ACTAS  
 
8/26/2015
O compromisso para o Crescimento Verde
 
Dep.Carlos Coelho

Boa tarde, vamos dar início à nossa aula da tarde.

Agradeço a presença do Eng.º Jorge Moreira e Silva que hoje é o ministro desde setor, mas antes foi um brilhante deputado europeu.

Tive o privilégio de testemunhar o prestígio que ele atingiu a chefiar várias delegações do Parlamento Europeu, a negociar acordos internacionais na área do comércio das emissões e das mudanças climáticas.

Foi Presidente da JSD, portanto de certa forma é um homem da casa e é um dos dois oradores com mais presenças ao longo de 13 anos de Universidade de Verão.

Agradeço o facto de ter cedido tempo da sua agenda complicada para vir a Castelo de Vide estar connosco na Universidade de Verão.

O nosso convidado tem como hobby correr junto ao rio, jogar ténis, ler e ouvir música.

Tem como comida preferida o caril de bacalhau e como animal preferido o cão. O livro que nos sugere é "Se Isto é um Homem”, de Primo Levi, e o filme que nos sugere é um clássico, "Citizen Kane” de Orson Welles.


A qualidade pessoal que mais aprecia é a integridade e ele é indiscutivelmente um homem íntegro.

Portanto, vamos ouvir o Eng.º Jorge Moreira e Silva sobre o compromisso para o crescimento verde.

[APLAUSOS]

 
Jorge Moreira da Silva

Não vou ler o livro todo, estejam descansados. Trago-o aqui para cima, mas não é com essa intenção.

Cumprimento o eurodeputado Carlos Coelho, responsável por esta Universidade de Verão ao longo deste 13 anos, também o Simão Ribeiro, Presidente da JSD, e o Nuno Matias e todos aqui presentes.

O Carlos Coelho acaba de relevar a razão pela qual não convidou o Prof. Rebelo de Sousa para participar neste Universidade de Verão, porque tal como eu o Prof. era o detentor do maior número de participações nesta Universidade de Verão. Portanto, o Carlos foi meu amigo e decidiu neste ano colocar-me numa posição favorável e tornar-me no veterano nas participações nesta Universidade de Verão.

Agora, obviamente mais a sério, quero agradecer o convite, pois é sempre uma grande oportunidade estar perante quadros que entendem que a formação política é um pré-requisito para a qualidade da participação e da afirmação da cidadania e da democracia.

Não me canso de elogiar o eurodeputado Carlos Coelho pelo papel extraordinário que tem desempenhado ao longo desde anos todos, não só como deputado que tive a oportunidade de testemunhar que é um dos deputados com maior influência no Parlamento Europeu na área dos Direitos, Liberdades e Garantias, mas também por ser reconhecidamente, em todo o espaço político português o político que mais se empenhou e continua a empenhar-se mais na formação política.

Esta é uma área determinante. Aqueles que gostam de política, como penso que seja o caso dos que aqui se encontram, têm noção de que é cada vez mais determinante envolvermos os cidadãos na participação, mas ela depende cada vez mais da racionalidade e da capacidade para fazermos da política um espaço aprofundado e não superficial.

Ninguém debate aqui o que desconhece. Não é possível assumir uma determinada posição político-partidária se não fizermos do aprofundamento do conhecimento um pré-requisito para essa participação.

Por isso, esta universidade tem tido capacidade de durante vários anos gerar políticos que mais tarde têm dado cartas e participado de uma forma muito ativa. Sei que nós estamos no dealbar de uma campanha eleitoral e por isso seria muito fácil transformar esta minha intervenção numa inserida nesse contexto pré-eleitoral. Não fugirei obviamente a algumas diferenças e a tentar sublinhar até essas diferenças, mas quem espera que a minha intervenção seja comicieira, instrumentalizando a plateia de jovens aqui presentes para procurar, através de cada um, chegar a casa de todos os portugueses com algumas críticas e posições pré-eleitorais, penso que ficarão seguramente desiludidos porque não foi para isso que eu vim cá.

Terei a oportunidade de afirmar algumas políticas e vincar algumas críticas, mas o objetivo da minha intervenção é basicamente explicar o que acho que está em causa quando o país neste momento, mas também nos últimos anos tentou formular uma resposta - e assim há-de continuar para os próximos anos - para a grande questão do crescimento.

Não existe apenas uma solução para o crescimento. Também convém termos bem a noção do que está em causa. Existem vários caminhos para o crescimento, mas nem todos esses caminhos são sustentáveis.

Logo, o que está em causa, mais do que saber se queremos crescer, se queremos gerar emprego, se queremos afirmar todas as condições de prosperidade e desenvolvimento, o que está verdadeiramente em causa é saber se essas soluções para o crescimento são sustentáveis ou não. Portanto, mais do saber se queremos ou não crescer - isso está respondido - queremos é saber se as nossas propostas estão imbuídas de sustentabilidade e de responsabilidade.

Por isso, este é um debate fundamental em que devemos afastar alguns caminhos; isto é, tudo o que confunda crescimento com endividamento, com anacronismo, com uma solução do tipo "bala de prata” ou do acaso, com uma melhoria do contexto internacional, são soluções que não são sustentáveis.

São soluções que buscam o crescimento mas não o crescimento sustentável.

O crescimento sustentável é uma matéria que eu e o Carlos Coelho, assim como muitos outros, procuramos trabalhar há muito tempo no âmbito da Plataforma para o Crescimento Sustentável, que publicou, muito antes de se falar disso em Portugal, um relatório designado "Uma visão pós-Troika”.

Essa visão pós-Troika não foi apresentada em 2015, 2014, ou 2013, mas sim em 2011. No preciso momento em que o país iniciava o memorando de entendimento, cerca de 500 pessoas de vários espaços políticos entenderam constituir uma organização, a Plataforma para o Crescimento Sustentável, que fundei e liderei.

Hoje, é liderada brilhantemente pelo Carlos Pimenta. O Carlos Coelho continua a participar na direção dessa plataforma.

Essa plataforma identificou cerca de 500 propostas para libertar o potencial de crescimento de Portugal. Porque era importante olhar, além do curto-prazo, da Troika, do memorando de entendimento e das questões de responsabilidade orçamental.

Isto para dizer que não acordei agora para o tema do crescimento sustentável. Numa altura em que muitos falavam de crescimento mas não apresentaram propostas, muitos de nós tivemos o cuidado, perdendo muito tempo, de aprofundar respostas pós-Troika e isso foi fundamental.

Isso foi fundamental porque criou condições para que esse debate, hoje, já possa beneficiar do facto de algumas dessas propostas e medidas já terem sido debatidas e algumas terem sido concretizadas.

No fundo, voltando ao tema, o que está em causa mais do que saber se queremos crescer é saber qual é a medida de sustentabilidade e de responsabilidade do nosso crescimento.

Nesse contexto, existem três pilares fundamentais dos quais depois só vou falar de um: responsabilidade orçamental, que é diferente de consolidação orçamental; reformas estruturais, que significa que estas não acabaram com esta legislatura; e em terceiro lugar o investimento. Quando se trata de investimento não se confunda com investimento público ou atirar dinheiro para cima de todos os setores. Estamos a falar de uma estratégia de investimento seletivo, isto é, identificando áreas estratégicas mas não fazendo de algumas empresas campeões nacionais.

Em segundo lugar, o investimento produtivo, em que no fundo ele possa funcionar como uma enzima numa reação química, ou como catalizador num processo de combustão, ou seja, aquilo que permite alavancar, acelerar, a atração de investimento privado.

Neste contexto de responsabilidade orçamental, investimento seletivo e produtivo, e de reformas estruturais, existem três áreas que são determinantes para o nosso futuro, a política industrial e a economia verde.

Hoje venho falar obviamente apenas de um destes pilares: o crescimento verde para que se possa perceber que não venho aqui falar de ambiente, ou ordenamento do território, nem apenas de energia. Também falarei disso mas com o pressuposto de que quando estamos a olhar para o crescimento verde estamos a fazer prova não só de um espírito de solidariedade intergeracional e de proteção dos direitos de cada geração, mas também e cada vez mais a olhar para uma área que é motor do crescimento e do emprego.

Portanto, aqueles que durante muitos anos olharam para o ambiente e arrumaram esta área de uma forma muito conveniente na caixinha dos custos de contexto, hoje têm de confirmar e concluir que já não estamos a falar de uma área que se possa arrumar nessa caixinha, mas de uma área que é hoje à escala nacional e internacional determinante para o crescimento e para o emprego.

Aqui chegados ao tema do crescimento verde e à importância do mesmo, há uma primeira resposta que importa dar: porque é que esta área é fundamental? Porque é que de repente o governo português assumiu, mesmo no contexto do memorando de entendimento, que o crescimento verde era uma aposta estratégica e que não era um tema do ministro do ambiente ou daqueles que têm a responsabilidade por estas áreas do ambiente, do ordenamento do território e da energia?

Por um lado, porque estamos perante um desafio sem comparação em termos temporais e em termos geográficos também no que diz respeito a Portugal relativamente ao nosso modelo de desenvolvimento.

Estou a falar das alterações climáticas, da degradação dos recursos hídricos e da perda de biodiversidade.

Temos vindo a conhecer, nos últimos anos, pressões significativas sobre estes recursos. Se olharmos para as tendências demográficas de aumento da população esperado até 2030 de sete mil milhões para dez mil milhões de habitantes, isso permite-nos concluir que a pressão sobre a energia aumentará em 45%. Portanto, apesar de todos os riscos que vivemos, ainda teremos de enfrentar um aumento do consumo da energia, por razões de aumento demográfico, nos próximos 15 anos, de 45%.

Porque é evidente que há cada vez mais - e ainda bem - populações a entrar em condições de desenvolvimento e de acesso à classe média e isso vai criar uma pressão maior sobre a energia.

No que diz respeito aos alimentos teremos um aumento de 50% de consumo de recursos associados à alimentação nos próximos 15 anos.

Relativamente aos recursos hídricos teremos um aumento de 30% da pressão sobre a água.

Reparem, portanto, naquilo que temos pela frente. Se hoje já temos noção que estamos numa situação de insustentabilidade relativamente a algumas das dimensões do ambiente à escala mundial, no próximos 15 anos - é hoje, é amanhã; não estamos sequer a falar de uma matéria de longo-prazo - teremos um problema sério para resolver.

Isso obriga que a resposta seja global mas também nacional e local. Está cá o senhor Presidente da Câmara de Castelo de Vide e sabe bem que as respostas a estes problemas não são apenas de natureza global e que as Nações Unidas tratam disso. Não, é necessário uma resposta local e nacional para desafios que são globais.

Esta é a primeira razão pela qual temos de olhar para o crescimento verde como sendo uma área determinante estratégica como nunca foi no passado.

A segunda razão é de que temos de continuar a realizar reformas estruturais para, em simultâneo, tirar partido do nosso potencial: Portugal é um país rico nesta área, temos talento, recursos, infraestruturas e, portanto, temos tudo para vencer competindo e apostando nesta área em termos internacionais. Mas ao mesmo tempo continuamos a padecer de alguns problemas estruturais que estão connosco há muito tempo.

Por isso, seria muito fácil eu chegar aqui e de uma forma muito convicta dizer que está tudo feito, mas não está e não vale a pena cairmos nesse equívoco. Há muito trabalho para fazer, muitas reformas estruturais para promover nesta área verde para continuarmos a tirar partido do nosso potencial, mas ao mesmo tempo irmos removendo obstáculos que estão connosco há muito tempo.

Terei oportunidade de falar sobre isso mais adiante.

A terceira razão é verdadeiramente nova. Gosto, por deformação profissional, académica, teórica e afins, de falar nestes temas tendo por base dados, números, estatísticas, porque isso ajuda sempre a que o debate seja mais racional e menos empírico, intuitivo e superficial.

Poderia chegar aqui e dizer que a área verde é fantástica porque nela a economia vai crescer; é verdade, mas convém apresentar números que confirmem esta intuição, tendência, avaliação que muitos nós que estamos nesta área há muito tempo já antecipávamos.

Hoje, isto é verdade: a área verde representa à escala mundial 4 biliões de dólares por ano e cresce a 4% ao ano. Estamos, portanto, a falar de uma área com enorme potencial económico.

O PIB verde na UE representa 2,5% e crescerá 30% nos próximos dez anos. A procura de investimento verde atingirá, nos próximos anos, níveis recorde.

É fácil perceber, quando hoje temos um objetivo de trazer cada vez mais cidadãos à escala global para uma situação de desenvolvimento, de justiça social, de igualdade de oportunidades, temos noção que existem quatro áreas em que uma grande parte ou todo o investimento terá de ser alocado: água, saneamento, resíduos e energia.

Ora, o que está identificado como necessário nesta área atinge 50 biliões de dólares nos próximos 15 anos. Só para a área das energias renováveis são necessários seis biliões, para a eficiência energética oito biliões e para as redes de energia sete biliões.

Se o Mundo vai precisar de crescer nestas áreas e se uma boa parte do financiamento disponível nos bancos internacionais, banco de desenvolvimento e Banco Mundial, está associado a estas áreas e se já está identificado o volume necessário, reparem o potencial que os talentos, as empresas, as instituições portuguesas dispõem.

