ACTAS  
 
29/08/2015
Simulação de Assembleia: Fixar na constituição um limite para o défice no orçamento do estado
 
Nuno Matias

Bom, nós vamos saltar para o debate número 9, e portanto eu pedia ao Grupo Verde para passar para a posição do Governo, e para o Grupo Roxo passar para a Oposição 1, à nossa direita, e o Grupo Laranja para a Oposição 2, à nossa esquerda.

Vamos então dar início ao nosso ponto número 9 da Ordem de Trabalhos, a proposta é fixar na Constituição um limite para o défice no Orçamento de Estado. O Governo Verde tem 5 minutos, na pessoa do senhor ministro Vasco Ferreira.

 
Vasco Ferreira

Senhor Presidente, senhoras e senhores deputados;

Um país que acumule constantes défices excessivos e sucessivas acumulações de dívida é um país que acabará, inevitavelmente, à beira do precipício. A mais recente crise que Portugal atravessou é a prova cabal de que acreditar que os outros fatores macroeconómicos compensarão eternamente os desvios orçamentais é uma teoria fantasiosa.

Num país que atravessa uma crise económica, os mais vulneráveis serão os primeiros prejudicados. São eles a quem o corte de rendimentos e aumentos de impostos mais interferem no orçamento familiar. São eles que pagam mais pela utilização de transportes públicos. São eles que mais vão sentir o aumento do peso da inflação e são eles os primeiros a ficar desempregados. Aprender com os erros é colocar as pessoas em primeiro lugar.

O que se pede emprestado, algum dia será pago. Perpetuar défices equivale a hipotecar as gerações futuras. É necessária uma efetiva mudança de paradigma. O mundo está a mudar e, não só não podemos parar no tempo, como o caminho seguido deve ser comum, numa perspetiva da nossa integração europeia, mas também numa perspetiva interna, pois não podemos estar sempre a alterar as políticas de cada vez que o novo governo toma posse.

É necessário um compromisso comum e sério que ponha fim aos constantes desequilíbrios estruturais do nosso país. Foram três resgates, três vezes de mão estendida, só nas últimas quatro décadas.

É urgente e tem que ser criado um ponto de partida. E é por isso mesmo que é proposto limitar constitucionalmente o défice público para 0,05% do PIB, bem como estabelecer um limite máximo de 60% para a dívida pública, em perfeita consonância com as regras europeias já aplicadas na atual Lei de Enquadramento Orçamental e também ratificadas por 25 países.

Em caso de necessidade de ultrapassar os limites, terá de ser apresentada uma justificação aprovada pelo Tribunal de Contas. Desta forma, não só Portugal não viverá constantemente acima das suas possibilidades, como se tornará num país confiável e previsível, o que atrairá investimento e criará emprego, o que por sua vez gerará mais receitas e menos despesas para o Estado.

Esta medida de equilíbrio orçamental visa promover a estabilidade, o crescimento sustentado e o emprego. As pessoas não são números, mas são os números que condicionam a qualidade de vida dos cidadãos. A proposta procura, assim, uma vida melhor para todos nós. Esta é uma norma que, de resto, já vigora em vários Estados parceiros com enfoque na nossa vizinha Espanha, que aprovou a proposta no seu Parlamento com 316 votos favoráveis, e apenas 5 votos contra. Uma maioria quase unânime de todos os partidos, da direita à esquerda, o que atesta bem qual é o caminho a seguir.

Contas certas são o caminho não só da estabilidade, mas também da prosperidade, se conjugadas com medidas inteligentes e estratégicas que permitam à economia fluir por si, promovam o mérito e valorizem o trabalho. Obrigado.

 
Nuno Matias

Tem agora a palavra para pedidos de esclarecimento, pelo Partido Roxo, o Deputado Ricardo Carvalho. Dispõe de 3 minutos.

 
Ricardo Moreira de Carvalho

Senhora presidente da Assembleia, senhores membros do Governo, senhoras e senhores deputados;

Ó senhor Ministro, nós não podemos resolver todos os nossos problemas com a Constituição. Ter que alterar a Constituição para resolver um problema como a sustentabilidade da dívida é, na nossa opinião, uma ideia pelo menos esotérica.

Sobretudo depois dos enormes sacrifícios que os portugueses e as portuguesas tiveram que realizar nos últimos anos, não há nenhum político responsável que não defenda e não esteja preocupado com a sustentabilidade da dívida. Aliás, os senhores dizem na vossa proposta, e passo a citar: "os portugueses têm o direito a ter um país que se modernize e cresça de forma sustentada”. Não há ninguém que não concorde com isto. Agora, daí até ter que ser necessário introduzir uma medida como esta na Constituição, é um autêntico disparate. E é um disparate por três motivos.

