Simulação de Assembleia: Criar círculos uninominais
Nuno Matias
Mas tem a ver com o jogo pedagógico, única e
exclusivamente. Ordens superiores.
Vamos para o debate número 10. Vou pedir ao Grupo
Cinzento que tome o lugar do Governo, e ao Grupo Azul que fique à nossa direita
para fazer a Oposição 1 e ao Grupo Amarelo que se situe à nossa esquerda para
fazer a Oposição 2.
Vamos então dar início ao ponto 10 da Ordem de Trabalhos.
A proposta é criar círculos uninominais. Tem a palavra pelo Governo Cinzento o ministro
Diogo Correia. Dispõe de 5 minutos.
Diogo Correia
Obrigado, senhor Presidente da Mesa.
Senhoras e senhores deputados, 41,9% - esta é a
percentagem de portugueses que não votou nas últimas eleições legislativas.
Isto significa que em cada 100 portugueses 41 ficaram em casa na hora de
exercer o seu direito de voto.
Acrescento ainda quatro questões. Quantos dos senhores
deputados cumpriram o mandato até ao final da legislatura? Quantos do senhores
deputados cumpriram com a obrigação de prestar contas aos eleitores? Quantos
dos senhores deputados são conhecidos pelos cidadãos que vos elegeram? E
quantos dos senhores deputados não são paraquedistas?
Este elenco governativo traz ao debate parlamentar a
reforma do sistema eleitoral para a Assembleia da República. Porquê? Porque
para nós é essencial resolver este problema. O problema de os portugueses não
votarem por não se sentirem representados. De acordo com dados estatísticos da
Pordata, verifica-se que a taxa de abstenção tem aumentado incessantemente ao
longo dos anos.
Após a consagração da democracia, tivemos nas primeiras
eleições livres uma taxa de abstenção de 8,5%. Isto indica que, desde as
primeiras eleições até às últimas realizadas em 2011, a taxa de abstenção
aumentou 33,4%, atingindo os atuais 41,9%.
Este indicador é demonstrativo da falta de
representatividade sentida pelos portugueses, a qual, por sua vez, está
associada à falta de responsabilização que é atribuída aos deputados eleitos.
São os portugueses que nos conferem a legitimidade para
governar. Como tal, cabe-nos defender os seus interesses. E é precisamente isto
que esta proposta de lei pretende fazer: resolver o problema da falta de
representatividade através de um sistema eleitoral com círculos uninominais, o
qual aproxima eleitores e eleitos.
A proposta de lei n.º 100/X cria um círculo plurinominal
e círculos uninominais. Para além disso, e consequentemente, introduz um
sistema de voto: um no círculo plurinominal e outro no círculo uninominal.
Consideramos que a existência deste sistema eleitoral
cumpre dois objetivos fundamentais da Democracia: a representatividade e a
governabilidade. Apesar de o atual sistema eleitoral assegurar condições favoráveis
de governabilidade, verifica-se que subsiste um défice de representatividade, o
qual é colmatado pela introdução dos círculos uninominais.
Além do mais, a conjugação destes círculos com um círculo
nacional plurinominal permite manter a representação de partidos políticos com
menor expressão na Assembleia da República. Isto significa que a pluralidade de
opiniões desta câmara é mantida naquilo que é um ponto fundamental e é sinónimo
de uma democracia madura.
A aplicação deste sistema eleitoral aproximará os
cidadãos e os deputados, permitindo uma relação direta entre o eleito e o
eleitor, naquilo que é um aumento da personalização do mandato. Assim, diminui
a possibilidade, como atualmente acontece, que um deputado seja eleito por uma
região à qual não pertence. Ou seja, reduz-se o número de paraquedistas que
apenas utilizam o círculo como forma de chegar à Assembleia da República e não
como resultado do conhecimento da realidade local.
Francisco Sá Carneiro dizia que o homem é a medida e o
fim de toda a atividade politica. Este modelo eleitoral significa mais
transparência, mais satisfação dos eleitores…
Nuno Matias
Dispõe de 30 segundos.
Diogo Correia
…com o sistema democrático, colocando, tal como Sá
Carneiro preconizava, o homem no centro da atividade política. Obrigado.
[APLAUSOS]
Nuno Matias
Tem agora a palavra para uma interpelação, pelo Partido
Azul, o deputado João Gomes Ferreira. Dispõe de 3 minutos.
João Gomes Ferreira
Antes de mais boa tarde, para o Presidente da Assembleia,
os membros do Governo e os senhores e senhoras deputados.
Por acaso não sou paraquedista, porque os desportos
radicais não são assim a minha coisa. Mas é melhor vir de paraquedas do que vir
com uma proposta desse género e cair de cara.
