ACTAS  
 
8/28/2015
Inovação Social: reforçar a sociedade civil
 
Dep.Carlos Coelho

Nas últimas edições da Universidade de Verão incluímos um tema que não constava do currículo original: o tema social. Desta vez, considerámos que seria importante abordá-lo sob o ponto de vista do empreendedorismo.

Portanto, escolhemos o tema da inovação social, reforçar a sociedade civil e a competitividade. Pedimos ao Prof. Doutor Filipe Santos que fosse o nosso orador nesta manhã.

O Prof. Doutor Filipe Santos é licenciado em Economia, mestrado em Gestão e Estratégia industrial e é doutorado em Management Science and Engineering. É considerado um dos melhores especialistas portugueses nesta área e foi a personalidade que o governo escolheu para presidir à Agência Portugal Inovação Social no âmbito do programa Portugal 2020 que vamos abordar esta tarde.

O nosso convidado de hoje tem como hobby fazer desporto na praia: correr, jogar raquetes, vólei, nadar. Portanto é um homem desportivo, não é como o Duarte Marques. Diz ele: "E, quando estou cansado, deitar-me na toalha a ouvir música e a ler o The Economist”; aqui já parece mais o Duarte Marques.

[RISOS]

A comida preferida é peixe grelhado no carvão, comido com vista para o mar e em boa companhia.

O nosso convidado não tem um animal preferido, diz que se foca "muito nas pessoas”, embora as pessoas também sejam animais, Filipe.

O livro que nos sugere é "O Senhor dos Anéis – um mundo fabuloso de fantasia e criatividade, com uma história complexa mas que, na sua essência, foca temas simples e centrais: a luta entre o bem e o mal, a corrupção do poder, a amizade, o sacrifício e a mensagem de que as pessoas mais importantes e heroicas são por vezes as mais simples e indefesas.”

O filme que nos sugere é "City of Angels – uma fábula romântica que fala de curiosidade, sacrifício em nome do amor, com bons atores, uma banda sonora fabulosa e, para mim, um dos filmes mais românticos de sempre. Uma escolha algo invulgar, mas recomendo.”

A qualidade pessoal que mais aprecia é "a dedicação sincera a uma causa maior do que cada um de nós”.

Senhor Professor Filipe Santos, tem a palavra.

[APLAUSOS]

 
Filipe Santos

Muito obrigado, Carlos.

Bom dia a todos. É um prazer estar aqui convosco esta manhã na Universidade de Verão. Uma universidade é sempre um espaço de reflexão, de partilha e de troca de ideias. O facto de esta universidade ser promovida por um partido político torna-o também um espaço de intervenção política, mas no meu caso vou focar-me muito mais na primeira do que na segunda.

Portanto, sou independente, não estou filiado em nenhum partido. Estive 15 anos fora do país, desde 1998, primeiro para o doutoramento em Stanford na América e depois durante 12 anos como professor de Empreendedorismo e Empreendedorismo Social na INSEAD, vivendo em França e em Abu Dhabi. E aceitei em Janeiro o convite para regressar a Portugal, feito pelo Ministro Poiares Maduro, para liderar esta iniciativa: Portugal Inovação Social.

É um tema que me é muito caro, pelo qual me apaixonei há cerca de sete ou oito anos e ao qual tenho dedicado a minha carreira e era esse tema que queria partilhar convosco hoje: o tema da Inovação Social e como o facto de pensarmos e promovermos a inovação social pode alterar um pouco o modo como pensamos a sociedade atual, a forma de organizá-la e articular como é que podemos tentar evoluir, melhorar e reforçar o modelo capitalista.

Portanto, o tema que vou trazer é exatamente alguns exemplos e ideias em torno da Inovação Social, algum questionamento sobre porque é importante, porque nos faz pensar e o que altera na nossa forma de organizar a sociedade.

Depois, dado o contexto em que estamos e se o Carlos permitir, no final gostaria de ter tempo para algumas reflexões mais pessoais sobre o exercício da política, os dilemas e a coragem que eu vejo enquanto académico, empreendedor inovador, no exercício da política.

Portanto, este era um bocadinho o tema que gostaria de vos trazer hoje. Gosto também de fazer sessões interativas e, portanto, estou aberto a perguntas e há alguns momentos em que vos vou fazer perguntas diretamente e envolver-vos.

Mas gostaria de começar abrindo o tema da Inovação Social.

Descobri a Inovação Social quando há cerca de oito anos me envolvi e comecei a dirigir um programa no INSEAD que como muitos sabem é uma escola de negócios com base em França e em Singapura na área do empreendedorismo social. Era um tema que eu não conhecia, mas como às vezes o destino nos prega partidas, eu que estava na área do empreendedorismo tecnológico, na criação de novos mercados, Silicon Valley, capital de risco e essas coisas que nós ouvimos, como empresas Unicórnio, comecei a trabalhar com empreendedores sociais.

Ao longo de sete anos conheci cerca de 600 empreededores sociais de todo o Mundo e fiquei fascinado pelos modelos que nos trazem.

Queria trazer aqui só uns exemplos para vocês terem noção do que estamos a falar quando falamos de Inovação Social.

Organizámos recentemente, em Junho, um fórum de Inovação Social, onde trouxemos algumas das pessoas mais relevantes, mais empreendedoras e inovadoras deste tema a nível mundial. Uma equipa era a que fundou esta empresa, what3words. O que é que eles fazem? Nós temos todos uma morada. Quando vi para aqui, Hotel Sol e Serra, rua tal no número tal e, portanto, com a morada facilmente encontrei o sítio. Todos nós temos uma morada.

Não sei se vocês sabem que há três mil milhões de pessoas no Mundo que não têm uma morada. Imaginem uma favela, um bairro de lata enorme, em Lagos com dez milhões de habitantes. Qual é a vossa morada? É o barraco ao fim da rua. Como é que vocês sem morada arranjam um emprego, é-vos entregue coisas em casa, convidam amigos? Não têm morada, não existem em termos institucionais. Isto é a realidade para milhões de pessoas em todo o Mundo.

Então, o que estes senhores fizeram foi dizer que iam mapear o globo e a cada m2 do globo vamos dar-lhe um nome com três palavras na língua local.

Portanto, este quadradinho aqui pode ser chamado de "estrela sol mar”. Vocês podem dizer que vivem em "estrela sol mar” e põem isso no vosso smartphone , toda a gente fica a saber que é este bocadinho aqui no terreno, porque o sistema deles é automático e permite localizar exatamente cada m2 da Terra. Isto permite a cada pessoa que tem um barraco de 5m2 ter a sua própria morada. Eles estão a dar moradas a mais de três mil milhões de pessoas no Mundo que não têm e estão a tentar vender a solução a países, nomeadamente na Ásia e na África, que ainda não implementaram sistemas de moradas que funcionem.

Imaginem que podem, através do empreendedorismo, dar uma morada, uma identificação, uma identidade, a milhares de milhões de pessoas. Era um exemplo de projeto que me foi trazido nesse fórum.

Outro exemplo é as Roots of Empathy, um projeto no Canadá que já chegou a mais de meio milhão de crianças. O que é que este projeto faz? Hoje falamos muito de questões como o bullying , a violência nas escolas entre jovens. Vimos recentemente alguns vídeos bastante chocantes de realidades que acontecem nos nossos jovens no dia-a-dia.

A base desse bullying , desses comportamentos agressivos, dessa violência, é a falta de empatia, de inteligência emocional de muitos dos nossos jovens e crianças.

Essa inteligência emocional, assim como a inteligência racional, também se pratica e se ensina. Essa senhora que desenvolveu esta Roots of Empathy pensou que a forma de ensinar empatia às crianças é colocá-las no momento mais essencial que é na relação entre o bebé e a mãe. Ou seja, vou a uma escola primária, crianças entre os seis e os dez anos, vou trazer uma mãe ou um pai recentes com o seu bebé de meses e através da interação entre os pais e o bebé e as crianças tentar ensinar o que é que é a inteligência emocional.

A inteligência emocional começa por a pessoa se conseguir colocar no papel do outro, perceber as reações do outro e conseguir desenvolver uma relação.

Este projeto já chegou a meio milhão de pessoas no Canadá e já se expandiu a cerca de dez países, gostaríamos também de o trazer a Portugal e o projeto demonstrou que em contextos escolares em que foi implementado reduziu dramaticamente o nível de violência, de bullying , nas escolas.

Estes dois exemplos já vos dizem algo interessante que é: ideias grandes, transformadoras, mas na sua essência muito simples - ensinar inteligência emocional a crianças usando bebés, ou dar moradas a todas as pessoas do mundo através de três palavras no dialeto local.

Também temos projetos portugueses. Se calhar alguns de vocês já ouviram falar do ColorADD. Entre vós que aqui estão há talvez cerca de 100 pessoas, se calhar 50 são homens e desses uns cinco ou seis são daltónicos. 10% dos homens no Mundo têm algum grau de daltonismo, ou seja, não conseguem diferenciar os espectros de cores. Se for um grau extremo veem tudo a cinzento, se for um grau menor não conseguem diferenciar por exemplo o azul do verde, ou o vermelho do laranja.

O Miguel Neiva, um designer português, na sua tese de mestrado preocupou-se com esse tema, pensou que usamos a cor para tudo: vamos ao metro do Porto ou de Lisboa e dizemos para apanhar a linha vermelha, mas se eu for daltónico qual é a linha vermelha? Vou ao hospital e oiço que as pessoas com a pulseira verde podem apresentar-se; não sei qual é a minha pulseira, só vejo cinzento.

Hoje, a cor é fenómeno de identificação para muito do que fazemos. Então o que é que ele fez? Criou um pequeno código com base nas cores primárias, que com alguns símbolos permite representar de forma simples todas as cores do espectro: o escuro, o claro, o laranja, o roxo, misturando apenas as cores primárias que ali estão.

Isto é como um código Braille para daltónicos. Este código implementado em produtos como lápis de cor, linhas do metro, hospitais, permite que um daltónico seja incluído pela cor.

Novamente, uma ideia muito simples, uma inovação muito simples este código de cores para daltónicos, abordando um problema que é invisível e negligenciado, temos uma solução transformadora.

Este é o tipo de projetos que aparecem e que são projetos de inovação social. Também organizámos um prémio para projetos mais pequenos que estão agora a ser lançados, de empreendedorismo de impacto. Temos projetos por exemplo como o A+ que envolve os idosos com as crianças na escola. Temos um recurso muito valioso, que é o tempo das pessoas idosas, temos cada vez mais idosos, com muita experiência de vida, muitos saberes, que adoram estar com crianças.

Temos, infelizmente, cada vez menos crianças, mas crianças que estão na escola cujos pais muitas vezes não têm tempo de acompanhar de forma devida e este projeto junta os avós nas escolas em tempos livres ocupando-os com as crianças e passando os seus saberes e experiências para as crianças que adoram o envolvimento com os mais idosos.

Outro projeto, também interessante, com base em Leiria e que já se expandiu para vários pontos do país é o Speak. O Speak fala de integração de imigrantes. Normalmente quando se fala de integrar imigrantes, um tema aliás que está a ser muito falado hoje em dia, pensamos que temos de lhes dar a língua portuguesa, a cultura portuguesa, fazê-los parte da nossa sociedade. Mas o Speak foi mais longe e disse que não se trata apenas de ensinar português aos imigrantes, trata-se também de ensinar ucraniano e a cultura ucraniana, ou africana aos portugueses; trata-se verdadeiramente de uma partilha de culturas.

Portanto, o que eles fazem é criar grupos de autoajuda entre portugueses e imigrantes, os quais ensinam entre eles as aulas, a língua e têm também um grupo de apoio social que ensina cozinha, culinária, cultura e as pessoas de facto conhecem-se e criam uma rede de apoio.

Este projeto tem tido um impacto muito grande na melhoria da inclusão de imigrantes de várias nacionalidades da Europa do Leste, África e outras que estão em Portugal.

Estes são exemplos de inovação social. São projetos de empreendedorismo que têm como objetivo não lucro, não uma valorização económica, mas a melhoria da vida das pessoas e causar um impacto social.

Em Portugal existem centenas destes projetos, muitas vezes pequeninos e escondidos.

Fizemos um mapeamento nos últimos dois anos em Portugal e identificámos 134 projetos desde tipo, entre eles alguns dos que falei, o ColorADD, o Speak, que são projetos de elevado potencial de impacto.

Alguns deles criam novos mercados. Só para vos dar um exemplo: quem é que usou lápis Viarco na escola há dez ou 15 anos na escola primária? Na nossa geração toda a gente utilizava, mas agora menos e por quê? Porque a empresa estava a morrer, estava a ir à falência. A Viarco estava a desaparecer enquanto empresa porque não era competitiva.

Acrescentou o código ColorADD, começou a exportar lápis para 16 países do Mundo porque de repente os lápis que eles produziam eram diferenciadores, inclusivos, que incluíam daltónicos também.

Portanto, estas inovações não só têm impacto social direto mas também aumentam a competitividade empresarial dos parceiros ou dos produtos e serviços que desenvolvem.

Há casos em que estes projetos causam uma nova valência social: a Escola de Rugby da Galiza utilizou o rugby como instrumento para envolver jovens em situação desfavorecida. Quando eles estão envolvidos dão-lhes apoio escolar, médico, enquadramento e fazem um contrato com eles: só podem fazer parte da equipa da rugby se não usarem armas na escola, não usarem drogas e se estiverem aproveitamento escolar. Assim, há aqui um contrato, um compromisso entre o jovem que procura o centro para jogar rugby e os treinadores e o centro, e permite também incluir o jovem e colocá-lo num patamar de desenvolvimento mais favorável.

Estes projetos podem, portanto, criar novos mercados, novos serviços da economia social, ou podem criar novas políticas públicas também.
Aqui é uma notícia que eu vi no jornal O Público em Junho que tem a ver com as famílias de acolhimento, ou a falta delas em Portugal.

Portugal tem uma rede muito boa de apoio às crianças e os serviços de Segurança Social conseguem identificar crianças em risco por causa dos contextos das famílias e para as proteger retiram das famílias e colocam-nas em centros de instituições e centros de apoio.

No entanto, muito poucas dessas crianças são colocadas em famílias de acolhimento, a percentagem é mínima comparando com outros países e para uma criança crescer em família é o mais importante.

Então, há uma associação, Mundos de Vida, que se apercebeu desta realidade e começou a trabalhar com a Segurança Social a criar programas de apoio para treinamento de famílias de acolhimento. Está a tentar aumentar a percentagem de famílias de acolhimento em Portugal e alterar a política pública no sentido de esta ser a opção mais seguida e mais favorecida pela Segurança Social. Porque não só ajuda as crianças que são incluídas em contexto familiar, como reduz o custo para o Estado porque uma criança numa instituição custa cerca de 15 mil euros por ano e numa família custa menos três mil.

Portanto, há aqui projetos e inovações que alteram políticas e que têm ganhos não só para os beneficiários mas ganhos de poupanças para o próprio Estado. Logo, esta é uma alavanca do potencial de desenvolvimento.