Portugal tem nesta área competências, talentos, infraestruturas. Se o Mundo vai crescer na área verde, se vai ter necessidade de mais competências, de mais capacidades, mais empresas, de mais investigação, mais bens, na área verde, temos tudo para vencer nesta área, porque fizemos esse trabalho.

Essa é a razão pela qual o governo entendeu que o crescimento verde merece uma aposta estratégica e duradoura, por razões de natureza ambiental, estruturais, mas também económicas.

Vamos então à parte que interessa agora que está identificado o quadro que justifica a aposta no investimento verde. Peço desculpa, demorei 15 minutos a apresentar esta justificação mas eu não venho cá trazer soundbites ; este é um tema sério, estou a falar de uma geração que terá nesta área, não uma grande oportunidade, mas sim uma grande responsabilidade.

Olho para os jovens que estão nesta Universidade de Verão e para os jovens que estão nas academias portuguesas, nas empresas, nas organizações da sociedade civil, como aqueles que terão a responsabilidade ou a oportunidade de liderar nesta área de uma forma a que assegure às próximas gerações o direito de que as atuais gerações dispõem.

Aquilo que está em causa é, verdadeiramente, a ética do futuro. É a capacidade de no presente - não amanhã - reabilitarmos o direito das próximas gerações ao futuro.

Por isso, não contem comigo para conversas fáceis, superficiais, pois este é um tema demasiado sério para ser tratado com superficialidade.

Como também não contem comigo para apresentar promessas quando o que devemos é apresentar resultados.

Estas áreas são áreas em que se não pode afirmar uma liderança se não tivermos capacidade para dizer que governar é reformar, sendo que reformar envolve sempre alguma controvérsia.

Portanto, agora que está firmada a importância do crescimento verde convém esmiuçar a capacidade prática de remoção dos obstáculos que estavam connosco há muito tempo e depois concluirei com o compromisso para o crescimento verde.

Até porque, como disse há pouco, governar é reformar, reformar não é legislar, mas sim implica que aqueles que estão no governo possam interpretar este sentido de mudança e assegurar que esta mudança ocorre. Isso pressupõe explicação, alguma controvérsia, um grande diálogo, e principalmente que sejamos capazes de apresentar as nossas propostas e apresentar resultados.

Vamos, então, área por área, sem vos querer maçar pois sei que tenho mais uma hora, mas não tomarei muito tempo para depois podermos ter mais tempo para o debate.

Tentarei em cada área determinante para o crescimento verde e sustentável dizer onde estávamos, onde estamos e onde queremos chegar. Penso, aliás, que essa é a melhor forma de fazermos discussão política nos próximos tempos. É importante que o grau de confiança que procuramos gerar junto dos nossos interlocutores não se baseie apenas na utilização da palavra confiança mas principalmente na capacidade que temos para responder de uma forma adequada e responsável à pergunta que os cidadãos farão sobre onde estávamos, onde estamos e onde queremos chegar.

Vamos à área do ordenamento do território, da reabilitação urbana e das cidades em geral. Os diagnósticos estavam feitos há muito tempo e perante eles há sempre uma discussão preguiçosa que é tirar dinheiro para cima dos problemas. O dinheiro é importante, é condição necessária mas não é condição suficiente.

Qual era o diagnóstico? Na área do ordenamento do território, o senhor Presidente da Câmara conhece bem esta matéria, tínhamos um sistema que sobre o mesmo território sobrepunham vários planos: sobre o mesmo terreno podíamos ter um Plano Diretor Municipal, um plano de pormenor, um plano de urbanização, um plano de ordenamento da área protegida, se fosse no Litoral um plano de ordenamento da orla costeira, um plano sectorial da Rede Natura, portanto uma série de planos e programas.

Temos muitos planos incidindo sobre o mesmo território; desde que eles se comunicassem e se alterassem de uma forma síncrona não havia nenhum problema, mas sabemos que não foi o caso.

Se olharmos para as últimas décadas sabemos que um plano diretor municipal demora dez anos a ser revisto. Enquanto é revisto, alteram-se outros planos especiais superiores que não são integrados no PDM porque têm de esperar pela alteração do mesmo para serem integrados nele.

Entre municípios vizinhos, com o mesmo ecossistema, a mesma realidade socioeconómica tínhamos Planos Diretores Municipais que não comunicavam entre si e que tinham opções de planeamento diversas.

No fundo, tínhamos muitos planos mas não tínhamos um bom planeamento.

Se olharmos paralelamente para a expansão urbana sabemos que o modelo de desenvolvimento assente no crédito fácil e as expectativas irrealistas de desenvolvimento económico a partir da especulação imobiliária geraram durante décadas em Portugal uma pressão urbanística que levou ao alargamento dos perímetros urbanos e ao esvaziar da dimensão urbana.

No fundo, a expectativa de urbanizar retirou capacidade para reabilitar.

Deixem-me continuar a descrever o diagnóstico para depois dizer o que é que nós fizemos para superar estes obstáculos estruturais.

Na área da habitação temos cerca de 80% de habitação própria e só 20% de habitação no mercado de arrendamento, o que é uma diferença relativamente à média europeia. O normal é o oposto: é termos uma dimensão muito mais forte no mercado arrendamento e menor na habitação própria. Por quê? Porque é necessário promover condições de mobilidade geográfica e isso não é compatível com uma lógica de termos apenas habitação própria.

Prosseguindo: quando o governo iniciou funções, tínhamos na reabilitação urbana apenas 7% do volume de negócios da construção civil alocado à reabilitação urbana, hoje já são 10%, mas a média europeia é de cerca de 30%. Portanto, cerca de 30% do volume de negócios da construção civil na UE é alocado à reabilitação urbana e em Portugal é apenas 10%. Perante este diagnóstico era necessário uma resposta estrutural. Essa resposta estrutural envolveu, em primeiro lugar, a reforma do ordenamento do território.

O tema é técnico mas é central e fundamental para o nosso modelo de desenvolvimento. Vou tentar falar de uma forma mais simples possível para que se perceba a importância que isso tem para a vida prática das pessoas.

A partir de agora, o PDM concentra todas as regras que estavam dispersas em vários programas e planos.

As empresas, as associações, os empreendedores e os cidadãos não têm de andar à procura das regras nos vários planos. Há um prazo para que os municípios integrem esses planos especiais no PDM. O único plano que a partir de agora vincula os particulares é o PDM.

Esta é uma alteração enorme, porque permite aumentar o grau do escrutínio das regras do ordenamento do território para que esta conversa não seja uma conversa entre especialistas.

Não é aceitável que o tema do ordenamento do território seja debatido como se tratasse de uma disciplina técnica e teórica de uma determinada área do conhecimento, se há matéria que diz muito aos cidadãos, às empresas e autarquias são as regras de ocupação de solo.

Primeira regra importante que foi a segunda alteração fundamental: no debate que existe nas câmaras municipais sobre os nossos projetos quando cada um de nós apresenta-lhes um, o cidadão passa a participar nesse debate; não é uma conversa entre a câmara municipal e os organismos do Estado, das áreas do ambiente e patrimonial, mas o cidadão passa a participar na conferência decisória e, no fundo, a qualificar o processo de decisão.

Terceiro lugar: foi erradicado o solo urbanizável. Tínhamos em Portugal três categorias de solo: solo rústico, solo urbano e solo urbanizável que era o solo expectante e não estando programado era potencialmente urbanizável, mas que na prática com essa expectativa retirou a referida capacidade para a reabilitação urbana. Esse solo foi erradicado.

Finalmente, ao nível do ordenamento do território, alterámos as regras para a classificação de solo rústico em urbano. Quando alguém, imaginem um empreendedor por exemplo em Castelo de Vide que quer levar o centro da cidade para daí a 20 ou 30kms e apresenta um determinado projeto à câmara municipal para a reclassificação do solo rústico em urbano, a partir de agora, essa reclassificação só pode ser feita se passar não só no crivo ambiental mas também ao nível da viabilidade económico-financeira.

Porque não é justo que sejam todos os contribuintes a pagar infraestruturação e gestão das infraestruturas se alguém decidiu levar o centro do concelho para muito longe só porque quer realizar um determinado projeto.

Estas regras estão em curso, estão em aplicação. É uma reforma que há muito tempo era reclamada, há mais de 20 anos que estava identificada como necessária e foi feita.

Em segundo lugar, o arrendamento e vou depois concluir com o tema da reabilitação urbana.

Ao nível do arrendamento tínhamos, como bem sabem, uma situação de congelamento de rendas, em especial em Lisboa e no Porto, mas que envolvia também outros concelhos. Perante esta situação era importante uma resposta simultaneamente amiga da reabilitação e amiga dos arrendatários, em especial dos mais vulneráveis, dos cidadãos que tinham esses contratos de arrendamento mais antigos.

Porque não é possível dizermos que queremos reabilitação urbana não tendo noção que os 700 mil fogos devolutos e os cerca de um milhão e meio de fogos com necessidade de reabilitação podem ser alterados se não tivermos condições para beneficiar de um mercado de arrendamento mais dinâmico.

Imaginem-se numa situação de um senhorio que tem uma renda congelada durante décadas, qual é o incentivo que tem para investir na reabilitação urbana daquele espaço?

Mas também ponham-se no papel de um arrendatário que tem um contrato muito antigo, uma situação económica mais vulnerável e que não está em condições de enfrentar um aumento das rendas.

O governo encontrou uma resposta - repito - amiga da reabilitação urbana mas também dos arrendatários mais vulneráveis. Isso passou por uma legislação sobre o arrendamento urbano que identificou condições para a liberalização deste mercado mas ao mesmo tempo garantiu um período de cinco anos de transição para os arrendatários mais vulneráveis e, recentemente, o governo aprovou o subsídio de renda que garante aos arrendatários mais vulneráveis que beneficiarão de um subsídio que resulta da diferença entre a nova renda e aquela que estará a ser praticada com base na taxa de esforço.

Esse subsídio pode ser usado para esse imóvel como para outro. Isto é, no final do período de transição, em 2017, um determinado arrendatário com mais de 65 anos, ou com uma situação social vulnerável, recebe um subsídio. Com esse subsídio pode pagar a renda com o valor naquele imóvel, ou pode usar o subsídio para ir para outro imóvel.

Qual é a vantagem? Além da vantagem da garantia da salvaguarda social, está criada uma dinâmica ao nível do mercado de arrendamento para que os senhorios também não tenham a noção de que serão beneficiários de contratos garantidos durante muitos anos quando têm obrigatoriamente de fazer investimentos nesta área.

Finalmente, a reabilitação urbana. Talvez não conheçam bem o tema porque muitos não tiveram ainda a responsabilidade de tomar decisões nesta área, mas provavelmente na família isso já aconteceu.

Quando alguns partidos e responsáveis políticos - sugerem que o problema da reabilitação urbana é sobretudo um problema de financiamento isso é um debate preguiçoso. Só falar de dinheiro no que diz respeito à reabilitação urbana é um debate preguiçoso.

É fácil de perceber o porquê, porque não foi por falta de financiamento nem pelo facto de o crédito estar barato que Portugal, durante muitos anos, não teve níveis de reabilitação urbana comparáveis com os níveis europeus. Portanto, o problema não estava apenas no acesso ao financiamento, mas sim resultava dos problemas estruturais, do facto de termos um mercado com arrendamento congelado, de termos regras de ordenamento do território que basicamente incentivava a nova construção, de termos regras para reabilitação urbana que eram tão complexas que eram tecnicamente inviáveis.

Por isso, o governo aprovou uma legislação designada por "Regime Excecional para a Reabilitação Urbana”, que se percebe facilmente qual é a vantagem.

Imaginem que têm uma casa que não tem condições para cumprir as regras da nova construção na reabilitação porque tem uma área demasiado pequena por comparação com as áreas mínimas; porque não tem elevador; porque não tem condições para ter comportamento acústico sem ter de demolir a casa; porque não tem condições para instalar pontos de telecomunicações em todas as divisões da casa; porque não podem ter pré-instalação de gás; o que é que vos acontecia antes desta legislação?

Antes desta legislação basicamente tinham de ou demolir para construir, ou assumir um custo muito superior à nova construção. Quem é que no seu juízo perfeito aposta na reabilitação urbana quando tem condições para com a nova construção ter uma solução mais fácil e mais barata?

Também removemos este obstáculo quando com este Regime Excecional eliminamos uma série de regras que foram derrogadas durante sete anos que inviabilizavam a reabilitação urbana.

Depois disto tudo era importante tratar do financiamento. Porque agora que as questões estruturais estão resolvidas era importante criar condições para que o investimento pudesse ser produtivo.

Essa foi a razão pela qual no final deste processo o governo não só deu uma nova dinâmica ao reabilitar para arrendar para que quem quisesse reabilitar casas para colocar no mercado do arrendamento tenha um juro bonificado, 2,9%, mas principalmente avançámos com um instrumento financeiro que foi aprovado no dia 23 de Julho de 2015 apesar de alguns responsáveis políticos estarem aparentemente distraídos.

