunta: "Por quê? Por que estão os jovens afastados da política e da intervenção cívica?”. Ou seja, por que é que aquele fenómeno que é identificado nos estudos se sucede?

São três ideias simples. Por quê? É culpa dos jovens, do sistema, dos exemplos, do Papa? Quem é que tem culpa nisto? Escrevem numa peça do puzzle, têm de ser coisas curtas e não dissertações.

Podem resumir três linhas a uma ideia forte, a um título. Nesta peça que o Pedro está a mostrar, têm de colocar em cada uma delas uma linha no "Por quê?”. A outra peça de puzzle é para descreverem o "como?”, como é que nós vamos combater esse problema, como é que vamos melhorá-lo e impedir que se acentue esse divórcio entre os jovens e a intervenção cívica e política.

O vosso trabalho escrito, no entanto, além dessas considerações mais elaboradas, deve responder a uma terceira pergunta: "O que é que temos de fazer na campanha eleitoral - temos agora uma legislativa, vamos ter uma presidencial e teremos mais campanhas no futuro - para chegar aos jovens?”. Para vos transmitir que esta não é uma ideia nossa, mas que ela é útil para a direção do partido e para a direção de campanha, temos uma mensagem do Secretário-Geral do partido, José Matos Rosa, para vos passar.

[VÍDEO]

 
Nuno Matias

Alguma dúvida sobre o trabalho de grupo?

Queria dar-vos nota de que terão cinco minutos para apresentar o trabalho. Haverá depois um grupo - como já foi explicado aos coordenadores já está definida a ordem, mas iremos depois entregar aos coordenadores uma tabela com a informação completa de que quem faz o quê em cada momento -, que terá dois minutos para fazer um ataque à apresentação desse mesmo trabalho. Depois, o grupo irá ter dois minutos para a resposta.

Portanto, fica esta informação. Iremos depois distribuir a tabela com todo o desenrolar da apresentação dos trabalhos de grupos.

Se não há mais nenhuma questão em relação ao trabalho de grupo, vamos passar então para a votação sobre a utilidade da aula da Ministra Maria Luís Albuquerque.

 

Aluno não-identificado

No trabalho, qual é o limite do documento que devemos escrever?

 
Nuno Matias

Não há um limite, mas têm de ponderar sobre aquilo que seja um tamanho equilibrado não só depois para a divulgação que será necessária ser feita para os demais grupos, mas também aquilo que é razoável para o trabalho ser efetuado. Mas fica ao vosso critério. Diria que no limite e conforme aquilo que tem sido prática, nunca passará das dez páginas, mas é meramente indicativo.

Então, vamos proceder à votação em relação à utilidade do tema da aula da Dr.ª Maria Luís Albuquerque, podem levantar os cartões.

[VOTAÇÃO]

Lá em cima têm um pequeno lanche e não se esqueçam de deixar a avaliação à saída.

FIM