Gostaria de começar com um apontamento que tem a ver com a apresentação do Grupo Amarelo e do Grupo Bege, que vão iniciar o nosso jantar com um momento cultural.
Aproveitando a analogia que eu fiz no discurso de abertura da Universidade de Verão, com o calhau de mármore, o Grupo Amarelo escolheu o poema "Pedras no Caminho” de Fernando Pessoa. O Grupo Amarelo dá assim enfase à metáfora da pedra, que representa os obstáculos encontrados, mas que pode ser utilizada para construir algo maior e fortalecer a pessoa na sua vida futura, ajudando-a a sentir-se realizada e a atingir a felicidade. Será o Miguel Sousa a ler este poema.
Depois teremos o Grupo Bege, que escolheu o "Quinto Império”, da "Mensagem”. Será a Renata Leite a ler e diz que a noção encontrada neste poema é que ser feliz é uma infelicidade porque se vive maquinalmente e não para os sonhos ou para os conhecimentos. Isto é, na própria essência material do homem está, desde a sua sua origem, a inevitabilidade da morte. A essência do poema é a imaterialidade da alma, a permanência intemporal dos ideais.
Vamos, portanto, ouvir com Miguel de Sousa e a Renata Costa Leite as escolhas do Grupo Amarelo e do Grupo Bege.
Miguel Sousa
[LEITURA DO POEMA, PALMAS]
Renata Costa Leite
[LEITURA DO POEMA, PALMAS]
(Depois do Jantar)
Luis Santos
Boa noite a todos. Antes de mais nada, queria agradecer a presença da Dr.ª Leonor Beleza nesta nossa UV 2015.
Vou brindar neste jantar em nome do Grupo Rosa e queria também falar do papel fundamental que a Dr.ª Leonor Beleza teve na nossa Saúde ao longo de vários anos.
Queria também chamar à atenção ao facto de ser hoje em dia Presidente da Fundação Champalimaud, que é uma das grandes fundações deste país, não só pelo facto de ser uma das fundações que investe mais na procura da cura para o cancro, mas noutras áreas também.
Quero também chamar à atenção para o facto de nós sermos jovens e como jovens precisamos de conselhos; e temos aqui hoje uma Conselheira de Estado, acho que isso é importante.
Para terminar quero dizer que pessoalmente tenho um grande apreço por si, desde sempre, e que fazem falta mais mulheres como a senhora, em Portugal e na política. Um bem-haja e bom jantar.
[BRINDE]
Dep.Carlos Coelho
O Luís, no brinde que fez em nome do Grupo Rosa, disse que precisávamos de mais mulheres como a Dr.ª Leonor Beleza em Portugal e tem toda a razão. Eu tenho uma grande admiração pela Dr.ª Leonor Beleza, tenho tido o privilégio de poder protestar essa admiração em diversas iniciativas e edições da Universidade de Verão.
Conheci a Dr.ª Leonor Beleza no partido, nas diversas funções que ela desempenhou, acompanhei enquanto deputado as diversas funções difíceis que ela teve que exercer, quer como Secretária de Estado, quer como Ministra.
Tive a honra de integrar o conselho de administração do Instituto Francisco Sá Carneiro a que ela presidiu e tenho o privilégio de hoje a substituir nessas funções.
Vi sempre a Dr.ª Leonor Beleza como uma mulher determinada, uma mulher particularmente inteligente e uma mulher cheia de coragem. Uma mulher que em tudo aquilo que fez nunca olhou para trás, no sentido de ceder a pressões ou interesses, seguiu as suas convicções e seguiu em frente e isso é seguramente um grande exemplo para todos nós.
A nossa convidada tem como hobby brincar com os netos, a comida preferida é tosta mista, o animal preferido é a cegonha. Sugere-nos o livro "Jack Kennedy: Elusive Hero” e o filme "Argo”. A qualidade pessoal que mais aprecia é a coragem, uma qualidade da qual deu provas e continua a dar provas na sua vida.
A Dr.ª Leonor Beleza conhece bem as nossas tradições, não é a primeira vez que nos dá o prazer da presença nos jantares da Universidade de Verão, e sabe que tenho o privilégio de lhe fazer a primeira pergunta, que não pode deixar de ter que ver com questões da atualidade.
Nós estamos a viver uma situação dramática no Mediterrâneo, com pessoas desesperadas, fugindo da guerra, fugindo da fome, fugindo da perseguição religiosa – estou a falar sobretudo daqueles que são perseguidos pelo Estado Islâmico. Estão a morrer às catadupas. Como seres humanos não podemos deixar de ser sensíveis às imagens de mulheres, homens e crianças que nunca chegam a aterrar nas costas da Europa porque são engolidos pelo mar. Não deixa de ser mais horroroso para nós e principalmente para aqueles que como eu são verdadeiros europeus, a circunstância de achar que a Europa não tem estado à altura deste desafio.
A primeira pergunta que lhe faço, para iniciarmos o debate deste jantar, é como vê isto e como vê a reação dos poderes públicos relativamente a esta tragédia. Porque, em bom rigor, em Portugal nós estamos sempre divididos numa discussão antiga algo ideológica, se precisamos de mais Estado ou de mais sociedade. Muitas vezes tomamos dores de parto por orientações erradas, achamos que tem de ser o Estado a fazer coisas que, em bom rigor, podia a sociedade civil fazer com mais eficácia e há outras que só o Estado pode fazer e aparentemente estamos mais virados para considerar que é a Cruz Vermelha ou outras entidades que poderão acorrer a tragédias como aquela a que estamos a assistir.
Portanto, Dr.ª Leonor Beleza, perante os desafios com que Portugal está confrontado e perante os desafios com que a Europa está confrontada, o que é que nos diz? Há mais exigências para o Estado ou mais espaço para a sociedade? Ou esta antinomia está ultrapassada e temos de resolver de outra maneira?
Minhas senhoras e meus senhores, para responder à minha pergunta e às vossas perguntas no primeiro jantar-conferência da Universidade de Verão 2015, a Sr.ª Conselheira de Estado Dr.ª Leonor Beleza.
[PALMAS]
Leonor Beleza
Obrigada.
Vocês são tão amáveis sempre que venho cá que confesso que faço esta minha vinda, que nos últimos anos se tem vindo a tornar habitual, com o espírito de militante de base do PSD - que sou naturalmente, mas também com imenso prazer.
Meu ilustre e querido amigo, Carlos Coelho
Senhor Presidente da Câmara
Amigos e amigas
Tenho muito gosto em estar convosco na forma como eu sei que vai decorrer este jantar, porque me fui habituando ao longo do tempo a estas organizações do Carlos Coelho. Queria dizer-vos que as palavras dele certamente se baseiam numa amizade, como ele disse, de muitos anos de companheirismo, de fazermos muitas coisas em comum, de nos cruzarmos de muitas maneiras.
Eu acho que esta organização da Universidade de Verão é uma manifestação óbvia da enorme capacidade, do enorme profissionalismo, da enorme competência com que o Carlos Coelho organiza o que quer que seja. E eu bem vi o que é durante uns tempos poder contar com a ajuda dele e de – de repente – isso desaparecer na altura em que saiu da Assembleia da República. O Grupo Parlamentar ia colapsando porque deixou de o ter como esteio na organização e nas coisas que precisavam do tal trabalho, profissionalismo e competência. Em compensação, o Carlos Coelho foi enriquecer imenso o Parlamento Europeu e o grupo em que nos integramos no Parlamento Europeu. Eu acho que provavelmente partilham comigo a sensação de hoje estamos a par do que se passa no Parlamento Europeu devido às organizações e informação que o Carlos Coelho promove e fornece. Se há coisa de que nós bem precisamos de saber é o que se passa no Parlamento Europeu e instituições europeias.