No dia 23 de Julho de 2015, foi aprovado em Conselho de Ministros um pacote com dois instrumentos financeiros para reabilitação urbana e para eficiência energética. Temos nos fundos comunitários cerca de mil milhões de euros para reabilitação urbana e eficiência energética, foi assim que o governo negociou esta área junto de Bruxelas.

Destes mil milhões de euros temos 600 milhões de euros que são reembolsáveis. No fundo, é financiamento que depois é devolvido e desta forma temos um maior número de cidadãos a poder beneficiar deste financiamento.

O governo utilizou esses 600 milhões de euros de fundos comunitários da reabilitação urbana e da eficiência energética para, com o Banco Europeu de Investimento, criar condições para um investimento financeiro que com o envolvimento da banca de retalho, portanto da banca privada, poderá atingir três mil milhões de euros.

Mas é importante reafirmar que só estamos a falar deste grande volume de financiamento, que é de facto uma grande oportunidade, porque fizemos o trabalho de casa removendo os obstáculos estruturais.

Este é um bom tema de debate agora para o período eleitoral, porque é importante. Penso que todos os partidos reconhecem a importância da reabilitação urbana. Esta permite trazer mais jovens para os centros da cidade, melhorar as condições de eficiência energética do edificado e diminuir os movimentos pendulares dos transportes, dinamizar o setor dos transportes e, portanto, criar mais emprego. Estamos de acordo: este é um fator fundamental, esta é uma área estratégica, portanto, esta é a primeira razão pela qual este me parece ser um bom tema de debate em período eleitoral.

Há uma segunda razão: porque existem diferenças. Se esta área é uma área importante, mas ao mesmo tempo são muito diferentes as opções e a proposta política dos partidos esta, é uma área que merece ser debatida, apresentada e esclarecida de uma forma profunda e não superficial.

O PS tem uma opção diversa. A opção do governo, como vos disse, foi a de remover os obstáculos à reabilitação urbana com a reforma do arrendamento, com a reforma do ordenamento do território, com o Regime Excecional para a Reabilitação Urbana e com três mil milhões de euros essencialmente do setor privado.

A resposta do PS é oposta: defende a revogação da lei das rendas, ou seja, no fundo quer voltar ao congelamento das rendas; votou contra a reforma do ordenamento do território e desvalorizou o Regime Excecional para a Reabilitação Urbana.

Em relação ao financiamento, ontem, o Dr. António Costa anunciou mil milhões de euros para a área da reabilitação urbana. Não quero acreditar que não esteja suficientemente informado ao ponto de não saber que o governo apresentou e aprovou a 23 de Julho de 2015 um pacote de três mil milhões de euros para reabilitação urbana e eficiência energética.

Portanto, julgo que quando apresentam mil milhões de euros para reabilitação urbana comparando com 50 milhões de euros de um programa do governo está a tentar tocar no tema mas a não querer debater suficientemente esperando que os portugueses e os partidos da coligação se limitem a fazer uma conversa superficial e de meros soundbites.

Julgo que não podemos permitir este sofisma e este equívoco. Vamos lá debater este tema a sério.

Os mil milhões de euros que o Dr. António Costa quer colocar na reabilitação urbana não são utilizados a partir de fundos comunitários e de investimento privado como quer a coligação e como já fez o governo, mas sim dos fundos da Segurança Social.

Estamos, portanto, perante uma diferença grande que merece ser debatida. Dois modelos completamente diversos. Na reabilitação urbana o nosso projeto é claro: reforma do arrendamento urbano para que com a erradicação do solo urbanizável seja mais fácil termos capacidade para reabilitar; com o Regime Excecional para a Reabilitação Urbana baixar os custos em 40% da reabilitação urbana; com a reforma da lei das rendas criar condições para mais investimento nestes imóveis e ao mesmo tempo salvaguardando os arrendatários mais vulneráveis; três mil milhões de euros, dos quais 600 milhões de fundos comunitários, outros tantos pelo Banco Europeu de Investimento e o restante através da banca privada.

Esta é a nossa proposta. Já a proposta do PS é revogar onde dizíamos reformar e é financiamento da Segurança Social onde nós tínhamos promovido e queremos promover o financiamento privado.

Acho que vale a pena que os portugueses possam ter noção da diferença nesta área e que o debate não se fique pela comparação que ontem o Dr. António Costa procurou fazer e que foi obviamente uma comparação que não pode ter resultado de impreparação ou desconhecimento, porque seria grave demais, resulta pelo contrário da vontade de tentar fazer um debate que mistifica alguma realidade e que esconde as verdadeiras diferenças entre as duas propostas políticas.

Deixem-me passar para uma segunda área que é a do licenciamento. Dirijo-me aqui várias vezes ao senhor Presidente da Câmara porque acaba por representar, estando aqui connosco, o poder local.

As empresas quando batem à porta do Estado para querer concretizar um projeto sabem que em muitos casos têm uma dúzia de regimes de licenciamento ambiental. Tinham de apresentar a mesma proposta, praticamente com a mesma memória descritiva, em vários guichets , para corresponder a uma dúzia de regimes ambientais.

Significa, portanto, que estávamos a criar um problema à atividade económica sem ter, por outro lado, um acréscimo de vantagem ambiental por comparação a uma solução mais eficiente. Ora, o governo aprovou o licenciamento único ambiental que significa que passa a haver um guichet , ou seja, um interlocutor, uma plataforma, um documento, um processo, um título e uma taxa, e no final deste processo não se poupou nenhuma proteção ambiental mas poupou-se muito tempo.

Porque em vez de termos uma dúzia de avaliações feitas de uma forma sequencial, passamos a ter uma dúzia de avaliações realizada de uma forma paralela. Portanto, não há nenhum risco ambiental que resulte desta desburocratização mas há uma mais-valia económica e de competitividade que resulta desta alteração.

A terceira área que gostava de referir, em especial porque estou no Interior, é o tema das águas. Mais uma vez estamos a falar de uma área onde o diagnóstico era conhecido há muito tempo, mas faltou coragem para o enfrentar com uma solução estrutural. Confesso que já estou muito cansado de discursos que batem no peito a defender o combate à desertificação e ao despovoamento mas na hora da verdade encontram sempre uma razão muito conveniente para dizer "desta vez não, não dá jeito”.

Há sempre uma razão muito oportuna para dizer "esta solução ainda não é perfeita”. Já vimos isto muitas vezes e eu tive a oportunidade de o verificar várias vezes nos últimos anos e meses.

Vamos ao diagnóstico, porque é importante termos noção do que falamos. Na área das águas atingimos níveis extraordinários de acessos e de qualidade. Temos 95% de rede pública de abastecimento de água, 80% de tratamento de águas residuais, investimos cerca de onze mil milhões de euros de vários fundos comunitários desta área da infraestruturação. De facto foram notáveis ao nível do acesso, da universalidade, mas ao mesmo tempo temos 40% de perdas na distribuição de água, em alguns municípios 80% de perdas de distribuição de água. Temos custos do sistema que são 35% superiores às receitas, dívidas dos municípios, um défice de tarifário superior a 500 milhões de euros e a necessidade de ainda fazermos 3.700 milhões de euros de investimento.

Portanto, era necessária uma resposta estrutural e não aquela resposta, ou aquele debate preguiçoso, de privatização ou não privatização. Essa é uma conversa fácil. Difícil é dizer que não queremos privatizar mas que temos uma solução para este setor ser sustentável.

Este governo conseguiu demonstrar que não ponderando, não admitindo, não equacionando, não fazendo a privatização do setor, conseguia ter uma solução sustentável para o mesmo. Foi esse o objetivo da reforma do setor das águas, que juntou 19 sistemas municipais e multimunicipais, do Interior e do Litoral, em apenas cinco sistemas de forma a termos uma harmonização tarifária na alta.

Isto é, quando abrimos a torneira em casa metade do valor que é cobrado resulta do serviço em alta que é aquela parte dos serviços de água, que vão desde a captação, transporte, até à entrada do concelho. Depois há uma outra parte que é a das redes municipais.

O governo fez a reforma da alta, da água que chega à porta dos municípios e conseguimos harmonizar as tarifas de uma forma gradual na parte da alta entre o Interior e o Litoral. Tínhamos disparidades de um para três, com mais custos no Interior do que no Litoral no setor das águas.

Tenho tido oportunidade de dizer a vários Presidentes da Câmara que não aceito um debate que olhe para o Interior como se estivéssemos a traduzir os custos em razões de ineficiência. Não aceito porque os gestores são os mesmos, as tecnologias são as mesmas, as abordagens são as mesmas, há apenas a diferença de haver menos gente.

Havendo menos clientes há mais dificuldade em amortizar essas infraestruturas. Portanto, não é justo, aceitável, a abordagem de certos municípios do Litoral que diziam "mas tenho uma empresa que é fantástica, rentável, porque é que agora me vão colocar numa empresa maior com municípios que têm défices nas suas empresas?”.

Ora, esta é a altura de convocar a solidariedade e a coesão territorial. Com este sistema de fusão em sistemas de alta no Interior e no Litoral conseguimos harmonizar as tarifas.

O sacrifício que é pedido aos sacrifício dos cidadãos do Litoral é muito pequeno por comparação com os benefícios já gerados no Interior.

Tenho ouvido alguns autarcas do Litoral dizerem que estamos perante aumentos enormes. Convém detalharmos o tema para termos noção do que estamos a falar.

Estamos a falar de aumentos de 20 cêntimos a 30 cêntimos por ano, a cinco anos, no Grande Porto e na Grande Lisboa em 10m3, o que gerará um aumento de 1,5 euros ao fim de cinco anos para benefícios que já são visíveis nos municípios do Interior em 13 euros num só ano.

Julgo que todos aqueles que defendem a coesão territorial, o combate ao despovoamento e à desertificação deveriam ter tido oportunidade de apresentar uma alternativa, o que infelizmente não foi o caso.

Referiria também o setor dos resíduos, onde conseguimos demonstrar - e este é um tema que tem a vantagem de se traduzir numa verdadeira vantagem do Estado - que o Estado não tem de fazer tudo. Um Estado que é simultaneamente concedente, fiscalizador e gestor, muitas vezes, perde a capacidade para reforçar as condições de fiscalização e de regulação. Por essa razão entendemos que devíamos fazer uma reforma no setor dos resíduos, que poupasse dinheiro aos cidadãos.

Muito municípios que têm criticado a reforma do setor dos resíduos e não posso deixar de registar que o PCP lidera e o PS vai atrás, fazem-no não por causa da privatização dos resíduos mas por uma razão muito mais prática e pragmática: porque esta reforma envolveu uma alteração do regulamento tarifário dos resíduos.

Antes desta reforma, o preço dos resíduos que era cobrado aos cidadãos somava todos os custos e elevava a tarifa. Nesses custos estavam piscinas, parques desportivos, carrinhas, tudo coisas muito positivas, úteis, fundamentais do ponto de vista social, mas não é política de resíduos. Com este novo regulamento tarifário vai a custo apenas aquilo que é verdadeiramente custo no setor dos resíduos. Quem ganha com isto? Ganham os cidadãos, uma vez que a tarifa será reduzida neste setor em 20% relativamente àquilo que estava previsto.

Para concluir, nos dez minutos que me sobram, gostava agora de falar do tema da energia. Já não vou conseguir falar da fiscalidade verde, nem de outras matérias como a conservação da natureza e o Litoral, por isso deixo-as para as vossas perguntas.

Energia não é eletricidade. Esse foi dos maiores equívocos a que assistimos durante muito tempo no debate público. Muita gente tentou que o debate da energia fosse apenas um debate sobre a eletricidade.

Nesta área conseguimos alterar o perfil energético em Portugal. Quando o governo iniciou funções, Portugal tinha uma dependência energética do exterior e um nível de energias renováveis na eletricidade completamente diferente do que temos hoje.

Tínhamos 40% de renováveis de eletricidade em 2011, temos hoje 62%. Temos agora 71% dependência energética do exterior, que é o valor mais baixo dos últimos 20 anos, pois chegámos a ter 90% de dependência energética do exterior em 2005.

Conseguimos, portanto, demonstrar que é possível cortar nas rendas excessivas e ao mesmo tempo ir mais longe na descarbonização e na promoção das energias renováveis ou da eficiência energética.

Portugal cortou nas rendas de eletricidade 3400 milhões de euros. Este é um tema importante, porque quando o governo iniciou funções recebeu uma mochila de dívida tarifária resultante de contratos da legislação assumida no passado, que nos colocava em 2020 com uma dívida de seis mil milhões de euros. Tal como na área orçamental, o tema da dívida tarifária teria de ser resolvido de uma forma estrutural.

Só existiam três formas de a resolver: ou não fazer nada e no fundo era dizer "continuamos a empurrar com a barriga e as próximas gerações que paguem a dívida tarifária” - solução inaceitável; ou aumentar as tarifas e o aumento das tarifas que os portugueses teriam de ter pago estariam na ordem dos 14% por ano para reduzir a dívida tarifária (como sabem, a dívida tarifária é a soma dos défices tarifários anuais); e uma terceira solução que era de avançarmos com cortes nas rendas de 3400 milhões de euros a par de aumentos das tarifas de 1,5% a 2% e não de 13% até 2020.