O que se está agora a firmar em todo o Mundo é uma nova vaga de empreendedorismo que se chama de empreendedorismo social e que tem alguns elementos-chave que que fui identificando ao longo dos anos.

Um deles é que normalmente aborda problemas que são negligenciados, que são invisíveis para a maior parte das pessoas. O empreendedor social identifica que em Portugal há meio milhão de daltónicos e nós nunca ouvimos falar de daltonismo, ou só 5% de crianças é que vão para famílias de acolhimento e todas as restantes estão em instituições. Uma criança deve crescer em família. Portanto, olham para estes problemas que são invisíveis e trazem-nos para cima dizendo que são problemas importantes e que temos de os resolver.

Em vez de protestar e dizer ao Estado para resolver o assunto, assumem o papel de empreendedores e o preparar e desenvolver uma solução. Portanto, desafiam a visão tradicional, usam modelos de negócio inovadores, diferentes, capacitam e envolvem as pessoas. Não se trata de dar ou ajudar, mas sim de envolver e encontrar soluções que são sustentáveis economicamente e financeiramente, que têm um impacto positivo na sociedade.

Este é um bocadinho empreendedorismo social.

Vamos entrar agora numa fase um pouco mais interativa, pois gostava de vos perguntar algumas coisas. O que é que é um problema negligenciado?

Vou apresentar-vos um que, aliás, é um problema muito forte em África: minas; existem 70 milhões de minas ativas no mundo inteiro, enterradas no chão em países que enfrentaram guerras. Normalmente o que acontece a um país quando depois da guerra entra em paz? Há um projeto de desminagem que é financiado pelo Banco Mundial, ou pelas Nações Unidas, com o governo do país em questão, para trazer peritos que vêm com cães e detetores de metais para identificar e retirar as minas.

Ao ritmo que isto está a ser feito demorará 500 anos a tirar todas as minas que estão nos diferentes países, nomeadamente em África e na Ásia, e que estão enterradas no Mundo inteiro. Um problema que demora 500 anos a resolver é necessariamente um problema negligenciado. Ao ritmo que novas minas estão a ser colocadas, isto nunca há-de ser resolvido.

Qual é o impacto negativo deste problema? É um problema sério, grave, importante para a sociedade? Existem 15 mil a 20 mil pessoas que todos os anos morrem ou ficam sem um membro quando a mina explode.

Isto não só tem impacto na vida das pessoas, como tem um impacto económico, pois se uma zona está minada não pode ser usada para a agricultura. Os agricultores não têm emprego, não podem cultivar a terra nem produzir alimentos.

Qual é a solução? A solução tradicional, como eu já vos disse, era trazer os peritos estrangeiros que conseguem com detetores de metais ou com cães identificar as minas e retirá-las. Como é que um empreendedor social olha para este problema de uma forma diferente dado que essa solução é cara e não resolve o problema visto que demora 500 anos? Dado os exemplos que já vos dei, o que é que poderá fazer?

Voz não identificada

Formar cidadãos locais para desempenharem essa função. Mesmo que a formação inicial tenha um custo significativo, a médio-longo prazo esse retorno é imediato, não só pelos empregos locais que cria mas também pela consciência local que implementa na população.

Filipe Santos

Essa é uma abordagem que é muito seguida por empreendedores sociais: envolver as pessoas que mais beneficiam com esta solução e tentar trazê-las como coprodutoras da solução. Além de que a vantagem é que são recursos locais, que às vezes são de mais baixo custo dos que os que vêm de fora. E, ao capacitarmos as pessoas, elas começam a responsabilizar-se pelo problema ao tentar também resolvê-lo.

Portanto, esta é uma abordagem, é uma coisa que pode ser feita.

Outras ideias.

 
José Manuel Ribeiro

Outra abordagem que podia ser feita: além dos técnicos especialistas, poderiam ser criados campos de treinos para os cães farejadores para que um recurso que antes tinha de vir de fora possa ser facilmente investido no próprio país.

 
Filipe Santos

Aliás, essa em parte foi a solução e era o exemplo que eu queria trazer também: encontrar um recurso local. O que acontecia com as soluções tradicionais era que muitas vezes traziam os cães e eles como não estão habituados a um clima tropical rapidamente morriam e tinham de ser substituídos. Era uma solução ineficiente.

Houve um empreendedor social, louco, como a maior parte deles são, que criou uma solução diferente. Essa solução envolve ratos. Quem era essa pessoa? Essa pessoa era um belga, Bart Weetjens, que hoje em dia é um monge budista, portanto é uma pessoa diferente do habitual e em criança era uma pessoa muito solitária, pensativa e refletiva. Os pais estavam preocupados com ele porque quando ele estava a crescer não tinha muitos amigos e um dia compraram-lhe um pequeno rato de estimação. O miúdo gostou tanto desse hamster, que criou uma relação tão forte com o ratinho e começou a comprar mais e de repente tinha uma coleção deles em casa e ficou muito amigo deles.

Quando foi crescendo teve sempre uma paixão particular pelos ratos. Depois começou a pensar em como podia canalizar essa paixão de forma produtiva. Pensou que podia partilhar o amor pelos ratos com outras crianças do Mundo, portanto, criando ratos em casa, vendendo-os a lojas de animais e as lojas venderão a outras crianças que hão de partilhar do bem-estar que tenho com a companhia dos ratos.

Começou com esse negócio empreendedor e depois descobriu uma coisa que ele não gostou e o fez parar com o negócio. O que é que ele descobriu? Descobriu que muitas vezes os ratos quando não eram vendidos eram dados como alimentos às serpentes da loja dos animais e portanto eram comidos. Quando ele descobriu isso ele pensou que tinha de arranjar outra solução para que as pessoas valorizem os ratos e gostem deles.

Um dia viu uma reportagem na televisão sobre Moçambique, quando terminou o conflito e estavam a tentar desminar os terrenos mas os cães tinham morrido rapidamente porque não aguentaram o clima tropical.

Ele pensou que os ratos tinham uma capacidade de olfato muito superior aos cães e que possivelmente haveria ratos locais da região. Então encontrou os chamados giant african rats que são dóceis, vivem o suficiente para serem treinados e que podem ser treinados. Criou um centro de treino de ratos em que eles aprendem a farejar não o metal mas o cheiro dos explosivos que vêm do chão, das minas, e o que eles fazer é envolver agricultores locais que adotam e treinam os ratos. Usam-nos para desminarem os terrenos.

Como é que eles fazem? Vamos imaginar este terreno, colocam-lhe cordas e o rato vai pela corda e quando sente o cheiro do explosivo faz sinal com as patinhas e está ali de certeza uma mina. O rato é leve o suficiente para não explodir com a mina, por isso não se preocupem animal lovers porque os ratos não explodem, até porque seria uma solução com impacto negativo na vida dos ratos e, portanto, o Bart não iria gostar disso.

Os ratos não explodem as minas mas identificam-nas com metade do custo, quatro vezes mais rápido e com mais fiabilidade do que o detetor de metais ou o cão. Ou seja, as soluções do empreendedorismo social não só são mais baratas, como muitas vezes são melhores, têm mais qualidade ou mais eficácia. Esse é o contrassenso: não se trata de poupar nos custos para ser mais barato, mas sim encontrar a forma certa de resolver o problema, apesar de muitas vezes não ser a forma óbvia.

Queria começar por vos dar muitos exemplos deste tema do empreendedorismo social, mas mais do que os exemplos está a acontecer em todo o Mundo a emergência de um setor novo da economia: o setor de empreendedorismo e inovação social. Talvez a pessoa mais conhecida deste tema seja o Professor Yunus que foi criador do microcrédito a nível mundial, que é hoje uma indústria que tem centenas de instituições financeiras que o fazem e centenas de milhões de pessoas que recebem pequenos empréstimos para criarem o seu próprio negócio.

Mas em todos os países existem projetos e organizações como a Ashoka e outras, que apoiam empreendedores sociais. Na vossa geração, dos chamados millenials , está a haver também uma apetência muito grande por este tema e se calhar alguns de vocês têm envolvimento com projetos deste tipo.

Por exemplo, um estudo do Reino Unido indica que 2% da população criou no novas organizações de inovação social no último ano e dados da Europa de 2013 indicam que uma em cada quatro startups são sociais.

Ou seja, um em cada quatro novos negócios assumem no centro da missão da organização o impacto social e não a maximização do lucro.

Agora, vocês podem dizer-me um bocadinho como o advogado do diabo: "Está bem, isso tudo é muito bonito, são exemplos engraçados, inspiradores, mas no que é que isso altera a forma como pensamos a economia e as empresas?”. Todos os empreendedores criam impacto social, criam empregos, novos produtos e serviços, o facto de terem lucro não é problema nenhum.

Porque é que precisamos de empreendedores sociais? Há instituições de caridade, IPSS, que ajudam as pessoas e resolvem alguns destes problemas. Porque é que precisamos de ter este novo movimento, em que é que isto nos ajuda?

Era aqui que eu queria passar-vos alguns exemplos para uma reflexão um pouco mais profunda sobre o modelo capitalista e a sociedade que nós estamos a desenhar e a desenvolver. Para isso vou precisar da vossa ajuda e da vossa atenção. Portanto, esta é uma boa altura para acabar com os smartphones e computadores e concentrarem-se.

Às vezes há frases e ideias que transformam o Mundo e que são tão poderosas na sua essência que mudam a forma como agimos e construímos a nossa realidade.

Vou-vos mostrar uma dessas frases. Queria que vocês primeiro pensassem, depois dissessem quem é que escreveu isto, quem é que teve este insight, está bem? Para aqueles que estão mais atrás, vou ler: "and by directing that industry in such a manner intends only his own game and he’s in this as in many other cases led by and invisible hand to promote an end that has no part in his intention. Nor is it always the worse for the society that it was no part of it. By pursuing his own interest he frequently promotes that of the society more effectually than when he really intends to promote it”, quem é que escreveu isto e quando?

 

Vozes não identificadas

Adam Smith.

 
Filipe Santos

Adam Smith, muito bem, essa parte foi fácil com a "invisible hand” e foi no séc. XVIII, em 1776, no "Wealth of Nations”.

Ele escreveu mais: "It is not from the benevolence of the butcher, the brewer, or the baker that we expect our dinner, but from their regard to their own interest. We address ourselves, not to their humanity but to their self-love, and never talk to them of our own necessities but of their advantages”.

Qual é a ideia principal que o Adam Smith transmitiu nestas frases, alguém consegue explicar? O que é que é a invisible hand e em que é que isto impactou a forma como pensamos a sociedade?
 
Nuno Pinto Dias

Podemos interpretar isto como: a prossecução dos interesses individuais em termos coletivos acaba por produzir sinergias que a todos beneficiam, apesar de eu procurar encontrar a minha felicidade individual, o meu bem-estar individual e o dos meus, o conjunto destas ações promove uma realidade que é bem maior que os seus resultados meramente somados.

 
Filipe Santos

Muito bem. Algum acrescento que queiram dar a esta intervenção?

 
Luís Mário da Ponte

Bom dia. Um empreendedor na prossecução do seu interesse individual deteta uma falha de mercado, uma oportunidade, uma necessidade que necessita de ser satisfeita e na prossecução do seu interesse individual e da procura da própria riqueza e subsistência, visa satisfazer essa necessidade. Ao satisfazer essa necessidade está a satisfazer a necessidade de outra pessoa que por sua vez vai adquirir aquele bem para seu benefício próprio.

 

No fundo, quando queremos alguma coisa, em vez de esperar que ela apareça de forma centralizada ou de esperar que pela boa vontade dos outros eu consiga essa coisa, o mais fácil é apelar ao interesse próprio que cada um de nós tem.

Se cada um, ao perseguir o interesse próprio, criar empresas ou organizações, vender produtos e serviços e receber um lucro desses serviços que presta, acaba por alocar recursos na economia de uma forma eficiente. Porque vai alocar recursos às necessidades que as pessoas mais valorizam. Se eu alocar recursos a necessidades que ninguém precisa nem vai comprar, desapareço. Se aloco recursos a uma coisa que alguém valoriza e quer comprar eu ganho e posso investir mais e vou aumentar a eficiência com que a sociedade aloca os seus recursos.

Isso é a base da economia e da prosperidade.

Esse foi o insight original que o Adam Smith desenvolveu quando estava no séc. XVIII a olhar para a emergente revolução industrial inglesa e via as fábricas apercebendo-se que há de facto um modelo diferente que se pode criar. Um modelo em que o interesse próprio acaba por conduzir, qual mão invisível, para o ganho coletivo social.

Com base nesse conceito, nós enquanto sociedade organizámos um certo modelo societal. Um modelo de sociedade que se baseia no interesse próprio, na motivação que eu tenho para melhorar-me, para ter mais lucro, mais dinheiro e bem-estar.

Vou canalizar esse interesse próprio através de incentivos para mim e para aqueles que trabalham comigo, para que nós em conjunto consigamos capturar valor.

Como é que capturamos valor? Através de empresas que vão desenvolver os seus produtos e que visam maximizar os lucros. Como é que uma empresa maximiza o lucro? Tem que proteger aquilo que tem. Uma empresa que tem uma competência específica vai criar uma patente e protegê-la.

Uma empresa que vende um produto muito valioso vai aumentar o preço do produto para conseguir lucrar mais. As empresas vão proteger o conhecimento que têm e vão tentar controlar o mercado onde estão inseridas.

Um empresário, o que quer ser é o mais poderoso do mercado, com maior quota de mercado e força sobre os fornecedores, e maior influência sobre os clientes.

Não sei se recordam, aqui os economistas, as cinco forças do Porter: se conseguir ser mais forte do que os fornecedores, fazer o lock-in de vários clientes, combater a competição e não ter substitutos, vou conseguir ter um lucro ao longo do tempo muito elevado e, portanto, vou ter uma vantagem competitiva sustentável.

Portanto, um bocadinho aquela ideia do Adam Smith que se traduziu num modelo de sociedade baseado em mercados onde empresas competitivas operam e nesta lógica, logo o empreendedor vai através de incentivos organizar as coisas, capturar valor e maximizar o lucro.

Agora, deixem-me perguntar-vos outra coisa: será que este sistema funciona? Este modelo capitalista que desenvolvemos e criámos, será que temos evidências de que ele funciona? Sim e é um sim sem qualquer qualificação? Não: acho que não funciona, ou funciona em certa medida mas não totalmente? Qual é a vossa opinião?

Agora gostava que cada um se manifestasse. Quem diria que sim? Que claramente o modelo funciona? Quem diz que não? Que não lhe parece que o modelo esteja a funcionar, ou vai funcionando mas tem fraquezas que têm de se trabalhar?

Já vi que não gostam de se comprometer.

[RISOS]

Seis sim e nenhum não. A maior parte diria um "sim/não, ou sim, mas precisa de regulação”.