[APLAUSOS]
É que, face ao Decreto-lei aqui apresentado hoje, eu
vejo-me obrigado a expressar o meu desapontamento com as prioridades do
Governo. Porque, como é possível que, com tantos outros problemas e nesta
altura do campeonato, se venha aqui gastar tempo e energia numa coisa destas?
Numa reforma política que, não só está fora do contexto nacional, como está mal
pensada e seria mal aplicada.
Vieram propor um sistema que não é nada de novo. Não é
uma experiência nova, não foi o senhor Primeiro-ministro que inventou os
círculos uninominais, nem a versão que trouxeram aqui para a Assembleia, na
forma de Decreto-lei, em que é o mix, o 50/50, com o aspeto uninominal e o
aspeto plurinominal. Ou seja, este tipo de sistema está presente já em países
vizinhos, nos quais se pode ver o que está a correr bem e o que está a correr
mal.
Eu acho que não custava nada terem feito o trabalho de
casa e, se calhar, olhado para o que aconteceu nas recentes eleições
britânicas, em que se viu ou se revelou o problema com este género de sistema.
É que, por exemplo, o UKIP - UK Independence Party – que é o terceiro partido
político daquele Reino Unido, obteve 12,7% dos votos da Nação total. No
entanto, aquilo que conta é a representação no Parlamento, e obtiveram 0,2%. Ou
seja, de quase 13% para 0,2%?
E pior ainda. Um partido que é uma minoria – que é o
Social Democratics -, que foram com 0,3% do voto da população total, receberam
0,5% de representação no parlamento.
Nuno Matias
Dispõe de 30 segundos.
João Gomes Ferreira
Isto é uma disparidade proporcional populacional de 127
vezes. Ou seja, mesmo que fizessem um mix de 50/50 amortizavam só metade. E 64
vezes de uma diferença é ridículo na representação democrática.
Ou seja, trouxeram uma medida para tratar um não-problema
que vai causar mais problemas, e na minha opinião, e do Partido Azul, bem pior
do que não inovar é cometer os erros dos outros.
Nuno Matias
Muito obrigado, tem que terminar.
Tem agora a palavra pelo Partido Amarelo o Deputado
Miguel Sousa. Dispõe de 3 minutos.
Miguel Sousa
Senhor Presidente, senhoras e senhores deputados;
A proposta de lei aqui apresentada contém algumas
incoerências. A primeira é que o Governo quer garantir com esta lei uma maior
proximidade entre os eleitores e os eleitos. Os círculos uninominais não
garantem uma maior proximidade entre os eleitores e os eleitos, como é visível,
aliás, no Reino Unido, e como ouvi ontem o Dr. Luís Montenegro dizer a mesma
coisa.
Mais: esta proposta é igual à utilizada na Alemanha. Pois
bem, meus caros, Portugal não é a Alemanha. A Alemanha é um país federal que
dispõe de Estados separados e Portugal é uma República unitária, não está
dividida por Estados. E os senhores o que parece é que querem dividir o país.
A segunda incoerência é – como está representado no
artigo 2.º desta proposta – garantir um sistema que assuma a representatividade
dos eleitores. A minha pergunta é: como?
No artigo 3.º da vossa proposta os senhores mantêm o
número de 230 deputados na Assembleia. Ora, Portugal tem 308 municípios e, de
acordo com o artigo 6.º presente na vossa proposta, 114 lugares na Assembleia
estão reservados para um círculo nacional. Restam 116 para os círculos
uninominais. Admitindo que é eleito um deputado por município, onde é que os
senhores pensam colocar os restantes 192? É uma questão de fazer as contas…
[APLAUSOS]
Por último, e para mim a
incoerência mais graves de todas, é o duplo voto, como é proposto no artigo
5.º. Os senhores propõem um voto para o círculo nacional e um voto para o círculo
uninominal. Ou seja, seriam eleitos deputados de primeira, que representariam
nacionalmente, e deputados de segunda, que representaria localmente. Pois quer-me
parecer que não só querem dividir o país como também querem dividir esta
Assembleia. Muito obrigado.
Nuno Matias
Tem agora a palavra para dar as respostas pelo Governo
Cinzento, a Primeira-ministra Mafalda Moutinho. Dispõe de 3 minutos.
Mafalda Gonçalves Moutinho
Obrigada, senhor Presidente.
Senhoras e senhores deputados, eu vou tentar em pouco
tempo responder às perguntas formuladas pelos deputados da Oposição,
relativamente à proposta que hoje trazemos a debate parlamentar.