Primeiro ponto, não é a Constituição que garante ou impede o crescimento ou a descida da dívida. É uma boa gestão. E, ao contrário do que diz, a maior parte dos nossos países parceiros não tem uma medida deste género nas suas Constituições.

O segundo tópico. Muitos economistas até têm vindo a defender que este indicador, o indicador da dívida em função do PIB, já nem sequer é tão importante. Isto porquê? Porque há países que, apesar de terem uma dívida superior aos 60% que os senhores propõem, conseguem pagá-la. E o exemplo disso é o Japão, por exemplo, que tem uma divida já superior a 200% do PIB.

Finalmente o terceiro ponto. Como sabe, a dívida pública portuguesa atingiu no ano passado os 131% do PIB. É um valor astronómico. A vossa proposta vai no sentido de limitar, como disse, a 60%. Agora pergunto: que sentido faz introduzir uma medida que não tem a mínima hipótese de ser cumprida pelo menos nos próximos 30 anos? A não ser que os senhores tenham alguma fórmula mágica que faça diminuir a dívida. Mas sabe, a política não se faz com magia. Faz-se com rigor e com seriedade.

[APLAUSOS]

Por isso, senhor ministro, o nosso partido respeita muito a Constituição para a ver ser usada como arma política que não tem outro objetivo senão desviar a atenção daquilo que é realmente importante. E mais importante é gerir bem, é gastar o que temos. É por isso que o nosso partido defende que a vossa proposta é, no mínimo, uma ideia esotérica e um autêntico disparate. Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Nuno Matias

Tem agora a palavra para pedido de esclarecimento, pelo Partido Laranja, a Deputada Ana Vieira. Dispõe de 3 minutos.

 
Ana Vieira

Exmo. senhor Presidente da Assembleia, senhor Primeiro-ministro, caros membros do Governo, senhoras e senhores deputados;

Relativamente à proposta apresentada pelo Governo Verde, em que pretende fixar, na Constituição, um limite para o défice no Orçamento de Estado, vimos desde já expressar o nosso ponto de vista.

Uma proposta como esta, a ser tomada neste momento, não iria representar uma ideia de sustentabilidade a longo prazo, pois é tomada tendo em conta uma necessidade conjuntural e não estrutural.

No que respeita às Finanças Públicas, na eventualidade de se aumentar o défice, em tempos de crise, o investimento público responsável é normalmente a medida utilizada pelos governos, tal como se fazia antigamente, desde que responsável e sustentadamente.

Senhor Primeiro-ministro, ao limitarem o défice do PIB, na atual situação em que vivemos, acabaríamos por ficar reféns da economia, e poderíamos pôr em causa a saúde pública, educação e segurança nas mesmas condições, por termos de reduzir essa despesa, caso não haja crescimento económico do país ou até haja contração da economia.

Os limites europeus poucas vezes, ao longo da história, foram cumpridos, ainda por cima num caso de exceção, tal como o que vivemos nos dias de hoje - em dívida.

Para concluir, acho irónico o facto de o vosso partido apresentar esta proposta quando, há uns anos, a mesma proposta terá sido apresentada pelo nosso governo na altura. E se bem me recordo, foi o vosso partido o primeiro a declinar a dita proposta. Se não reformularam em nada, e dadas as circunstâncias em que vivemos, esse seria o maior disparate que se poderia fazer pelo nosso país. Obrigado.

[APLAUSOS]

 
Nuno Matias

Tem agora a palavra para responder, pelo Governo Verde, o ministro Duarte Canhão. Dispõe de 3 minutos.

 
Duarte Canhão

Obrigado senhor Presidente da Assembleia.

Senhores deputados, eu confesso que estou um bocadinho incrédulo, posso dizer até estupefacto, com o que acabei de ouvir, porque parece que a oposição está disposta a fazer tudo para hipotecar o futuro dos nossos jovens e do nosso país. Foi aqui dito que pode ser o caso do Japão que tem dívida e consegue sustentar-se com essa dívida e que não precisamos de usar a Constituição como uma arma política.

Eu recordo, senhor deputado, esta norma, se entrar na Constituição, não é só para quem está na oposição, é para quem está na oposição e depois passa para o governo também. É para toda a gente, não é só para vós, portanto não pensem que é arma política.