Portanto, no fundo, estou a ouvir um sim, mas os mercados para funcionarem bem e darem o ganho social têm de ser regulados; ou sim, mas tem ciclos e os ciclos seriam de um momento de euforia que depois leva a um crash. Isso é parte do sistema capitalista, mas que neste processo de ajustamento muitas vezes é doloroso para os países, para as pessoas, aliás nós que acabámos de atravessar um período de crash e de austeridade, sentimos na pele isso.

Muitas vezes estas perguntas respondem-se com dados, historicamente, de modo a que a experiência recente não polua, de certa forma, o nosso pensamento.

Agora também vou desafiar-vos um bocadinho. Se olharmos para os dados históricos, a sensação que temos é que não há dúvida que o modelo tem funcionado. Tivemos, desde que este modelo de economia foi implementado no séc. XVIII, a partir da revolução industrial inglesa, um progresso económico e social extraordinário ao longo dos últimos 200 anos.

De facto, os economistas que olham historicamente para os dados económicos veem que durante mil anos a economia foi crescendo 0,1%, 0, 3%, ou seja, não havia progresso económico e este não havendo, o progresso social era muito limitado. Por quê? Porque havia modelos hierárquicos, os recursos estavam todos controlados por uma elite e, portanto, não havia aumento de produtividade.

Assim, tínhamos aqui uma curva que era quase plana e é óbvio que aconteceu aqui algo que aumentou a produtividade e o produto dos países, mesmo que descontemos o efeito do PIB per capita e algum efeito de consumo de recursos naturais excessivo, estamos hoje 100 vezes melhor economicamente, em termos de números, do que estávamos há 200 anos atrás.

Podem questionar se os números económicos traduzem a felicidade das pessoas, se calhar não, mas quando olhamos para indicadores como a escolaridade, a mortalidade infantil, a esperança média de vida, nós hoje mesmo olhando para a geração dos nossos pais ou avós vemos um ganho fenomenal nos últimos 70 anos. De facto, o modelo tem funcionado bem historicamente e por quê? Porque o capitalismo de mercado produz algumas coisas interessantes. Para já, produz algumas economias de escala que são fundamentais para o aumento da produtividade, porque - lá está - dos empreendedores, há 100 a fazer coisas diferentes e há alguns que são melhores que outros.

Os mecanismos da economia de mercado levam a que esses que são um bocadinho melhores recebam mais recursos, invistam mais, ganhem mais, cresçam mais, comprem os outros e as suas práticas acabem por se disseminar por toda a indústria. A economia de escala melhora também a produtividade. Mesmo que um empresário, ou uma empresa, vá à falência, deixa no tecido económico competências e conhecimentos que às vezes criam novo valor.

Quem de vocês ouviu falar de uma empresa chamada Fairchild semi-conductors. Ninguém ouviu falar? É uma empresa dos anos 70, início dos anos 80, em Silicon Valley. Quem é que já ouviu falar da intel. Se calhar, o que vocês não sabem é que a Fairchild semi-conductors foi a primeira empresa de semicondutores do Mundo e foi quem criou a indústria. Depois, foi à falência, mas os empregados dessa empresa saíram e cada um criou outras empresas. Criou aquilo que chamo hoje de Fairchildren, sete empresas que saíram da Fairchild; umas delas foi a Intel e as outras foram as restantes que criaram a indústria dos semicondutores.

Apesar daquela empresa original ter ido à falência, criou uma nova indústria que fez uma revolução tecnológica.

Por outro lado, a competição entre os empreendedores leva a uma constante procura de inovação, de criar mais valor para o cliente, de conseguir vender mais, e isso é uma pressão, uma disciplina, de mercado que leva todos a melhorarem se for um mercado regulado e se evitar o abuso de posição dominante.

Portanto, há mecanismos no capitalismo de mercado que permitem de facto um progresso económico e social forte. No entanto, só cinco ou seis de vós é que puseram a mão no ar e declaradamente disseram que acreditavam no sistema. Por quê? Acho que há um mal-estar generalizado, um sentimento de que algo não está bem, em relação à economia de mercado e ao capitalismo. Era aqui que eu queria aprofundar um bocadinho a nossa reflexão.

Acho que há dois processos ou desafios no capitalismo: um é o sistema não respeitar totalmente a natureza humana. Vou explicar o que quero dizer com estas palavras. O segundo aspeto que eu queria dizer é que o sistema tem lacunas que precisam de ser resolvidas e alguns de vocês já falaram de algumas dessas lacunas: ciclos económicos, aumento da desigualdade, desregulação de mercados.

Vamos focarmo-nos no primeiro ponto. Vou mostrar-vos novamente algumas palavras que podiam ter mudado o Mundo mas que não mudaram tanto quanto as outras que vos mostrei do Adam Smith.

Queria que vocês lessem, refletissem e pensassem quem é que escreveu isto e quando, está bem?

"How selfish soever man may be supposed, there are evidently some principles in his nature, which interest him in the fortune of others, and render their happiness necessary to him, though he derives nothing from it except the pleasure of seeing it.”

 

Adam Smith, disse o Aldo Maia. Muito bem, foi Adam Smith em "The Theory of Moral Sentiments”, uma obra anterior. O Adam Smith não era economista, era professor de moral na Universidade de Glasgow. Para ele, a obra-prima dele não era o "Wealth of Nations” que foi quase a bíblia dos economistas que o seguiram, mas foi esta obra chamada "The Theory of Moral Sentiments” que ele escreveu onde refletiu sobre a natureza humana e sobre o que é que motivava os comportamentos humanos.

O que é que ele está a tentar expressar aqui nestas palavras? Que a natureza humana tem uma dualidade, que o Homem preocupa-se naturalmente com o seu interesse próprio e com o bem-estar daqueles que lhes são próximos, da família próxima, mas ao mesmo tempo está na natureza humana uma preocupação pelos outros, chame-se amor ao próximo, chame-se care for others.

A natureza humana tem esta dualidade que nós estamos felizes quando vemos ou criamos felicidade nos outros também. Nós gerimos estas duas naturezas em nós próprios. Qual é o desafio? É que o capitalismo pegou apenas em metade da alma humana - o interesse próprio - e criou todo o edifício, todo um sistema, com base no interesse próprio e relegou o amor ao próximo para segundo plano.

Basicamente disse: querem ajudar os outros, querem ser bonzinhos, façam-no na vossa família, na vossa igreja, na vossa obra de caridade, mas no mercado e nas empresas têm de ser competitivos, maximizar o lucro, não há perdão, vão em frente e façam o que for necessário para vencer.

Se fizerem isso têm bónus, têm prestígio, têm mais poder e ganham. É este aspeto da economia de mercado, de capitalismo, que muita gente se sente desconfortável, porque não está a responder aos anseios e aos desejos da natureza humana.

Será que há algum modelo diferente que podíamos conceber, que poderia alavancar e construir sobre o amor ao próximo que nós temos pelos outros? Como é que poderia ser este modelo, se fôssemos comparar este modelo com um outro de amor ao próximo, como é que o construiríamos?

Na base estava o amor ao próximo e se eu quero alavancar uma organização com base no amor ao próximo o que é que eu faço para organizar as coisas?

Vou dar incentivos às pessoas? O que uso como mecanismo? Incentivos, salários, mais dinheiro, mais poder?

Em relação a envolver-me com os outros, vou alavancar a sua motivação e predisposição para ajudar os outros e se aliarem a uma causa importante, uma causa social.

Qual é o meu objetivo enquanto organização ou projeto? É a captura de valor? Qual será o meu objetivo?

 

Voz não-identificada

Realização pessoal?

 
Filipe Santos

Realização pessoal, mas realização pessoal no amor ao próximo, existe no momento em que consegues realizar os anseios dos outros também.

Aqui, diria, fazendo o paralelo, que não preocupado em capturar valor para a minha organização, mas em criar valor na minha iniciativa.

Qual é a entidade em que eu posso criar valor?

Nós criamos na nossa economia esta noção jurídica de empresa em que empresa é uma entidade para basicamente operar na economia e todo o excedente que conseguir gerar, consegue apropriar-se dele e dá-lo aos seus donos.

Que entidade ou que contexto é que consigo desenvolver para criar valor? Se não for a empresa qual é o centro desta nova economia? ONG? Estou preocupado é com uma solução que não é só uma organização, mas que envolva a comunidade e organizações de caráter diferente, como fundações ou até empresas, mas o meu foco não é fazer com que uma empresa dure para sempre, mas que uma solução transforme o sistema. Uma solução como aquelas que eu vos dei: o what3words, uma solução em que com três palavras eu crio moradas; o ColorADD, disseminar um código para daltónicos, que esta inovação social que quer solução crie valor.

Para implementar isso vou tentar maximizar o lucro, vou tentar maximizar o impacto social, que a minha solução cria na vida das pessoas e se para o fazer tiver um código, uma inovação, algo valioso, vou proteger, criar um trade secret , vou disseminar e partilhar.

Portanto, quero partilhar aquilo que eu tenho para criar mais valor e a minha lógica de operar no mercado é uma lógica de controlo: quero controlar os fornecedores, os clientes, os competidores - é isso que quero fazer - e qual é a minha lógica de atuação no mercado?

É uma lógica de envolvimento e mais que envolvimento, é uma lógica de capacitação, de empoderamento dos outros. Eu sei que a minha solução só criará valor se todos os seus parceiros estiverem mais envolvidos, mais capacitados, mais empoderados. Portanto o meu foco é melhorar todo o sistema e os parceiros e, não, melhorar a minha situação ou a situação da minha empresa. Se eu fizer isso consigo ter soluções sustentáveis no tempo que disseminam e criam impacto.

Este é o modelo económico alternativo que eu poderia criar. Se pensarem um bocadinho o que fazem os empreendedores sociais, o que têm feito é trazer ao sistema económico um novo modelo e forma de atuação que são sustentáveis, e que tem impacto, mas que alavanca não o interesse próprio e a procura de ganhos para quem está a implementar essa ideia mas alavanca o potencial da criação de valor da iniciativa.

É isso que junta as pessoas e orienta a sua atuação. Portanto, o empreendedorismo social está a trazer uma nova forma de empreender, atuar na economia, que é consistente com a ideia de capitalismo, mas que traz ao capitalismo esta outra vertente que é do amor ao próprio.

É também por esta razão que estou entusiasmado, apaixonado, pelo tema da inovação social. Agora, podem dizer que soa bem mas questionarem se realmente precisamos disto. Onde é que falha o sistema capitalista, no qual a inovação social pode ser uma ferramenta útil?

Onde falha o sistema capitalista? Imaginem um modelo quase ideal, em que existem mercados regulados, competitivos, existe um Estado com recursos e atento a resolver problemas. Neste contexto ainda é necessário empreendedorismo social? Ainda faria sentido ter empreendedores sociais, ou não?

Onde é que o sistema capitalista, mesmo bem operacionalizado, falha? Algumas ideias ou sugestões?

 
Miguel Sousa

O sistema capitalista não falha um bocado na redistribuição do dinheiro? Porque há pessoas que têm muito dinheiro e pessoas que têm muito pouco, criando-se um fosso.

 
Filipe Santos

Ou seja, o problema do capitalismo é muitas vezes o aumento da desigualdade. Aliás, este tem sido um tema muito falado hoje em dia pelos economistas e pela imprensa.

É que em geral estamos todos melhor, mas na prática os mecanismos da lógica de mercado premeiam alguns muito em detrimento de muitos outros e desigualdade tem vindo a aumentar em particular nos últimos 30 anos.

Mas aí temos o Estado também com uma função redistributiva, ou seja, o Estado deveria recolher os impostos e não só dar subvenções sociais que atenuem as desigualdades, mas também dar serviços públicos tendencialmente gratuitos ou de fácil acesso para nivelar algumas dessas diferenças. Porém existe ainda o problema do aumento da desigualdade.

Outros temas, outras ideias de onde o mercado pode falhar e onde o capitalismo tem fraquezas?

 
João Ferraz Diogo

Bom dia. Um problema neste caso seria a adaptação à procura, às necessidades do mercado, uma vez que o lucro é o objetivo final então vai-se sempre produzindo cada vez mais e sem ter atenção à procura, ou seja, a oferta aumenta e a procura diminui. Estamos a produzir mais do que devemos.

 
Filipe Santos

Pois, há uma questão dos efeitos que a procura do lucro provoca na economia e se houver áreas em que a procura do lucro não está associada com o impacto social a mão invisível do Adam Smith falha.

A mão invisível do Adam Smith funciona quando a minha procura do lucro induz a comportamentos e mecanismos que levam depois a um ganho social. Onde é que isso pode acontecer?

 
Laurindo Frias

Normalmente as classes menos protegidas não têm voz para exprimir as suas dificuldades e acabam por ser as mais prejudicadas nesse sistema.

 
Filipe Santos

Muito bem, temos já algumas respostas que em conjunto dão uma base para pensarmos este tema.

Resumindo algumas coisas que têm dito, por um lado onde é que falha o sistema capitalista? O interesse próprio, a procura do lucro, não é eficaz com o mecanismo da atuação em áreas que têm o que os economistas chamam de externalidades positivas. Ou seja, áreas em que o valor que crio com a minha intervenção não é apropriável mas espalha-se por todo o sistema.

Imaginem que o Aldo tem uma fábrica de cimentos e eu sou um construtor civil. Quero construir casas para vendê-las a pessoas que precisam de habitação. O Aldo quer produzir cimento para ter lucros com a sua atividade.

Faço as minhas contas e penso: neste mercado consigo vender casas a este preço, vou precisar de tanto cimento, pergunto ao Aldo qual é o preço para o cimento que vou precisar. O Aldo olha para as contas dele, os custos, o potencial de mercado e diz-me que por cada tonelada de cimento vai cobrar cinco.

Eu digo está bem, com esse preço consigo construir um número de casas e vendê-las. Portanto, digo ao Aldo que vou comprar 1000 toneladas e produzir 100 habitações. Nós fizemos uma transação em que ganho ao vender as casas, o Aldo e a sua fábrica ganham ao vender o cimento, ficamos todos contentes, excepto se por acaso o Aldo precisar para produzir cimento atirar resíduos para o rio onde a fábrica está situada. Está a impor um custo à sociedade, que não está incluído nas suas próprias contas.

Portanto, quanto mais cimento ele me vende, mais poluição existe no meio-ambiente; é uma externalidade negativa. O lucro dele e o meu não estão alinhados com o impacto social.

Portanto, o sistema capitalista tem de encontrar formas de resolver o problema das externalidades. Mas isso é o que o Estado faz, diz que a poluição não é permitida, ou só em certas condições. Por isso, o Estado tende por um lado ou proibir os comportamentos negativos que causam impacto negativo socialmente ou taxá-los dizendo que por cada tonelada de cimento há uma taxa de cinco euros adicional, porque preciso depois do processo produtivo, de limpar o rio.

O Estado acaba por conseguir, se atuar de forma eficaz, anular ou reduzir alguns destes comportamentos negativos que são motivados pela procura do lucro.