A representação proporcional não cria condições para o
surgimento de vários partidos. Impede, isso sim, ou dificulta seriamente que um
deles obtenha a maioria absoluta. Desta forma, os pequenos partidos, tantas
vezes com uns meros 7% e 8% dos votos, como o dos senhores deputados, acabam
por deter uma influência e um poder muito superior ao que, fruto da mera
contagem de votos, deveriam dispor.
O que os partidos de V. Exas. temem, com o sistema
uninominal, não é o seu desaparecimento, mas a sua irrelevância eleitoral, o
que não se entende. Os senhores deveriam, ao invés, perguntar-se por que razão
nada se faz para mudar.
Referem que o sistema não assegura maior
representatividade dos eleitores? Estão claramente errados. Num regime de
círculos uninominais, em que a escolha dos próprios candidatos tenderia
naturalmente a ser local, o candidato eleito passaria a ser o efetivo
representante do círculo, incluindo daqueles que votaram contra si, e cujos
interesses, no seu próprio interesse, ele tenderia também a defender em sede
parlamentar. Vivemos numa Democracia representativa, assim, maximizamos a
mesma.
Em relação ao Reino Unido, eu creio que o senhor deputado
não estudou muito bem o nosso programa, porque o Reino Unido tem círculos
uninominais, não tem um sistema misto como o que nós aqui propomos. O sistema
que nós propomos, no fundo, é o melhor de dois mundos.
Em relação a existirem deputados de primeira e de
segunda, eu não sei se o senhor deputado se considera um deputado de segunda,
mas a verdade é que o povo nos elegeu porque no nosso Programa de Governo
tínhamos a criação de círculos uninominais.
Referem que nos afastamos dos eleitores com aquilo que
propomos? Os círculos uninominais e as atuações dos deputados em cada um dos
círculos não é feita de forma autónoma, estão comprometidos ao programa eleitoral
do partido pelo qual se candidatam. Os círculos uninominais apenas fomentam a
representatividade dos cidadãos, bem como a responsabilização direta do
deputado que elegeram. Acreditamos que, a longo prazo, verificaremos que a taxa
de abstenção diminuirá drasticamente. Falo de 41,9%.
Senhores deputados, o sistema tal como o conhecemos, tem
que mudar. O que aqui hoje propomos faz de todos nós a seleção nacional de
todos os portugueses. Foi para isso que eles nos elegeram. Obrigada.
[APLAUSOS]
Nuno Matias
Terminado o debate número 10, vamos agora pedir aos
grupos não participantes neste debate que digam, no seu entender, quem ganhou.
Quem entende que foi o Governo?
Obrigado. Quem entende que foi a Oposição 1?
Convém que a decisão seja estável.
Quem entende que foi a Oposição 2?
Parece que é claro que foi a Oposição 1 que ganhou este
debate.
[APLAUSOS]
Em relação à proposta em si, qual a vossa opinião? Quem é
a favor desta solução?
Como diria a nossa
Presidente, a contrario … parece-me
que também é claro que resulta a
contrario que são contra a criação de círculos uninominais.
Dep.Carlos Coelho
Se eu tivesse que votar eu não sei onde é que votaria,
para ser sincero. E, portanto, felicito a vossa capacidade de decisão. Nós quando
temos que decidir, temos que decidir, vocês decidiram, deram a vitória à
Oposição 1. Eu não sei em quem é que votaria, porque não fiquei confortável com
este debate.
O quê que eu achei dos diversos contributos? O Diogo
Correia, inteligentemente, para não fazer uma intervenção monocórdica, decidiu
adotar uma estrutura melódica. Isso foi uma estratégia inteligente e que é
recomendável. O problema é que ele manteve sempre a mesma estrutura melódica.
Agora não consigo repetir, mas imaginem que é esta (vou pegar num discurso
vosso): nos últimos anos a Nação portuguesa passou um dos momentos mais
complicados e sofridos da sua História. Devido à irresponsabilidade de um
governo que não teve respeito, seriedade e competência, o país viu-se…
Ou seja, ele a ler o texto, se vocês ouvirem a gravação, a
estrutura melódica é um bocadinho mais complexa, não é resumida a oito, é
sempre a mesma. Mesmo num discurso curto de cinco minutos, as pessoas
apercebem-se da estrutura melódica e cansam-se dela. Não sendo tecnicamente um
discurso monocórdico, isto é, ele não lê de forma acética, ele não diz: nos
últimos anos a Nação portuguesa passou um dos momentos mais complicados e
sofridos da sua História. Devido à irresponsabilidade… ele não leu assim. Mas
como a estrutura melódica é a mesma, passada a quarta ou quinta vez que nós
ouvimos a mesma estrutura… é aquilo a que o Rodrigo Moita de Deus diz: faz-se zoning out. Isto é, o nosso ouvido
habituou-se àquela música e já deixa de ter valor. Eu só consigo imprimir
eficácia aos sublinhados daquilo que eu quero que vocês escutem, se alterar,
surpreendentemente, a minha estrutura melódica. Isto é, se eu usar uma num
momento e usar outra noutro momento. Portanto, para o Diogo, a minha crítica é
a adoção da mesma estrutura melódica.