Conseguimos baixar a dívida e o défice tarifários; neste ano tivemos o nível mais baixo dos últimos cinco anos e no final deste ano passaremos de défice para superavit tarifário. O mérito, aqui, está obviamente em termos tido a coragem de enfrentar este tema do défice e da dívida de uma forma que não afetasse o setor das energias renováveis.

Devo dizer que foi a discussão mais importante que tive com a Troika. Foi a necessidade de demonstrar que era possível e incontornável cortar nas rendas excessivas no setor da energia, mas ao mesmo tempo não abrandar a nossa liderança na área das energias renováveis.

Porque quando se fala de energias renováveis em Portugal, ou de mobilidade eléctrica, ou de eficiência energética, estamos não só a falar de energia mas também a falar de emprego, de inovação, empreendedorismo e, portanto, de crescimento e de desenvolvimento.

Fomos capazes também de dar uma resposta para os cidadãos mais vulneráveis. Houve um corte adicional feito às empresas do setor da energia, para financiar a tarifa social que pode atingir 34% de desconto para 500 mil consumidores, o que compara com a ambição do passado que era apenas de 20% da redução para 60 mil consumidores.

Mas, como disse há pouco, energia não é eletricidade. Esta foi também uma das áreas onde de facto conseguimos avançar com reformas que nem sequer estavam previstas no memorando de entendimento.

Quando um país gasta por ano seis mil a dez mil milhões de euros de importação de combustíveis fósseis não tem um problema ambiental, tem um problema económico.

Nós podemos ter 62% de renováveis na eletricidade, mas a eletricidade representa 25% do consumo final de energia. Portanto, era necessário olhar para o setor do gás e o dos combustíveis de forma a tornar este setor mais eficiente e, por outro lado, baixar custos aos consumidores.

Por isso, obviamente a fiscalidade verde criou condições para fomentar a eficiência energética nesta área, mas também gostava de destacar o que fizemos no setor do gás.

Primeiro o tema do gás de botija, que muitos líderes de opinião e também o público acham pouco sofisticado, pouco moderno: "Porque é que agora o Ministro do Ambiente e da Energia vem agora falar do gás de botija? Política energética é algo tão fascinante, por que não nos fala de coisas mais sofisticadas?”.

É que 75% dos portugueses não têm gás natural, depende do gás de botija. Esses 75% dos portugueses que depende do gás de botija sabe que é importante ter condições para quando vão ao revendedor entregar a garrafa receber uma de outro comercializador sem terem de ficar agarrados a um comercializador.

Como é importante que o redutor da garrafa seja standard e não tenha de mudar de garrafa para garrafa para tornar mais difícil a mudança da botija.

Como é importante também que quando chega ao final a utilização da garrafa e se vai devolver, que o gás que ficou no fundo da garrafa nos seja devolvido, porque de acordo com a DECO esse gás significa 75 euros por ano por habitante.

Nós liberalizámos, ou melhor, garantimos que a comercialização permita a troca de garrafas, que a tecnologia é standard e que seja reconhecido o gás sobrante no final da utilização. Como também no gás natural enfrentámos um dos maiores problemas que Portugal tinha nesta área, que era o facto de ter uma incorreta repartição de encargos e benefícios resultantes da importação de gás da Nigéria e da Argélia.

Este é mais um dos temas que vale a pena debater.

O anterior governo aprovou legislação que basicamente disse o seguinte em 2006: a importação de gás da Nigéria e da Argélia nos contratos "take-or-pay” eram feitas de uma forma que a empresa que importava esse gás, neste caso a GALP, tinha um conjunto de garantias no caso de alguma coisa correr mal.

Isto é, se o consumo de gás fosse mais baixo e se o preço do gás fosse inferior na venda à aquisição na Nigéria ou na Argélia, esse custo era repassado aos consumidores. Mas se alguma coisa corresse bem e a empresa tivesse conseguido ter um benefício maior resultante da revenda desse gás para outros mercados, esse era um benefício da empresa.

De acordo com estimativas que foram realizadas, podemos estar a falar de um valor de 600 a 800 milhões de euros de benefícios que não foram entregues aos consumidores portugueses.

Este governo, de modo próprio e sem que isso estivesse no memorando de entendimento, decidiu avançar com o alargamento da contribuição extraordinária do setor da energia a estes contratos "take-or-pay”, para benefício dos consumidores.

Não estamos a tributar o passado, isso seria obviamente inaceitável, mas estamos a dizer que esses contratos têm um valor económico equivalente que deve ser tributado e que essa tributação geraria uma vantagem que seria totalmente entregue ao setor do gás para redução das tarifas aos consumidores.

Isso já aconteceu. Não estamos a falar de teoria ou promessas, mas de resultados. Se consultarem os preços do gás agora em Julho, concluirão que as tarifas baixaram 7% a 12% com o valor acumulado da descida em Maio e em Julho.

Uma boa parte desta descida resulta desta contribuição extraordinária que gera 150 milhões de euros que foram totalmente entregues aos consumidores para baixar tarifas do gás.

Repito: isto demonstra que o governo não se ficou pelo tema da eletricidade, ou pelos temas da Troika, mas teve capacidade para nesta área como na dos combustíveis low-cost e preços de referência criar condições para haver mais competitividade, mais transparência e mais redução da nossa dependência energética do exterior.

Obviamente estou no último minuto, teria uma boa meia hora adicional de conversa, o que prova que não fui capaz de calibrar bem a intervenção.

Espero que agora as perguntas sejam nas áreas que não consegui abordar na intervenção inicial, mas se não forem eu farei um esforço para falar desses temas.

Mas há uma conclusão que gostava de fazer agora. Procurei demonstrar que governar é reformar. É que era necessário agora garantir estabilidade e previsibilidade.

Estávamos a falar de uma área estratégica como é o crescimento verde, como é que poderíamos garantir que nela tínhamos ambição, estabilidade, previsibilidade e que não estávamos sempre a recomeçar políticas públicas. Isso dependia de um compromisso para o crescimento verde, que foi trabalhado durante um ano com uma centena de organizações, ONG, associações da área empresarial, área financeira, do setor de investigação e de desenvolvimento, que colocasse metas concretas de 40% de renováveis em 2030, de 40% de redução das emissões de CO2 em 2030, de reforço das interligações energéticas de 10% em 2020 e de 15% em 2030, de redução da intensidade energética em 1,4% por ano no PIB até 2030, de passagem da reabilitação urbana de 10% para 25% em 2030, entre outras.

No fundo, um conjunto muito alargado de metas, de propostas, de medidas e reformas que não deviam apenas vincular o espaço político-partidário e um governo, mas que deveriam ser um projeto, um pacto, um contrato social.

Conseguimos algo que muitos consideravam impossível. A meia dúzia de meses das eleições conseguimos assinar este contrato, o compromisso para o crescimento verde, com estas 14 metas e 111 reformas e iniciativas, que foi assinado pelo governo português mas também por associações da área empresarial, ONG, fundações, organizações da área científica e académica.

Acho que vale a pena sublinhar este compromisso.

É muito raro em Portugal conseguirmos um compromisso desta amplitude e desta natureza. É mesmo ímpar à escala internacional. Em Portugal, conseguimos portanto fazer aquilo que era altamente improvável muito próximo das eleições.

Quero enaltecer, elogiar, a coragem das organizações da sociedade civil de terem prescindido de algumas das dimensões da sua agenda para conciliar pontos de vista, dando uma lição notável a muitos partidos políticos.

É extraordinário que uma centena de organizações, desde a CAP à CIP, à Quercus e muitas outras das sociedade civil, tenham tido a coragem de dizer "bem, não concordo com tudo, mas o crescimento verde é mesmo importante e não quero estar sempre a recomeçar políticas públicas sempre que mudam de governo e, portanto, assino este contrato”.

Tenho pena que, apesar dos sucessivos convites que lancei, os partidos políticos da oposição não tenham tido esta capacidade de conciliar pontos de vista apesar da nossa abertura. Mas fica o essencial. Este contrato, este compromisso, não é do governo; neste momento é um compromisso da sociedade portuguesa e é por essa razão que as organizações internacionais olham hoje Portugal e dizem que é AAA na área verde.

Todos ambicionamos o momento em que as condições económicas e orçamentais permitam que o rating da República possa melhorar e estamos todos muito confiantes que isso vá acontecer.

Por isso é que estas eleições são tão importantes.

Mas há uma área onde esse reconhecimento já surgiu. Surgiu porque nós não fizemos o que era mais fácil, que era usar o pretexto da crise para adiar, hesitar, transigir na área verde, mas sim fizemos da crise uma razão adicional para liderar na área verde.

Hoje, isso é reconhecido internacionalmente. Portugal é o quarto melhor país do Mundo, foi reconhecido tanto em 2014 como em 2013, na área das alterações climáticas. Subiu oito posições no ranking mundial da política energética do fórum económico mundial, tendo Portugal hoje a 10ª melhor política energética do Mundo.

O Secretário-Geral das Nações Unidas e da OCDE apresentaram a fiscalidade verde e o compromisso para o crescimento verde como o exemplo internacional que deveria ser prosseguido e essa é de facto uma vantagem para todos os que trabalham nesta área.

Se Portugal é AAA na área verde, significa que um produto na área verde fabricado em Portugal, ou um investimento na área verde que se procura trazer para Portugal, tem maiores condições de sustentabilidade porque esse reconhecimento já surgiu.

Mas para isso é necessário continuar a reformar e a perseverar nesta área.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Simão Ribeiro
Muito obrigado, senhor Ministro Jorge Moreira e Silva e sempre Presidente da JSD. Para a primeira questão da aula da tarde, passo a palavra ao Grupo Amarelo, mais especificamente ao Pedro Brandão.
 
Pedro Brandão

Boa tarde, senhor Ministro. O senhor Ministro acredita que o aquecimento global efetivamente existe e devem os governos tomar medidas para o prevenir e combater, ou será algo cíclico?

Obrigado.

 
Jorge Moreira da Silva

Obrigado. Pergunto-me é como é que ainda há no espaço público, felizmente cada vez menos vozes, mas há alguns que ainda têm dúvidas relativamente à inexorabilidade da mudança climática.

Trabalho nesta área há praticamente 20 anos. O Carlos Coelho sabe disso.

Infelizmente, não só o tempo veio dar razão aos receios que tínhamos, como infelizmente veio mesmo agravar as previsões que tínhamos para esta área.

O combate às alterações climáticas é urgente, na medida em que todos os dados científicos apontam para a sua inexorabilidade e, portanto, para a relação de causa-efeito entre as emissões de gases com efeito de estufa e as consequências climáticas.

Mas estamos também a falar de uma área que no caso da vertente portuguesa tem também uma dimensão muito séria. A tempestade Hércules do ano passado veio mostrar a nossa vulnerabilidade costeira. Tivemos de investir cerca de 20 milhões de euros só nas áreas afetadas pelo Hércules no ano passado. Mas se olharmos para o stress hídrico que está previsto na OCDE pelos vários países, concluímos que Portugal é um dos dez países da OCDE sob maior stress hídrico resultante das alterações climáticas.

Diria que, não só as alterações climáticas são infelizmente uma realidade inexorável como o grau de urgência e de emergência é maior, como no caso português conhecemos bem essa dimensão não é necessário ir para países mais distantes para termos noção de que estamos perante uma ameaça maior.

Mas estou otimista no que diz respeito à resolução deste problema. Em primeiro lugar, porque é gerível. Estamos a falar de medidas que atingem em termos potenciais 3,1 gigatoneladas de CO2 de redução das emissões com tecnologias que estão ao nosso dispor, desde as energias renováveis à eficiência energética, à eliminação de algumas tecnologias mais poluentes para a produção de eletricidade.

Portanto, é absolutamente gerível, mas é também custo-eficiente e esta é uma questão importante.

Podia ser urgente, poderia ser possível mas incomportável economicamente; não é o caso. A Agência Internacional da Energia que é insuspeita, pois não é uma ONG, não é um grupo da área do ambiente, veio confirmar as previsões do relatório Stern e de outros relatórios internacionais demonstrando que o custo de nada fazermos e enfrentarmos as consequências das alterações climáticas é 20 vezes superior ao custo da mitigação da nossa ação.

Traduzindo isto por miúdos em termos de números: o investimento necessário na área das alterações climáticas nos próximos anos para termos um aumento da temperatura limitado a 2ºC e não a 3ºC ou 5ºC, como se afirma nas previsões, situa-se na ordem dos 1,5 biliões de dólares, que é cinco vezes menos do que as consequências do adiamento.

Depois, há uma última dimensão que é a da oportunidade. Podia ser urgente, gerível, custo-eficiente, mas não gerar oportunidades económicas e de emprego a curto-prazo, mas gera.

A Agência Internacional da Energia e a Agência Internacional das Energias Renováveis vieram agora reafirmar que teremos a duplicação do investimento nas energias renováveis nos próximos anos e com isso teremos um acréscimo de quatro milhões de novos postos de trabalho nesta área.

Portanto, temos tudo para liderar nesta área e espero que a Conferência de Paris esteja à altura das nossas responsabilidades.

 
Simão Ribeiro
Obrigado. Agora do Grupo Laranja, José Costa Pinto.
 