Por um lado, os comportamentos negativos são mais fáceis de cancelar, mas as externalidades positivas são mais difíceis de motivar. Por exemplo, há áreas onde uma atuação é muito valiosa para a sociedade mas é pouco valiosa para o indivíduo que a presta. É o caso da vacinação: posso vender vacinas e vocês podem comprar, mas dizem que o risco de apanharem a doença é tão pequenino que não vão pagar muito pela vacina e muita gente não vai ser vacinada. Mas sei que do ponto de vista público, se não houver vacinação há o risco de epidemia que vai criar um mal social enorme.

Portanto, há um ganho muito forte em haver vacinação de muito fácil acesso, mas no mecanismo de mercado não vai trazer porque esse ganho não está alinhado com o lucro dos agentes. Não tem rentabilidade suficiente para eu comercialmente desenvolver a atividade; tem de ter o envolvimento do Estado e o Estado também se envolve na parte das externalidades positivas, corrige as falhas de mercado, providencia bens públicos em áreas com estas características como a Educação, a Saúde, o Ambiente ou outras.

Fá-lo por duas formas: por provisão direta, provendo os serviços que o mercado não consegue entregar ou subsidiação a atores - comerciais ou da economia social - que possam fazer essa provisão e com os subsídios já tem rentabilidade para desenvolver essa atividade.

Por isso, com o Estado a funcionar e com o mercado regulado, de certa forma não seria muito necessário o empreendedorismo social. Agora entra aquilo que o vosso colega falou: mesmo que o Estado seja eficaz, acaba sempre por ouvir e sofrer as pressões e as tendências das vozes mais fortes da sociedade, muitas vezes esquecendo as vozes mais fracas ou quem não tem voz.

Dou sempre o exemplo: vivi muitos anos em França e pensem por exemplo na agricultura francesa. A agricultura é uma atividade que tem algumas externalidades positivas, basta guiar através de França e ver aqueles campos bem organizados e lindos, além da segurança alimentar que cria no país. Portanto, além da produção agrícola poder ser vendida por um lucro, existem externalidades positivas em termos de meio-ambiente e de segurança alimentar. Assim há algum argumento para incentivo e apoio à agricultura. Existem apoios à agricultura em França, ou não? Brutais, enormes, mais se calhar do que haveria de ser necessário.

Por quê? Porque a voz dos agricultores é muito forte em França. Os presidentes da França não são eleitos se não forem para a feira e beijarem o touro e a vaca. Isto é real, o Jacques Chirac fazia durante muitos anos.

Se há alguma coisa que prejudica os agricultores eles bloqueiam as estradas, vêm com um camião de tomates e atiram tomates aos políticos e ninguém quer isso na televisão.

Portanto, como têm muita voz e muita força, e a psique francesa está muito ligada à agricultura têm imensos apoios, mais do que é devido. Mas onde falha é exatamente naquele segmento da população que não tem voz ou capacidade de organização: os daltónicos, as crianças que são retiradas de uma família, um imigrante que não vota por exemplo, a minoria étnica ou religiosa que é excluída e ostracizada.

Nessas áreas, esses problemas parecem invisíveis ao resto da sociedade e acabam por ser negligenciados. É exatamente nessas áreas que o empreendedorismo social tem o seu sweet spot de atuação, tem a sua área onde pode criar valor, porque as pessoas de forma descentralizada identificam esses desafios e oportunidades, apaixonam-se por esses temas, criam soluções, utilizam outros para essas soluções e alertam o Estado para a importância daquele problema.

Há pouco falámos aqui sobre o Miguel Pavão a sorrir, que é um dentista apaixonado pela saúde oral. Ele verificou, há uns atrás, que a saúde oral era uma área de provisão pública na qual não havia qualquer valência, não havia subsídios para a saúde oral, apoio dentário, nem qualquer oferta pública. O que é que acontecia? Quem tem dinheiro ia ao dentista, quem não tem não tratava dos dentes e as coisas depois pioravam ao longo do tempo e pessoas com menor capacidade económica e crianças de zonas mais desfavorecidas não cuidavam dos dentes, cresciam com os dentes podres, depois não arranjavam emprego por tinham os dentes podres e depois tinham cáries enormes tinham de ao hospital de urgência com um custo enorme para o Estado. Ele disse que isto não podia continuar, que a saúde oral era um problema negligenciado, que era importante para todos e para os que não podem usufruir dela, então, criou uma rede de dentistas voluntários. Assim, deu acesso a muito mais baixos preço a toda a população, começou a fazer lobby junto da Segurança Social e Ministério da Saúde para alterar o estado das coisas e começa a haver uma política de saúde oral em Portugal.

Os empreendedores sociais encontram estes problemas invisíveis para os outros e ao fazê-lo introduzem na economia este motor de inovação social, que é um bocadinho um espelho do que o motor de inovação empresarial do empreendedorismo empresarial faz na parte da economia de mercado.

É esse o valor que a inovação e o empreendedorismo sociais podem trazer para repensarmos o modelo da economia. Porque de certa forma o que estamos aqui a falar é o potenciar da sociedade civil. De que forma? Não tanto através do ativismo social mas do empreendedorismo social.

Gosto desta distinção: o ativismo é quando vemos um problema e dizemos que não pode continuar e vamos para a Assembleia da República protestar para que alguém faça alguma coisa. Isso é um bocadinho o ativismo: alertar para os problemas e para o que está mal e tentar criar através da pressão política ou social mecanismos de mudança.

O empreendedorismo social é diferente: é o identificar do problema, tentar encontrar soluções que envolvem todas as pessoas e todas as entidades para que este problema seja resolvido. Portanto, é um esforço de ação e de empreendedorismo e não de protesto.

A inovação social pode potenciar o estado civil dando às pessoas estes mecanismos de proativamente resolverem os problemas da sociedade e não esperarem que o Estado faça tudo, ou que o mercado resolva tudo, porque ambos não conseguem resolver tudo sem o envolvimento dos cidadãos.

É esse o potencial do empreendedorismo social, que não só é importante para segmentos desfavorecidos mas que é importante para todos nós.

Deixem-me dar-vos um exemplo: há um projeto de inovação social que todos utilizam e do qual beneficiam. Qual é? É internacional. O telemóvel? Eu não chamaria inovação social necessariamente, foi uma inovação. O Wikipédia. Quem utiliza, levante o braço. Toda a gente. O que é o Wikipédia? É uma solução. Lembram-se daquela outra versão de capitalismo que eu vos mostrei. É uma fundação que criou uma solução que envolve os utilizadores. Eles dizem basicamente: isto é gratuito mas todos podem contribuir para a solução escrevendo novas entradas ou corrigindo entradas no Wikipédia e todos têm acesso livre. Em dez anos a Wikipédia criou uma enciclopédia global online que cobre todos os temas do Mundo em todas as línguas do Mundo, todos têm acesso gratuito e é usado por mais de 500 milhões de pessoas em todo o Mundo.

Qual era a comparação com o Wikipédia? Qual era o modelo anterior ao Wikipédia? A Enciclopédia Britânica e as que nos vendiam em casa, as bibliotecas municipais, no serviço público, ou até o CD da Microsoft com a Encarta. Lembram-se? Parece há tanto tempo atrás, não é?

O que é que aconteceu aqui? É que dantes dizíamos que precisávamos de uma oferta de mercado, portanto eu como empresário vou contratar um conhecimento aos peritos, vou produzir o conhecimento num livro e vou vender o livro - isto é uma oferta de mercado. Ou então o Estado dizia: o conhecimento dever ser livre, vou comprar montes de livros, pôr numa biblioteca e oferecer gratuitamente para disseminar a cultura.

O que a Wikipédia disse foi: não, isto não é uma oferta de mercado, nem pública, necessariamente, mas uma rede de colaboração em que se eu envolver as pessoas a participarem na criação do conhecimento que não é privilégio apenas só de alguns, consigo criar um modelo digital que dá acesso a todos e que está sempre em inovação e transformação.

Portanto, de forma interessante, o modelo do Wikipédia é superior e mais competitivo do que os modelos de mercado ou de provisão pública. Em algumas áreas isto acontece: modelos de inovação social são mais poderosos e mais eficazes do que os modelos tradicionais. Outra área onde é importantíssimo o empreendedorismo social é a obesidade infantil que é elevadíssima apesar da nossa dieta mediterrânica. Afeta todas as classes sociais e económicas e tem rácios preocupantes para o futuro, assim como gastos de saúde enormes com o aumento de diabéticos e de doenças cardíacas.

O combate à obesidade infantil que está a ser feito por empreendedores sociais, tentando dar aulas sobre nutrição e capacitando as crianças, é uma forma de nós também alterarmos o estado das coisas.

Deixem-me só dar-vos um exemplo. Possivelmente muitos de vocês não têm filhos, mas eu tenho, de seis e nove anos, e há uma coisa que me faz imensa confusão: há muitas festas de anos, é normal. Todos os fins-de-semana os meus filhos vão a uma festa de anos de um colega da escola e nas festas de anos vão comer bolos, açúcar, doces; é uma vez por semana, está bem, mas o que é que acontece quando as crianças saem das festas de anos? Recebem um presente. Qual é o presente que recebem? Recebem um saquinho com chocolates, gomas, rebuçados para levarem para casa e comerem durante a semana. Já pensaram nisto?

Portanto, vou convidar os filhos dos meus amigos para virem para a festa, vou dar-lhes veneno de longo prazo para eles comerem e depois vou dar um pacotinho de veneno para eles levarem para casa e se habituarem ao veneno.

Quando hoje é sabido que a morfologia humana, numa idade jovem, adapta-se ao açúcar que recebe e ao sal que recebe. Portanto, se vou receber açúcar aos cinco, sete anos de idade, o meu metabolismo vai-se alterar e eu conto e espero receber mais açúcar no futuro.

Estamos a matar as nossas crianças, de forma assumida e clara. Se for um pai e não dou o saquinho de rebuçados, de repente tenho bocas a dizerem que não sou generoso, que sou forreta, que não dou nada aos miúdos que queriam levar um saquinho e não levaram.

Nós, às vezes, temos comportamentos sociais que nos parecem normais mas que são altamente destrutivos e negativos e nem nos apercebemos. O empreendedor social tem uma visão diferente e diz: isto é ridículo, não veem o quão ridículo isto é? E começa a trabalhar não só para encontrar uma solução alternativa como para mostrar o quão ridículo é o que nós fazemos enquanto comportamento social.

Neste caso, há uma professora de ensino secundário, Ana Quintas, que criou em Carcavelos um centro de educação alimentar chamado Vitaminos, onde ensina e capacita as crianças a saberem como é que se devem alimentar, a fazerem sopa e a mudarem a sua atuação.

Ela tem um workshop que se chama Vamos Fazer Sopa Juntos; depois das aulas os miúdos inscrevem-se, pagam um ou dois euros, que é para aumentar a sustentabilidade do modelo e as pessoas pagarem um bocadinho pelo que recebem, e vão fazer um workshop de uma hora e meia que os leva a ir à horta colher os vegetais. Depois, vão à cozinha que é uma cozinha montada para crianças, com facas que não cortam os dedos, etc., para tratarem dos vegetais, fazerem a sopa e comerem-na no final. Têm também um trabalho de casa que é chegarem a casa e dizerem aos pais: quero fazer e comer sopa convosco.

Quando ela passou o trabalho de casa pensou que apenas 10% é que o fariam. No dia seguinte, teve telefonemas a perguntar o que é que ela tinha feito aos filhos deles, que nunca comiam sopa, que era uma chatice para comerem sopa e ontem chegaram e disseram que queriam fazer sopa juntos. Os pais disseram que cozinharam sopa com os filhos pela primeira vez e que comeram todos juntos, inclusive alguns pais que não costumavam comer sopa mas foram obrigados porque era a sopa da filha e tinham de comer.

Ou seja, é fácil mudar os comportamentos quando o fazemos da forma certa, envolvendo e capacitando as pessoas.

Nas festas que esta Ana Quintas organiza, a comida é toda saudável, não tem nada com excesso de açúcar. A inovação que ela fez foi o chupa-chupa de cenoura. Já ouviram falar do chupa-chupa de cenoura? É muito fácil: descasca-se uma cenoura, enfia-se num palito e dá-se aos miúdos.

Os pais acharam a ideia mais absurda e que os filhos nunca iriam comer isso, mas os miúdos adoram, ficam a roer a cenoura durante meia hora e não comem mais nada.

Portanto, este é um dos exemplos de como estas ideias, uma vez que possamos dar azo a que essas ideias se desenvolvam, se traduzem em mais projetos empresariais, em novos negócios e iniciativas, podem aos poucos alterar a nossa sociedade, a nossa realidade e levar-nos a níveis melhores de prosperidade.

O que se trata aqui é de empoderar a sociedade civil com responsabilidade e com os mecanismos para responder positivamente aos desafios da sociedade e do futuro. Não é contar sempre que o mercado faça, porque muitas vezes não o faz, ou que o Estado tenha capacidade de responder, que muitas vezes não tem, e é capacitar todos nós para a área em que somos apaixonados, na área que nos preocupamos, encontrar as soluções certas, envolver os outros e partir para este processo.

Este é um bocadinho sobre a importância de potenciar a inovação social. Esta ideia está a ter lastro em todo o Mundo. No âmbito do G8, houve uma task force durante o ano liderada pelo Reino Unido para trabalhar a área das finanças de impacto e como é que podemos reorientar o sistema financeiro para apostar e investir neste tipo de projetos de impacto social.

Chamaram ao relatório "Impact Investiment, the invisible heart of market”. É um bocadinho isto que vos queria deixar, é que temos no capitalismo esta arma poderosa que é a mão invisível, ao alavancar o interesse próprio de cada um de nós conseguimos conduzir a sociedade e o mercado a um ganho social através da procura do lucro e do ganho próprio, mas para o capitalismo funcionar de facto temos de juntar a esse instrumento que é poderoso outro instrumento que se chamaria o coração invisível.

Ou seja, se alavancarmos não só o interesse próprio mas também o amor ao próximo e se damos possibilidade dele ser canalizado em projetos sustentáveis com escala que transforme a nossa realidade, conseguimos criar um modelo de economia de mercado muito mais sustentável, muito mais resiliente e que consiga reduzir as desigualdades, os fenómenos de exclusão e eventualmente combater um bocadinho estes ciclos que acontecem na economia.

É um bocadinho isso que se está a gerar em todo o Mundo hoje em dia. Há uma vaga em torno da inovação social e de criar este novo mecanismo de impacto com novos instrumentos financeiros e, portanto, é isto que estamos a fazer em Portugal.

Agora, se calhar, mudava o registo para falar durante uns minutos sobre a iniciativa que estou agora a desenvolver chamada Portugal Inovação Social. Depois, teremos tempo também para perguntas no final.

Durante 15 anos estive fora do país, mas nos últimos quatro anos estive muito mais envolvido em Portugal a fazer o mapeamento da Inovação Social, a lançar projetos como o empreendedorismo social ou o laboratório de investimento social. Fui convidado pelo governo, pelo Ministro Poiares Maduro com quem vão estar esta tarde, para liderar uma nova iniciativa, a Portugal Inovação Social.