Eu vou responder à questão que me foi colocada de uma maneira relativamente telegráfica nesta fase e depois explicar-me-ei um pouco melhor. Em primeiro lugar, como europeia sinto vergonha. Tenho vergonha de um grupo de países com os quais estamos convencidos que partilhamos muitas coisas importantes. Está a haver gente que vem de outros lados, por razões evidentemente de proximidade geográfica, mas que se baseiam na ideia de que a Europa é um espaço onde as pessoas são razoavelmente acolhidas, tratadas, onde podem ser diferentes umas das outras. Ver essas pessoas a esbarrar em toda a espécie de dificuldades, com risco de vida e em situações horríveis, a mim, como europeia, enche-me de vergonha, pura e simplesmente.
Acho que o problema é do Estado e é de nós todos. É da União Europeia, é de cada um dos Estados da União Europeia, dos governantes dos Estados da União Europeia e é um problema de nós todos. E, portanto, serve muito bem para também fazermos esta reflexão.
Há pouco, foi-me lembrado aquilo que está à vista de todos. Vocês aqui são todos muito mais novos do que eu – li algures que a média de idades é de 24 anos – e estão entre os meus filhos e os meus netos. São todos mais novos do que os meus filhos e um bocadinho mais velhos dos que os meus netos. E eu vou, se me permitem, não tanto por ser Conselheira de Estado, falar convosco como uma companheira de Partido para aqueles que são militantes e simpatizantes próximos, pelo muito que partilhamos e que caracteriza o nosso partido. Vou falar nessa qualidade sobre algumas coisas que são importantes para os momentos como aqueles que hoje vivemos.
Há uma coisa de que me tenho vindo a aperceber com o passar dos anos. Foi referido que fui Ministra da Saúde e isso aconteceu há trinta anos, já foi há uma eternidade, antes de muitos de vocês terem nascido. E nós olhamos muito para as coisas, realidades, países, continentes, políticas e outros países de uma maneira marcada pelo momento em que nascemos, por aquilo que vivemos diretamente. Vamo-nos modificando ao longo da vida, mas guardamos uma memória de todas as coisas que tivemos para trás.
Eu estava a pensar, por exemplo, naquilo que aconteceu na China ontem, todos se terão apercebido que de repente a China fez colapsar as bolsas no mundo inteiro. Embora certamente muitos especialistas pudessem ter previsto a violência daquilo que estava a acontecer, dá-me ideia que poderão não ter sido todos tão capazes de entender a vastidão e o alcance daquilo. A China há trinta ou quarenta anos não faria colapsar a economia e há um momento que estamos a viver agora e que justifica que olhemos para as coisas com olhos que não têm nada a ver com os de há não sei quantos anos. É certo que hoje as bolsas na generalidade do mundo reajustaram, não na China que é de certa maneira vítima do seu próprio crescimento passado e do sucesso que teve em muitas coisas. Nos outros países as coisas foram ajustando-se, mas eu não sei muito bem como são os vossos olhos a olhar para a China hoje e os meus olhos. O que penso é no que era a China há trinta anos atrás, o que aconteceu entretanto e o que justifica aquilo que aconteceu. Para todos vocês, a China é um imenso país, um dos mais poderosos do mundo, um país numa evolução brutal e certamente não se lembrarão de como olhávamos para a China nos tempos do Mao Tzé Tung ou noutros tempos quaisquer.
Eu estou a usar isto para falar também da Europa e porquê? Eu tinha 25 anos quando foi o 25 de Abril, tinha mais ou menos a idade que vocês têm. Por isso, conheci a ditadura, a Guerra Colonial de perto, conheci uma maneira de viver a sociedade muitíssimo diferente do que hoje e sobretudo a Europa era uma miragem distante e ambicionada por quem queria uma democracia moderna e europeia. Era uma miragem relativamente distante e achava na altura que seria muito difícil entrar na Europa e ainda hoje guardo como uma das melhores recordações da minha vida ter assistido à assinatura do Tratado de Adesão de Portugal às comunidades europeias. Foi um momento extraordinário nos Jerónimos e onde estiveram presentes todos aqueles grandes políticos europeus que admirava de longe e ali pudemos ver de perto: Kohl, Margareth Thatcher, o Miterrand, Gonzalez, etc.
E, de repente, uma coisa que era uma miragem tornou-se realidade. E, para mim, a Europa ainda tem esse significado. Uma coisa que eu quero muito e que foi muito difícil de obter, que é muito difícil de construir. Mas uma coisa que não está adquirida para a vida toda, porque eu vivi muitos anos a achar que seria muito difícil de conseguir.
Mesmo a história da assinatura do Tratado de Adesão, muitos de nós não acreditávamos nos meses anteriores que conseguiríamos fechar negociações, que a cerimónia fosse feita, que fosse para Portugal e para a Espanha no mesmo dia, parte em Lisboa e parte em Madrid... Toda essa História foi uma coisa extraordinária que eu vivi.
Hoje estamos todos preocupados com a evolução que está a acontecer na Europa. O Mediterrânio é um sinal óbvio de que a Europa não toma conta daquilo que tem de tomar conta. Mas há muitas outras coisas que estão a correr de uma maneira complicada.
O primeiro recado que vos queria deixar é este:
- para todos vós, a UE já cá estava quando vocês chegaram e, portanto, é uma coisa normal. Passar a fronteira daqui para a Espanha ou até à Lituânia é uma coisa normal. Ninguém vos pede documentos, na maior parte dos casos podem viajar na mesma moeda, não precisam de passaporte para coisa nenhuma, têm assistência na Saúde se vos acontecer alguma coisa, etc. Quando nos pomos a protestar contra muitas coisas de que não gostamos: contra a falta de democracia, contra o trabalho dos políticos, se deviam resolver desta ou daquela maneira, só vos peço uma coisa: lembrem-se que a liberdade de circular, de estudar para onde queremos, de ir trabalhar para onde queremos, passar a fronteira no comboio sem aparecer a polícia a pedir passaporte [olhem que era assim, quando se viajem entre Lisboa e Paris, a polícia aparecia no comboio], tudo isso, que consideramos normal, só existe porque existe a União Europeia.
Portanto, se desatamos a dizer que Europa é isto ou aquilo, e que não nos entendemos entre nós, e que os europeus não são democratas, etc etc, apesar das dificuldades que existem, o que está em causa são coisas que hoje damos como arrumadas, com que vocês já nasceram.
E que não é líquido que tenham adquirido para a eternidade. Aliás, há países europeus a pôr em causa muitas destas coisas. Aconteceu o que aconteceu em França e ouvimos logo dizer que a culpa era de Schengen.
Portanto, o primeiro recado que vos queria deixar é que não pensem na Europa e nos direitos de cidadania europeia como uma coisa completamente adquirida.
O segundo recado tem que ver com o Mediterrâneo.
Nós, no PSD, colocamos as pessoas no centro da vida política. Fazemos política para as pessoas. É bom lembrar isto. Primeiro porque é um princípio fundador do nosso partido, depois porque em momentos críticos é não perdemos de vista que o objetivo fundamental da política, como nós a vemos, é saber qual é o interesse das pessoas que temos de proteger. É só com os olhos nisso que devemos avançar.
Isto foi uma das coisas mais claras no pensamento original do PSD, um traço característico daquilo que somos. Eu muitas vezes divergi nas soluções, nomeadamente com partidos de que somos próximos – como o caso do CDS, que certamente também coloca as pessoas no meio. Podemos divergir nas soluções, mas não na forma como fazemos a pergunta: o que é melhor para as pessoas?
E é em nome disso que as histórias do Mediterrâneo são insustentáveis. É começarmos a olhar para aquelas pessoas e não vermos que são pessoas iguais a nós. E que é na base dessa consideração que qualquer solução tem de ser adotada.
O Carlos Coelho falou em Estado e em sociedade e como deve ser a organização social ou a intervenção do Estado.
Do meu ponto de visto, em primeiro lugar está uma questão de valores, e um deles é a centralidade da pessoa. A colocação das pessoas e das suas instituições em primeiro lugar. E também a consideração das pessoas enquanto responsáveis.
