Não vou ler o livro todo, estejam descansados. Trago-o aqui para cima, mas não é com essa intenção.
Cumprimento o eurodeputado Carlos Coelho, responsável por esta Universidade de Verão ao longo deste 13 anos, também o Simão Ribeiro, Presidente da JSD, e o Nuno Matias e todos aqui presentes.
O Carlos Coelho acaba de relevar a razão pela qual não convidou o Prof. Rebelo de Sousa para participar neste Universidade de Verão, porque tal como eu o Prof. era o detentor do maior número de participações nesta Universidade de Verão. Portanto, o Carlos foi meu amigo e decidiu neste ano colocar-me numa posição favorável e tornar-me no veterano nas participações nesta Universidade de Verão.
Agora, obviamente mais a sério, quero agradecer o convite, pois é sempre uma grande oportunidade estar perante quadros que entendem que a formação política é um pré-requisito para a qualidade da participação e da afirmação da cidadania e da democracia.
Não me canso de elogiar o eurodeputado Carlos Coelho pelo papel extraordinário que tem desempenhado ao longo desde anos todos, não só como deputado que tive a oportunidade de testemunhar que é um dos deputados com maior influência no Parlamento Europeu na área dos Direitos, Liberdades e Garantias, mas também por ser reconhecidamente, em todo o espaço político português o político que mais se empenhou e continua a empenhar-se mais na formação política.
Esta é uma área determinante. Aqueles que gostam de política, como penso que seja o caso dos que aqui se encontram, têm noção de que é cada vez mais determinante envolvermos os cidadãos na participação, mas ela depende cada vez mais da racionalidade e da capacidade para fazermos da política um espaço aprofundado e não superficial.
Ninguém debate aqui o que desconhece. Não é possível assumir uma determinada posição político-partidária se não fizermos do aprofundamento do conhecimento um pré-requisito para essa participação.
Por isso, esta universidade tem tido capacidade de durante vários anos gerar políticos que mais tarde têm dado cartas e participado de uma forma muito ativa. Sei que nós estamos no dealbar de uma campanha eleitoral e por isso seria muito fácil transformar esta minha intervenção numa inserida nesse contexto pré-eleitoral. Não fugirei obviamente a algumas diferenças e a tentar sublinhar até essas diferenças, mas quem espera que a minha intervenção seja comicieira, instrumentalizando a plateia de jovens aqui presentes para procurar, através de cada um, chegar a casa de todos os portugueses com algumas críticas e posições pré-eleitorais, penso que ficarão seguramente desiludidos porque não foi para isso que eu vim cá.
Terei a oportunidade de afirmar algumas políticas e vincar algumas críticas, mas o objetivo da minha intervenção é basicamente explicar o que acho que está em causa quando o país neste momento, mas também nos últimos anos tentou formular uma resposta - e assim há-de continuar para os próximos anos - para a grande questão do crescimento.
Não existe apenas uma solução para o crescimento. Também convém termos bem a noção do que está em causa. Existem vários caminhos para o crescimento, mas nem todos esses caminhos são sustentáveis.
Logo, o que está em causa, mais do que saber se queremos crescer, se queremos gerar emprego, se queremos afirmar todas as condições de prosperidade e desenvolvimento, o que está verdadeiramente em causa é saber se essas soluções para o crescimento são sustentáveis ou não. Portanto, mais do saber se queremos ou não crescer - isso está respondido - queremos é saber se as nossas propostas estão imbuídas de sustentabilidade e de responsabilidade.
Por isso, este é um debate fundamental em que devemos afastar alguns caminhos; isto é, tudo o que confunda crescimento com endividamento, com anacronismo, com uma solução do tipo "bala de prata” ou do acaso, com uma melhoria do contexto internacional, são soluções que não são sustentáveis.
São soluções que buscam o crescimento mas não o crescimento sustentável.
O crescimento sustentável é uma matéria que eu e o Carlos Coelho, assim como muitos outros, procuramos trabalhar há muito tempo no âmbito da Plataforma para o Crescimento Sustentável, que publicou, muito antes de se falar disso em Portugal, um relatório designado "Uma visão pós-Troika”.
Essa visão pós-Troika não foi apresentada em 2015, 2014, ou 2013, mas sim em 2011. No preciso momento em que o país iniciava o memorando de entendimento, cerca de 500 pessoas de vários espaços políticos entenderam constituir uma organização, a Plataforma para o Crescimento Sustentável, que fundei e liderei.
Hoje, é liderada brilhantemente pelo Carlos Pimenta. O Carlos Coelho continua a participar na direção dessa plataforma.
Essa plataforma identificou cerca de 500 propostas para libertar o potencial de crescimento de Portugal. Porque era importante olhar, além do curto-prazo, da Troika, do memorando de entendimento e das questões de responsabilidade orçamental.
Isto para dizer que não acordei agora para o tema do crescimento sustentável. Numa altura em que muitos falavam de crescimento mas não apresentaram propostas, muitos de nós tivemos o cuidado, perdendo muito tempo, de aprofundar respostas pós-Troika e isso foi fundamental.
Isso foi fundamental porque criou condições para que esse debate, hoje, já possa beneficiar do facto de algumas dessas propostas e medidas já terem sido debatidas e algumas terem sido concretizadas.
No fundo, voltando ao tema, o que está em causa mais do que saber se queremos crescer é saber qual é a medida de sustentabilidade e de responsabilidade do nosso crescimento.