Qual é a visão? É, assim como nós conseguimos criar em dez anos um verdadeiro ecossistema de apoio ao empreendedorismo e hoje temos investidores-anjos, capitais de risco, incubadoras, empresas unicórnio, e temos de facto pela primeira vez em Portugal um fenómeno de empreendedorismo de escala global que conseguimos em dez anos, é replicar este sucesso e fazer o mesmo para a área de impacto social.

Ou seja, criar investidores sociais, incubadoras sociais, apoio a projetos sociais para que o empreendedor social não esteja sozinho, tenha rede, financiamento e possa crescer e desenvolver o seu projeto com sucesso.

Qual é a visão? É de que nós temos de parar um bocadinho de trabalhar em setores separados com o setor público de um lado, o setor privado de outro e o setor empresarial do outro. O empreendedor social mostrou que há vantagem e possibilidade de unir os diversos setores. O empreendedor social, por natureza, alia e junta as forças dos vários setores e cria o que se chama um pouco a economia de impacto.

É promover comportamentos na economia orientados para a maximização do impacto social e não apenas necessariamente a maximização do lucro. Há todo um conjunto de instrumentos financeiros, como os títulos de impactos social, ou empresas como as empresas B, for Benefit Corporations , que já existem mais de 1.000 em todo o Mundo, e estão a transformar a sua forma de agir para pôr o impacto social no centro da sua atuação.

Este é o desafio e o que nós criámos foi uma estrutura de missão que no âmbito do Portugal 2020 vai ter um conjunto de financiamentos para poder apostar e promover nos inovadores e empreendedores sociais.

Aqui não vos vou maçar com isto, mas temos cerca de 150 milhões de euros de fundos até 2020 para poder criar este mercado de investimento social, alavancando também a competência dos investidores privados nestes temas.

O estamos a pensar é que estas iniciativas que referi, o Mundos a Sorrir, o ColorAdd, Vitaminos, têm o seu ciclo de desenvolvimento desde este projeto-piloto que tem de se validar até criar um modelo de negócio sustentável. Até começarem a crescer, disseminar a sua solução, criar políticas públicas, há todo um processo de desenvolvimento que estes projetos atravessam, que é semelhante de certa forma aos projetos de empreendedorismo tradicional.

Há também aqui uma zona que é o chamado vale da morte, que é o gap de financiamento. É fácil criar um pequeno projeto hoje em dia, há muitos pequenos apoios para um projeto-piloto, mas atravessar este processo de crescimento e amadurecimento é muito difícil e falta financiamento.

Os bancos não emprestam, exigem garantias pessoais; as fundações chegam aos 30 mil euros e já não financiam, não financiam a longo prazo, os empreendedores sociais desmotivam-se e os seus projetos morrem.

O que nós queremos é alterar este estado de coisas, de diferentes formas. Uma delas é capacitando os projetos para reforçarem o seu modelo de negócios, a sua forma de trabalhar e poderem receber investimentos futuros de investidores privados.

A outra é aposta em cofinanciamento, 50% com fundações e quem quiser apostar em projetos inovadores. Diremos: você, fundação ou empresa, quer apostar num projeto inovador enquanto investidor filantrópico, cofinanciamos esse esforço para colocar o projeto mais robusto, maior e mais desenvolvido. Ou, então, utilizando títulos de impacto social, que é uma nova abordagem em que basicamente se diz que para projeto de forte validade e ganho público e poupança pública, podemos financiar integralmente mas só financiamos após a validação do resultado. Então, façam o projeto, o investidor social financia-o por três anos, medimos os resultados e se forem alcançados devolvemos integralmente o valor inicial ao investidor.

Portanto, é um novo modelo de investimento que estamos a testar e que foi lançado no Reino Unido há uns anos e vamos implementar em Portugal.

Por fim, um instrumento financeiro é o fundo para a Inovação Social, em que um investidor-anjo com capital de risco pode dizer que quer apostar em projetos de impacto social, ou um banco que tenha receio das garantias mas empresta dinheiro a projetos de impacto social, e nós aí, Portugal 2020, iremos colocar cofinanciamento para incentivar esses agentes a investir nesses projetos.

O cofinanciamento pode ir até dois terços, dependendo do modelo de investimento, pode ser empréstimo ou o que se chama quase de capital se forem projetos lucrativos, for profit , mas se for uma IPSS terá de ser um modelo diferente porque não se pode comprar capital numa IPSS.

Mas o que vai acontecer é que vamos criar mecanismos de apoio e de promoção da Inovação Social em Portugal para que os empreendedores que já existem e são muitos, terem mais incentivos e mais apoios, possam crescer e desenvolver as suas atividades.

Isto era o que eu queria dizer-vos e ainda tenho algumas considerações finais mas deixo para depois das vossas perguntas. Iria abrir agora para perguntas livres sobre este tema, sobre temas relacionados, sobre o empreendedorismo, capitalismo e outros. Reflexões, ideias, partilhas, se têm experiências neste tema, partilhas que queiram fazer.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem. Vamos iniciar, de acordo com as regras, as perguntas obrigatórias de cada grupo. Depois, se houver tempo, entramos no "Catch the Eye”. Peço a colaboração do Prof. Filipe Santos, para haver tempo, tentar reduzir as respostas a três minutos por pergunta.

 
Duarte Marques

Vou dar a palavra à primeira pergunta do Grupo Encarnado com a Inês Moreira.

 
Inês da Fonseca Moreira

Muito bom dia. Aproveitando a sua apresentação digital, o empreendedorismo social é a procura de soluções sustentáveis. Assim, o Grupo Encarnado queria saber quais os comportamentos a adotar a nível local para conseguir uma sociedade civil verdadeiramente inovada.

Obrigada.

 
Filipe Santos

Acho que esta questão da sustentabilidade é fundamental e é um dos grandes desafios dos inovadores e empreendedores sociais. Porque a questão é: posso sempre desenvolver uma solução e esperar que o Estado pague, ou contar com a boa vontade dos outros. Sabemos que em geral a escala que estes projetos podem ter é limitada, portanto o projeto está destinado a ser pequenino e por isso tem pouco impacto. O que estamos aqui a falar é de projetos que desenvolvem modelos de projetos diferentes, que é sustentável economicamente e que pode escalar e ter um impacto transformador na sociedade.

Como é que isso se consegue? Há vários exemplos, ou formas de o conseguir. A primeira é evitar coisas completamente gratuitas, pois pagamentos mesmo que sejam simbólicos são moralizadores e responsabilizadores dos serviços que se prestam.

Ou seja, se eu enquanto beneficiário pago alguma coisa pelo serviço é uma escolha que eu faço, não é algo que eu faça de graça. Mesmo que o pagamento só cubra 20% do custo, haver um pagamento, chamemos-lhe taxa moderadora ou outra coisa qualquer, que seja simbólico é importante.

Há muitos modelos, como por exemplo mesmo os workshops de nutrição da Vitaminos, em que cada criança pagava um ou dois euros e não era por isso que deixava de ir, mas moralizava o processo e dava algum financiamento.

O outro modelo chama-se um modelo híbrido: ofereço um serviço, mas esse tem alguma componente adicional que alguém está disposto a pagar. Por exemplo, aqueles modelos como a Revista Cais em que envolvo as pessoas desempregadas de longa duração, que não têm casa, na produção e venda desta revista, mas depois vendo a revista a um público.

Ou seja, o meu beneficiário é um mas o meu cliente é outro, mas se o cliente valorizar o produto acabo por sustentar o modelo. Essa é uma outra forma de o fazer.

A terceira forma que é mais interessante é a forma de comprar impacto, que é o que fazem os títulos de que eu falava antes. Se eu for muito bom a mostrar que tenho impacto e que esse impacto tem transformações específicas na vida das pessoas, posso levar a que esta fundação com quem estou a trabalhar me pague o impacto, ou que o próprio Estado pela poupança que vai ter me pague de forma sustentada pelo impacto.

O seja, o que é que vos quero dizer? A sustentabilidade não tem de ser apenas por mecanismos de mercado. Não é sempre "eu tenho de vender para ser sustentável”. A sustentabilidade é: consigo gerar recursos de forma continuada no tempo para pagar o meu custo de operação e esses recursos posso trazer ou vendendo através do mercado, ou vendendo o impacto a entidades que estão dispostas a pagá-lo ao longo do tempo, ou criando um modelo que reduz os custos utilizando trabalho voluntário, mas de forma sistemática, como faz por exemplo o Banco Alimentar.

O Banco Alimentar consegue envolver um número grande de voluntários e de parcerias com organizações como as distribuidoras para conseguirem angariar os bens que têm de angariar, a um custo muito baixo.

Portanto, o foco é a sustentabilidade. No mundo empresarial a sustentabilidade é só vender no mercado e fazer dinheiro; no mundo de impacto social, para a sustentabilidade há vários mecanismos, o do mercado, o de vender impacto, os modelos de negócios híbridos e há criar um modelo de custo tão baixo como o Wikipédia com uma grande escala sem necessidade de muitos recursos. Vocês têm mais ferramentas e alavancas enquanto empreendedores sociais para alcançar a sustentabilidade que é o tema central e eu concordo que o tema central é conseguirmos sustentabilidade para estes projetos.

Obrigado pela pergunta.

 
Duarte Marques

Muito obrigado. Segue-se o Ricardo Pinto do Grupo Cinzento.

 
Ricardo Pinto

Muito bom dia aos presentes. A pergunta do meu grupo decorre de um conceito que a nosso ver deveria estar na pirâmide social, que é a dignidade Kantiana.

Atualmente, com o peso da economia, até que ponto estaremos a formar uma sociedade de números? Quando digo "uma sociedade de números” é uma sociedade que olha a objetivos, metas, mas não considera a pessoa em si, ou seja, o valor expresso por Francisco Sá Carneiro, no fundo, que era o personalismo.

Uma segunda pergunta, que a nosso ver está englobada: até que ponto as empresas ao criarem instituições que apoiem causas sociais não estarão a usar uma forma de marketing, para se venderem? Isto acaba por coincidir um pouco com aquilo que falámos sobre o campo de ténis, em que a bola ou cai em A ou em B. Ou seja, por um lado a empresa está a apoiar causas sociais, mas por outro também não está a praticar uma dignidade própria dentro da empresa.

Muito obrigado.

 
Filipe Santos

São duas excelente perguntas. Em relação à primeira acho que há um risco e tem havido um risco de que o modelo de capitalismo mais extremo possa ignorar ou reduzir a pessoa humana e a dignidade. Se tudo for um número e se o número for trazido sempre em loops , simplesmente tomo decisões com base no lucro e esqueço-me o impacto que as decisões têm nas pessoas.

Se, por exemplo, digo que se despedir 20% das pessoas aumento os meus lucros, esqueço-me do impacto que isso pode ter nas pessoas que vou despedir.

Se olho sempre para o PIB, para o crescimento do PIB de 2% e quero aumentá-lo, introduzindo coisas negativas que prejudicam a vida das pessoas, estou só a olhar para números abstraindo da realidade.

Os números são úteis quando correspondem a uma melhoria e a um progresso, mas quando os números tomam valor em si próprio corremos esse risco, é verdade.

Para já, gostaria de dizer, que no modelo de capitalismo anglo-saxónico corre-se mais esse risco muitas vezes porque é o modelo mais extremo, que se ajusta mais depressa, frequentemente com o custo do ajustamento a ser imposto às pessoas e não se sabe gerir de forma a que respeitem mais as pessoas como os modelos da Europa permitem fazer.

A razão pela qual estou muito interessado na Inovação Social é porque traz para o sistema capitalista uma nova perceção, uma nova dinâmica, porque o empreendedor social centra-se nas pessoas e diz que os números são interessantes mas o que querem é acabar com fenómenos de exclusão, de infelicidade, entre outros.

No fundo, isto traz à economia um foco nas pessoas e alerta outros agentes - Estado e empresas - para estes problemas que são invisíveis para muita gente.

Há um risco de as pessoas fazerem esse green washing , que é dessa forma um social washing. Dizer que se ajuda um projeto mas retirar daí maior reputação e mais vendas. Isso pode acontecer, mas há fundamentalmente nas empresas também um processo de transformação.

Falava há bocadinho das empresas B, mas não aprofundei o tema. Há empresas nos EUA, chamadas B Corp, que dizem que querem assumir nas suas empresas o impacto social, alinhado a par com a procura do lucro. Portanto, vou assumir um conjunto de comportamentos. Não só apoio a projetos de responsabilidade social, mas na forma como lido com os empregados, com o meio-ambiente, com os fornecedores e os clientes, em toda a cadeia de valor vou ter comportamentos éticos e valorizadores, diferente de todos e vou assumir nos estatutos que vou fazer assim.

Se atingir um certo nível de pontuação, tenho a certificação de empresa B, que é for benefit corporation. Há cerca de 1.200 empresas B em todo o Mundo, algumas delas grandes, como a Patagónia.

Tem havido bastante adesão principalmente na América Latina. Já há algumas empresas em Portugal, 13, mais pequenas. Portanto, nas próprias empresas está a começar a criar-se um processo de transformação, de repensar, que vai contra o green washing e diz que só é feito a sério na sua essência.

Agora, como em tudo, vão ver o espectro, o green washing e o social washing mais puro e vão ver esforços meritórios e de facto honestos de melhoria da atuação no mercado.

Têm é que nas vossas escolhas saberem também diferenciar quando escolhem um empregador, a quem compram os produtos, saberem diferenciar nas vossas escolhas e premiar aqueles que têm um conjunto de comportamentos promotores do progresso e da dignidade humana.

 
Duarte Marques

Muito obrigado. Dava agora a palavra ao Rafael Neto do Grupo Bege.

 
Rafael Neto

A minha pergunta está um pouco ligada à última que foi feita, relativamente aos valores do empreendedorismo social. Não tanto falando no produto que se vende, mas de alguns projetos de capacitação que se fazem hoje em dia com jovens ou de integração, tanto com os mais novos com os mais velhos, em bairros sociais, etc.

Os projetos necessitam sempre de um mecenas ou, neste caso, de alguns fundos, como falou aqui do Portugal 2020 sendo um deles. Têm sustentabilidade e isso é óbvio porque o projeto não consegue passar mais de um ou dois anos sem ter essa sustentabilidade.

No entanto, fala-se agora e cada vez mais de um modelo de negócio de retorno financeiro, de promover mais o seu valor mas sempre numa ótica financeira.

Tenho conhecimento de alguns projetos e o Prof. também falou de alguns - sei que está próximo do IES - em Cascais e Lisboa há muitos projetos desses, é exatamente igual em várias cidades que têm perdido o seu objetivo social porque vão atrás deste modelo de negócio e acabam por perder esses valores.