Há dias, ouvi uma discussão no Parlamento sobre a proteção de menores e as comissões de proteção. A discussão toda girava em torno do seguinte: as comissões de proteção de menores eram quem resolvia todos os problema dos menores. E eu não ouvi ninguém dizer que a primeira instituição que tem essa responsabilidade é a família. O pai e a mãe. As crianças não são das comissões de proteção de menores.
E o problema não está apenas nas crianças. É entre gerações e está na maneira como nós olhamos para o relacionamento entre os mais novos e os mais velhos.
Devo também dizer que – e isto provavelmente tem que ver com a minha idade - há uma coisa de que eu gosto muito no programa eleitoral da coligação tal como ele está hoje apresentado, relacionado com as questão seriíssimas da Natalidade. Não são questões privadas, são questões dos indivíduos, das sociedades, das famílias, mas são questões seriíssimas de constituição da sociedade, e que começa a fazer apelo ao papel dos avós para resolver os problemas muito complicados que as famílias enfrentam com as crianças e para que as pessoas sintam a necessidade de ter filhos.
Eu não sei se vocês estão cientes de que somos nós que escolhemos ter filhos. Essa ideia e essa realidade – que hoje existe e pela qual eu me bati muito, inclusivamente quando estive na Saúde – não é de todos os tempos. Mas hoje é assim. Portanto, as sociedades que precisam de ter cidadãos, de ter jovens, que precisam de recompor o tecido social com base em muito mais gente, têm de pensar como suscitam nas pessoas o interesse e a vontade de ter filhos.
Do meu ponto de vista, o governo tem um enorme mérito por ter pedido que ela fosse estudada a sério; por ter pensado esta questão que é absolutamente fundamental para a construção de uma sociedade, nesta situação muito séria e complicada.
E também me parece muito importante estabelecer em novos termos a relação com os nossos mais velhos e repensar as relações intergeracionais adequadas à situação atual e à forma como hoje olhamos para as coisas baseados em factos completamente diferentes dos do fim da Segunda Grande Guerra. Nessa altura pensou-se que o crescimento da economia, das sociedades e a própria paz permitiriam que se criassem meios para o Estado desempenhar uma série de funções importantes. Funções em que o Estado foi progressivamente entrando e que hoje, como sabemos, devem continuar em termos sustentáveis no longo prazo.
Quanto à pergunta sobre "quem é que deve fazer o quê?”, se é a Cruz Vermelha ou outra qualquer instituição, se é o Estado. Três coisas: em primeiro lugar os "valores”; depois, lidar com a responsabilidade das pessoas e da sociedade civil; em terceiro lugar, o Estado deve saber lidar com os dados concretos sobre a realidade, sobre os meios financeiros, o números de pessoas e onde estão as pessoas com a formação adequada a ajudar nos problemas, etc. Portanto, resolver tudo com base em valores e em dados. E tentar evitar preconceitos ideológicos.
Nós somos sempre acusados de funcionar com preconceitos ideológicos mas não somos nós que, quando usamos palavras como "esquerda” ou "direita”, "público” ou "privado”, fazemos com qualquer conotação negativa, ao contrário daquilo que frequentemente se faz connosco.
Quando estamos a discutir se determinada função deve ser desempenhada completamente pelo Estado, em partilha com os privados ou deixada à iniciativa privada, aquilo que não devemos fazer é partir de um preconceito ideológico: "o público é melhor” ou "o privado é melhor”. Devemos funcionar com base em valores e em dados objetivos. Dados que nos permitem dizer que "estes fazem melhor ou aqueles fazem melhor”.
O PSD tem uma longa tradição de se falar em sociedade civil, da importância das instituições da sociedade civil e da sua relevância. Eu acredito profundamente nisso. Mais: se há coisa que eu não quero é viver em sociedades que pensam que tomam conta de nós do princípio até ao fim. Eu vivi com isso muitos anos. Essas sociedades existiram, ainda existem, mas isso eu não quero de maneira nenhuma. Sociedades que julgam que sabem resolver, através do Estado, todos os problemas da nossa vida. Resolver quem é que trabalha, aonde, quem é que nasce, quais são os empregos, quem é que tem emprego e quem é que não tem emprego, quem é que tem direito de estudar e quem é que não tem direito de estudar... eu não quero isso!
Eu quero uma intervenção do Estado que garanta direitos fundamentais às pessoas – entre eles estão a Educação e a Saúde, em igualdade de acesso. Quero isso, mas não tenho preconceitos sobre quem é que pode ajudar a resolver essas situações, desde que o Estado faça duas coisas: garanta o acesso e exerça a vigilância sobre a forma como as atividades são desempenhada, seja público ou privado, nos mesmos termos.
Um Estado forte, que vigie, que esteja atento, que não imponha uma maneira diferente de olhar para as coisas, que se preocupe com o acesso à Saúde, com a Saúde Pública, com o acesso à Educação, para que as pessoas não deixem de estudar pela falta de meios. Eu quero que esse Estado exista.
Mas um Estado que diz que o "público” é a única coisa aceitável, isso não quero.
[PALMAS]
Mas, para que não restem dúvidas, quando em certas áreas o Estado recorre ou admite a existência de iniciativa privada que resolva uma série de problemas, deve fazer isso de maneira completamente transparente e usando uma coisa preciosa: os concursos públicos.
Eu tenho hoje o privilégio de presidir a uma instituição da sociedade civil. Uma instituição que nasceu de uma maneira pouco comum entre nós: uma pessoa que tem meios e que resolve no seu testamento deixar extensos meios financeiros para ajudar a resolver problemas da sociedade. Foi o que fez António Champalimaud quando morreu, em 2014, e deixou uma parte muito importante dos meios de que dispunha para fazer uma fundação dedicada à investigação na área da Saúde.
Quando estas coisas acontecem, é importante que a sociedade compreenda e seja levada a aceitar que estas instituições tenham um lugar importante para o desempenho de funções de caráter social.
A Fundação é uma instituição de interesse público. É só isso que faz sentido. Funcionando no setor privado, a fundação tem uma mobilidade, facilidade e rapidez na tomada de decisões que são evidentemente muito importantes. Mas eu queria dizer que a existência destes meios e a existência destas instituições coloca uma exigência muito grande nas mãos das pessoas que as dirigem. E nas mãos da sociedade, que deve vigiar como é que as coisas efetivamente acontecem.
Passo para o último recado que queria aqui deixar.
No programa eleitoral da Coligação, falamos muito em competitividade, e em melhorar muito a nossa prestação nesse domínio. Para que isso aconteça, é preciso sermos extremamente exigentes na maneira como utilizamos os meios, como gerimos as instituições e como pomos os meios à disposição das pessoas. Isso implica, muitas vezes, em vez de tomarmos as decisões mais fáceis, tomarmos aquelas que fazem sentido.
Só para vos dar uma ideia: muita gente achou que a Fundação Champalimaud se deveria limitar a financiar iniciativas de caráter científico de outras instituições, em vez de fazer ela própria investigação diretamente – como fazemos. Muita gente achou que nos devíamos limitar a fazer investigação de laboratório, investigação básica ou fundamental, porque é mais simples do que a investigação clínica, que é feita com doentes e médicos, e com a prestação efetiva de cuidados. Muita gente nos aconselhou, vivamente, "não se metam no cancro, isso é uma área muito difícil, em que os resultados são difíceis de obter, que precisa de gente muito qualificada”. Isto para vos dizer que as decisões foram sempre tomadas à medida do que entendíamos serem os interesses sociais, nos quais o nosso fundador terá pensado entendeu deixar o seu dinheiro para uma fundação.
É certo que a Fundação dispõe de uma equipa fantástica. O João Silveira Botelho constitui comigo a Comissão Executiva da Administração da Fundação. Somos os dois que estamos ali os dias todos, ele é responsável por uma enorme quantidade de decisões e pela sua execução. E o nosso terceiro colega esteve a falar convosco ontem, o António Horta Osório. É quem faz a gestão do património financeiro da Fundação. Temos uma equipa fantástica a este nível e a muitos outros.