José Costa Pinto

Boa tarde, senhor Ministro. O compromisso para o crescimento verde tem como uma das metas aumentar as interligações na Europa em 10% até 2020 e 15% até 2030, o que irá permitir a Portugal e Espanha exportar e importar eletricidade.

Havendo sobrecustos associados às energias renováveis, a ideia será exportar essa energia, aliviando esses sobrecustos. No entanto, se a França (altamente dependente da energia nuclear) não precisar da nossa energia, não irá comprá-la a um preço que se justifique.

Tendo isto em conta, será esta a melhor solução para reduzir o défice tarifário do nosso país, tornando-o mais competitivo?

Obrigado.

 
Jorge Moreira da Silva

Obrigado. Esse foi outro tema, felizmente foi colocado, que não consegui abordar. Tenho lidado muitas vezes com a Comunicação Social e plateias mais alargadas, tenho noção que alguns destes temas sendo importantes não lhes é atribuído um grau de relevância ao ponto de merecerem a centralidade do debate político.

No fundo, as pessoas dizem "de facto é importante aquela medida, foi bem feita e negociada, mas é uma coisa muito técnica ou muito complexa e não merece o prime time ”. Ora, merece. Merece, porque muito do que seremos do ponto de vista da energia e da competitividade resultará dessa decisão das interligações.

Dizendo de outra forma: foi apresentado aos portugueses um projeto europeu de mercado interno da energia e durante muitos anos a expectativa que os portugueses tiveram é de que com esse mercado interno da energia os preços baixassem. Mais mercado, mais competitividade e mais concorrência, menores custos. Infelizmente isso não aconteceu.

Algumas das razões são nossas e já falei sobre isso, das rendas que foram removidas, mas há outras razões que não são nossas e são europeias.

Tinha chegado a altura de um governo português dizer à UE que, tendo feito o governo português a sua parte numa altura em que seria fácil adiar, era chegado o momento de a UE fazer a sua parte.

O mercado interno da energia terminou nos Pirinéus, durante décadas. Tivemos interligações entre Portugal e Espanha e França na ordem dos 1,4%. Foram feitas várias declarações, nomeadamente em Barcelona em 2002, dizendo que deveríamos ter 10% de interligações entre todos os países.

Para aqueles que não estão familiarizados com o tema: estas percentagens medem-se como? É a percentagem de potência instalada em cada país que deve ser possível despachar através de linhas de transmissão de eletricidade entre países vizinhos. É fácil perceber que se a linhas não têm tanta capacidade um país não pode exportar nem importar eletricidade e, portanto, está isolado em termos de mercado.

Foi assim que vivemos durante muitos anos, com 1,4% de interligações elétricas entre a Península Ibérica e França até há muito pouco tempo.

O que acontecia no resto da Europa? Mais de metade dos países europeus atingiram 15% de interligações com o país vizinho, portanto uma plena integração, com a vantagem associada de poder importar e exportar energia com mais valorização de recursos endógenos e mais capacidade para promover a concorrência para benefício dos consumidores.

O governo português identificou uma janela de oportunidade e ao contrário do que aconteceu em 2007 não desistiu.

No âmbito do pacote de clima e energia para 2030 foi formulado um conjunto de metas por parte da Comissão Europeia para renováveis, CO2 e eficiência energética.

Isto já tinha acontecido em 2007 para 2020, o célebre pacote 20-20-20. Isto é, o anterior governo negociou com Bruxelas, ou acordou com o Conselho Europeu, um pacote que dizia 20% renováveis, 20% redução de emissões de CO2 e 20% de eficiência energética. As interligações energéticas, zero, não faziam parte da conversa.

Agora que a Comissão Europeia propôs um novo pacote, isto no ano passado, voltaram as metas das renováveis, do CO2 e da eficiência energética. O governo português disse: está muito bem, até somos campeões nas renováveis, queremos reduzir o CO2, mais eficiência energética, é do nosso interesse, mas não contem connosco para um acordo europeu para clima e energia que continua a dizer que a Península Ibérica é uma ilha energética. Acreditem, não foi fácil lidar com este tema.

Tanto no Conselho do Ambiente como no de Energia e julgo sem qualquer falsa modéstia, que foi uma vantagem ter tido a possibilidade de participar nos dois conselhos em que esta matéria era debatida. Fomos bloqueando decisões até que o Primeiro-Ministro assumiu uma posição ímpar em termos de negociações europeias, que foi dizer que não aceitamos este pacote se não for claramente identificada a meta de 10% de interligações em 2020 e 15% em 2030. E conseguimos.

O meu caro Carlos Coelho conhece isto melhor do que eu: é muito um país invocar a possibilidade de veto em decisões por unanimidade. É uma decisão que deve ser tomada de uma forma parcimoniosa, sob pena de estarmos a bloquear o processo europeu e a gerar desconfiança.

A confiança, a credibilidade, é fundamental num processo desses.

Portanto, tivemos condições para jogar esta cartada num dossier fundamental, que foi de bloquearmos a decisão se não fosse incluída esta provisão.

Em segundo lugar, era importante garantir que esta não era uma declaração mas sim um contrato. Por isso, o Primeiro-Ministro com o Presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, mais o Presidente Hollande e o Presidente da Comissão Europeia, Juncker, assinaram uma declaração que é um contrato.

No fundo, depois do Conselho europeu ter celebrado este acordo, foi em Madrid assinada uma declaração que identifica os projetos necessários para atingir os 10% de interligações. São dois projetos transpirinaicos e um entre França e Espanha no Golfo da Biscaia, para atingir os 10% de interligações e a garantia de que haverá financiamento europeu para esta área.

Era necessário, obviamente, depois de se identificar isto e foi realizado recentemente no acordo que foi por mim assinado com a Ministra francesa Segolène Royale e com o Ministro espanhol Soria e com o Comissário Arias Cañete para termos um sistema de governação de metas, de monitorização e de identificação dos mecanismos financeiros.

Para concluir: qual é a vantagem? Essa foi a sua questão.

Imaginem dois países, Portugal e um país do Centro da Europa. Portugal tem água, vento, sol, em quantidade e qualidade que muitos países do Centro da Europa não dispõem. Se Portugal puder com as interligações produzir mais energias renováveis para exportar para esses países, esses poderão atingir as suas metas nacionais a um custo mais baixo.

Porque todos terão de cumprir metas; a questão está em saber com que custo e com que benefício.

Portanto, eletricidade renovável produzida em Portugal representa um custo inferior para esses países atingirem as suas metas. O que é que nós ganhamos? Ganhamos investimento, projetos e emprego.

A partir do momento em que existe esse reconhecimento, podemos ter mais projetos de energias renováveis em Portugal sem que isso onere num cêntimo que seja os consumidores portugueses.

Foi por essa razão que não desistimos nunca de compatibilizar competitividade, cortando nas rendas, com sustentabilidade, indo mais longe nas energias renováveis.

Falando de custos e de benefícios, quanto é que isto dá de benefício europeu gerado a partir desta reforma? Estamos a falar de uma redução de custos energéticos na UE de 40 mil milhões de euros por ano.

Portanto, uma Europa mais interligada é não só uma Europa mais descarbonizada e mais sustentável mas é também uma Europa mais competitiva, porque há mais concorrência e temos de ter menos capacidade redundante.

Gostava ainda de falar sobre o gás, não sei se ainda haverá alguma questão que será colocada sobre a interligação do gás.

Aguardo a pergunta, senão introduzo o tema. Não quero falar mais do que os tais cinco minutos por pergunta, mas se ninguém me fizer uma pergunta sobre interligações de gás está prometido que farei uma referência a isso na intervenção final.

 
Simão Ribeiro
Obrigado, muito bem, senhor Ministro. Agora temos o Fábio Machial do Grupo Castanho.
 
Fábio Machial

Boa tarde, senhor Ministro. Agradeço desde já a sua intervenção.

A minha questão ia ao encontro da medida tomada pelo governo no que toca ao pagamento de sacos plásticos. É uma medida sem dúvida meritória por parte do governo no combate à poluição.

A minha questão é se não seria talvez mais interessante e eficaz promover a utilização de sacos plásticos reciclados gratuitamente nas grandes superfícies comerciais, à semelhança do que se faz em países como a Irlanda ou o Reino Unido.

 
Jorge Moreira da Silva

Muito obrigado. Estamos a falar de uma medida que foi um verdadeiro êxito apesar da desconfiança de alguns líderes de opinião que foram seguramente mais preconceituosos do que os portugueses.

Deixe-me explicar sobre a medida e depois falamos do efeito prático. Quando o governo avançou para a fiscalidade verde fê-lo por razões ambientais mas também por razões económicas e sociais.

Disse sempre que o debate sobre mais ou menos impostos que estava respondido à partida: todos queremos ter menos impostos. A questão é saber se num determinado momento da vida económica social portuguesa em que ainda não era possível baixar impostos porque o nível de redução da despesa e de atividade económica ainda não acalentava essa hipótese, se ainda assim não devíamos criar condições para ter uma fiscalidade mais inteligente, mais amiga das empresas, dos cidadãos e do ambiente.

Foi um debate importante, que era no fundo perceber se num contexto de neutralidade fiscal, em que a carga global dos impostos não aumentava nem diminuía, se podíamos ter uma distribuição da fiscalidade em termos relativos em que penalizando mais aquilo que poluíamos e degradamos podíamos penalizar menos aquilo que geramos e auferimos.

Havia um conjunto de razões para tentar impulsionar esta matéria da fiscalidade verde.

Uma das razões estava relacionada com a eficiência. Se há matéria que julgo que na próxima legislatura nos teremos de centrar é o tema da eficiência. Temos de fazer mais com menos.

Somos campeões nas renováveis, nas tecnologias limpas, na economia verde, mas ainda perdemos 40% da água que distribuímos e temos uma dependência energética do exterior de 70%, ainda desperdiçamos muita energia nos nossos edifícios e nos transportes temos 35% de utilização do consumo final de energia.

Era necessário perceber se tínhamos condições para através da fiscalidade verde reorientar comportamentos para que produzir verde significasse ganhar e consumisse verde significasse poupar.

Isto justificava-se, como disse há pouco, porque os nossos indicadores demonstravam alguma ineficiência.

A segunda questão era de equidade fiscal. Julgo que já falei nisso aqui numa universidade quando há muito tempo propus a taxa de carbono. Foi talvez na Universidade de Verão de 2011.

A taxa de carbono foi aprovada no âmbito da fiscalidade verde, como sabem. Se comparar a evolução da fiscalidade em Portugal pode concluir que no final do mandato do Prof. Cavaco Silva como Primeiro-Ministro, Portugal tinha em termos europeus a quarta ou a quinta maior carga fiscal verde no cômputo geral da fiscalidade.

Isto é, se somasse toda a fiscalidade do consumo, do trabalho e da fiscalidade verde, o peso da fiscalidade verde em Portugal em 1995 era o quarto maior da União Europeia.

Quando este governo iniciou funções, desse peso da fiscalidade verde, a nossa posição europeia caiu para 17ª posição. O que quer isto dizer? Que a fiscalidade verde diminuiu em Portugal nesses anos? Não. Significa que os impostos sobre as empresas e sobre as pessoas e o consumo aumentaram mais do que os impostos sobre a poluição.

Essa era uma segunda razão para procurarmos através da fiscalidade verde criar condições para, tributando mais a poluição, desagravar o IRS. A terceira questão era saber como é que isto se faz e como é que podíamos garantir, numa altura em que o país estava já na retoma económica, que não íamos ter uma proposta de fiscalidade verde que sendo boa para o ambiente pudesse ser recessiva ou penalizadora do emprego.

Por isso, fizemos um trabalho amplamente discutido com uma comissão independente que concluiu que não só a fiscalidade verde seria neutral, tudo o que fosse gerado de nova fiscalidade teria de ser desagravado no IRS e na fiscalidade sobre a mobilidade elétrica, principalmente no IRS, de 165 milhões de euros de fiscalidade verde 150 milhões de euros serviram para desagravar o IRS no âmbito do coeficiente familiar.

Mas era necessário, por outro lado, garantir que estas medidas tinham efeitos positivos na economia e no emprego. A avaliação que foi feita conclui que estas medidas que foram aplicadas incluindo a do saco plástico, o agravamento do ISV, a taxa de carbono, tinham benefício em termos de emprego com um multiplicador de 0,22.

Voltando aos sacos de plásticos, a solução que Portugal adotou teve resultados que são visíveis. Quem vai a uma grande superfície ou a um pequeno comércio consegue verificar que os sacos de plásticos leves praticamente desapareceram.

Não é indiferente falar de sacos leves e de outros sacos. O problema nos sacos de plásticos não está tanto no material mas na circunstância desse material, com uma espessura muito diminuta gerar riscos maiores. A fragmentação dos sacos plásticos com uma espessura inferior de 50mcg é altamente provável, e permanece no planeta durante mais de 200 anos.

Portanto, a questão não era tanto do plástico mas dos sacos leves, porque são os serviam para acomodar o lixo e depois se acabavam por fragmentar, não tinham facilidade de separação nos aterros ou noutras centrais e acabavam por entrar nos ecossistemas, com as consequências que todos conhecemos.