Nesse contexto, existem três pilares fundamentais dos quais depois só vou falar de um: responsabilidade orçamental, que é diferente de consolidação orçamental; reformas estruturais, que significa que estas não acabaram com esta legislatura; e em terceiro lugar o investimento. Quando se trata de investimento não se confunda com investimento público ou atirar dinheiro para cima de todos os setores. Estamos a falar de uma estratégia de investimento seletivo, isto é, identificando áreas estratégicas mas não fazendo de algumas empresas campeões nacionais.
Em segundo lugar, o investimento produtivo, em que no fundo ele possa funcionar como uma enzima numa reação química, ou como catalizador num processo de combustão, ou seja, aquilo que permite alavancar, acelerar, a atração de investimento privado.
Neste contexto de responsabilidade orçamental, investimento seletivo e produtivo, e de reformas estruturais, existem três áreas que são determinantes para o nosso futuro, a política industrial e a economia verde.
Hoje venho falar obviamente apenas de um destes pilares: o crescimento verde para que se possa perceber que não venho aqui falar de ambiente, ou ordenamento do território, nem apenas de energia. Também falarei disso mas com o pressuposto de que quando estamos a olhar para o crescimento verde estamos a fazer prova não só de um espírito de solidariedade intergeracional e de proteção dos direitos de cada geração, mas também e cada vez mais a olhar para uma área que é motor do crescimento e do emprego.
Portanto, aqueles que durante muitos anos olharam para o ambiente e arrumaram esta área de uma forma muito conveniente na caixinha dos custos de contexto, hoje têm de confirmar e concluir que já não estamos a falar de uma área que se possa arrumar nessa caixinha, mas de uma área que é hoje à escala nacional e internacional determinante para o crescimento e para o emprego.
Aqui chegados ao tema do crescimento verde e à importância do mesmo, há uma primeira resposta que importa dar: porque é que esta área é fundamental? Porque é que de repente o governo português assumiu, mesmo no contexto do memorando de entendimento, que o crescimento verde era uma aposta estratégica e que não era um tema do ministro do ambiente ou daqueles que têm a responsabilidade por estas áreas do ambiente, do ordenamento do território e da energia?
Por um lado, porque estamos perante um desafio sem comparação em termos temporais e em termos geográficos também no que diz respeito a Portugal relativamente ao nosso modelo de desenvolvimento.
Estou a falar das alterações climáticas, da degradação dos recursos hídricos e da perda de biodiversidade.
Temos vindo a conhecer, nos últimos anos, pressões significativas sobre estes recursos. Se olharmos para as tendências demográficas de aumento da população esperado até 2030 de sete mil milhões para dez mil milhões de habitantes, isso permite-nos concluir que a pressão sobre a energia aumentará em 45%. Portanto, apesar de todos os riscos que vivemos, ainda teremos de enfrentar um aumento do consumo da energia, por razões de aumento demográfico, nos próximos 15 anos, de 45%.
Porque é evidente que há cada vez mais - e ainda bem - populações a entrar em condições de desenvolvimento e de acesso à classe média e isso vai criar uma pressão maior sobre a energia.
No que diz respeito aos alimentos teremos um aumento de 50% de consumo de recursos associados à alimentação nos próximos 15 anos.
Relativamente aos recursos hídricos teremos um aumento de 30% da pressão sobre a água.
Reparem, portanto, naquilo que temos pela frente. Se hoje já temos noção que estamos numa situação de insustentabilidade relativamente a algumas das dimensões do ambiente à escala mundial, no próximos 15 anos - é hoje, é amanhã; não estamos sequer a falar de uma matéria de longo-prazo - teremos um problema sério para resolver.
Isso obriga que a resposta seja global mas também nacional e local. Está cá o senhor Presidente da Câmara de Castelo de Vide e sabe bem que as respostas a estes problemas não são apenas de natureza global e que as Nações Unidas tratam disso. Não, é necessário uma resposta local e nacional para desafios que são globais.
Esta é a primeira razão pela qual temos de olhar para o crescimento verde como sendo uma área determinante estratégica como nunca foi no passado.
A segunda razão é de que temos de continuar a realizar reformas estruturais para, em simultâneo, tirar partido do nosso potencial: Portugal é um país rico nesta área, temos talento, recursos, infraestruturas e, portanto, temos tudo para vencer competindo e apostando nesta área em termos internacionais. Mas ao mesmo tempo continuamos a padecer de alguns problemas estruturais que estão connosco há muito tempo.
Por isso, seria muito fácil eu chegar aqui e de uma forma muito convicta dizer que está tudo feito, mas não está e não vale a pena cairmos nesse equívoco. Há muito trabalho para fazer, muitas reformas estruturais para promover nesta área verde para continuarmos a tirar partido do nosso potencial, mas ao mesmo tempo irmos removendo obstáculos que estão connosco há muito tempo.
Terei oportunidade de falar sobre isso mais adiante.
A terceira razão é verdadeiramente nova. Gosto, por deformação profissional, académica, teórica e afins, de falar nestes temas tendo por base dados, números, estatísticas, porque isso ajuda sempre a que o debate seja mais racional e menos empírico, intuitivo e superficial.
Poderia chegar aqui e dizer que a área verde é fantástica porque nela a economia vai crescer; é verdade, mas convém apresentar números que confirmem esta intuição, tendência, avaliação que muitos nós que estamos nesta área há muito tempo já antecipávamos.
Hoje, isto é verdade: a área verde representa à escala mundial 4 biliões de dólares por ano e cresce a 4% ao ano. Estamos, portanto, a falar de uma área com enorme potencial económico.