E temos um objetivo que formulámos desde o início: nós estamos aqui para sermos dos melhores do Mundo. Nem gostamos que nos digam que somos dos melhores da Europa, porque a nossa ambição é sermos dos melhores de Mundo. E eu acho que essa ambição tem de ser alimentada dentro de nós, em todo o lado.
Já fizemos escolhas no sentido de excluir que certas pessoas façam coisas para nós porque eles fazem considerações do tipo "não somos muito conhecidos, somos portugueses, há quem faça melhor, etc”. Basta ouvirmos esta linguagem para excluirmos logo! Não servem. Estaríamos a transmitir limitações na maneira como olhamos para as coisas.
Eu acho que é esta ideia, passo a imodéstia, de que não há limitações à nossa frente; de que podemos fazer tão bem quanto os outros; de que o nosso país pode ser extremamente competitivo; com feitos que nos façam sentir plenamente realizados; é com esta mensagem que eu queria deixar a todos vós, muito novos, certamente a tomar decisões cruciais para a construção da vossa vida.
O que eu vos sugiro é que olhem para as decisões que têm de tomar e para as aventuras em que se vão envolver, pensando "eu quero ser dos melhores, eu quero fazer das melhores coisas que se fazem em qualquer lado, eu também quero que o meu país brilhe através de mim.”
E é por isso que somos militantes do Partido. E, sendo militantes de um partido, aquilo em que devemos pensar é naquilo que é melhor para o País.
Agradeço-vos imenso terem tido a paciência de me ouvir, estou disponível para responder às vossas perguntas. Desejo-vos muita força e que não limitem de maneira nenhuma a vossa ambição.
Muito obrigada.
[PALMAS]
Dep.Carlos Coelho
Muito obrigada, Dr.ª Leonor Beleza. Vamos começar com as nossas perguntas, fazendo cinco blocos de duas perguntas. No primeiro bloco dou a palavra ao Chico do Grupo Rosa e à Juliana do Grupo Azul.
Chico - Patchê Parloa
Boa noite. Queria cumprimentá-la, antes de tudo, em nome do Grupo Rosa, pegando na sua última frase, por "ser o melhor e brilhar para o país”.
Apesar de não demonstrar interesse em regressar à vida política ativa neste momento, ou exercer uma função governativa, avaliando a sua experiência - fruto das funções governativas que exerceu e atualmente como Presidente da Fundação -, quais as medidas que a seu ver, além daquelas que já foram implementadas pelo governo, precisam de ser implementadas neste momento para que Portugal possa melhorar o Serviço Nacional de Saúde, de forma a que se possa tornar mais eficiente e garantir igualdade para responder às expectativas da população, ou dos cidadãos, e ser um modelo de cuidados de saúde na Europa?
Juliana Mendes Correia
Muito boa noite, Dr.ª Leonor. Durante a tarde tivemos o prazer de discutir com a senhora Ministra das Finanças a capacidade de Portugal em travar um fenómeno importante, o brain drain , ou a fuga de cérebros.
Falo como profissional de saúde e dirijo-me a si enquanto ex-Ministra da Saúde: numa área onde normalmente se forma um número elevado de jovens, que irremediavelmente se veem obrigados a emigrar. Como vê este futuro? Acha que estes jovens vão ser um dia mais tarde necessários, dado o envelhecimento da população, ou acha que o Serviço Nacional de Saúde está capacitado para as necessidades futuras e que estes jovens não terão uma oportunidade no seu país de origem?
Muito obrigada.
Leonor Beleza
Fui Ministra da Saúde há uma eternidade. Vou-vos confessar uma coisa: quando saí do Ministério da Saúde, achava e disse que a "Saúde” dali por diante só a minha e a da minha família, até ao dia em que o senhor António Champalimaud me falou e perguntou se eu estava disponível para presidir a uma fundação que ele ia criar. A minha ideia mudou-se radicalmente, convenhamos que causada pelo facto de que eu não podia sequer imaginar antes de ter acontecido.
O Serviço Nacional de Saúde, os médicos e o futuro deles. Saberão, porventura, que a questão mais complicada em termos da situação da Saúde dos portugueses, comparada nomeadamente com os países com quem gostamos de nos comparar - portanto aqueles de quem nos queremos aproximar em termos de dados e resultados -, a diferença maior tem a ver com uma questão de que eu falei um bocadinho de passagem, que é a questão da promoção da saúde.
Temos uma esperança média de vida semelhante à dos países que mais consideramos do ponto de vista do desenvolvimento, mas não temos uma esperança de vida com saúde semelhante.
Isto é, nós, portugueses, provavelmente viveremos os mesmos anos que, por exemplo, os europeus do Norte, mas viveremos mais anos sem saúde do que eles. Isto é uma questão de promoção da saúde, da saúde pública e de estilos de vida saudável.
Sabem que quando fui Ministra da Saúde, há muitos, muitos, anos, percebi rapidamente de que o assunto de que mais falavam os meus colegas dos países com mais meios, de longe era como é que se faz para que as pessoas não fumem. Era a questão à mesa com os canadianos, americanos, franceses, alemães, suecos, neozelandeses, australianos, etc., era essa a conversa na altura. Ainda não havia os maços de tabaco a dizer aquelas coisas. Foi quando isso começou e quando a luta contra o tabaco começou de uma maneira mais séria.
Pôr num maço de tabaco "Fumar Mata” era absolutamente impensável para mim na altura em que estava no Ministério da Saúde, porque já era um sarilho colocar alguma dúvida sobre o que é que o tabaco eventualmente fazia à saúde. Percebi rapidamente que a evolução é no sentido de ganhar anos de vida com a saúde.
São aquelas coisas aborrecidas que a gente sabe: fazer exercício, comer com cuidado, não fumar e ter uma série de comportamentos que nos permitam manter com saúde durante mais tempo e vigiar a nossa saúde evidentemente.
Portanto, a resposta quando me pergunta o que é mais importante neste momento, é a promoção da saúde, da saúde pública e as medidas que têm que ver com manter as pessoas saudáveis.
Evidentemente que há inúmeras coisas que é preciso fazer para mudar o Serviço Nacional de Saúde e, desde logo, permitir a modernização sistemática e contínua dos meios que existem e também da formação das pessoas. Devo reconhecer que é difícil, sobretudo em ambientes como aqueles que vivemos, de restrições grandes de meios postos à disposição do Estado, que é complicado muitas vezes para os hospitais respeitar essas regras todas e simultaneamente modernizarem-se, agilizarem-se e mudarem uma série de coisas que precisam de estar continuamente a ser adaptadas.
Por isso, acho que há aí desafios muito grandes, uma grande capacidade por parte dos profissionais de Saúde e das pessoas neste país para empurrar as mudanças que têm de acontecer, mas também sintamo-nos felizes com muitas das realizações do Serviço Nacional de Saúde. Por exemplo, aqueles de que habitualmente nos sentimos mais orgulhosos e que têm a ver com os números relacionados com a saúde infantil, em que fizemos progressos absolutamente extraordinários em poucas décadas. Muito mais rápido do que aquilo que aconteceu noutros países e onde temos indicadores muito melhores do que alguns países com mais meios do que nós.
A formação das pessoas e o que é que acontece com as pessoas formadas de uma maneira exigente, como são formados os profissionais de Saúde em Portugal e também por isso alguns países olham para os nossos profissionais de Saúde como uma maneira de resolver os problemas deles. Porque sabem que os médicos, enfermeiros e outros profissionais que saem daqui saem bem formados e, portanto, querem naturalmente ter acesso a eles.
Aqui não distinguiria muito se estamos a falar de médicos ou de profissionais de outra área qualquer. Sei muito bem que há muita gente em Portugal que teve de ir lá fora encontrar meios de subsistência e emprego, que numa certa fase não encontrou entre nós.
Acho muito importante criar condições para que estas pessoas evidentemente possam voltar e isso só acontece aumentando o emprego em Portugal e aumentando o emprego qualificado.
Isso também só faz - como estamos fartos de saber - o setor que cria emprego, nomeadamente o setor privado. Isso são tudo coisas que nós sabemos e que terão um dia de acontecer.