Era importante, portanto, introduzir uma taxa que fosse suficientemente visível para gerar alteração de comportamentos mas também compatível com outras ofertas de que os cidadãos pudessem dispor. Os dez cêntimos é um valor inferior àquele que foi praticado na Irlanda, por exemplo, onde foi aplicada uma taxa de 22 cêntimos e aplicou mesmo uma taxa de 70 cêntimos para alguns sacos.

Portugal aplicou uma taxa de dez cêntimos - oito cêntimos mais IVA - com o objetivo de baixar a nossa utilização de sacos plásticos que era a mais elevada da Europa: 466 sacos plásticos por habitante por ano, que era mais do dobro da média europeia.

O objetivo do governo com a fiscalidade verde era de passarmos de 466 para 50 sacos por habitante no primeiro ano, em 2015 e 35 no próximo ano. Devo dizer que julgo que todos os resultados que podemos verificar in loco no comércio, nos supermercados e grandes superfícies, está em linha com esta previsão de redução em 90% da utilização de sacos plásticos.

Hoje, os cidadãos avançaram com soluções perfeitamente compatíveis com o seu modo de vida, com sacos reutilizáveis, sendo que dispõem de sacos do lixo para acomodarem o lixo e que são mais adequados e a um custo inferior aos dez cêntimos.

Portanto, os cidadãos têm a menos de dez cêntimos sacos do lixo que são mais adequados para acomodar o lixo e utilizam os sacos de compras reutilizáveis para substituir os sacos leves. Penso que esta foi uma reforma que foi coroada de êxito.

 
Simão Ribeiro
Muito obrigado, senhor Ministro. Segue-se o Joel Pinto, do Grupo Roxo.
 
Joel Pinto

Boa tarde, senhor Engenheiro. Portugal tem mais de 800kms de costa e 97% do seu território está no mar. Apesar de termos criado tecnologias nesta área, como por exemplo a produção de energia marmotriz, os portugueses demonstram um afastamento perante esta área.

Na sua ótica, o investimento deve ser público ou privado e de que forma se pode promover esta área?

Obrigado.

 
Jorge Moreira da Silva

Está a falar de uma nova geração de energias renováveis e é importante que Portugal, tendo conseguido consolidar-se nas energias renováveis maduras, nomeadamente na energia eólica, possa agora também se posicionar nas novas energias renováveis.

A questão está em saber com que custos e com que nível de ambição.

Não se pode apostar em energias renováveis que não estão suficientemente maduras para a promoção junto dos consumidores na produção de eletricidade se isso gerar novos défices tarifários.

Por isso, a nossa abordagem é muito clara: o que é energia renovável madura deve ser financiada pelo mercado e isso é evidente para as energias renováveis como a eólica e cada vez mais para a solar.

Os últimos contratos de energia solar em Portugal já estão a ser realizados num contexto de mercado e não de subsídio na tarifa. Significa, portanto, que estas são tecnologias que se vão desenvolvendo sem que se tenha de utilizar subsídios para o seu desenvolvimento.

Parece-me evidente que depois de termos apostado muito nas energias renováveis, nas eólicas, e temos agora condições, em especial com as interligações elétricas, para desenvolver mais a solar em condições de mercado e não de subsidiação, para consumo próprio e exportação.

Mas depois existem algumas energias renováveis de nicho onde devemos apostar mas num contexto de investigação, desenvolvimento e demonstração.

Aqui, referiria três áreas: o solar concentrado, que não é o solar fotovoltaico tradicional, e que é uma tecnologia emergente ainda cara mas em que os custos têm vindo a cair muito significativamente. Só no fotovoltaico, vale a pena referir, o custo da tecnologia caiu 75% nos últimos dez anos, o que permite antever uma revolução extraordinária nesta área da energia solar.

A segunda área de investigação, desenvolvimento e demonstração é do eólico offshore , em especial daquele que utiliza plataformas flutuantes. Portugal tem uma costa que não permite como outros países plataformas eólicas ligadas ao fundo ou à costa. Portanto, é necessário usar tecnologias flutuantes, que estão a ser desenvolvidas.

A terceira área é a que referiu, a energia das ondas. Temos um projeto muito interessante em Peniche, que espero que possa vir a dar bons resultados e é nessa lógica que devemos trabalhar. Devemos apostar no desenvolvimento dessas tecnologias de modo a que no momento em que elas tenham um nível de maturidade e de competitividade mais elevada, possamos avançar para a sua massificação.

O que não faz sentido é cometer erros que foram cometidos noutros países e também num determinado momento em Portugal, que é avançar de uma força demasiado voluntarista independentemente do preço e do custo, para tecnologias onde devemos apostar mas de uma forma gradual.

No eólico e no solar estamos em condições de desenvolver com base no mercado; quanto a energia das ondas, eólico offshore e solar concentrado, são áreas em que devemos apostar utilizando verbas do NER 300 que é um programa europeu e dos fundos do Portugal 2020, como está a acontecer.

Permitam-me que fale aqui sobre o autoconsumo. Muitos conhecerão esta dimensão da produção descentralizada, vemos nos telhados e durante muitos anos vimos painéis fotovoltaicos que serviam para produzir eletricidade de uma forma descentralizada e injetar na rede.

Não era produção para consumo próprio, mas no fundo transformar cada cidadão, família, ou empresa, num produtor de eletricidade renovável e não num cidadão ou numa empresa consciente dos seus desafios de eficiência energética para utilizarem energias renováveis para consumo próprio.

Foi, obviamente, uma oportunidade para muita gente que conseguiu vender à rede a um preço dez vezes superior àquele que comprava da rede. Portanto, comprava eletricidade à rede para consumo próprio e esse custo era dez vezes inferior àquele a que vendia à rede a partir das suas instalações.

É um daqueles projetos muito meritórios do ponto de vista tecnológico, mas que gerou um problema: foi prejudicar o vizinho. A minha liberdade e a minha oportunidade criou um problema para o vizinho, na medida em que esses custos foram passados através dos custos de interesse geral do sistema, o célebre CIEG, gerando défice e dívida tarifários.

O governo teve de encontrar uma solução que compatibilizasse, mais uma vez, as coisas.

Penso que se há mérito que tivemos foi de não termos feito uma escolha maniqueísta entre competitividade e sustentabilidade. Para cada desafio destes, como nas rendas, nas renováveis, na eficiência energética, na mobilidade elétrica, conseguimos sempre demonstrar - e por isso temos sido reconhecidos internacionalmente - que não é necessário fazer uma escolha.

É possível compatibilizar competitividade e sustentabilidade.

Portanto, avançámos com uma iniciativa que foi dizermos que o autoconsumo e produção descentralizada em casa é para consumo próprio. O que significa que vamos ter de planear o número de painéis solares de acordo com o nosso consumo e não instalar uma quantidade enorme de painéis solares porque estávamos a vender à rede.

A primeira dimensão importante foi de ajustar a capacidade de produção ao nosso consumo, o que é um incentivo à eficiência energética.

A segunda regra foi que podia vender à rede se quisesse mas com um desconto de 10% em relação ao preço de mercado.

Isto, para que esta minha liberdade de produção de eletricidade em casa para consumo próprio e injeção na rede não gere um sobrecusto que prejudique os outros cidadãos. Foi um êxito. Esta medida tem seis meses e neles tivemos mais instalações de autoconsumo em funcionamento do que nos últimos 15 anos. O que significa que os cidadãos estão sensíveis a este tipo de sinais, de aposta na área verde que ao mesmo tempo está alinhada com a eficiência e a competitividade.

Esta é uma área também de desenvolvimento tecnológico importante.

 
Simão Ribeiro
Obrigado, mais uma vez. Temos o Nuno Moreira, do Grupo Verde.
 
Nuno Moreira

Muito boa tarde, senhor Ministro. Acabou de falar sobre o facto de a sustentabilidade e a competitividade serem compatíveis, a minha pergunta incide um bocado sobre isso.

Determinadas restrições e leis de fundamento ecológico podem obrigar as empresas portuguesas a incorrer em custos adicionais e de certa forma isso pode levá-las a perder a competitividade em mercados internacionais face a empresas, nomeadamente de economias emergentes, que por vezes não são sujeitas a essas imposições de fundamento ecológico porque os países de onde elas são não têm essa preocupação.

Dessa forma, a pergunta que tenho para lhe fazer é: como é que garantimos, precisamente, uma economia ecologicamente sustentável e simultaneamente competitiva nos mercados internacionais?

Obrigado.

 
Jorge Moreira da Silva

Esse é o grande debate que devemos fazer e penso que o tempo nos deu razão, a todos aqueles que consideramos que o ambiente é uma oportunidade e que não pode ser usado como pretexto para nos fazer regressar ao tempo das chaminés fumegantes.

Porque esse é um debate mesmo importante. Felizmente, foi afastado e hoje temos um consenso bastante alargado, nomeadamente com organizações da área empresarial, científica e ONG, quanto à área verde. Mas, é evidente que num determinado momento poderia ter surgido a tentação de que "se queremos crescer devemos reduzir custos de contexto, remover regras ambientais, estamos a ser mais verdes do que os outros e portanto a incorrer em mais custos do que os outros”, mas é o oposto.

Hoje, a aposta na área verde representa para Portugal e para os portugueses uma vantagem. Não falo de cor, falo com base em dados concretos.

Lembrem-se quando o desemprego atingiu em Portugal 18%. Felizmente já estamos muito longe disso e não só é verdade que o défice e a dívida trouxeram a recessão como é verdade que as reformas trouxeram a retoma.

Mas no momento em que o desemprego atingia 18% o emprego verde aumentou 5%, o que demonstra assim a resiliência que temos na área verde, mesmo num contexto em que enfrentávamos desafios maiores.

Quando de repente existe uma procura internacional de bens e serviços verdes penso que temos toda a vantagem para vencermos, isto do ponto de vista do cluster verde, que sei que não era a isso a que se referia apenas.

Temos na área de resíduos, da água, da energia, da mobilidade elétrica e da reabilitação urbana condições de desenvolvimento económico e de emprego.

Mas também nas outras áreas o esverdeamento das mesmas representa um salto de competitividade.

Mais uma vez vos falo num número, é um número impressionante. Sabem qual é o custo na indústria transformadora em Portugal? São os custos associados às matérias-primas e aos recursos que são de 57% e aos custos laborais que estão na ordem dos 13%.

Acham que uma empresa que gasta 13% em salários e 57% em recursos e em matéria-prima, se quer ser mais competitiva deve olhar para onde? Mais para os salários, ou para a eficiência na utilização de recursos?

Obviamente acho que onde existe uma maior elasticidade de produtividade e de competitividade é na utilização de recursos.

Temos de ser capazes de fazer mais com menos, em casa, nas empresas, em todas as organizações.

Esse benefício que resulta do choque de eficiência, no solo, na água, nos materiais, tem efeitos positivos em termos de produtividade e competitividade. O que é uma grande vantagem porque conseguem alinhar plenamente os temas da competitividade, da sustentabilidade e da eficiência. Portanto, é um momento único.

Para um país como Portugal que já fez muitas reformas e que agora precisa de se tornar mais competitivo para atrair mais investimento e exportar mais e tem de, ao mesmo tempo, ser mais eficiente para reduzir a sua dependência energética do exterior e dos recursos, as políticas de ambiente e de ordenamento de território e de energia não são um custo contexto mas um fator de competitividade e de produtividade.

Esta é uma alteração de paradigma que em Portugal já é uma realidade.

Falo nisto com esta paixão porque trabalho nesta área há muito tempo e pude ver na prática esta alteração.

O deputado Carlos Coelho sabe disto. Fui o autor da diretiva do comércio de emissões CO2 na UE há muitos anos, no início da década de 2000. É um sistema que cobre cerca de metade das emissões de CO2 na UE com mais de 11 mil empresas. Pude verificar nesse diálogo e depois quando trabalhei nas Nações Unidas também nesta área, do lado de lá, em países em desenvolvimento, e sempre lidando com muitas empresas e como membro do governo há dez anos, como Secretário de Estado e agora como Ministro, notei sempre que mais do que recearem regras ambientais muito ambiciosas receiam não saber com o que contam.

Receiam não saber qual é a meta para amanhã, qual é o quadro regulatório com que vão viver. Porque se as empresas souberem qual é a meta que queremos atingir e quais são as regras em que vão funcionar, elas ajustam-se e criam condições para alinhar financiamento e empreendedorismo com estas novas regras.

Onde é que digo que há uma alteração de paradigma? Porque as empresas tornaram-se elas próprias indutoras de processos de diálogo e de compromisso. Pude verificar isso no contexto europeu quando estabelecemos o grupo para o crescimento verde que envolve ministros e grandes empresas, pudemos verificar isso com as Nações Unidas que tem o Global Compact que tem as Nações Unidas e as grandes empresas e pude verificar também isso em Portugal, foi isso que originamos com a coligação para o crescimento verde que criou o compromisso para o crescimento verde.

Portanto, as empresas hoje, o tecido empresarial português, a CIP, a CAP, a Confagri, a AIP, as várias empresas e associações transversais e setoriais estão hoje completamente imbuídas deste espírito de que a aposta na área verde é uma vantagem do ponto de vista da competitividade e do emprego.