O PIB verde na UE representa 2,5% e crescerá 30% nos próximos dez anos. A procura de investimento verde atingirá, nos próximos anos, níveis recorde.
É fácil perceber, quando hoje temos um objetivo de trazer cada vez mais cidadãos à escala global para uma situação de desenvolvimento, de justiça social, de igualdade de oportunidades, temos noção que existem quatro áreas em que uma grande parte ou todo o investimento terá de ser alocado: água, saneamento, resíduos e energia.
Ora, o que está identificado como necessário nesta área atinge 50 biliões de dólares nos próximos 15 anos. Só para a área das energias renováveis são necessários seis biliões, para a eficiência energética oito biliões e para as redes de energia sete biliões.
Se o Mundo vai precisar de crescer nestas áreas e se uma boa parte do financiamento disponível nos bancos internacionais, banco de desenvolvimento e Banco Mundial, está associado a estas áreas e se já está identificado o volume necessário, reparem o potencial que os talentos, as empresas, as instituições portuguesas dispõem.
Portugal tem nesta área competências, talentos, infraestruturas. Se o Mundo vai crescer na área verde, se vai ter necessidade de mais competências, de mais capacidades, mais empresas, de mais investigação, mais bens, na área verde, temos tudo para vencer nesta área, porque fizemos esse trabalho.
Essa é a razão pela qual o governo entendeu que o crescimento verde merece uma aposta estratégica e duradoura, por razões de natureza ambiental, estruturais, mas também económicas.
Vamos então à parte que interessa agora que está identificado o quadro que justifica a aposta no investimento verde. Peço desculpa, demorei 15 minutos a apresentar esta justificação mas eu não venho cá trazer soundbites ; este é um tema sério, estou a falar de uma geração que terá nesta área, não uma grande oportunidade, mas sim uma grande responsabilidade.
Olho para os jovens que estão nesta Universidade de Verão e para os jovens que estão nas academias portuguesas, nas empresas, nas organizações da sociedade civil, como aqueles que terão a responsabilidade ou a oportunidade de liderar nesta área de uma forma a que assegure às próximas gerações o direito de que as atuais gerações dispõem.
Aquilo que está em causa é, verdadeiramente, a ética do futuro. É a capacidade de no presente - não amanhã - reabilitarmos o direito das próximas gerações ao futuro.
Por isso, não contem comigo para conversas fáceis, superficiais, pois este é um tema demasiado sério para ser tratado com superficialidade.
Como também não contem comigo para apresentar promessas quando o que devemos é apresentar resultados.
Estas áreas são áreas em que se não pode afirmar uma liderança se não tivermos capacidade para dizer que governar é reformar, sendo que reformar envolve sempre alguma controvérsia.
Portanto, agora que está firmada a importância do crescimento verde convém esmiuçar a capacidade prática de remoção dos obstáculos que estavam connosco há muito tempo e depois concluirei com o compromisso para o crescimento verde.
Até porque, como disse há pouco, governar é reformar, reformar não é legislar, mas sim implica que aqueles que estão no governo possam interpretar este sentido de mudança e assegurar que esta mudança ocorre. Isso pressupõe explicação, alguma controvérsia, um grande diálogo, e principalmente que sejamos capazes de apresentar as nossas propostas e apresentar resultados.
Vamos, então, área por área, sem vos querer maçar pois sei que tenho mais uma hora, mas não tomarei muito tempo para depois podermos ter mais tempo para o debate.
Tentarei em cada área determinante para o crescimento verde e sustentável dizer onde estávamos, onde estamos e onde queremos chegar. Penso, aliás, que essa é a melhor forma de fazermos discussão política nos próximos tempos. É importante que o grau de confiança que procuramos gerar junto dos nossos interlocutores não se baseie apenas na utilização da palavra confiança mas principalmente na capacidade que temos para responder de uma forma adequada e responsável à pergunta que os cidadãos farão sobre onde estávamos, onde estamos e onde queremos chegar.
Vamos à área do ordenamento do território, da reabilitação urbana e das cidades em geral. Os diagnósticos estavam feitos há muito tempo e perante eles há sempre uma discussão preguiçosa que é tirar dinheiro para cima dos problemas. O dinheiro é importante, é condição necessária mas não é condição suficiente.
Qual era o diagnóstico? Na área do ordenamento do território, o senhor Presidente da Câmara conhece bem esta matéria, tínhamos um sistema que sobre o mesmo território sobrepunham vários planos: sobre o mesmo terreno podíamos ter um Plano Diretor Municipal, um plano de pormenor, um plano de urbanização, um plano de ordenamento da área protegida, se fosse no Litoral um plano de ordenamento da orla costeira, um plano sectorial da Rede Natura, portanto uma série de planos e programas.
Temos muitos planos incidindo sobre o mesmo território; desde que eles se comunicassem e se alterassem de uma forma síncrona não havia nenhum problema, mas sabemos que não foi o caso.
Se olharmos para as últimas décadas sabemos que um plano diretor municipal demora dez anos a ser revisto. Enquanto é revisto, alteram-se outros planos especiais superiores que não são integrados no PDM porque têm de esperar pela alteração do mesmo para serem integrados nele.
Entre municípios vizinhos, com o mesmo ecossistema, a mesma realidade socioeconómica tínhamos Planos Diretores Municipais que não comunicavam entre si e que tinham opções de planeamento diversas.
No fundo, tínhamos muitos planos mas não tínhamos um bom planeamento.