O João Gomes Ferreira começou muito bem com a piada do
paraquedismo. É hilariante. Depois caiu. E depois, tal como aliás o Miguel de
Sousa, vocês fazem grande parte da vossa argumentação a discutir números. Se é
metade, se não é metade, percentagens… ou seja, vocês quantificaram o debate.
Não há nada mais chato do que o discurso dos números. É por isso que nenhum de
nós tem grande pachorra para o discurso da economia, já ninguém consegue… o
número do défice, o do PIB per capita, o da dívida, a percentagem face ao não
sei quê, o crescimento percentual, as tendências de subida ou as tendências de
descida… os números… bem sei que os números podem transmitir realidade. Sei lá,
se eu vos disser 120… estou a falar do peso do Duarte.
[APLAUSOS E RISOS]
Isto é um número que traduz… uma fotografia. Mas de uma
forma geral, os números são acéticos, os números não traduzem nada. Os números
são chatos. Nós temos é que falar em ideias, em pessoas, em políticas, em
orientações, em dramas, em casos que as pessoas sintam. Nós vivemos, nós
projetamos emoções relativamente a causas; é mais difícil projetar emoções
relativamente a números. Fujam do discurso político dos números e vocês fizeram
um discurso muito centrado nos números e isso não acho que vos tenha
facilitado.
A Mafalda teve alguns sound
bites bons, alguns um bocadinho injuriosos, os "pequenos deputados”, esteve
bem no "é o melhor dos dois mundos”, esteve bem no argumento da coerência com o
programa eleitoral. Teve uma pausa – a Mafalda ficou a pensar como é que ia
usar os últimos segundos e bloqueou ali. Ora, a pausa é terrível, porque a
pausa traduz insegurança, desqualifica quem faz a pausa, a menos que a pausa
seja feita a olhar para vocês.
[PAUSA]
Perceberam? Se a pausa for feita a olhar para a
assembleia eu não estou a interromper a comunicação, porque há linguagem
visual. Mas ela não, ela fez a pausa e afundou-se no papel.
Na rádio é pior. Na rádio, se vocês fizerem uma pausa, a
pessoa que está a ouvir-vos com rádio, acha que a emissão foi abaixo. Porque há
um corte da comunicação. E isso foi a parte pior para a Mafalda. Também não
gostei da gritaria depois no final, levantar a voz e aproximar o microfone, não
esteve à altura do resto.
Portanto, moral da história: eu se estivesse do vosso
lado não saberia em quem votar. Mas espero que possam aprender com aquilo que
correu menos bem neste exercício para não o fazerem em circunstâncias reais.
Duarte Marques
Eu vou só dizer uma ou duas coisinhas muito rápidas. Eu
acho que vocês só ganharam porque a piada dele inicial é genial. Mas foi só
isso, e vocês ganharam por causa disso. Foi um momento que fez a diferença,
porque eu acho que, juntando tudo, o Governo foi mais direitinho.
Concordo com aquilo que o Carlos disse do Diogo e acho
que queria dizer o seguinte à Mafalda: a Mafalda evoluiu bastante desde que cá
chegou. A Mafalda atrapalhava-se um bocadinho a falar no início e agora, apesar
daquele "excitanço” final dela, ela falou muito bem e foi "cabrinha”. Ela
mandou ali três ou quatro, ali pelo meio das conversas, que eu nunca esperei
que ela o fizesse. Já aprendeu alguma manha, esteve muito bem, sem ofensa…
percebeste? Foi esperta e meteu as facadas totais.
Relativamente aos números, eu há bocado fiquei baralhado,
porque acho que foste tu… não, o do Grupo Amarelo, o Miguel, que várias vezes
disse são 77 vezes mais a personalidade… eu estava já baralhado (foste tu?), e
isso baralha um bocadinho. É óbvio que te podes estar a referir aos 35 cabelos
do Carlos Coelho, mas isso a malta acha graça…
[APLAUSOS E RISOS]
Isto é o que se chama pôr uma coisa a talhe de foice ou
então com uma grande calçadeira, mas há coisas piores. Felizmente o QI dele
ainda é inferior ao número de cabelos.