Falou também de uma questão sobre o voluntariado e há determinadas instituições que promovem demasiado o voluntariado. O voluntariado é bom, mas só em certa medida. Estas empresas para poderem chegar ao ponto de garantirem mais dinheiro acabam por pegar em jovens. Fica-lhes bem no currículo porque são empresas ou instituições com 50 anos de implementação e fazem um trabalho meritório, mas basicamente isso é recrutar voluntários ali para cumprir funções que deveriam ser pagas a outras pessoas.

Obrigado.

 
Filipe Santos

Essa é uma pergunta importante de difícil resposta. Vou responder se calhar de forma um bocado indireta mas vou lá chegar.

Acho que a tarefa do empreendedor social é muito mais difícil do que a do empreendedor. O empreendedor tem um foco claro: tem de encontrar um mercado para o seu produto ou serviço, vendê-lo, o cliente tem de gostar querer comprar, quando o cliente paga mais do que o custo ele faz dinheiro, a empresa é sustentável, continua e inova.

Já isto é difícil de fazer mas pelo menos é mais focado.

O empreendedor social tem um desafio maior que é ter uma missão social, querer apoiar e ajudar e alterar os comportamentos neste grupo de beneficiários, mas eles não podem pagar. Tenho de os servir sem eles pagarem o custo do meu serviço, tenho de encontrar outra forma de pagar e tem de ser inovador e respeitar um conjunto de regras mais exigentes de comportamento que são impostas por mim. Portanto, o desafio é maior e exige muito mais criatividade e até capacidade de inovar no modelo de negócios, do que para o empreendedor tradicional.

Dou-vos um exemplo de um modelo de negócios que gosto muito que é de uma organização alemã para mostrar como é que a sustentabilidade pode ser alcançada sem perder a missão social. É uma organização social chamada Dialogue in the Dark. Não sei se já foram a restaurantes no escuro ou museus no escuro, mas que é um modelo que está a começar a disseminar-se e o original foi este Dialogue in the Dark.

Qual é o modelo? Um museu no escuro, somente no escuro, onde uma pessoa paga para ir ao museu e imaginem numa sala como esta completamente escura, sem réstia de luz, a pessoa vai experimentando o museu tateando, ouvindo, cheirando, com a escuridão completa.

No fundo, o que está a acontecer? Está a sentir um bocadinho o que é ser cego e o que é tentar com os outros sentidos que nós temos experimentar o Mundo sem ter a visão.

Agora, como é que o modelo foi montado? O modelo foi montado em que quando atravesso essa experiência no escuro, as pessoas ficam muito perturbadas em não ver e quem me está a acompanhar nessa experiência e é o meu guia no meu museu é uma pessoa cega que está confortável no escuro porque é a sua realidade.

Reparem na inversão de papéis, eu que vejo e que me sinto empoderado, olho para um cego como coitadinho, como um deficiente, e de repente invertem-se os papéis e a pessoa cega é o meu guia, é quem está a dar confiança e a controlar o contexto e eu sinto-me indefeso, perturbado, porque estou fora da minha realidade. De repente, começo a perceber o que é a cegueira e a respeitar a pessoa cega de forma diferente por causa da experiência.

Ao mesmo tempo, pagando a entrada do museu, sejam escolas com crianças, empresas com funcionários, ou pessoas individuais, cobro o custo da operação e ao mesmo tempo a operação vai contratar centenas de pessoas cegas dando-lhes um emprego digno enquanto guias de museus.

Reparem neste modelo de negócio. Tenho clientes que são as pessoas, que pagam para ir ao museu, para terem a experiência no escuro e ao mesmo tempo alteram a perceção sobre o que é ser cego e o respeito pelas pessoas cegas. Encontro emprego sustentável para centenas de pessoas cegas e ao mesmo tempo também aumento o respeito que as pessoas em geral têm pelos cegos.

Este modelo é sustentável economicamente, tem um foco na sua missão muito claro, que é dar a oportunidade às pessoas com cegueira e mostrar o potencial que elas têm para trabalhar como as outras e dar-lhes de novo respeito. Portanto, o desafio está em vocês, empreendedores sociais, aqueles que o querem ser, em encontrar o modelo de negócios certo que respeitando e orientando a missão social conseguem encontrar formas de se sustentar ao longo do tempo e ser economicamente viável sem perder o foco na sua missão.

É mais difícil do que os empreendedores tradicionais, mas é possível de fazer. O queremos também é facilitar esse processo, em particular nas fases iniciais, incentivando um bocadinho a capacitação dos projetos, a sua capacidade de gestão e de sistematizar o seu modelo.

Porque onde os projetos tendem a falhar é na sua sistematização. É fácil fazer um projeto funcionar em pequena escala, é muito difícil fazê-lo funcionar em grande escala, mas é em grande escala que se muda o Mundo.

Portanto, é este o desafio que tem de ser enfrentado pelos empreendedores sociais, mas há formas através da inovação e do empreendedorismo de trabalhar estes desafios. Conheço muitos empreendedores que acho que estão a tentar fazê-lo. Não é fácil, mas é possível. Havendo este sistema de apoio que queremos criar, será mais fácil de o fazer, assim como hoje em dia é mais fácil ser empreendedor porque há um conjunto de apoios e entendimento do que é o empreendedorismo comercial.
 
Duarte Marques

Muito obrigado. Dava agora a palavra à Soraia Lopes do Grupo Rosa.

 
Soraia Lopes

Muito bom dia. Até que ponto as velhas instituições estão preparadas para acolher projetos inovadores em termos sociais? Será que há resistências?

 
Filipe Santos

É uma pergunta muito interessante. Quando fizemos o mapeamento da inovação social dos últimos dois anos em Portugal, olhámos para as regiões do Norte, Centro e Alentejo, identificámos 134 projetos de elevado potencial de impacto. Alguns deles dei-vos como exemplo durante o dia de hoje.

A maior parte destes projetos nasceu no seio da economia social tradicional, no seio da Misericórdia, da Cruz Vermelha, da IPSS. Outros não, como o ColorADD, o Mundo a Sorrir ou os Vitaminos, que foram empreendedores sociais novos que criaram novas organizações. Mas muitos projetos de grande valor e inovação social nasceram no seio da economia social.

Portanto, há pessoas de imenso valor, muitos inovadoras, com uma abordagem diferente a trabalhar na economia social e que procuram desenvolver projetos inovadores. Conseguem incubar esses projetos em pequena escala nas organizações. Qual é o desafio que temos encontrado e que vai de encontro à resposta para a tua pergunta? É que, enquanto incubar um projeto novo no seio da economia social tradicional não é difícil, fazer esse projeto vingar, crescer e disseminar-se é muito difícil. Porque esses projetos normalmente não são o core do que a organização faz, crescer o projeto é sempre um risco económico-financeiro, tem de se alocar essa equipa a tempo inteiro ao projeto, normalmente essas equipas depois fazem outras coisas e a liderança não quer que a equipa se disperse.

Por isso, o que temos notado é que há muito projetos incubados no centro da economia social, há menos casos em que esses projetos conseguem nesse contexto vingar, crescer e sustentar-se.

Do que precisamos é ou de darmos condições para que as organizações de economia social consigam crescer internamente esses projetos, ou organizamos o spin-off dos projetos, dando incentivos para que as organizações coloquem esses projetos fora de portas para que com uma equipa dedicada possam crescer enquanto novos projetos empreendedores.

Estamos a tentar perceber qual dos caminhos é mais eficaz, se é fazer crescer os projetos incubados, se é o spin-off , e como é que fazemos esses processos.

 
Duarte Marques

Muito obrigado. André Vicente do Grupo Azul. Há pouco esqueci-me de referir: façam só uma pergunta, por favor.

 
André Vicente

Bom dia a todos e em especial ao Dr. Filipe Santos. O Grupo Azul gostaria de saber, a partir da sua elevada experiência, como é que a crise afetou a área do empreendedorismo social e em especial a captação de investimento.

Obrigado.

 
Filipe Santos

Há aqui um aspeto interessante que acho importante salientar em relação à crise que atravessou: os impactos sociais na pobreza e na exclusão não foram tão fortes como seriam de se esperar, dada a elevada contração da economia e de orçamentos públicos que aconteceu. A razão pela qual não foi superior em termos de pobreza e de exclusão penso que foi a forte rede da economia social, que tem presença localmente em todo o país, através das IPSS, Misericórdias e Cruz Vermelha.

Essa rede deu uma base de sustentação em termos de combate à pobreza, de alimentação e envolvimento, que impediu que a crise fosse mais severa ainda para as populações mais desfavorecidas.

Claro que houve desemprego, impactos negativos em vários níveis, mas não foi tão extremo como se viu noutros países e como seria de esperar dada a dimensão da crise económica. Portanto, aqui temos pelo menos um forte papel que a economia social teve ao longo destes anos mais recentes a manter um nível mínimo de sobrevivência e estabilidade na vida das pessoas.

Agora, as organizações também sofreram um bocado com o corte de orçamentos, com a menor disponibilidade de doações da parte do setor privado e da parte dos indivíduos. Portanto, estes efeitos normalmente não se veem imediatamente, mas um ou dois anos depois quando se está a pensar os orçamentos seguintes e de facto foram alturas difíceis para a rede de economia social.

Também há que dizer que da parte do Ministério da Segurança Social houve uma forte promoção, através de alguns instrumentos de apoio às situações mais difíceis de algumas instituições que tiveram alguns fundos de emergência para conseguirem reequilibrar as suas contas.

Agora, as coisas estão de facto até ao osso, está muito apertado.

De certa forma, não prejudicou muito o empreendedorismo social em termos de experimentação de ideias porque os empreendedores sociais, por natureza, como os empreendedores, operam bem em situações de poucos recursos. Porque o que eles fazem bem é do nada criar alguma coisa, é mobilizar recursos de baixo preço ou disponíveis, juntar a boa vontade das pessoas e lançar um novo projeto. Portanto, não tenho notado que haja falta de dinamização de novos projetos, pelo contrário, o aumento do desemprego também levou a que muitas pessoas dissessem que não conseguindo encontrar emprego, tinham de tentar fazer alguma coisa empreendedora, encontrar a paixão delas, fosse na área dos animais, do meio-ambiente, ou apoio aos idosos, por exemplo.

Portanto, houve muitos projetos que nasceram fruto da situação de desemprego. Em termos de número de projetos novos que apareceram não tenho notado uma redução. O desafio é naquele vale da morte do financiamento, ou seja, projetos pequenos que estão a ter bons resultados e querem crescer e precisam de financiamento para isso, aí esse financiamento não está disponível. Aí tem havido fortes restrições e há projetos que não têm tido o seu potencial devido à falta de financiamento.

Espero agora que com os incentivos do Portugal 2020 ao nível da Inovação Social possamos trazer mais financiamento privado a jogo, de empresas, de fundações, para começar esses projetos.

 
Duarte Marques

Muito obrigado. Dou agora a palavra ao Nuno Picado do Grupo Amarelo.

 
Nuno Picado

Bom dia, Dr. Filipe Santos. Gostaria de saber se num país como o nosso, em que há alguma dificuldade no que toca ao financiamento, é viável uma forte aposta na economia social.

 
Filipe Santos

Se é viável, o futuro dirá. E espero que o seja pois estamos a trabalhar nesse sentido. Mais do que ser viável, a questão é se é importante e se é necessário ou não.

Acho que é importante que esse financiamento exista porque de certa forma olhamos para a economia social que em Portugal representa cerca de 2,8% do VAB e cerca do 5% do emprego, e vemos que é um setor intensivo em mão-de-obra e trabalho - o que é bom, por outro lado a produtividade do setor não é muito elevada, daí o menor peso no VAB face ao emprego que cria. O que quer dizer que, comparando com o setor empresarial, a produtividade do setor social está um bocadinho atrasada.

Portanto, temos que trazer mais financiamento para o setor social mas temos de trazer financiamento que reduza a dependência de modelos que não são sustentáveis e que aumente o potencial de inovação e de melhoria do setor social de modo a tornar-se mais competitivo.

Ou seja, o financiamento é uma alavanca poderosa para introduzir comportamentos novos de medição de impacto, só financiamos quem consiga medir o seu impacto e mostrar o valor que trazem à sociedade, que mostrem uma utilização eficiente dos recursos e capacidade de gerar parcerias com outros para diversificar fontes de financiamento.

O potencial é com o financiamento que podemos trazer promover mecanismos virtuosos que melhorem a produtividade e a performance do setor social.

Esse é o desafio e é a oportunidade também de ter um setor social em Portugal ainda mais forte e mais resiliente, ainda mais atento às necessidades e problemas sociais, e que combata alguma da desigualdade e da exclusão que inevitavelmente é criada pelo modelo capitalista. O modelo capitalista ao promover os vencedores acaba por sempre ter pelo menos 10% da população que fica excluída do sistema e que é importante que a sociedade consiga dar resposta a essas populações em exclusão.

Portanto, não sei se é viável, cabe-nos a nós tornar viável enquanto iniciativa para a Inovação Social e enquanto sociedade. Mas claramente é importante e é necessário que esse financiamento aconteça e que traga estes comportamentos virtuosos ao sistema.

 
Duarte Marques

Muito obrigado. Temos o Hélder Oliveira do Grupo Laranja.

 
Hélder Quintas de Oliveira

Bom dia a todos. Como temos percebido pela apresentação do Dr. Filipe Santos, a Inovação Social tem um importante pilar no empreendedorismo social que é ainda uma dimensão de empreendedorismo um pouco desconhecida em Portugal.

Nesse sentido, gostaríamos de saber - e decorrente da sua experiência e das necessidades detetadas, quais são as principais áreas de oportunidades de negócios na área do empreendedorismo social.
 
Filipe Santos

Boa pergunta. Só um aspeto que gostaria de refletir convosco, que é: muitas vezes pensa-se em empreendedorismo social como uma pessoa como nós a empreender um novo negócio. Para mim, empreendedorismo social é um processo de inovação na economia, que pode ser desenvolvido por um empreendedor sozinho, ou em equipa, criando uma nova organização. Pode ser desenvolvido por uma empresa que lance um projeto de impacto social no contexto da própria empresa, o chamado empreendedorismo social corporativo. Pode ser feito por uma IPSS que lance, no seu contexto, um novo projeto de inovação social. Ou até pode ser pelo Estado, que inove através de um novo projeto de impacto social.

O empreendedorismo social é um processo na economia e se nós conseguirmos promover esse comportamento e esse tipo de atitude, veremos mais inovação social a acontecer, seja qual for o agente que a implemente.

Agora, quais são as áreas de oportunidade para empreendedorismo social?

Diria que há aqui duas áreas a que é bom os empreendedores sociais estarem atentos. Uma área são as áreas de negligência, ou seja, áreas de problemas que sempre existiram mas que nós não conseguimos dar resposta porque são invisíveis para nós. O caso de daltonismo é um deles, alguns casos de exclusão, esse é o core dos mercados dos empreendedores sociais, são essas áreas.