Agora, há uma coisa que gosto de dizer quando se fala em ir para estrangeiro ou virem para cá: uma experiência noutro sítio, de caráter profissional, pode ser uma riqueza incrível nas mãos de um jovem, ou de quem quer que seja. Ter a oportunidade de estudar lá fora, de conviver de perto com gente que é diferente de nós, aprender coisas que eventualmente cá não se aprendiam, ou não se aprendiam da mesma forma, isso é imensamente enriquecedor para o currículo.
Por exemplo, na Fundação Champalimaud temos muitas pessoas que vieram de outros sítios e por isso digo que o adquirido de quererem viver em Portugal está mais ou menos garantido, as pessoas querem viver em Portugal. Temos pessoas de 35 nacionalidades diferentes que gostam de viver em Portugal e que se sentem bem aqui entre nós.
Devo dizer que quando fazemos recrutamentos, vamos à procura dos melhores que se candidatem. Neste momento estou extremamente contente com dois cidadãos portugueses que virão dentro de pouco tempo, estamos em negociações com dois investigadores principais portugueses na área de Oncologia, que espero que dentro de pouco tempo estarão na Fundação. São dois portugueses que neste momento vivem nas melhores instituições que é possível, em Nova Iorque, a trabalhar e que estão disponíveis para vir para cá. Espero que eles não oiçam, porque estamos em negociações, mas fico muito contente quando abrimos posições deste tipo e são portugueses que estão à frente. São portugueses que vêm do outro lado e de um lado como esse, porque querem trabalhar connosco e que querem vir para cá trabalhar, acho que isto faz parte da nossa batalha de reavermos para nós profissionais qualificadíssimos que estão noutros sítios.
Portanto, olhemos para esta história de entrar e sair com olhos que não sejam só negativos. Não quero de maneira nenhuma negar que a parte negativa existe, mas olhemos com olhos que não sejam só negativos. Gostamos muito do nosso país e a maior parte dos portugueses sonham em voltar para cá. Saibamos nós criar condições, sejamos dignos, se é que posso falar desta maneira, porque os nossos compatriotas querem regressar e vejamos estadias fora como temporárias e ao mesmo tempo tornemos interessantes para que venham para cá trabalhar outros muito qualificados. Também para receber imigrantes que precisam de ser recebidos nalgum sítio, já agora, que isso também faz todo o sentido.
O que eu proporia é uma linguagem de desdramatização em relação a esta questão, que não perca o alcance do realismo mas que veja como pode ser enriquecedor para os nossos concidadãos viver noutro sítio. Até porque nós, portugueses, convivemos muito bem com gente de outras origens, sítios, culturas e formações. Eles sentem-se bem cá, assim como nós nos sentimos facilmente noutros sítios.
[PALMAS]
Dep.Carlos Coelho
Para o segundo bloco temos o Paulo Martins do Grupo Amarelo e o Filipe Reis do Grupo Laranja.
Paulo Martins
Boa noite, Dr.ª Leonor Beleza. Gostaria de fazer a seguinte questão: devido ao envelhecimento da população em Portugal, qual a sua opinião relativamente à rede de cuidados continuados. Acha que o Estado deveria investir mais nesta área, ou investir noutro tipo de ações para combater o envelhecimento não de idade, mas a promoção da saúde no envelhecimento da população?
Obrigado.
Filipe Miguel Reis
Boa noite, Dr.ª Leonor Beleza. Queremos aproveitar o facto de ter falado no Serviço Nacional de Saúde para saber qual é a ligação entre este e a Fundação Champalimaud.
Obrigado.
Leonor Beleza
Os cuidados continuados não são necessariamente apenas os que são prestados na altura em que as pessoas são mais velhas. O problema é mais amplo que isso e estamos sempre a ouvir que não existe o suficiente e às vezes, ouvimos falar deles associado a outro tipo de cuidados.
Há aqui, para mim, um problema muito importante: qual o tipo ideal de cuidados e em que circunstâncias é que devem ser prestados a pessoas que por causa da idade, ou por outras razões, precisam de assistência com um caráter relativamente permanente.
Esta é uma questão que muitos têm hoje pensado e escrito. Não é nada óbvio, (para mim não é certamente) que a melhor maneira é criar espaços enormes onde as pessoas a partir de certa altura passem todas a viver.
Portanto, é importante uma rede de cuidados continuados e responder aos problemas reais das pessoas e das famílias, mas não é óbvio que a maneira de resolver estas questões seja criar uns sítios muito grandes - e às vezes muito anónimos - onde as pessoas perdem as suas referências de vida em termos familiares, em termos de espaços e por aí fora.
O que aconselho, quando falamos nestas questões, é que pensemos um pouco, ou com pessoas com mais idades que conhecemos, como é que elas gostariam de estar a viver, ou que nos imaginemos a nós próprios numa certa fase da nossa vida, com as coisas que gostamos e que estamos habituados. De repente, pensemos que desaparecem à nossa volta muitas pessoas da nossa idade e das nossas referências e somos transplantados para um espaço onde estão pessoas igualmente sozinhas. Se é que nós nos entendemos do que estou a falar, de solidão.
Há um livro que se chama "Being Mortal” escrito por um médico de origem indiana, que trabalha nos EUA e se chama Atul Gawande, em que ele faz a reflexão mais bem feita que até agora vi sobre como é que as pessoas numa fase dependente na sua vida devem ser tratadas. Como é que se deve atender àquilo que elas gostariam que acontecesse e como é que se devem tratar.
Julgo que a maior parte do esforço deve-se centrar em tentar manter as pessoas até ao limite possível no sítio onde viveram antes, nas circunstâncias em que viveram antes, se for possível com as pessoas com que viveram antes até mesmo em termos de espaço. Ou transplantar para outros sítios muitas dessas referências e atender àquilo que as pessoas gostariam que lhes acontecesse, tentando encontrar soluções adaptadas a isso.
Portanto, tenho algum receio sempre que falamos de rede de cuidados continuados, que reconheço que é precisa e temos meios que são poucos, mas que não pensemos sempre que isto se resolve com o Estado a inventar, certamente acompanhado por instituições particulares como tem acontecido.
Nas quais as pessoas, porventura, vivam uma parte muito triste do final da sua vida. É uma questão excessivamente delicada para ser vista apenas de que meios e de que maneira é que isto se resolve.
Quanto ao Serviço Nacional de Saúde e à Fundação Champalimaud, há instituições do Serviço Nacional de Saúde que referem por vezes doentes para a Fundação. Nós, na Fundação, só queremos que isso aconteça com consulta ou com concurso, pois não queremos quaisquer problemas de relacionamento.
As pessoas que trabalham connosco não trabalham no Serviço Nacional de Saúde e vice-versa, portanto há uma separação. Mal me ficaria a mim, neste ponto não ser coerente com aquilo que há muitas décadas defendi. Temos o melhor e o mais cordial dos relacionamentos, fazemos muita investigação clínica em ambiente multicêntrico e, portanto, com muitas outras instituições. Os nossos meios de investigação, nomeadamente, estão à disposição para serem usados em conjunto com instituições públicas, sejam hospitais ou laboratórios.
Às vezes, na área da investigação isso é bem mais fácil do que noutras áreas. Portanto, não somos apenas teóricos disto, os nossos investigadores estão profundamente envolvidos com investigadores que estão noutros locais e isso acontece também com os ensaios clínicos.
Dep.Carlos Coelho
No terceiro bloco de questões, dou a palavra ao João Pedro Cruz do Grupo Castanho e ao Ricardo Moreira de Carvalho do Grupo Roxo.
João Pedro Cruz
Boa noite, Dr.ª Leonor Beleza. Antes de mais, é uma honra estar a falar com alguém que tem a idade da minha avó e, portanto, merece ademais o meu respeito e pelo currículo que aqui advém.