Se olharmos paralelamente para a expansão urbana sabemos que o modelo de desenvolvimento assente no crédito fácil e as expectativas irrealistas de desenvolvimento económico a partir da especulação imobiliária geraram durante décadas em Portugal uma pressão urbanística que levou ao alargamento dos perímetros urbanos e ao esvaziar da dimensão urbana.
No fundo, a expectativa de urbanizar retirou capacidade para reabilitar.
Deixem-me continuar a descrever o diagnóstico para depois dizer o que é que nós fizemos para superar estes obstáculos estruturais.
Na área da habitação temos cerca de 80% de habitação própria e só 20% de habitação no mercado de arrendamento, o que é uma diferença relativamente à média europeia. O normal é o oposto: é termos uma dimensão muito mais forte no mercado arrendamento e menor na habitação própria. Por quê? Porque é necessário promover condições de mobilidade geográfica e isso não é compatível com uma lógica de termos apenas habitação própria.
Prosseguindo: quando o governo iniciou funções, tínhamos na reabilitação urbana apenas 7% do volume de negócios da construção civil alocado à reabilitação urbana, hoje já são 10%, mas a média europeia é de cerca de 30%. Portanto, cerca de 30% do volume de negócios da construção civil na UE é alocado à reabilitação urbana e em Portugal é apenas 10%. Perante este diagnóstico era necessário uma resposta estrutural. Essa resposta estrutural envolveu, em primeiro lugar, a reforma do ordenamento do território.
O tema é técnico mas é central e fundamental para o nosso modelo de desenvolvimento. Vou tentar falar de uma forma mais simples possível para que se perceba a importância que isso tem para a vida prática das pessoas.
A partir de agora, o PDM concentra todas as regras que estavam dispersas em vários programas e planos.
As empresas, as associações, os empreendedores e os cidadãos não têm de andar à procura das regras nos vários planos. Há um prazo para que os municípios integrem esses planos especiais no PDM. O único plano que a partir de agora vincula os particulares é o PDM.
Esta é uma alteração enorme, porque permite aumentar o grau do escrutínio das regras do ordenamento do território para que esta conversa não seja uma conversa entre especialistas.
Não é aceitável que o tema do ordenamento do território seja debatido como se tratasse de uma disciplina técnica e teórica de uma determinada área do conhecimento, se há matéria que diz muito aos cidadãos, às empresas e autarquias são as regras de ocupação de solo.
Primeira regra importante que foi a segunda alteração fundamental: no debate que existe nas câmaras municipais sobre os nossos projetos quando cada um de nós apresenta-lhes um, o cidadão passa a participar nesse debate; não é uma conversa entre a câmara municipal e os organismos do Estado, das áreas do ambiente e patrimonial, mas o cidadão passa a participar na conferência decisória e, no fundo, a qualificar o processo de decisão.
Terceiro lugar: foi erradicado o solo urbanizável. Tínhamos em Portugal três categorias de solo: solo rústico, solo urbano e solo urbanizável que era o solo expectante e não estando programado era potencialmente urbanizável, mas que na prática com essa expectativa retirou a referida capacidade para a reabilitação urbana. Esse solo foi erradicado.
Finalmente, ao nível do ordenamento do território, alterámos as regras para a classificação de solo rústico em urbano. Quando alguém, imaginem um empreendedor por exemplo em Castelo de Vide que quer levar o centro da cidade para daí a 20 ou 30kms e apresenta um determinado projeto à câmara municipal para a reclassificação do solo rústico em urbano, a partir de agora, essa reclassificação só pode ser feita se passar não só no crivo ambiental mas também ao nível da viabilidade económico-financeira.
Porque não é justo que sejam todos os contribuintes a pagar infraestruturação e gestão das infraestruturas se alguém decidiu levar o centro do concelho para muito longe só porque quer realizar um determinado projeto.
Estas regras estão em curso, estão em aplicação. É uma reforma que há muito tempo era reclamada, há mais de 20 anos que estava identificada como necessária e foi feita.
Em segundo lugar, o arrendamento e vou depois concluir com o tema da reabilitação urbana.
Ao nível do arrendamento tínhamos, como bem sabem, uma situação de congelamento de rendas, em especial em Lisboa e no Porto, mas que envolvia também outros concelhos. Perante esta situação era importante uma resposta simultaneamente amiga da reabilitação e amiga dos arrendatários, em especial dos mais vulneráveis, dos cidadãos que tinham esses contratos de arrendamento mais antigos.
Porque não é possível dizermos que queremos reabilitação urbana não tendo noção que os 700 mil fogos devolutos e os cerca de um milhão e meio de fogos com necessidade de reabilitação podem ser alterados se não tivermos condições para beneficiar de um mercado de arrendamento mais dinâmico.
Imaginem-se numa situação de um senhorio que tem uma renda congelada durante décadas, qual é o incentivo que tem para investir na reabilitação urbana daquele espaço?
Mas também ponham-se no papel de um arrendatário que tem um contrato muito antigo, uma situação económica mais vulnerável e que não está em condições de enfrentar um aumento das rendas.
O governo encontrou uma resposta - repito - amiga da reabilitação urbana mas também dos arrendatários mais vulneráveis. Isso passou por uma legislação sobre o arrendamento urbano que identificou condições para a liberalização deste mercado mas ao mesmo tempo garantiu um período de cinco anos de transição para os arrendatários mais vulneráveis e, recentemente, o governo aprovou o subsídio de renda que garante aos arrendatários mais vulneráveis que beneficiarão de um subsídio que resulta da diferença entre a nova renda e aquela que estará a ser praticada com base na taxa de esforço.