Por outro lado, uma área de oportunidade é quando existe uma mudança social profunda nalgum setor, a economia - tanto o mercado, como o Estado -, demora tempo a ajustar-se a essa nova tendência ou inovação e como tal há problemas latentes que se aprofundam ou oportunidades que não são satisfeitas. Acho que é aí que o empreendedor social, sendo ágil a perceber a situação, pode agir.

Vou-vos dar alguns exemplos, um deles claríssimo é a parte do envelhecimento. Temos, cada vez, menos jovens e mais idosos. Temos creches e escolas primárias a fecharem por todo o país e temos centros de apoios aos idosos a criarem-se.

Como é que o trabalho com os idosos é feito? Como é que se pode inovar na forma de envolver este setor cada vez maior da sociedade, que é válido, que tem experiência, que tem saber, que tem energia e que está muito longe daquele modelo de antigamente em que a pessoa chega aos 60 anos, vai cansada e passados uns anos morre.

De que outra forma se pode trabalhar este tema? Não resisto aqui a dar um exemplo: no nosso mapeamento de Inovação Social, encontrámos um projeto muito giro num lar de idosos, que tenho de partilhar porque me marcou. É um lar de idosos que não sei dizer já onde era ou qual era, mas que envolveu os seus utentes, os idosos, na criação de vídeos cómicos que imitavam alguns filmes que as pessoas conhecem e depois partilhavam esses filmes no Youtube. O vídeo que nós vimos mostrava os idosos divertidíssimos a fazerem de Thriller do Michael Jackson, eram atores, realizadores, e divertiam-se imenso.

Depois, passado esse vídeo, mostravam uma reportagem de como faziam e punham os vídeos no Youtube. Mostravam uma senhora idosa, de 85 anos, a dizer: Nunca me diverti tanto até ao momento em que entrei neste lar e comecei a participar nas atividades do lar.

Ou seja, é a pessoa que faz o contexto. Pode haver diferentes formas de trabalhar um lar de idosos e envolver os idosos até no contexto do lar, tornando-o no sítio mais dinâmico, mais divertido, mais ágil no planeta. Só depende de nós essa diferença de trabalhar, de vencer as ortodoxias do que é suposto acontecer e entregar a uma forma diferente.

Outro exemplo é a atividade física para idosos.

Há um amigo meu francês que é professor de educação física e desporto. Ele dizia-me que aprendeu a dar aulas a miúdos, mas que havia um excedente de professores de educação física para crianças. Então, decidiu dar aulas a idosos, fez um projeto de intervenção em lares, de trazer aulas de educação física e desporto para lares.

Inicialmente fez tudo gratuito, falou com os diretores dos lares e disse que não tinham de pagar nada, só no futuro. Fez uma aulas e passadas três aulas disse aos diretores que para sustentar o projeto tinha de cobrar dez euros por aula. Disseram-lhe que não tinham orçamento e que tinha de parar as aulas.

Passados três dias recebeu um telefonema a dizer que os idosos revoltaram-se com o fim das aulas e disseram que tinham de ser, por isso a direção arranjou orçamento para pagar as aulas. Então, ele começou a dar aulas em lares de idosos, a criar exercícios físicos especificamente para pessoas mais velhas e não para crianças. Alterou os currículos e criou manuais, e hoje em dia tem uma empresa de 600 professores de educação física e desporto que dão aulas a centenas de milhares de idosos.

Houve um estudo da McKinsey sobre o impacto social que este projeto criou, que indicou que só pelo aumento da atividade física, evitar que os idosos caiam e partam a bacia - que é um acidente que tem um custo económico para o Estado -, este projeto poupou 50 milhões de euros ao Estado francês só a prevenir a queda e quebra da bacia por parte dos idosos.

Ou seja, na área do envelhecimento ativo há todo um potencial de áreas a trabalhar. Esta é uma área clara. Outra área de que se está a falar e acho que vai ser muito importante no futuro é a área da migração, tanto emigração e redes que se podem criar com a diáspora portuguesa, como imigração que temos de incluir de forma diferente. Se calhar vamos receber agora alguns milhares de imigrantes com os novos acordos europeus e vamos ter de encontrar formas boas de os acolher.

Portugal tem tradição a ser exímio e dos melhores do Mundo a acolher imigrantes e a conseguir dar-lhes um contexto em que trabalhem. Temos o Alto Comissariado para as Migrações que faz um trabalho excecional, temos tradição em envolver pessoas depois da descolonização em Portugal.

Portanto, é uma área onde vai haver oportunidade para muitos projetos na área social.

A área da Educação e a empregabilidade é outra área fundamental. As áreas ligadas à saúde vão ser críticas, em particular a prevenção de doenças crónicas - falo de obesidade, diabetes, todo um conjunto de doenças que pode ser prevenido pela alteração de comportamentos.

Diria que Educação e empregabilidade, o envelhecimento ativo e formas de trabalhar com os idosos e envolvê-los na sociedade e na economia, e a área da saúde na prevenção e alteração de comportamentos, são três áreas que considero chaves para o futuro do país e oportunidades de Inovação Social.

 
Duarte Marques

Muito obrigado. Tem agora a palavra pelo Grupo Castanho, a Iva Meireles.

 
Iva Carla Meireles

A nossa questão prende-se com a situação dos jovens. Aqui, na Universidade de Verão, temos discutido como atrair os jovens para a política.

Como isto é empreendedorismo social e dada a desvalorização, descrença e perda de valores dos jovens, e sendo professor, queríamos conhecer formas de cativar e consciencializar os jovens para quererem trabalhar nestas áreas.

 
Filipe Santos

Obrigado pela pergunta, é uma pergunta que muito aprecio. A Educação é a minha paixão desde sempre.

Acho que estamos atualmente a enfrentar uma mudança de paradigma da forma como cada um de nós deve pensar a sua carreira. Quando tirei o curso de Economia na Nova há 20 anos atrás, as coisas eram muito claras: tiro o curso, sou formatado e preparado para uma carreira em empresas financeiras, bancos, ou marketing, ou recursos humanos, ou contabilidade, ou consultoria. Portanto, havia ali umas formatações claras e sabia qual era o meu caminho a seguir, tinha os caminhos mais ou menos claros.

Claro que depois acabei por fazer algo diferente, mas as coisas eram mais claras. Hoje em dia são mais confusas para todos nós, porque cada um vai ter um caminho diferente: não há carreiras em que uma pessoa entre numa empresa e fique durante 20 ou 30 anos, esse modelo está a acabar.

Portanto, cada um de nós tem de ser um auto-empreendedor no sentido em que se tem de posicionar no mercado de trabalho de forma única e diferenciada, e em caminhos que vai seguindo procurar criar o seu próprio currículo e a sua própria carreira.

Esta perspetiva, acho que tem de ser muito embebida em cada um de nós, de que não há empregos para toda a vida, tenho de assumir a minha própria carreira.

Como é que eu o faço? Diria que cada um de nós tem talentos únicos e paixões singulares. Uns são loucos por empreendedorismo social como eu, outros por automóveis, outros por crianças, outros por coisas diferentes.

Hoje em dia, acho que a sociedade premeia o talento único e diferenciado e premeia o esforço e a paixão que as pessoas têm. Por isso, encontrem em cada um de vocês a vossa área de paixão, a vossa área de envolvimento, criem um currículo diferenciador e acho que vão encontrar certamente formas de se posicionar no mercado de trabalho.

Depois há aqui a questão mais diretamente a ver com a pergunta: como envolver os jovens na política e como combater alguma desmotivação, já que os jovens votam pouco e estão desmotivados com a política. Apesar de não ser o vosso caso é a maioria dos casos que eu conheço e que são contra o Estado e contra a política, não querem saber nada disso e querem focar-se noutras coisas.

Como é que combatemos isso? Acho que todos nós queremos ser envolvidos e criar impacto. Temos que tornar a política um exercício de serviço aos outros e de criação de impacto, pois é a sua função mais nobre, é o que deveria ser, embora às vezes, por um conjunto de questões que vou abordar mais tarde, seja desvirtuada.

Acho que temos de voltar à essência do que é a prática da política e essa é também a forma de motivar os jovens para que na política encontrem forma de realizar os seus sonhos, as suas paixões e de sentirem que contribuem para a sociedade.

Acho que quando isso acontecer e as pessoas sentirem que através da política mais nobre, não da Política mas das políticas que transformam a sociedade e causam impacto, podemos voltar a chamar os jovens para o exercício da cidadania da qual a política é uma manifestação.

Penso que haja diferentes formas e o que é importante é a cidadania ativa. É importante envolver a nova geração que tem tanto saber, tantas competências, está tão atenta ao que se passa no Mundo, envolver com a sociedade. A forma como isso é feito e essa cidadania é expressa, se é através da política, ou do empreendedorismo, ou da inovação social, não interessa, pois precisamos de todos esses mecanismos. O que é importante é que tenhamos uma geração de jovens que se sinta cidadã porque é pertencente a este país e queira contribuir e envolver-se, e encontre de acordo com as suas paixões a melhor forma de se envolver.

Diria que o grande desafio que temos é promover uma cidadania ativa dos jovens e expressá-la das diferentes formas, ou política, ou social, ou empresarial. Esse é o desafio. Podemos, talvez, na minha reflexão final falar um bocado mais sobre esse tema.

 
Duarte Marques

Muito obrigado. Segue-se a Marta Monte do Grupo Roxo.

 
Marta Monte

Bom dia. Como referiu, o Prof. será responsável pela gestão de 150 milhões de euros para a promoção de projetos de Inovação Social. O Grupo Roxo gostaria de saber quais são os principais critérios para aceder à seleção dos projetos.

Obrigada.

 
Filipe Santos

Temos vários. Estamos a lançar quatro programas de financiamento em diferentes fases do ciclo de vida destes projetos. Os critérios, de certa forma, são diferentes para cada um dos programas. Mas, diria que aquele que vai apostar em mais projetos com montantes mais reduzidos, até 50 mil euros, é o programa de capacitação, que visa projetos que já têm o seu piloto lançado e alguma validação do seu modelo, mas que ainda não têm uma equipa ainda muito profissional ou muitos apoios, ou que têm de melhorar o modelo de negócios e encontrar a sua sustentabilidade, e nós vamos apoiá-los para se capacitarem através do impacto desses projetos.

Aí, o que pedimos é que mostrem que têm alguma validação, que estão comprometidos com o projeto, que têm algum financiador interessado em investir no futuro. O que pedimos é uma manifestação de interesse de uma instituição social, uma empresa, ou autarquia, que diga que acredita neste projeto e que se ele for capacitado irão apoiá-lo no futuro. Porque o que queremos é que o financiamento público incentive e alavanque o financiamento privado futuro e que não seja simplesmente um financiamento que crie dependência.

Portanto, numa primeira fase pedimos apenas uma base mínima de validação, comprometimento no projeto e algum interesse de alguma instituição social que queria investir.

Quando o projeto começa a crescer, no caso das partilhas para o impacto, dizemos que vamos apoiar projetos que outros queiram apoiar. Se uma fundação acredita num projeto e quer apoiá-lo, ou se um empresa tem um projeto de impacto social que queira apoiar, se puserem metade do financiamento necessário nós pomos a outra metade.

Nós vamos seguir os sinais no mercado sobre quais os projetos mais viáveis e mais interessantes para apoiarmos. Este é o segundo modelo. O terceiro modelo é os títulos de impacto social. Aí a exigência é muito maior. A exigência é que façam o projeto, invistam, mas se provarem que o projeto tem impacto social mensurável e que leva a poupanças públicas, nós pagamos o projeto posteriormente.

Esse é um contrato que fazemos para pagarmos o projeto no futuro mediante uma avaliação independente dos resultados do projeto. Aí, o grau de exigência é de facto muito elevado em que se avalia se o projeto foi valorizador e teve resultados.

Imaginem um projeto de reintegração de ex-reclusos. Um recluso passa um ano na cadeia e é liberto. O grau de reincidir-se no crime é enorme, é de 40% ou 50%. Quando o recluso reincide no crime, volta a ser preso, tem um custo enorme na sociedade.

Se houver um apoio a ex-reclusos, que os reinsere na sociedade e no mercado de trabalho, e que isso esteja provado que reduz a reincidência no crime face a um grupo comparável e que isso tem ganhos para o Estado em termos sociais e económicos, então aí nós pagamos esse projeto.

Ao pagarmos, validamos também a solução que depois pode ser adotada em maior escala enquanto política pública. Portanto, esse é o terceiro.

No quarto, que é o fundo para a Inovação Social, dizemos que não somos nós a escolher mas sim o mercado. Os investidores-anjos, as fundações, os empreendedores, que querem investir em projetos invistam e nós cofinanciamos e confiamos totalmente na vossa decisão, porque é o vosso dinheiro que também está em jogo.

Estamos a tentar, por um lado, evitar ciclos de dependência de ciclos públicos, financiando projetos que já têm apoio ou podem vir a ter de financiadores privados, tanto filantrópicos como comerciais. O que queremos é criar também um mercado de investimento social, ou seja, de investimento reembolsável, mas alinhado com a lógica do impacto social que é o tal investimento de impacto que se está a criar em todo o Mundo.

 
Duarte Marques

Muito obrigado. A última pergunta é do Emanuel Pereira do Grupo Verde.

 
Emanuel Pereira

Bom dia. No início da sua apresentação disse que esteve 15 anos fora de Portugal. A inovação é necessária e bem-vinda. Teve necessidade de ir para fora do país para "aprender” o empreendedorismo e há escassez deste tema e falta de apoios a nível nacional?

Será que as incubadoras de empresas podem ser a solução para promover o empreendedorismo?

 
Filipe Santos

Quando saí de Portugal foi em 1998, acabei o curso de Economia, comecei a trabalhar no Técnico como assistente, fiz alguns projetos e depois quis prosseguir a carreira académica e fui para Stanford porque era apaixonado pelo empreendedorismo.

Diria que na altura em Portugal falava-se muito de empreendedorismo, mas fazia-se muito pouco. Em 1998 não havia de facto uma dinâmica de empreendedorismo como a que temos hoje em dia. Senti a necessidade de ir lá para fora, por um lado para aprender sobre empreendedorismo numa outra realidade.

Acho que viver uns anos fora do país é uma experiência altamente valorizadora para todos e recomendaria a todos fazê-lo nem que seja por seis meses, ou um ou dois anos.

Curiosamente, não só ao fazerem-no apercebem-se de uma outra realidade e aprendem imenso, como valorizam mais o que temos em Portugal por vivermos lá fora. Eu valorizo imenso muitas das coisas que temos em Portugal, até mais às vezes do que os que passaram os últimos anos cá, porque sei o que é ter falta dessas coisas e que às vezes damo-las por adquiridas, mas de facto são um ativo e qualidades de Portugal que não existe noutros países.

Na altura fui para me desafiar, conhecer uma nova realidade e depois pensei em regressar após o doutoramento mas senti que poderia eventualmente ganhar com o continuar lá fora mais uns anos já com uma carreira académica. O tempo que trabalhei no INSEAD foi excecional para me ensinar o que era de facto o empreendedorismo e o nível de exigência que tem em termos de dar aulas e da comunidade onde nos inserimos permitiu-me também ganhar e valorizar muito.