Realmente, a Fundação Champalimaud é um centro de referência mundial ao nível da investigação nas neurociências e no tratamento de doenças patológicas, nomeadamente o cancro. É um desafio leal, de coragem, e realmente como "Centre for the Unknow” é uma investigação que nos leva ao desconhecido e a novas descobertas de tratamentos.
Daí a minha pergunta: será que conseguimos de facto disseminar este tipo de tratamentos e diagnósticos ao nosso Serviço Nacional de Saúde? Isto é, sei que ao nível tecnológico depois envolve outro tipo de situações, mas conseguimos preconizar o nosso Serviço Nacional de Saúde?
Pegando também no nosso Serviço Nacional de Saúde e na Fundação Champalimaud, conseguimos garantir o acesso às pessoas que realmente não conseguem, há algum meio que permita esta situação, que não vá de fundos privados?
Ricardo Moreira de Carvalho
Boa noite, Dr.ª Leonor Beleza. Gostaria de perguntar que estratégias tem usado para reter os melhores investigadores na Fundação, no seguimento de uma das perguntas que já lhe foi colocada e como é que foi possível criar no nosso país um dos maiores prémios mundiais na área das Ciências, que pode ser comparado ao Prémio Nobel no que diz respeito a nível monetário.
Muito obrigado.
Leonor Beleza
Quem faz investigação obviamente não faz só para si próprio. Portanto, é muito importante para nós que aquilo que estudamos, em que avançamos e vamos conseguindo participar na introdução de melhorias, possa ser partilhado.
Por isso, quando se falou no Serviço Nacional de Saúde, referi mais a investigação do que propriamente a prestação de cuidados. Cada vez mais, as coisas que organizamos e que têm a ver com divulgação ou acesso a conhecimento de coisas novas, são partilhadas com profissionais de muitos outros sítios, nomeadamente o Serviço Nacional de Saúde.
Portanto, isso aparece de uma maneira mais ou menos natural, mas às vezes pode ser complicado, porque nós, portugueses, também somos um bocadinho complicados quando se relacionam profissionais do mesmo ofício, ou instituições diferentes, ou o que quer que seja.
Isso de pessoa a pessoa às vezes é mais fácil e acontece muito ao nível dos investigadores e vai começando a acontecer ao nível dos médicos, nomeadamente sobre técnicas cirúrgicas, que é uma das áreas a que nos temos dedicado mais. Não só o progresso nas técnicas cirúrgicas, como substituição de cirurgias por tratamentos que não são invasivos.
De modo geral têm sido muito participadas com pessoas que vêm de outros lados e a mesma coisa tem acontecido com os nossos. Quando os nossos são convidados a ir a outro sítio e a divulgar o que fazemos, fazemos isso com caráter sistemático. Olhamos para nós como uma instituição nacional portuguesa, que está cá porque o senhor Champalimaud resolveu que uma parte daquilo que ele tinha era para deixar aos portugueses. Portanto, a Fundação é dos portugueses e vemos isso sem nenhuma espécie de complexo. No acesso a tratamentos, de facto, neste momento têm acesso as pessoas que estão em subsistemas ou têm seguros de saúde.
Não vemos isto como um problema. É evidentemente ao Ministério da Saúde que interessa saber em que condições é que quer que as pessoas tenham ou não acesso a instituições que não sejam diretamente geridas pelo Serviço Nacional de Saúde.
O único ponto que, como imaginarão por aquilo que eu disse, eu coloco é que isso a acontecer, ou quando acontecer, terá de ser através de consulta pública, por concurso público, com toda a clareza possível.
Portanto, não vejo nenhum problema com o qual vivamos particularmente preocupados.
Para reter investigadores é preciso oferecer um ambiente de investigação em que eles tenham acesso aos meios sofisticados em que a investigação hoje se põe.
Estou a falar em meios de imagem, dos inúmeros equipamentos, salas e meios especiais que os investigadores precisam para fazer a sua investigação. Mas a coisa mais importante é quem é que já lá está. Aquilo que tenho visto funcionar com mais eficácia, a partir do momento em que tivemos os primeiros - porque evidentemente quando é para começar é preciso convencer os primeiros de uma maneira diferente -, as pessoas vêm porque o Zachary Mainen, que é um dos diretores de investigação, cá está, ou o Rui Costa que é português e cá está.
O Zachary Mainen é americano mas também já é português. Eles depois também gostam de estar cá e vão-se nacionalizando, além de aprenderem português e de terem um relacionamento completamente inserido na sociedade portuguesa, alguns deles também se vão naturalizando como portugueses, o que eu acho particularmente interessante.
Ou a Megan Carey que é outra que está. As pessoas vêm atrás pensando que se aqueles estão lá e estão a fazer uma certa investigação, então é porque o meio é adequado para que eu também vá. Isto é assim.
Eles não vêm porque a Fundação está num sítio muito bonito e a arquitetura é muito fantástica - coisa que também tentamos usar como fator competitivo -, mas não vêm só por causa disso. Ou então essa parte ajuda porque percebem na arquitetura e na localização uma certa ambição, mas é a ambição e os meios que isso pode fornecer, não é porque é bonito.
Agora, vêm porque têm os meios e porque tentamos seduzir cada um daqueles que queremos com os meios que achamos adequados. Quando achamos que vale a pena investir muito numa pessoa, investimos muito numa pessoa. Não tenho nenhuma espécie de problemas e disponibilizamos os meios e investimos mesmo muito para os ter cá.
Como por exemplo fizemos, no ano passado, com um investigador israelita de excecionalíssima carreira, especialista em ressonância magnética e que queria trabalhar com certos meios, muito caros e muito difíceis, lá está a fazer uma investigação quase única com meios muito, muito, sofisticados.
Quanto ao prémio, sabem que é a única coisa que tem mesmo o nome do nosso fundador, porque o nome da Fundação são os pais do fundador. Ele atribuiu à Fundação o nome dos pais dele; dizemos Fundação Champalimaud para simplificar, mas na verdade a Fundação tem o nome dos pais dele.
Desde o princípio, queríamos criar uma coisa que tivesse o nome dele e acabámos por criar o chamado Prémio António Champalimaud de Visão e por que tem a relevância que tem? Porque fomos muito exigentes a criá-lo, dissemos que não íamos criar dez ou vinte premiozinhos, mas sim um que tenha características únicas, que não seja como nenhum dos outros que existem, que valorize muito uma coisa e a investigação feita numa área.
Essa área é a da Visão.
Todos os que estamos aqui e vemos mais ou menos bem, não temos uma ideia precisa do que é não ver ou ver muito mal. A capacidade de ver e de ver bem tem um valor incalculável. Foi, então, apostando na investigação nessa área e na luta contra a cegueira nos países do terceiro mundo pois o prémio tem esta dupla vertente. Depois, escolhemos um júri formado por gente indiscutível.
Já agora, o nosso António Guterres é um dos membros do júri, há outro português que se chama José Vaz e que é um grande oftalmologista português reconhecido em todo o lado, os outros são estrangeiros, mas formámos um júri com pessoas absolutamente indiscutíveis. O Prémio tem muito prestígio e é reconhecido em todo o Mundo. Toda a gente que trabalha em Visão, quer do ponto de vista científico, quer do ponto de vista humanitário, sabe e candidata-se.
Serei pouco modesta, mas vou dizer que a última vez em que estive numa conferência mundial em que foram celebrados os últimos vencedores do Prémio, do ano passado, vi uma sala encher-se de milhares de pessoas. Todas trabalham em Visão no Mundo inteiro e senti um orgulho enorme na maneira como aquelas pessoas se referiram ao Prémio Champalimaud, às pessoas que naquele caso concreto o tinham ganho e à vontade que toda a gente tem de ganhar o Prémio.
De facto, estabeleceu-se de uma maneira natural, de certa forma, talvez porque preenchemos uma área em que ninguém tinha pensado cientificamente em investir tanto e depois também porque de facto é muito importante.
Se vivemos num país, onde nem imaginamos o que é ter muitíssima gente que não vê por causa de cataratas, se nos deslocarmos para as áreas do Mundo onde isso não é assim e onde há milhares de pessoas que só porque não têm uma operação às cataratas, que é uma coisa simplicíssima, não veem, então compreendemos melhor qual é a importância individual, familiar e social da capacidade de ver.