Esse subsídio pode ser usado para esse imóvel como para outro. Isto é, no final do período de transição, em 2017, um determinado arrendatário com mais de 65 anos, ou com uma situação social vulnerável, recebe um subsídio. Com esse subsídio pode pagar a renda com o valor naquele imóvel, ou pode usar o subsídio para ir para outro imóvel.
Qual é a vantagem? Além da vantagem da garantia da salvaguarda social, está criada uma dinâmica ao nível do mercado de arrendamento para que os senhorios também não tenham a noção de que serão beneficiários de contratos garantidos durante muitos anos quando têm obrigatoriamente de fazer investimentos nesta área.
Finalmente, a reabilitação urbana. Talvez não conheçam bem o tema porque muitos não tiveram ainda a responsabilidade de tomar decisões nesta área, mas provavelmente na família isso já aconteceu.
Quando alguns partidos e responsáveis políticos - sugerem que o problema da reabilitação urbana é sobretudo um problema de financiamento isso é um debate preguiçoso. Só falar de dinheiro no que diz respeito à reabilitação urbana é um debate preguiçoso.
É fácil de perceber o porquê, porque não foi por falta de financiamento nem pelo facto de o crédito estar barato que Portugal, durante muitos anos, não teve níveis de reabilitação urbana comparáveis com os níveis europeus. Portanto, o problema não estava apenas no acesso ao financiamento, mas sim resultava dos problemas estruturais, do facto de termos um mercado com arrendamento congelado, de termos regras de ordenamento do território que basicamente incentivava a nova construção, de termos regras para reabilitação urbana que eram tão complexas que eram tecnicamente inviáveis.
Por isso, o governo aprovou uma legislação designada por "Regime Excecional para a Reabilitação Urbana”, que se percebe facilmente qual é a vantagem.
Imaginem que têm uma casa que não tem condições para cumprir as regras da nova construção na reabilitação porque tem uma área demasiado pequena por comparação com as áreas mínimas; porque não tem elevador; porque não tem condições para ter comportamento acústico sem ter de demolir a casa; porque não tem condições para instalar pontos de telecomunicações em todas as divisões da casa; porque não podem ter pré-instalação de gás; o que é que vos acontecia antes desta legislação?
Antes desta legislação basicamente tinham de ou demolir para construir, ou assumir um custo muito superior à nova construção. Quem é que no seu juízo perfeito aposta na reabilitação urbana quando tem condições para com a nova construção ter uma solução mais fácil e mais barata?
Também removemos este obstáculo quando com este Regime Excecional eliminamos uma série de regras que foram derrogadas durante sete anos que inviabilizavam a reabilitação urbana.
Depois disto tudo era importante tratar do financiamento. Porque agora que as questões estruturais estão resolvidas era importante criar condições para que o investimento pudesse ser produtivo.
Essa foi a razão pela qual no final deste processo o governo não só deu uma nova dinâmica ao reabilitar para arrendar para que quem quisesse reabilitar casas para colocar no mercado do arrendamento tenha um juro bonificado, 2,9%, mas principalmente avançámos com um instrumento financeiro que foi aprovado no dia 23 de Julho de 2015 apesar de alguns responsáveis políticos estarem aparentemente distraídos.
No dia 23 de Julho de 2015, foi aprovado em Conselho de Ministros um pacote com dois instrumentos financeiros para reabilitação urbana e para eficiência energética. Temos nos fundos comunitários cerca de mil milhões de euros para reabilitação urbana e eficiência energética, foi assim que o governo negociou esta área junto de Bruxelas.
Destes mil milhões de euros temos 600 milhões de euros que são reembolsáveis. No fundo, é financiamento que depois é devolvido e desta forma temos um maior número de cidadãos a poder beneficiar deste financiamento.
O governo utilizou esses 600 milhões de euros de fundos comunitários da reabilitação urbana e da eficiência energética para, com o Banco Europeu de Investimento, criar condições para um investimento financeiro que com o envolvimento da banca de retalho, portanto da banca privada, poderá atingir três mil milhões de euros.
Mas é importante reafirmar que só estamos a falar deste grande volume de financiamento, que é de facto uma grande oportunidade, porque fizemos o trabalho de casa removendo os obstáculos estruturais.
Este é um bom tema de debate agora para o período eleitoral, porque é importante. Penso que todos os partidos reconhecem a importância da reabilitação urbana. Esta permite trazer mais jovens para os centros da cidade, melhorar as condições de eficiência energética do edificado e diminuir os movimentos pendulares dos transportes, dinamizar o setor dos transportes e, portanto, criar mais emprego. Estamos de acordo: este é um fator fundamental, esta é uma área estratégica, portanto, esta é a primeira razão pela qual este me parece ser um bom tema de debate em período eleitoral.
Há uma segunda razão: porque existem diferenças. Se esta área é uma área importante, mas ao mesmo tempo são muito diferentes as opções e a proposta política dos partidos esta, é uma área que merece ser debatida, apresentada e esclarecida de uma forma profunda e não superficial.
O PS tem uma opção diversa. A opção do governo, como vos disse, foi a de remover os obstáculos à reabilitação urbana com a reforma do arrendamento, com a reforma do ordenamento do território, com o Regime Excecional para a Reabilitação Urbana e com três mil milhões de euros essencialmente do setor privado.
A resposta do PS é oposta: defende a revogação da lei das rendas, ou seja, no fundo quer voltar ao congelamento das rendas; votou contra a reforma do ordenamento do território e desvalorizou o Regime Excecional para a Reabilitação Urbana.