Temos agora de aproveitar esta oportunidade, em especial do Plano Juncker, de investimento produtivo que tem na área verde uma grande vantagem.

Sabem que quando o telefone tocou em Portugal a partir de Bruxelas perguntando quais são os projetos que têm no pipeline , que podem ser passíveis de financiamento por este Plano Juncker que tem 300 mil milhões de euros, mais de 50% do investimento que está identificado em Portugal até 2017 é na área verde. O mesmo acontece até 2020. Isto é, dos 15 mil milhões de euros que foram identificados pelo governo como passíveis de serem alvo deste tipo de financiamento, oito mil milhões são na área verde até 2017 e até 2020 estamos a falar de 15 mil milhões.

O que quer isto dizer? Que não é necessário inventar projetos; o tecido económico português tem no pipeline , do lado da procura, necessidades suficientes para beneficiar deste choque de investimento produtivo a partir do Plano Juncker. Isto demonstra bem, uma vez mais, que o investimento verde é uma realidade incontornável em Portugal.

 
Simão Ribeiro
Muito bem. Segue-se a pergunta do Pedro Ribeiro, do Grupo Encarnado.
 
Pedro Tiago Ribeiro
Boa tarde, senhor Ministro. Dado que os últimos dados indicam que o emprego verde demonstrou uma grande resistência à crise económica, aumentando enquanto outros setores desciam, que medidas estratégicas de empregabilidade pretende explorar nesta área?
 
Jorge Moreira da Silva

O governo tem uma abordagem muito pragmática no que diz respeito ao tema do emprego. Quem cria emprego são as empresas, por isso é necessário criar condições para que as empresas em Portugal tenham condições de competitividade para se desenvolverem.

Aqui também estamos a falar de uma abordagem diversa entre nós e o Partido Socialista. É também um debate importante.

Porque o modelo de desenvolvimento que defendemos é assente na responsabilidade orçamental mas também no investimento.

Portugal não pode crescer nem no défice nem na dívida e não pode, obviamente, utilizar políticas orçamentais expansionistas e despesistas para alimentar uma determinada procura interna.

Portanto, a abordagem que temos defendido há muitos anos é de focalizar a nossa estratégia económica no investimento privado e o investimento público deve ser utilizado como alavanca - como referi há pouco na reabilitação urbana e noutras áreas - e o investimento externo.

Porque é isso que está em causa quando se fala de emprego: aumentar as condições de atração de investimento privado e de investimento externo, e como é que podemos ter mais exportações.

São as três dimensões decisivas quando se fala de emprego.

Essas alterações dependem, por um lado de condições de contexto como há pouco referi, o ordenamento do território, licenciamento ambiental, reformas na área da energia para baixar custos e promover a competitividade; são questões fundamentais para garantir um contexto de competitividade mais favorável à atração desse investimento.

Mas, depois, há uma outra dimensão que é a do grau de compromisso que um país tenha com uma determinada área de política que torne esse investimento mais resiliente e mais seguro.

Alguém que queira investir em Portugal na área verde tem noção que o fará de uma forma mais resiliente e mais sustentável noutros países. Porquê? Se olhar para este livro para o compromisso e para o crescimento verde estabelecemos aqui metas e objetivos que garantem ambição, estabilidade e previsibilidade, e fazemo-lo num contexto que não é do governo nem de dois partidos, mas é um contrato que foi celebrado entre o governo e uma centena de organizações da sociedade civil.

Portanto, ponha-se no papel de uma empresa norte-americana, ou chinesa, ou indiana, ou brasileira, ou argentina, que quer investir num país num projeto na área verde. Compara os países, porque ninguém investe num país só porque gosta muito da cultura do país ou tem algum tipo de afinidade; faz uma comparação, tem um determinado investimento e faz o benchmarking.

A partir do momento em que há um país que não fez da crise um pretexto para adiar, transigir ou hesitar e, pelo contrário, fez para dizer que na área verde quer ser AAA, a empresa estrangeira há-de querer investir nesse país porque tem noção de que há um grau de compromisso social mais do que político, que garante que este investimento é resiliente e seguro porque é duradouro.

Agora, coloque-se no lado contrário: é uma empresa portuguesa, ou estrangeira, em Portugal e quer exportar produtos verdes, tecnologias limpas ligadas à energia, à construção, aos resíduos, à água, ao saneamento, entre outros.

Se tenho a vantagem de estar num país que tem o selo reputacional de país liderante na área verde, tenho ou não mais vantagens competitivas quando procuro exportar? Tenho.

Dou-lhe um exemplo prático: a bandeira azul. Só existem bandeiras azuis porque fizemos uma aposta grande no tratamento de águas residuais; há uma relação de causa-efeito entre saneamento, qualidade das águas balneares, bandeira azul e turismo. Ora, hoje sabemos que no que diz respeito ao Litoral o turismo tem uma maior dimensão e competitividade no que diz respeito ao sol e praia - que não é tudo, como é evidente - nas praias que têm bandeira azul. Só existem praias com bandeira azul quando fizemos apostas ambientais ambiciosas.

O mesmo acontecerá nas outras áreas como a área verde. Se trabalha numa área em que o país é líder em termos internacionais, tem políticas ambiciosas, estáveis, previsíveis e reconhecidas internacionalmente, quando sai de Portugal com os seus produtos já leva o selo reputacional de país vencedor na área verde.

É, por isso, que quando falamos de emprego associamo-lo sempre a ambição nas metas ambientais. As estimativas que temos realizadas para este compromisso para o crescimento verde são de que a partir das metas mais ambiciosas que aqui estão definidas, nas renováveis, na eficiência energética, nos resíduos, na reabilitação urbana e por aí adiante, teremos um acréscimo anual do VAB verde em 5% ao ano. O que significa que praticamente vamos duplicar o VAB verde até 2030. Temos um acréscimo das exportações verdes em 5% por ano e um acréscimo do emprego verde em 4%, o que significa praticamente duplicar o emprego verde de 2013 até 2030.

Mas esta não é uma expectativa ou ambição, é uma decorrência de termos fixado objetivos ambientais mais ambiciosos. Este também é um bom tema para debate.

 
Simão Ribeiro
Muito obrigado, senhor Ministro. Tem agora a palavra o Pedro Marcelino pelo Grupo Cinzento.
 
Pedro Marcelino

Muito boa tarde, senhor Ministro. Nós gostaríamos de saber se considera que atualmente existem métodos de avaliação de investimentos que permitem a um decisor responsável por uma empresa privada com interesses próprios, quantificar os custos e benefícios, de considerar critérios ambientais nas suas tomadas de decisão relativas a investimentos.

Muito obrigado.

 
Jorge Moreira da Silva

Essa métrica está disponível. Com o desenvolvimento de metodologias que existem é hoje possível uma empresa ter noção das ditas externalidades económicas que resultam em determinados objetivos ambientais.

Os governos têm aqui um papel importante quando com estes documentos como o compromisso para o crescimento verde e outros documentos que fomos produzindo garantimos condições de previsibilidade e de estabilidade, de desenvolvimento de métodos analíticos, que permitem essa extrapolação por parte das empresas.

Mas, atenção, há aqui uma questão muito importante: ninguém se deve substituir à responsabilidade das empresas.

Este governo abandonou muito a ideia de fazer campeões nacionais à força. Uma coisa é identificarmos setores estratégicos, outra coisa é escolhermos empresas estratégicas; vai aí toda uma diferença. Julgo que não faz sentido prescindirmos de setores estratégicos.

A democratização da economia não prescinde de valorizarmos as áreas onde temos maiores condições de competitividade, seria um desperdício, são áreas onde já investimos muito em talentos, recursos, estruturas, por isso obviamente que nessas áreas temos mais condições de competitividade.

Mas há depois uma segunda dimensão que é de ter políticas públicas alinhadas com políticas empresariais, isso este governo não tem. Com benefícios para os cidadãos.

Quando falava há pouco nos custos, é importante termos noção das externalidades que resultam para as empresas e cidadãos e algumas políticas que foram seguidas.

Por exemplo o tema do gás: o setor da cerâmica é um setor muito consumidor de gás. Infelizmente, muitas empresas desse setor tiveram de optar num determinado momento por outros países em função da sua dependência do gás. Felizmente, essa situação alterou-se porque conseguimos baixar as tarifas do gás em 7% a 12%, mas isto não caiu do céu.

Baixar as tarifas no gás de 7% a 12% era fundamental para os cidadãos em casa, mas também para as empresas, porém foi necessário que o governo tivesse coragem para demonstrar nesta área que, apesar de todo o apreço que tem pelo papel que muitas empresas da energia desenvolvem, que não pode prescindir de defender o interesse dos consumidores de energia.

Por isso, avancei - como se recorda - para a contribuição extraordinária sobre o setor da energia e depois foi alargado aos contratos take-or-pay.

Portanto, é um benefício direto para as empresas de todos os setores e para os cidadãos.

Outra questão prática foi a decisão que tomámos no Conselho de Ministros há duas semanas sobre o mercado dos combustíveis. Portugal tem uma certa verticalização no setor dos combustíveis, como as duas refinarias pertencem à mesma empresa que está no setor do transporte, na distribuição e na comercialização, sendo este um mercado liberalizado, era importante explorar todas as condições para que, apesar de ser um mercado liberalizado, se melhorassem as condições de transparência e concorrência.

Por quê? Porque isso é importante para os consumidores e é importante para o setor.

Foi necessário olhar com atenção para aquilo que está a montante do processo de distribuição de combustíveis em Portugal. Temos um oleoduto cujas instalações de armazenamento vão de Sines até Aveiras e que pertencem a uma empresa de que são acionistas as mesmas empresas que são comercializadoras, distribuidoras e até refinadoras, em Portugal.

O governo, com a legislação que aprovou há duas semanas, disse o seguinte: esta propriedade é privada, este oleoduto faz parte desta empresa chamada OLMC, mas devem ser criadas condições para acesso por terceiros, obviamente através de remuneração, para a utilização deste oleoduto e destas instalações de armazenamento.

Porquê? Porque assim estamos a criar condições para que mais fornecedores de combustíveis possam colocar combustíveis no pipeline em Portugal e esse é um benefício para todas as empresas e todos os cidadãos.

O que quero com isto dizer é que é com este somatório de reformas que removem obstáculo atrás de obstáculo, que permite oferecer um quadro de competitividade e de sustentabilidade mais alinhado com as nossas necessidades.

Este não era o dia para fazer uma abordagem demasiado técnica, mas é este somatório de reformas que faz a diferença.

Por exemplo os combustíveis low-cost , muitos já arrumaram este tema na listinha da reforma que não teve o benefício que se esperava. Bem, convém olhar para isto com mais cuidado. Não sei se era o caso aqui em Castelo de Vide, mas na maior parte do país, até esta legislação aprovada pelo Parlamento por unanimidade sobre proposta do governo, não existiam combustíveis low-cost , existiam combustíveis simples, não-aditivados, nas localidades em grandes superfícies.

A partir do momento em que o governo, através da legislação aprovada na Assembleia da República, obrigou todos os comercializadores e revendedores a ter combustíveis low-cost e combustíveis simples, não só isso teve um efeito que espero que possa vir a ser mais pronunciado na redução dos custos, mas além da redução de custos gerou estratégias de concorrência muito diversas.

Primeiro, começamos a ter combustíveis low-cost de facto em todo o país e isso não existia, portanto há liberdade de escolha. Segundo, nem todas as empresas fizeram o mesmo. Umas, para ter o low-cost eliminaram o premium e ficaram com o low-cost e o aditivado; outras, para ter o combustível simples eliminaram o aditivado e ficaram com o premium. Isto veio demonstrar que não houve uma concertação entre as empresas quanto à estratégia comercial e isso é bom.

Portanto, a este somatório de reformas no ordenamento, nas áreas de licenciamento, na energia, no autoconsumo, no corte das rendas, que oferece maior competitividade e penso sinceramente que o reconhecimento internacional que temos vindo a merecer por parte de organizações insuspeitas como as Nações Unidas, a OCDE, a Comissão Europeia, o Fórum Económico Mundial e o Banco Mundial, vêm confirmar a importância das nossas reformas estruturais nesta área da competitividade.

 
Simão Ribeiro
Obrigado. Gonçalo Bento, do Grupo Bege.
 
Gonçalo Bento

Boa tarde a todos os presentes, em especial ao senhor Ministro. A minha pergunta é relativa à área do ambiente, em especial a água.

Já foi abordada aqui a questão das alterações climáticas e, como sabe, vivemos num período de grave seca, dos piores dos últimos tempos, inclusive algumas pessoas dizem que a água será o petróleo de amanhã.

Ora, recentemente saiu uma notícia que refere que apenas 52% dos recursos de água em Portugal estão num estado bom. A minha pergunta vai no sentido de: que medidas estão a ser já implementadas ou no futuro que enzima pode usar como catalisador para melhorar os 48% que ainda estão poluídos?

Obrigado.

 
Jorge Moreira da Silva

Muito bem, estive a falar de águas e agora falo de água, porque há aqui esta dupla dimensão: as águas, enquanto serviço de abastecimento e tratamento e depois a água enquanto recurso.