Dep.Carlos Coelho
O próximo bloco de questões é do Grupo Verde com a Céu Brandão e do Grupo Encarnado com o Carlos Pinho.
Céu Brandão
Boa noite, Dr.ª Leonor Beleza.
Ia questionar sobre a investigação, mas como tem sido aqui muito bem abordada, ia falar nas doenças raras mas vou passar a outro tema.
A Dr.ª Leonor Beleza já foi agraciada com prémios que muito admiro e, sendo mulher, é ainda mais inédito em Portugal infelizmente.
Com isto, questiono: enquanto mulher, quais os maiores desafios que enfrentou ao longo da sua carreira e que estratégias usou para os ultrapassar? Tem algum conselho para as mulheres aqui presentes?
Obrigada.
Carlos Pinho
Boa noite, senhora Dr.ª Leonor Beleza. Nos últimos anos, a qualidade dos investigadores nacionais tem-se revelado, indiscutivelmente, de altíssimo nível e com ótimos resultados.
Considera, Vossa Excelência, que o investimento realizado pelo governo tem sido suficientemente proporcional aos resultados obtidos?
Obrigado.
Leonor Beleza
Acho que fui eu que me esqueci de falar de mulheres, mas ainda bem que veio a pergunta de qualquer maneira, porque não só sou mulher - enfim, como é mais ou menos visível -, mas passei muitos anos da minha vida a tratar profissionalmente de questões relacionadas com as mulheres.
Isso talvez acho que ninguém de quem está aqui se lembra de ter visto, porque já foi há muitos, muitos, anos, mas até terei sido uma das primeiras pessoas a ter tido um programa da RTP, que era a única televisão que havia na altura, sobre os direitos das mulheres, em que trabalhei profissionalmente. Enfim, é uma área de enorme importância para mim e de enorme relevância. Raramente consigo esquecer-me de falar disso, mas parece que hoje o fiz.
Os desafios por ser mulher... sabem que quando me formei não podia ser diplomata nem juíza. Sou formada em Direito há muitos anos e nessa altura as mulheres portuguesas não podiam ser diplomatas nem ser juízes. Não tenho licença certamente, senão dizia um rol de coisas que as mulheres não podiam fazer, ou que só podiam fazer de maneira limitada, ou não faziam pura e simplesmente. Há uma mudança enorme nesta área.
Vou lembrar-lhes uma coisa que às vezes as pessoas não pensam ou não olharão desta maneira. Neste momento temos uma Ministra das Finanças, certo? Uma Secretária de Estado do Tesouro, certo? E quem manda no Instituto de Crédito Público é outra senhora.
Nunca ouvi ninguém referir isto, mas vamos lá a ver que estamos bem longe de outros tempos. Não é só por causa disto. Estou a falar das Finanças, da área-núcleo de tomada de decisão e assuntos relevantíssimos para a nossa existência e hoje ninguém acha estranho.
Sabem que tivemos uma Primeira-Ministra há muitos, muitos, anos e se chamava Maria de Lurdes Pintasilgo e que foi uma pessoa notável, de quem eu pessoalmente gostava muito e com quem tinha alguma proximidade. Quando ela foi nomeada Primeira-Ministra, na altura em circunstâncias políticas bastante complicadas, inclusivamente para o nosso partido, houve muita gente a dizer: "O quê? Uma mulher Primeira-Ministra?” e isto aconteceu em 1979.
Hoje, a questão de ser mulher, seja em que funções for, já não é questionada em si. O que acho é que não há um suficiente empenho para que haja uma partilha efetiva e haja muitas mulheres em muitos sítios. Mas as pessoas já não acham estranho, que as mulheres ocupem seja que profissão for, ou que posição for.
Devo dizer-lhes que, embora por razões diferentes, as duas hoje tenham dificuldades, uma das coisas que me dá gozo ver é a Chanceler alemã e a Presidente do Brasil. É uma coisa que me dá gozo ver, tenho satisfação em ver. Sei que a Presidente do Brasil está numa posição complicada e que os portugueses terão uns sentimentos também complicados para com a Chanceler alemã, mas que Mundo este, comparado com aquele em que eu nasci, ou com aquele em que eu estudei em que não me deixavam ser diplomata nem juiz.
Estão a ver? Quer dizer, há uma mudança tão grande já. Em 1974, até à revolução, as mulheres não podiam ser juízes em Portugal. Há uma mulher iraniana, que se chama Shirin Ebadi, que era na altura juíza no Irão. Portanto, o Irão foi mais rápido do que nós a deixar as mulheres serem juízas. Em 1979, os Ayatollahs enviaram-na para outra função porque passaram a impedir que as mulheres fossem juízas.
Porque é que eu estou a falar desta história?
Esta senhora recebeu o Nobel da Paz e é muito conhecida, há-de cá vir em Dezembro num evento que vai ter lugar e eu tenho imensa vontade de a conhecer e de falar com ela.
O que quero dizer com isto? Que o Mundo não gira necessariamente todo para o mesmo lado e, portanto, que estas histórias podem ser muito bonitas, mas em Portugal morrem dezenas de mulheres mortas por coisas inacreditáveis ainda agora.
Agora os jornais ao menos falam muito nisso e as pessoas revoltam-se muito. A Teresa Morais tem tido uma ação absolutamente notável na promoção da defesa contra a violência doméstica. Absolutamente notável.
Há muito mais meios hoje do que o que havia, mas continua a acontecer. Não conseguimos passar uma semana sem ver uma coisa dessas nos jornais. Portanto, escusamos de puxar pelos galões e dizermos que somos formidáveis, porque se essas coisas acontecem é porque ainda há coisas para fazer que nunca mais acabam.
Quanto à qualidade da investigação e aos meios suficientes, os investigadores dir-vos-ão sempre que os meios são insuficientes, não têm nenhuma maneira de ouvir o contrário.
Agora, ao contrário de muita coisa que se tem dito, os meios não têm decrescido. Portanto, não há menos meios financeiros hoje postos à disposição dos investigadores em Portugal do que havia há algum tempo. As pessoas dir-vos-ão sempre que os meios não são suficientes. Quero dizer-vos com toda a clareza que se há coisa em que acredito que vale a pena investir a sério (e em que Portugal na verdade conheceu progressos enormes), é na investigação científica e tecnológica.
Os investigadores portugueses, ou que estão em laboratórios portugueses, hoje batem-se por financiamentos ao nível europeu, por exemplo, de igual para igual com gente de muitíssimos outros lados. Naqueles financiamentos que são muito competitivos e que na verdade só os recebem os melhores, os nossos investigadores, hoje, estão em condições de se bater com gente de qualquer outro país da UE e também dos outros que têm acesso a esses financiamentos.
Há muita gente a ganhá-los e, portanto, há muita gente com imensa qualidade em Portugal. Isso só acontece porque Portugal fez nas últimas décadas, na verdade, um investimento importante na área científica.
Continuo a achar e continuarei a achar sempre, como os investigadores todos, que é preciso mais, mais seletividade e investimento. Também é preciso que mais gente queira ser cientista e que não continuemos todos a pensar que ser futebolista é que é interessante e profissão de futuro, e que ser cientista é uma carreira em que vale a pena investir.
Nas empresas também, não é só nos locais de investigação.
[PALMAS]
Dep.Carlos Coelho
A Dr.ª Leonor Beleza conhece a regra da casa. Há uma regra de cortesia que dá a última palavra à nossa convidada, pelo que esta é a última oportunidade que eu tenho de usar este microfone esta noite.
Isto leva-me a pedir aos coordenadores dos grupos que participem numa reunião que vamos fazer às 23h lá em baixo na sala de aulas. Portanto, vamos ter uma reunião com os coordenadores às 23h na sala de aulas.