Em relação ao financiamento, ontem, o Dr. António Costa anunciou mil milhões de euros para a área da reabilitação urbana. Não quero acreditar que não esteja suficientemente informado ao ponto de não saber que o governo apresentou e aprovou a 23 de Julho de 2015 um pacote de três mil milhões de euros para reabilitação urbana e eficiência energética.
Portanto, julgo que quando apresentam mil milhões de euros para reabilitação urbana comparando com 50 milhões de euros de um programa do governo está a tentar tocar no tema mas a não querer debater suficientemente esperando que os portugueses e os partidos da coligação se limitem a fazer uma conversa superficial e de meros soundbites.
Julgo que não podemos permitir este sofisma e este equívoco. Vamos lá debater este tema a sério.
Os mil milhões de euros que o Dr. António Costa quer colocar na reabilitação urbana não são utilizados a partir de fundos comunitários e de investimento privado como quer a coligação e como já fez o governo, mas sim dos fundos da Segurança Social.
Estamos, portanto, perante uma diferença grande que merece ser debatida. Dois modelos completamente diversos. Na reabilitação urbana o nosso projeto é claro: reforma do arrendamento urbano para que com a erradicação do solo urbanizável seja mais fácil termos capacidade para reabilitar; com o Regime Excecional para a Reabilitação Urbana baixar os custos em 40% da reabilitação urbana; com a reforma da lei das rendas criar condições para mais investimento nestes imóveis e ao mesmo tempo salvaguardando os arrendatários mais vulneráveis; três mil milhões de euros, dos quais 600 milhões de fundos comunitários, outros tantos pelo Banco Europeu de Investimento e o restante através da banca privada.
Esta é a nossa proposta. Já a proposta do PS é revogar onde dizíamos reformar e é financiamento da Segurança Social onde nós tínhamos promovido e queremos promover o financiamento privado.
Acho que vale a pena que os portugueses possam ter noção da diferença nesta área e que o debate não se fique pela comparação que ontem o Dr. António Costa procurou fazer e que foi obviamente uma comparação que não pode ter resultado de impreparação ou desconhecimento, porque seria grave demais, resulta pelo contrário da vontade de tentar fazer um debate que mistifica alguma realidade e que esconde as verdadeiras diferenças entre as duas propostas políticas.
Deixem-me passar para uma segunda área que é a do licenciamento. Dirijo-me aqui várias vezes ao senhor Presidente da Câmara porque acaba por representar, estando aqui connosco, o poder local.
As empresas quando batem à porta do Estado para querer concretizar um projeto sabem que em muitos casos têm uma dúzia de regimes de licenciamento ambiental. Tinham de apresentar a mesma proposta, praticamente com a mesma memória descritiva, em vários guichets , para corresponder a uma dúzia de regimes ambientais.
Significa, portanto, que estávamos a criar um problema à atividade económica sem ter, por outro lado, um acréscimo de vantagem ambiental por comparação a uma solução mais eficiente. Ora, o governo aprovou o licenciamento único ambiental que significa que passa a haver um guichet , ou seja, um interlocutor, uma plataforma, um documento, um processo, um título e uma taxa, e no final deste processo não se poupou nenhuma proteção ambiental mas poupou-se muito tempo.
Porque em vez de termos uma dúzia de avaliações feitas de uma forma sequencial, passamos a ter uma dúzia de avaliações realizada de uma forma paralela. Portanto, não há nenhum risco ambiental que resulte desta desburocratização mas há uma mais-valia económica e de competitividade que resulta desta alteração.
A terceira área que gostava de referir, em especial porque estou no Interior, é o tema das águas. Mais uma vez estamos a falar de uma área onde o diagnóstico era conhecido há muito tempo, mas faltou coragem para o enfrentar com uma solução estrutural. Confesso que já estou muito cansado de discursos que batem no peito a defender o combate à desertificação e ao despovoamento mas na hora da verdade encontram sempre uma razão muito conveniente para dizer "desta vez não, não dá jeito”.
Há sempre uma razão muito oportuna para dizer "esta solução ainda não é perfeita”. Já vimos isto muitas vezes e eu tive a oportunidade de o verificar várias vezes nos últimos anos e meses.
Vamos ao diagnóstico, porque é importante termos noção do que falamos. Na área das águas atingimos níveis extraordinários de acessos e de qualidade. Temos 95% de rede pública de abastecimento de água, 80% de tratamento de águas residuais, investimos cerca de onze mil milhões de euros de vários fundos comunitários desta área da infraestruturação. De facto foram notáveis ao nível do acesso, da universalidade, mas ao mesmo tempo temos 40% de perdas na distribuição de água, em alguns municípios 80% de perdas de distribuição de água. Temos custos do sistema que são 35% superiores às receitas, dívidas dos municípios, um défice de tarifário superior a 500 milhões de euros e a necessidade de ainda fazermos 3.700 milhões de euros de investimento.
Portanto, era necessária uma resposta estrutural e não aquela resposta, ou aquele debate preguiçoso, de privatização ou não privatização. Essa é uma conversa fácil. Difícil é dizer que não queremos privatizar mas que temos uma solução para este setor ser sustentável.
Este governo conseguiu demonstrar que não ponderando, não admitindo, não equacionando, não fazendo a privatização do setor, conseguia ter uma solução sustentável para o mesmo. Foi esse o objetivo da reforma do setor das águas, que juntou 19 sistemas municipais e multimunicipais, do Interior e do Litoral, em apenas cinco sistemas de forma a termos uma harmonização tarifária na alta.