Agora senti que era a altura certa para regressar porque já tinha uma rede muito forte internacional, uma grande experiência e podia contribuir para Portugal - tenho-o feito ao longo dos anos com vários projetos, mas agora de regresso.

Acho que é uma experiência que recomendo a todos, é uma experiência sobretudo de autodesafio e autovalorização e que nos dá uma perspetiva muito mais ampla do que existe e nos permite valorizar mais aquilo que temos em Portugal.

Tenho sido agradavelmente surpreendido nos últimos anos pela dinâmica de empreendedorismo em Portugal. De facto, hoje, fala-se e faz-se empreendedorismo, é valorizado, é uma opção de carreira para a qual as pessoas estão atentas, tanto jovens como pessoas de meia idade que querem desenvolver novos projetos.

Temos, já, casos de sucesso, empresas que têm tido grande performance a nível até mundial como a primeira empresa unicórnio, a Farfetch, de retalho de produtos online já vale mais de um bilião de dólares.

Depois, há aqui um mecanismo interessante que é: nós temos ativos enquanto país e temos uma dívida muito grande, por isso a forma de cumprir o serviço da dívida é vender alguns ativos que temos feito ao longo dos anos, empresas, ou aeroportos, ou estradas, ou correios, entre outros.

Isto é sustentável se conseguirmos ao mesmo tempo criar novos ativos e nova riqueza. A forma melhor de criar nova riqueza está provado que é o novo empreendedorismo, porque do nada se consegue criar ativos de empresas que valem biliões.

Portanto, só conseguimos sustentar também a dívida futura e a economia portuguesa com um forte nível de empreendedorismo a partir do qual se criem novos ativos valiosos, que eventualmente possam ser comprados por outros mais tarde, mas ao serem comprados deixam a riqueza nos nacionais portugueses que a vão reinvestir e criar um ciclo virtuoso de riqueza.

É esse ciclo virtuoso de riqueza que temos de criar em Portugal e o empreendedorismo que hoje temos acho que está a ter bons sinais, mas lá está, há um ecossistema que se criou, houve fundos públicos que promoveram o empreendedorismo, cofinanciaram investidores-anjos e capitais de risco. Houve autarquias que criaram incubadoras. Houve universidades como a Pedro Nunes em Coimbra e aqui em Lisboa outras que criaram incubadoras. Todas estas peças do puzzle criaram um ecossistema que de facto promove e valoriza o empreendedorismo.

Está a funcionar muito bem, ao ponto de estar a atrair empreendedores estrangeiros para se sediarem e lançarem as suas empresas em Portugal, que têm trabalho, competências altamente qualificadas e a um custo muito razoável com a qualidade de vida que nós conhecemos.

Quando somos competitivos ao ponto de atrair os empreendedores para se posicionarem em Portugal, estamos a começar a vencer os desafios do empreendedorismo. Gostaria que o mesmo acontecesse com o empreendedorismo social. Há incubadoras sociais, chamam-se impact hubs a nível mundial, há investidores-anjos a nível social, há formas de promover o empreendedorismo social, há rede globais, que gostaria que fossem trazidas para Portugal para promover de facto este ecossistema de Inovação Social em Portugal.

Temos estas duas alavancas, a do empreendedorismo e a do empreendedorismo social, a dinamizar a economia portuguesa.
 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem. Terminámos a fase das perguntas obrigatórias e já não temos, infelizmente, tempo para as perguntas livres.

O Professor Filipe Santos pediu para fazer uma mensagem final com recomendações para todos nós e dispõe de 15 minutos para isso.

 
Filipe Santos

Muito bem. Queria trazer-vos um tema que é a minha paixão que é a Inovação Social. Queria também falar-vos um bocadinho, fazendo uma reflexão pessoal que é motivada por estar aqui perante mais de 100 jovens empenhados, cidadãos que escolheram a política como forma também de se afirmarem e de contribuírem para Portugal.

Acho que o exercício da política é provavelmente a profissão mais nobre que nós temos.

[APLAUSOS]

É preciso, hoje em dia, muita coragem para ser político e é preciso enquanto se é político enfrentar muitos dilemas e muitos desafios.

Gostaria de identificar alguns dos desafios que vocês se calhar também conhecem e experimentam ou vão experimentar no futuro; refletir um pouco sobre esses desafios e dar algumas pistas talvez sobre a forma de desenvolver o exercício da política que seja nobre e que responda às aspirações que a profissão tem.

O primeiro dilema diria que é Política versus políticas; em inglês isto é mais claro porque há duas palavras diferentes, há o politics e o policies. Em Portugal, a palavra política acaba por misturar duas coisas porque no fundo há duas políticas.

Há política de alcançar e manter o poder, e há política da forma como se exerce o poder. O que acontece, não só em Portugal mas em todos os países, é que muitas vezes a política, politics , e a luta pelo poder abafa a verdadeira policy que é o exercício do poder.

Estamos agora também numa altura do calendário pré-eleitoral e é o calendário da politics , da batalha política, da batalha eleitoral, o ganhar vantagens sobre o oponente político, posicionar de forma melhor o que fazemos face aos outros, a tática de como publicito a mensagem, no fundo é o jogo de influências e de poder.

Esse jogo é excitante, é entusiasmante, tem efeitos no curto-prazo, valoriza-me no curto-prazo, mas a verdadeira política é a policy , a forma como se exerce esse poder, a forma como se pensa as políticas futuras para o país, os compromissos que se fazem e aí não é às vezes tão entusiasmante, excitante, ou tão curto-prazo como a outra. O que acontece é que muitas vezes a prática da politics , abafa a prática da policy , que é aquela que é mais potenciadora do desenvolvimento do país.

Portanto, o desafio para todos enquanto políticos que querem ser, e que já o são em muitos casos, é não deixar que o jogo político abafe ou acabe por desviar a vossa atenção do que é verdadeiramente importante, que é o exercício da política enquanto tiverem assumido um papel e uma responsabilidade que vos permite tomar decisões que afetam a vida dos outros. Pensar como é que vão tomar as melhores decisões, colocar os melhores recursos e dinamizar as melhores vontades para que o resultado final seja o melhor possível. Mesmo que o resultado final seja, se calhar, mais a longo-prazo.

É um desafio particularmente premente nas próximas cinco semanas onde está toda a gente a pensar em politics e poucas pessoas a pensar em policy , ou a policy que se está a pensar está sujeita à politics.

Se calhar é por isso que muitos jovens se afastam da política, porque vêem-na como um jogo da conquista do poder e não como um exercício de políticas de promoção de desenvolvimento. Se virem que a política é uma oportunidade para fazer policy , acho que vamos conseguir atrair muitos mais jovens para a política. Se eles virem que nesse exercício da política há oportunidade de ter impacto e de mudar a vida das pessoas.

Essa também é um bocadinho a resposta à pergunta inicial.

Aqui, temos o desafio do horizonte temporal. Aquilo que verdadeiramente tem impacto, normalmente, tem impacto a médio ou longo-prazo. As soluções de curto-prazo normalmente são ou remendos ou só têm efeitos mais a médio e longo-prazo.

Os ciclos eleitorais são curtos, de quatro anos, no caso do legislativo e portanto tem de mostrar resultados no curto-prazo. Se calhar, se eu fizer coisas que são importantes no longo-prazo, vou beneficiar o político que vem a seguir no ciclo. Como é que vou gerir este dilema?

Posso, por exemplo, pensar na forma como reestruturo o ensino, as creches em Portugal, isso vai ter efeitos claros no país quando daqui a 15 ou 20 anos esses miúdos que passaram pela creche vão acabar a universidade e arranjar emprego. Mas são 20 anos e daqui a 20 já lá não estou. Porém foi aquela decisão que eu tomei de criar uma rede de creches que fez a diferença.

Posso implementar um sistema de reequilíbrio económico e de austeridade que reequilibra as finanças e o benefício vai-se ver daqui a três, ou quatro, ou cinco anos, e se calhar não no curto-prazo onde a crise se vai acentuar. Como é que giro isto? O desafio é que muitas vezes devido aos ciclos políticos eu acabo por gerir o curto-prazo e por evitar as decisões de longo-prazo que são as mais difíceis mas mais transformadoras.

Portanto, aí é uma reflexão para vocês: como é que na vossa vida política vão garantir que se focam na policy e não deixam a politics abafar a policy , e como é que vão garantir que conseguem pensar, nas decisões que tomam, nos efeitos de longo-prazo e não só no que é necessário ou o que vos dá vantagem no curto-prazo.

Não é fácil, há um dilema que todos nós temos de encontrar no nosso equilíbrio e na nossa forma de fazer, mas que é algo que queria deixar em termos de reflexão convosco.

O outro desafio é o das reformas, das tão faladas reformas estruturais ou conjunturais. A questão aqui é que tudo o que se quer fazer hoje em dia - e se calhar é a razão pela qual a política é tão ingrata -, qualquer mudança vai chocar com interesses instalados.

Portanto, qualquer coisa que se queira mudar é sempre difícil. Mas se não mudamos nada, também não avançamos enquanto sociedade e economia.

Como lidámos com isto? Posso, enquanto político, não mexer com nenhum interesse instalado e passar suavemente pela política sem criar grandes ondas, mas também sem criar grandes transformações. Mas se eu tentar enfrentar interesses instalados também tenho uma resistência enorme e se calhar não consigo fazer nada.

Depois, há interesses legítimos e interesses ilegítimos. Como é que consigo diferenciá-los? Um exemplo: fala-se muito agora dos novos modelos de economia disruptiva, do Uber, dos táxis. Será que o lobby dos táxis para proteger o seu interesse é legítimo ou ilegítimo? Não é óbvio, não é?

Se eles têm de comprar uma licença para terem um táxi e se o motorista da Uber não tem, é injusto. Por outro lado, vamos parar o progresso, um serviço que os clientes gostam, preservando o poder e protegendo um grupo instalado? Não é fácil.

Em todos os casos que vão encontrar ao tentar implementar reformas vão ter interesses instalados que vão tentar bloquear qualquer mudança que os prejudique e há, entre eles, interesses ilegítimos e como é que vocês dão resposta?

Depois há outro desafio que é: quem é prejudicado por qualquer alteração fala sempre mais alto do que quem potencialmente será beneficiado. Mesmo que o que vocês façam vá beneficiar em muito a sociedade, o benefício só é aparente mais tarde e o custo para as pessoas é aparente imediatamente. Isso bloqueia muitas reformas.

Aqui posso dar algumas pistas. Acho que muitas vezes, se vocês perceberem os mecanismos das instituições com que estão a lidar, há pequenas regras ou alterações que as pessoas não se apercebem mas que depois acabam por mudar o sistema passado algum tempo. Ou seja, ao mudarem as regras do jogo, o jogo poderá mudar ao fim de algum tempo.

Às vezes, tem-se a ideia que para uma grande mudança tenho que impor um grande choque, mas não, há o poder das pequenas mudanças, incrementais. Duas ou três mudanças de regras que as pessoas não se apercebem do alcance de facto o jogo pode mudar e o sistema pode ficar mais virtuoso em termos do comportamento dos agentes.

Portanto, o que eu sugeria aqui é que olhem para a oportunidade de através de pequenas mudanças de regras de instituições, de comportamentos, de alterarem um bocadinho a dinâmica das áreas onde estão a trabalhar, de forma a que as pessoas não se apercebendo irão sofrer a mudança mais tarde.

Há coisa, por exemplo, que eu diria da minha experiência, como a CReSAP muito ou mal criticada, acaba por ser um elemento valorizador do sistema porque permite um escrutínio, uma transparência, nas nomeações públicas que não existia anteriormente.

Apesar de ter tido muitas críticas, algumas escolhas mal feitas, ou atrasos que provoca, de facto é uma regra que altera em muito o sistema e vai valorizá-lo em muitas áreas daqui para a frente.

Este é só um exemplo de algumas regras que se introduzem de governança, sendo esta fundamental para os sistemas. Portanto, rodeiem-se de pessoas que percebam muito de instituições e de governança, porque alterando a governança do sistema podem alterar em muito o comportamento desse sistema e essas são formas de conseguir reformas sem chocar com interesses instalados. Sem serem basicamente empurrados porque estão a prejudicar os interesses de quem já está em campo.

Mas é um desafio e é o grande desafio da política: tudo o que queremos fazer e que achamos que deve ser feito choca com interesses que também têm as suas formas de se defenderem e de prejudicarem essas alterações.

Por último, talvez aqui uma questão que às vezes é crítica, mas mais pessoal, que é: qualquer posição de liderança, de responsabilidade, dá-nos poder e influência. É quase natural da própria natureza humana haver, por vezes, algum abuso numa posição dominante. Isso é muito notório nas empresas.

Uma empresa quando é muito grande e forte, assume-se como monopolista e tende a abusar da sua posição dominante. Alguém que tem muito poder enquanto líder há mecanismos psicológicos que começam quase que a validar o que fazemos, em autorreferência, e perdemos as referências e começamos a ter comportamentos viciantes ou maus, sem nos apercebermos.

Portanto, a honestidade e a humildade, que numa posição de poder podemos assumir enquanto políticos, ajuda-nos a evitar esta tendência de abusar da nossa posição dominante. Isto é fundamental para um bom exercício da política do futuro.

Aqui só queria apontar alguns dos desafios e da coragem que é preciso ter, hoje em dia, para ser político. Como eu disse, acho que o exercício da política é um privilégio, é uma responsabilidade, e é para mim a profissão mais nobre se for praticada numa lógica de serviço aos outros e não só, mas também a valores e a causas que são maiores do que nós.

Há causas que conhecemos e que nos são caras, como as causas da liberdade, do progresso da democracia. Se em nome dessas causas e em benefício dos outros exercermos a política, é mais fácil conseguir trabalhar estes dilemas e desafios, e exercer a política não só de uma forma que é nobre mas que também beneficia todos nós.

Portanto, parabéns nas escolhas que têm feito, coragem nas escolhas que vão fazer de seguida, nos próximos meses e anos, e espero que consigam de facto dar à política este sentido nobre que ela tem, de exercício, de responsabilidade e de serviço aos outros.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem. Em nosso e em vosso nome, agradeço ao Prof. Filipe Santos a aula que nos deu. Foi a primeira vez que tivemos a Inovação Social no currículo da Universidade de Verão.

Vamos acompanhar o nosso convidado à saída. Peço a quem está destacado, para acompanharem os trabalhos.

Muito obrigado e até já.

 
Nuno Matias

Entretanto queria só dar a informação de que já estão disponíveis os documentos dos governos para a simulação da Assembleia que no final desta aula eu entregarei aos vossos conselheiros. Portanto, durante o almoço quem quiser e tiver interesse, certamente já terá acesso àquilo que são as propostas dos diversos governos.

Vamos votar já na utilidade do tema e continuar com a avaliação.

[AVALIAÇÃO]

FIM