Agradecendo à Dr.ª Leonor Beleza as respostas que já nos deu e aquelas que ainda nos vai dar, para o último bloco de perguntas, agradecendo o convívio simpático durante o jantar ao Grupo Cinzento, dou a palavra à sua coordenadora Mafalda Moutinho e também ao Américo Moreira do Grupo Bege.
Mafalda Gonçalves Moutinho
Antes de mais, em nome do Grupo Cinzento, gostaria de agradecer o prazer que foi partilhar este jantar consigo que, seguramente, nunca nos esqueceremos.
A pergunta que preparámos é a seguinte: concorda com a descentralização de competências de saúde para as autarquias?
Américo Ribeiro Moreira
Boa noite a todos. Boa noite, Dr.ª Leonor Beleza.
Como já foi referido, um dos maiores flagelos que temos no nosso país é a baixíssima taxa de natalidade. Venho de uma região onde esse problema é de facto bastante grave.
Apesar das recentes melhorias que a Comunicação Social tem vindo a dizer, os estudos indicam que este problema irá acentuar-se ao longo dos anos. Gostava de saber a sua opinião sobre como a sociedade se irá adaptar a uma nova realidade tão diferente da que conhecemos hoje.
Obrigado.
Leonor Beleza
Em relação à possível descentralização de equipamentos de saúde, queria basicamente chamar a atenção para uma realidade que às vezes é ignorada, mas que tem de ser sempre considerada em qualquer atribuição de responsabilidades na área da Saúde. As unidades de Saúde, para serem boas, têm de tratar pessoas, têm de ter pessoas que vão ter com elas antes de estarem doentes de preferência, para fazerem as vigilâncias que são precisas e evitar caírem em doença, e quando estão doentes se é esse o problema.
As unidades de Saúde só são boas se são frequentadas por muita gente. Isto é verdade em todas as áreas da Saúde, todos os serviços médicos e profissionais da área. Só é bom se vir um número de casos que, em cada uma das circunstâncias, é diferente.
Isto coloca, por si, um desafio que é diferente da questão eternamente discutida de se temos meios ou não que cheguem, ou se temos dinheiro ou profissionais que cheguem. É evidente que é uma questão de rentabilidade de meios.
Se conseguimos fazer o mesmo com 50 ou com 100, é melhor que faça com 50, mas para além dessa questão é uma questão de qualidade.
Se numa certa maternidade nasce um número baixo de crianças, não adianta enchê-la de médicos, profissionais de Saúde e de máquinas, a maternidade - desculpem a expressão - não presta. Não presta porque o pessoal não está preparado para ver uma situação aparecer que seja mais rara, nomeadamente uma situação de risco que só se declara no momento do parto.
Reparem que se a senhora que vai dar à luz tem uma situação de risco pré-existente pode-se sempre dizer que pode ser referenciada para um hospital mais diferenciado e essa situação está salvaguardada.
Mas se é uma situação que se declara no momento do parto e a senhora está num sítio, ou está em casa - que é uma moda agora, que a mim me faz muito nervosa -, ou está num sítio onde não tem meios como deve ser, o que é que acontece se o parto de risco só é sabido como tal no momento em que ele acontece?
Estou a falar das maternidades porque isto foi uma história muito complicada que eu tive de gerir antes do meu sucessor, uns anos depois, Correia de Campos, também ter fechado umas maternidades, eu fechei - desculpem pôr a expressão assim na primeira pessoa - 1.500 sítios onde se tinha filhos na altura.
Os critérios foram definidos pela primeira vez no meu tempo, em que foi dito que quem não tinha um certo número de partos fechava e acabou. Isto foi mal entendido e muito complicado, embora tenha sido conduzido com todo o cuidado, todas as informações e todas as coisas.
Mas no dia em que eu soube que uma mulher morreu a dar à luz num sítio daqueles que devia ter sido fechado e que ainda não estava fechado, confesso que me passei e disse "acabou-se!”. Isto não podia ter acontecido, se tivesse dado à luz noutro sítio ela não tinha morrido. Não é aceitável. Faço-me entender? Isto é uma questão básica de segurança.
Não estou a dizer quanto é que custam os médicos para estar ali e acolá, estou a dizer que para segurança das pessoas devem existir apenas os hospitais e centros de saúde onde o nível de presença de doentes e pessoas que precisam de ser assistidas justifique essa presença.
Isto tem de estar por detrás de qualquer política sobre quem é que é responsável do que quer que seja.
Também não tenho aqui grandes preconceitos e acho que certo nível de cuidados não precisam necessariamente de depender do Ministério da Saúde.
Agora, o que tem é que deve haver regras muito claras sobre quem faz o quê. Esse problema está outra vez em cima da mesa em várias coisas. Há uma diretiva europeia a que chamam de diretiva transfronteiriça, que permite aos cidadãos da UE serem tratados noutros sítios, que exige que os Estados-Membros tenham umas instituições a que chamam de centros de referência para o tratamento de uma série de coisas.
A definição de quem são os centros de referência para o tratamento de essas coisas todas, tem a ver com a frequência e com a diferenciação dos profissionais, os equipamentos que têm, entre outras coisas. Portanto, só são aceites a este nível os locais onde essa prestação de cuidados pode ter lugar.
Portanto, nós o que temos muitas vezes de resolver é como é que se leva as pessoas para esses sítios. Não é como é que certos cuidados vão ter com todas as pessoas, porque isso não é possível e, sobretudo, não vão ser bons.
Falou-se muito há algum tempo atrás num plano oncológico nacional, que significava tratar o cancro de acordo com estas regras que vos estou a dizer: de definição, de números de exigência e sofisticação de pessoal e do equipamento, e só tratar o cancro nos sítios onde esses meios existem. É um problema crucial para termos números decentes do tratamento de cancro e é um problema que não está completamente resolvido e que é muito difícil.
O que quero dizer com isto? Que é possível descentralizar, sim, mas é preciso saber exatamente o que está a ser descentralizado e a descentralização tem de ser feita com muito cuidado no sentido em que as as instituições de saúde sejam, em todas as circunstâncias, salvaguardadas na segurança e na qualidade que fazem.
Sobre a natalidade e o drama da natalidade, houve uma notícia boa há uns dias: nasceram muitas mais crianças na primeira parte deste ano do que na primeira parte do ano passado. Andamos todos em torno de explicações para tentar perceber porque é que foi.
Acho que aqueles pais sentiram que a coragem deles a ter os filhos encontrava algum apoio na sociedade em que vivemos. Não estou a tentar dizer que isto é mérito de ninguém, mas as pessoas precisam de sentir alguma segurança para acharem que podem ter filhos.
Em parte, também pode ter a ver com o facto de que as mulheres dão à luz cada vez mais tarde. A decisão de dar à luz é hoje muitas vezes executada mais tarde e, portanto, haverá muitas mulheres que não tiveram filhos aos vinte anos e que desatam a tê-los quando têm trinta e tal, quando acham que já não têm muito tempo, embora agora já haja outros meios para porventura adiar ainda mais.
Mas a verdade é que a alteração da natalidade produziu diferenças demográficas brutais no país que nós somos e que isso tem a ver com a maneira como tratamos as pessoas nas várias gerações. Como não temos gente nova em número suficiente, provavelmente, para um envelhecimento que estamos a passar.
Portanto, este é de facto um dos problemas mais sérios e mais graves. Do meu ponto de vista, volto ao programa da coligação que eu li todo e aconselho-vos a lerem também, a primeira coisa que lá está tem a ver com a natalidade, justamente, como mexer naquilo que é necessário para dar aos portugueses vontade de ter mais filhos aqui no nosso país.
A última palavra para vocês todos que são jovens, disse-vos que não limitem a ambição, agora digo-vos que tenham a cabeça aberta para coisas diferentes, perspetivas diferentes e maneiras diferentes de olhar para as coisas. Quando tomam uma decisão, imaginem as alternativas todas e não vão pela alternativa mais fácil, vão pela alternativa que acham que é pessoalmente mais enriquecedora e, já agora, se possível, a alternativa para a sociedade que somos é mais importante, mais positiva e tem melhores efeitos.