Isto é, quando abrimos a torneira em casa metade do valor que é cobrado resulta do serviço em alta que é aquela parte dos serviços de água, que vão desde a captação, transporte, até à entrada do concelho. Depois há uma outra parte que é a das redes municipais.
O governo fez a reforma da alta, da água que chega à porta dos municípios e conseguimos harmonizar as tarifas de uma forma gradual na parte da alta entre o Interior e o Litoral. Tínhamos disparidades de um para três, com mais custos no Interior do que no Litoral no setor das águas.
Tenho tido oportunidade de dizer a vários Presidentes da Câmara que não aceito um debate que olhe para o Interior como se estivéssemos a traduzir os custos em razões de ineficiência. Não aceito porque os gestores são os mesmos, as tecnologias são as mesmas, as abordagens são as mesmas, há apenas a diferença de haver menos gente.
Havendo menos clientes há mais dificuldade em amortizar essas infraestruturas. Portanto, não é justo, aceitável, a abordagem de certos municípios do Litoral que diziam "mas tenho uma empresa que é fantástica, rentável, porque é que agora me vão colocar numa empresa maior com municípios que têm défices nas suas empresas?”.
Ora, esta é a altura de convocar a solidariedade e a coesão territorial. Com este sistema de fusão em sistemas de alta no Interior e no Litoral conseguimos harmonizar as tarifas.
O sacrifício que é pedido aos sacrifício dos cidadãos do Litoral é muito pequeno por comparação com os benefícios já gerados no Interior.
Tenho ouvido alguns autarcas do Litoral dizerem que estamos perante aumentos enormes. Convém detalharmos o tema para termos noção do que estamos a falar.
Estamos a falar de aumentos de 20 cêntimos a 30 cêntimos por ano, a cinco anos, no Grande Porto e na Grande Lisboa em 10m3, o que gerará um aumento de 1,5 euros ao fim de cinco anos para benefícios que já são visíveis nos municípios do Interior em 13 euros num só ano.
Julgo que todos aqueles que defendem a coesão territorial, o combate ao despovoamento e à desertificação deveriam ter tido oportunidade de apresentar uma alternativa, o que infelizmente não foi o caso.
Referiria também o setor dos resíduos, onde conseguimos demonstrar - e este é um tema que tem a vantagem de se traduzir numa verdadeira vantagem do Estado - que o Estado não tem de fazer tudo. Um Estado que é simultaneamente concedente, fiscalizador e gestor, muitas vezes, perde a capacidade para reforçar as condições de fiscalização e de regulação. Por essa razão entendemos que devíamos fazer uma reforma no setor dos resíduos, que poupasse dinheiro aos cidadãos.
Muito municípios que têm criticado a reforma do setor dos resíduos e não posso deixar de registar que o PCP lidera e o PS vai atrás, fazem-no não por causa da privatização dos resíduos mas por uma razão muito mais prática e pragmática: porque esta reforma envolveu uma alteração do regulamento tarifário dos resíduos.
Antes desta reforma, o preço dos resíduos que era cobrado aos cidadãos somava todos os custos e elevava a tarifa. Nesses custos estavam piscinas, parques desportivos, carrinhas, tudo coisas muito positivas, úteis, fundamentais do ponto de vista social, mas não é política de resíduos. Com este novo regulamento tarifário vai a custo apenas aquilo que é verdadeiramente custo no setor dos resíduos. Quem ganha com isto? Ganham os cidadãos, uma vez que a tarifa será reduzida neste setor em 20% relativamente àquilo que estava previsto.
Para concluir, nos dez minutos que me sobram, gostava agora de falar do tema da energia. Já não vou conseguir falar da fiscalidade verde, nem de outras matérias como a conservação da natureza e o Litoral, por isso deixo-as para as vossas perguntas.
Energia não é eletricidade. Esse foi dos maiores equívocos a que assistimos durante muito tempo no debate público. Muita gente tentou que o debate da energia fosse apenas um debate sobre a eletricidade.
Nesta área conseguimos alterar o perfil energético em Portugal. Quando o governo iniciou funções, Portugal tinha uma dependência energética do exterior e um nível de energias renováveis na eletricidade completamente diferente do que temos hoje.
Tínhamos 40% de renováveis de eletricidade em 2011, temos hoje 62%. Temos agora 71% dependência energética do exterior, que é o valor mais baixo dos últimos 20 anos, pois chegámos a ter 90% de dependência energética do exterior em 2005.
Conseguimos, portanto, demonstrar que é possível cortar nas rendas excessivas e ao mesmo tempo ir mais longe na descarbonização e na promoção das energias renováveis ou da eficiência energética.
Portugal cortou nas rendas de eletricidade 3400 milhões de euros. Este é um tema importante, porque quando o governo iniciou funções recebeu uma mochila de dívida tarifária resultante de contratos da legislação assumida no passado, que nos colocava em 2020 com uma dívida de seis mil milhões de euros. Tal como na área orçamental, o tema da dívida tarifária teria de ser resolvido de uma forma estrutural.
Só existiam três formas de a resolver: ou não fazer nada e no fundo era dizer "continuamos a empurrar com a barriga e as próximas gerações que paguem a dívida tarifária” - solução inaceitável; ou aumentar as tarifas e o aumento das tarifas que os portugueses teriam de ter pago estariam na ordem dos 14% por ano para reduzir a dívida tarifária (como sabem, a dívida tarifária é a soma dos défices tarifários anuais); e uma terceira solução que era de avançarmos com cortes nas rendas de 3400 milhões de euros a par de aumentos das tarifas de 1,5% a 2% e não de 13% até 2020.