Disseram também que já tinham apresentado esta proposta. Eu gostava de saber, se apresentaram esta proposta porque é que agora estão contra?

[APLAUSOS]

Eu sou sincero, eu até vos ajudo. Pode haver derrapagens do Orçamento, mas essas derrapagens podem ser compensadas com avaliações plurianuais, não anuais. No ano em que há derrapagem, no ano a seguir ser compensado. Digo até: qual seria a legitimidade do Tribunal de Contas para avaliar, por que não aproveitarmos a existência do Tribunal Constitucional?

Sei que limita a manobralidade de futuros governos, mas temos que fazer uma defesa do Estado, das derivas socialistas e populistas, principalmente nos ciclos político-eleitorais, já que, nessas épocas, há uma grande despesa na época antes da eleição, no período pré-eleitoral, e no momento pós-eleitoral existe uma grande contenção para compensar esses gastos. E mesmo assim às vezes não consegue.

Há que garantir também a sustentabilidade das finanças. Lembro, também, como referiu o caso do Japão e que poucos países na Europa têm… se quiser eu enumero alguns: Espanha, Itália, Alemanha, com o seu Schuldenbremse, que é o travão para a dívida, a Áustria, a Eslováquia, a Polónia, a Suíça, entre muitos outros exemplos, dentro e fora da Europa.

O facto de não haver muitos não quer dizer que não possa haver mais com esta medida.
 
Nuno Matias

Dispõe de 30 segundos

 
Duarte Canhão

Senhores Deputados, não nos podemos esquecer de dois princípios muito importantes: o princípio da solidariedade intergeracional e um dos grandes pilares do nosso Estado de Direito, o princípio da igualdade.

Não merecem os nossos filhos o mesmo a que nós tivemos direito e muito mais ainda? Entristece-me pensar que essa imagem pode não vir a ser real sabendo que existe a possibilidade de os senhores assumirem funções governativas e esta norma não estar na nossa Constituição.

Quero citar o artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa, a mesma que os senhores não querem que se altere, que diz: "Portugal é uma República soberana...

 
Nuno Matias

Muito obrigado, tem mesmo que terminar.

 
Duarte Canhão

Deixe-me só deixar uma frase. Lincoln disse: "Não se pode fugir à responsabilidade de amanhã esquivando-se dela hoje.” Espero que não fujam à responsabilidade que têm hoje.

 
Nuno Matias

Tem mesmo que terminar. Muito obrigado.

Terminamos então agora o debate. Queria pedir aos grupos que não participaram que possam votar. Quem entende que ganhou o Governo?

Quem entende que ganhou a Oposição 1?

Quem entende que foi a Oposição 2?

Ganhou o Governo com 22 votos.

Agora queria pedir-vos a vossa opinião pessoal. Quem é a favor de se fixar na Constituição um limite para o défice do Orçamento de Estado?

Parece-me que é evidente que a esmagadora maioria é favorável.

Passava aos nossos comentadores residentes.

 
Dep.Carlos Coelho

O Vasco Ferreira: gostei muito de várias coisas, foram três resgates. O que eu acho mais notável no Vasco – depois não foi só no Vasco, foi em todos os outros -, a primeira coisa foi os casos concretos. O Vasco apresentou o caso de Espanha, com números. Trouxe para dentro do debate um exemplo real. Não é dizer os outros fazem, os chineses, os indianos, os japoneses – não, disseram, aqui em Espanha houve uma votação, com este resultado - ele sublinhou, e bem - da esquerda à direita.

O caso concreto é muito importante. Não há pedagogia mais eficaz do que aquela que é feita com um exemplo. E, para o mal ou para o bem, Portugal é um bocadinho provinciano nisto: os exemplos do estrangeiro são sempre bem recebidos; os exemplos do estrangeiro são sempre bem recebidos. Fazia todo o sentido, é aplicação do princípio da regra de ouro, num parceiro comunitário, mais a mais é nosso vizinho, faz todo o sentido. Foi um exercício muito feliz sob esse ponto de vista.

A segunda coisa que o Vasco fez - mas para ser honesto, fez exatamente o Ricardo, aliás num registo muito parecido, também a Ana e o Duarte no final -, foi a forma serena como expressaram os seus argumentos. Ou seja, não é necessário gritar para se ser convincente. Todos os participantes neste exercício não alteraram significativamente a voz, nem projetaram grande emoção, a despeito de nós recomendarmos que o façam quando é necessário. Mas nós ouvimos os argumentos; nós ouvimos os argumentos porque os argumentos estavam bem construídos.