A questão que coloca é muito importante. Tenho feito várias vezes alusão a este tema, apresentando o nosso diagnóstico e as nossas reformas. Recentemente, fiz uma visita ao Tejo e ao Almonda para in loco verificar os efeitos no terreno de algumas descargas inaceitáveis e, por outro lado, fazer alguma comunicação sobre a antecipação de matérias relacionadas com uma eventual seca.

Portanto, deixe-me colocar as coisas em planos diversos.

Há uma dimensão fundamental que é a da qualidade e a diretiva do quadro da UE aponta para objetivos de qualidade das massas de água que infelizmente nenhum país está a conseguir cumprir e que agora prevemos que seja atingido em 2027.

No plano nacional da água e nos vários planos de bacia apontamos agora para ter 100% de massas de água com estado favorável químico e ecológico até 2027. Isso está em linha com os objetivos que estão a ser definidos no contexto europeu.

Mas convém perceber o que é que determina essa qualidade das massas de água. A qualidade das massas de água é obviamente muito afetada pela descarga de águas residuais, daí a importância de investir em saneamento e tratamento de águas residuais para garantir a qualidade do recurso água, mas também depende de termos práticas nas atividades agrícolas, turísticas e industriais mais compatíveis com este objetivo de qualidade das massas de água.

Neste momento o plano nacional de água que está em discussão pública aponta para esses objetivos e paralelamente também está em fase de discussão os vários planos de bacia. Essa é a vertente de planeamento e ordenamento.

Há uma segunda vertente que é de fiscalização e eu tenho tido a ocasião de dizer que não é aceitável que o país tenha feito investimentos muito grandes com fundos comunitários, orçamentos de estados e autarquias, em estações de tratamento de águas residuais, e ainda termos algumas situações de descargas ilegais ou de captação ilegal.

Tenho tido a ocasião de demonstrar com ações no terreno do SEPNA, da agência portuguesa do ambiente e da inspeção geral, que existem formas de identificar e responsabilizar os prevaricadores.

Esta é uma matéria fundamental: planeamento, ordenamento, investimento, mas também fiscalização e responsabilização ao nível dos organismos do Estado relativamente aos prevaricadores.

Sei que para breve está prevista a apresentação de conclusões relativamente a algumas destas ações de fiscalização realizadas em Julho no Tejo. Mas depois há uma outra dimensão que é Espanha.

Muito rapidamente diria o seguinte: conseguimos ter um acordo com Espanha, a Convenção de Albufeira, que tendo sido constituída há 17 anos deu bons resultados.

Em primeiro lugar, porque conseguimos ter bons resultados; em segundo lugar, porque foram definidos caudais mínimos, isto com governos anteriores; agora conseguimos ter pela primeira vez planeamento conjunto, os planos de região hidrográfica, os planos de gestão dos quatro rios internacionais foram elaborados de forma conjunta e alvo de discussão pública conjunta.

Finalmente, porque há muito pouco tempo, há um ou dois meses, conseguimos levar mais longe este objetivos de cooperação com Espanha quando se estabeleceram regras para que em situação de estiagem, portanto de seca, exista obrigatoriedade de partilha de informação e de gestão conjunta.

O que dizia a Convenção de Albufeira é que quando se atinge um nível de excecionalidade, ou por seca ou por fenómenos climáticos extremos, se podia excecionar a aplicação de algumas regras.

Conseguimos negociar agora com Espanha uma situação diversa que é: se há altura em que deve haver uma coordenação maior é precisamente quando estamos numa situação de seca.

Isto para lhe dizer que este é um tema que temos vindo a acompanhar de uma forma muito alargada e muito próxima e não está apenas relacionada com a qualidade do recurso mas também com a gestão e com a gestão em situações de risco.

 
Simão Ribeiro
Obrigado. Agora, senhor Ministro, do mais deprimido Grupo da Universidade de Verão, precisamente porque é o Rosa, o nosso companheiro João Silva.
 
João Silva

Muito boa tarde, senhor Ministro.

Portugal tem uma grande extensão de costa marítima mas que infelizmente está a sofrer uma erosão muito forte nos últimos tempos, principalmente no Norte.

Algumas câmaras municipais, após o Inverno de 2013-2014, realizaram intervenções pontuais para defesa das suas populações, bens e equipamentos, como foi o caso de Ovar na praia do Furadouro e Espinho na praia de Paramos.

A questão que coloco é se o plano de ordenamento da orla costeira está efetivamente a ser aplicado e qual é o ponto de situação da sua aplicação.

 
Jorge Moreira da Silva

Este era dos temas que eu tinha a certeza que acabaria por ser colocado e não falei na intervenção inicial.

Portugal tem na área do Litoral um património fantástico, temos 80% do nosso PIB associado ao Litoral, temos 80% da população no Litoral, mas há o reverso da medalha: temos 14% da nossa costa artificializada, 25% da costa sob risco de erosão e 66% sob risco de alguma perda de parte do território em resultado desta menor resiliência.

Portanto, estamos perante uma dimensão de oportunidade mas também de risco.

O fenómeno que vivemos no Inverno do ano passado e visitei como bem sabe Norte a Sul do país nessa altura, andei durante esse temporal a visitar as praias e vi situações impressionantes de praias que recuaram mais de 20 metros num fim-de-semana.

Foi possível confirmar uma vez mais aquilo que tenho afirmado, que as alterações climáticas não são ficção científica e que não sendo ficção Portugal está infelizmente no mapa dos países sob maior vulnerabilidade.

Temos, portanto, de investir na resiliência no Interior para várias matérias relacionadas com a seca, com os fogos florestais, mas também resiliência no Litoral para evitar perda de território resultante da erosão costeira.

Por isso é que o governo, mesmo num contexto de restrição financeira que foi vivendo nos últimos quatro anos, conseguiu alocar no ano passado e neste ano 300 milhões de euros em investimentos no Litoral. Não foi para embelezamento. Isso de facto resultou de uma alteração em relação ao passado: alterámos o programa, o plano de ação, para orientar cada vez mais esse investimento para resiliência, proteção de pessoas e bens e não tanto para embelezamento.

Estes 300 milhões de euros significam o maior valor de todo o acumulado de investimento nos últimos 20 anos em Portugal no Litoral. Demostra bem a aposta que o governo fez nesta área e tenho tido a oportunidade de ter o aplauso e reconhecimento por parte de autarcas de todos os partidos políticos.

No Litoral, é muito fácil verificar como autarcas do PS têm vindo a reconhecer a circunstância de termos tido uma política de grande proximidade, mesmo numa altura muito exigente como foi aquele temporal, não só para fazermos aqueles investimentos mas todos aqueles que já estavam identificados há muitos anos, os tais 300 milhões de euros de proteção de pessoas e bens.

Em segundo lugar, isto veio confirmar que temos um problema de défice sedimentar. Recorda-se também nessa altura como fui criticado por alguns, numa atitude um bocadinho marialva, dizendo "lá está a atirar areia para o mar na Caparica”. Pois, mas os cientistas vieram dizer que é precisamente incontornável avançar para políticas de reposição de sedimentos em vários pontos da orla costeira, nomeadamente na Caparica e também no Norte, do que vai de Viana até à Figueira da Foz, são zonas de grande vulnerabilidade e que envolve a necessidade de alimentação artificial. É o que é considerado tecnicamente por shots de sedimentos, portanto uma grande injeção de sedimentos para assegurar o reequilíbrio de sedimentos na nossa costa.

Isto veio confirmar que o governo esteve bem, não optando pelo politicamente correto mas por assumir as suas responsabilidades numa altura de grande exigência como foi durante esses temporais. Como também não hesitei na praia D. Ana, em Lagos, em fazer aquilo que era importante para a segurança e não apenas aquilo que garantia um belíssimo postal da costa algarvia.

Porque é muito engraçado e muito interessante vir criticar a alimentação artificial que fizemos em D. Ana e não visitar a praia antes da intervenção e não reconhecer que aquilo já não era uma praia. Estávamos a falar de uma arriba com muito pouco areia que punha em risco a segurança de pessoas e bens.

Gostava de saber como é que reagirão muitas das organizações e muitos líderes de opinião se tivesse ocorrido um acidente pelo facto de o governo ter sido politicamente correto e não ter avançado para uma intervenção que foi a alimentação artificial naquela praia só porque queríamos preservar um belíssimo postal turístico.

[APLAUSOS]

Hoje, dizem-me obviamente que fizemos bem porque as pessoas deixaram de ter as suas toalhas encostadas à arriba porque conseguiram ter uma capacidade de fruição daquela praia ao mesmo tempo salvaguardando a sua segurança.

Estas intervenções no Litoral com alimentações artificiais, com a demolição de construções ilegais, há 30 anos que não se faziam demolições na orla costeira e nós fizemos, mas fizemos de uma forma que preservou as condições sociais. Não houve nenhuma demolição que tivesse posto em risco alguma habitação sem que houvesse previamente realojamento dos cidadãos.

Mas é necessário prosseguir políticas de investimento nesta área e por essa razão está previsto que nos fundos europeus, até 2020, se coloque um valor adicional de 200 milhões de euros para proteção de pessoas e bens no Litoral, porque esta é a maior garantia de que continuamos a defender o nosso território tanto no Interior como no Litoral.

É por isso que me parece tão injusta alguma abordagem de alguns autarcas do Litoral que no tema da água consideraram que houve um excesso de solidariedade com o Interior, mas que se esqueceram que o país foi todo muito solidário relativamente à menos resiliência no Litoral, em especial quando investiu 300 milhões de euros nos últimos dois anos.

[APLAUSOS]

 
Simão Ribeiro
Muito obrigado, senhor Ministro. Para a última questão ao senhor Ministro do Ambiente, passo a palavra ao Grupo Azul, José Manuel Ribeiro.
 
José Manuel Ribeiro

Muito boa tarde, senhor Ministro. Antes de mais, deixe-me dizer-lhe que - mesmo os meus colegas não lhe perguntando diretamente, as suas respostas foram ao encontro de sete das nossas questões, portanto são respostas muito esclarecedoras.

Por este motivo sobrou uma questão de caráter mais pessoal que é o seguinte: qual o maior desafio que enfrentou ao longo deste mandato?

 
Jorge Moreira da Silva

É muito difícil encontrar só um e, em especial, ninguém é bom juiz em causa própria. Mas aquilo que me incomodou em determinados debates foi a circunstância de muitos protagonistas olharem para os temas de uma forma ora superficial, ora conservadora.

No fundo, algumas pessoas em Portugal não estiveram à altura do momento. Este momento era e continua a ser determinante.

Não precisei que a esquerda me viesse dizer que há mais vida além do défice e da dívida. Tive a oportunidade de o dizer quando lancei a Plataforma para o Crescimento Sustentável dizendo "cuidado, nem que amanhã nos resolvam o tema do défice e da dívida, nem assim cresceremos de uma forma sustentável se não removermos obstáculos que estão connosco há muito tempo, que resultam de preconceito, de conservadorismo e de alguma submissão a interesses”.

Era necessário enfrentar esse conservadorismo, esses interesses e esses obstáculos. Notei, em muitos momentos, que enfrentando esses obstáculos, esses interesses, na área do ordenamento, na área do arrendamento, na área da habitação e da energia, dos resíduos e da água, convenientemente optaram numa lógica de "toca e foge” que é ou não diziam nada ou de "quando chegar lá revogo”.

Devo dizer que esse é o único elemento negativo que identifiquei na discussão pública nos últimos anos, foi ter tido a noção de que o governo esteve à altura das suas responsabilidades mas infelizmente nem todos aqueles que tinham responsabilidade a assumiram. Não é necessário estar de acordo com o governo em tudo para poder conciliar pontos de vista.

Irrita-me muito aquela lógica do "nós e eles”, muito maniqueísta, de que para podermos afirmar o nosso ponto de vista temos de estar contra tudo. Isso não é assim e tenho pena que no tema das águas não se tenha vindo a jogo. Conhece alguma proposta das águas de alguém que não tenha sido governo? No tema dos resíduos ninguém apresentou uma proposta, nem na fiscalidade verde, nem no ordenamento do território, ou na reforma do arrendamento, e na reabilitação urbana só dinheiro em menor quantidade e errado.

No fundo, estamos a falar de um debate que apesar de tudo se cingiu excessivamente à financialização da vida política e da vida pública. Acabou por ser esta maioria e esta coligação que não sendo responsável pelo sequestro de Portugal no défice e na dívida, não deixou de estar à altura das suas responsabilidades no resgate que, ainda assim, teve o talento para encontrar novas reformulações para remover outros obstáculos, défices e dívidas além daqueles de natureza orçamental.

Penso que os eleitores estiveram bastante atentos a esta realidade conservadora e anacrónica da nossa oposição, mas em qualquer caso continuo a achar que vale a pena fazer um bom debate, mas um bom debate é um debate profundo e não de soundbites e superficial, e nós cá estamos para esse debate.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Terminámos a nossa aula sobre o compromisso para o crescimento verde. Vamos acompanhar o nosso convidado à saída e peço aos avaliadores para virem aqui para prosseguirem os nossos trabalhos.

Senhor Ministro, muito obrigado pela sua disponibilidade para estar connosco.

[APLAUSOS]

FIM