O Ricardo foi particularmente feliz na postura, foi de todos o que me pareceu mais feliz. E a colocação das mãos, não sei se tiveram com atenção, foi brilhante, foi de um profissional. O Ricardo trabalhou as mãos, não traindo nenhum nervosismo e enfatizando cada momento do discurso que ele estava a fazer.

[APLAUSOS]

O mais solto é o Duarte. O Duarte tem um talento natural. Por aquilo que já deu para perceber, no curto contacto que tive com ele esta semana, acho que ele pode fazer melhor. A prestação que ele teve nesta Assembleia não está à altura do que ele consegue. Foi o mais natural, foi o mais coloquial, uma presença simpática. Tinha uma punch line prevista que a má gestão do tempo não permitiu tirar partido. Agora, ficou muito sensível a diferença de ritmo entre a primeira parte, em que ele andou às vezes à procura da melhor resposta, e depois a parte que tinha organizada, que saiu com mais fluidez.

E o Duarte apanhou, de facto, a grande fragilidade da Ana. A Ana foi aquela que teve a maior fragilidade. Não podem atacar o Governo, e depois dizer… o truque é inteligente, o truque é dizer: agora por que estão a defender uma coisa que votaram contra, quando nós eramos governo? Mas volta-se contra vocês. Se vocês tinham sido Governo e tinham feito a mesma solução, porquê que agora estão contra? Ou a Ana tinha logo uma boa desculpa para isso. Dizia: justificava-se na altura em que tínhamos apresentado, mas agora é um disparate monumental por esta razão… Não o fazendo, permitiu a réplica que o Duarte, inteligentemente, apresentou.

O que eu queria frisar deste exercício… não foi o melhor exercício de Assembleia, mas foi aquele de que vocês podem tirar um exemplo que se resume naquilo que eu vos disse: não é necessário gritar para ser convincente. Eles foram, pela inteligência dos argumentos e pela forma como a expressaram, convincentes e, portanto, estão de parabéns.

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Eu vou ser muito breve, muito rápido, pegando na parte final. Ninguém diz que a oposição tem que votar contra, vocês poderiam ter destruído o argumento dizendo: vocês realmente estiveram contra, levaram o país à falência, e nós até votamos a favor porque somos a favor. Ele nunca teria feito o brilharete que fez se vocês tivessem feito isso. Ninguém diz que a oposição não deve votar a favor. Não está nas regras da Oposição.

Dizer só o seguinte: o Vasco, na intervenção que teve – eu vou repetir um bocado o Carlos -, ele chegou até a ser ternurento. Foi simpático, envolvente, estava a contar uma história, eu estava aqui a ouvi-lo. Foi engraçado, completamente diferente do resto.

Depois o Ricardo foi parecido, mas mais assertivo. Eles foram estilos diferentes mas parecidos desse ponto de vista – muito tranquilos.

Dizer só o seguinte ao Duarte: o Duarte, é verdade, tem talento, tem um à vontade, mas acho que teve uma má prestação. Porque tu foste para aí à espera… A malta de Coimbra é um bocadinho assim: tem muita bazófia, estão muito habituados, tem muita experiência, desvalorizou… E podias ter feito 300 vezes melhor do que tu fizeste. Portaste-te bem, mas perdeste ali muito tempo. Tu tens responsabilidade de fazer muito mais do que fizeste aí, porque tens talento para tal. Indiscutível. E isso é quando nós desvalorizamos o que vamos fazer porque estamos demasiado à vontade. Por isso é que ter medo é bom. Recordo aquela coisa do talento, da outra senhora.

Só uma dica que aproveito agora a propósito do Duarte para dizer. (Os Duartes podem dizer estas coisas uns aos outros, não faz mal.) Quando estiverem à rasca de tempo, não digam: deixe-me só mais um poucachinho para terminar. Ele não disse isso, mas foi parecido. Digam: termino já, senhora Presidente; vou já terminar, senhor Presidente. É este o truque, e quando fazem isto ainda arranjam ali mais 30 segundos. Termino já senhor Presidente, termino de imediato senhor Presidente, vou já terminar, senhor Presidente, agradeço, senhora Presidente. O truque é este, não peçam mais 5 minutos, nem mais 30 segundos, nem nada. Este Presidente é mais rigoroso que a Presidente da Assembleia da República, de facto.