Conseguimos baixar a dívida e o défice tarifários; neste ano tivemos o nível mais baixo dos últimos cinco anos e no final deste ano passaremos de défice para superavit tarifário. O mérito, aqui, está obviamente em termos tido a coragem de enfrentar este tema do défice e da dívida de uma forma que não afetasse o setor das energias renováveis.
Devo dizer que foi a discussão mais importante que tive com a Troika. Foi a necessidade de demonstrar que era possível e incontornável cortar nas rendas excessivas no setor da energia, mas ao mesmo tempo não abrandar a nossa liderança na área das energias renováveis.
Porque quando se fala de energias renováveis em Portugal, ou de mobilidade eléctrica, ou de eficiência energética, estamos não só a falar de energia mas também a falar de emprego, de inovação, empreendedorismo e, portanto, de crescimento e de desenvolvimento.
Fomos capazes também de dar uma resposta para os cidadãos mais vulneráveis. Houve um corte adicional feito às empresas do setor da energia, para financiar a tarifa social que pode atingir 34% de desconto para 500 mil consumidores, o que compara com a ambição do passado que era apenas de 20% da redução para 60 mil consumidores.
Mas, como disse há pouco, energia não é eletricidade. Esta foi também uma das áreas onde de facto conseguimos avançar com reformas que nem sequer estavam previstas no memorando de entendimento.
Quando um país gasta por ano seis mil a dez mil milhões de euros de importação de combustíveis fósseis não tem um problema ambiental, tem um problema económico.
Nós podemos ter 62% de renováveis na eletricidade, mas a eletricidade representa 25% do consumo final de energia. Portanto, era necessário olhar para o setor do gás e o dos combustíveis de forma a tornar este setor mais eficiente e, por outro lado, baixar custos aos consumidores.
Por isso, obviamente a fiscalidade verde criou condições para fomentar a eficiência energética nesta área, mas também gostava de destacar o que fizemos no setor do gás.
Primeiro o tema do gás de botija, que muitos líderes de opinião e também o público acham pouco sofisticado, pouco moderno: "Porque é que agora o Ministro do Ambiente e da Energia vem agora falar do gás de botija? Política energética é algo tão fascinante, por que não nos fala de coisas mais sofisticadas?”.
É que 75% dos portugueses não têm gás natural, depende do gás de botija. Esses 75% dos portugueses que depende do gás de botija sabe que é importante ter condições para quando vão ao revendedor entregar a garrafa receber uma de outro comercializador sem terem de ficar agarrados a um comercializador.
Como é importante que o redutor da garrafa seja standard e não tenha de mudar de garrafa para garrafa para tornar mais difícil a mudança da botija.
Como é importante também que quando chega ao final a utilização da garrafa e se vai devolver, que o gás que ficou no fundo da garrafa nos seja devolvido, porque de acordo com a DECO esse gás significa 75 euros por ano por habitante.
Nós liberalizámos, ou melhor, garantimos que a comercialização permita a troca de garrafas, que a tecnologia é standard e que seja reconhecido o gás sobrante no final da utilização. Como também no gás natural enfrentámos um dos maiores problemas que Portugal tinha nesta área, que era o facto de ter uma incorreta repartição de encargos e benefícios resultantes da importação de gás da Nigéria e da Argélia.
Este é mais um dos temas que vale a pena debater.
O anterior governo aprovou legislação que basicamente disse o seguinte em 2006: a importação de gás da Nigéria e da Argélia nos contratos "take-or-pay” eram feitas de uma forma que a empresa que importava esse gás, neste caso a GALP, tinha um conjunto de garantias no caso de alguma coisa correr mal.
Isto é, se o consumo de gás fosse mais baixo e se o preço do gás fosse inferior na venda à aquisição na Nigéria ou na Argélia, esse custo era repassado aos consumidores. Mas se alguma coisa corresse bem e a empresa tivesse conseguido ter um benefício maior resultante da revenda desse gás para outros mercados, esse era um benefício da empresa.
De acordo com estimativas que foram realizadas, podemos estar a falar de um valor de 600 a 800 milhões de euros de benefícios que não foram entregues aos consumidores portugueses.
Este governo, de modo próprio e sem que isso estivesse no memorando de entendimento, decidiu avançar com o alargamento da contribuição extraordinária do setor da energia a estes contratos "take-or-pay”, para benefício dos consumidores.
Não estamos a tributar o passado, isso seria obviamente inaceitável, mas estamos a dizer que esses contratos têm um valor económico equivalente que deve ser tributado e que essa tributação geraria uma vantagem que seria totalmente entregue ao setor do gás para redução das tarifas aos consumidores.
Isso já aconteceu. Não estamos a falar de teoria ou promessas, mas de resultados. Se consultarem os preços do gás agora em Julho, concluirão que as tarifas baixaram 7% a 12% com o valor acumulado da descida em Maio e em Julho.
Uma boa parte desta descida resulta desta contribuição extraordinária que gera 150 milhões de euros que foram totalmente entregues aos consumidores para baixar tarifas do gás.
Repito: isto demonstra que o governo não se ficou pelo tema da eletricidade, ou pelos temas da Troika, mas teve capacidade para nesta área como na dos combustíveis low-cost e preços de referência criar condições para haver mais competitividade, mais transparência e mais redução da nossa dependência energética do exterior.
Obviamente estou no último minuto, teria uma boa meia hora adicional de conversa, o que prova que não fui capaz de calibrar bem a intervenção.
Espero que agora as perguntas sejam nas áreas que não consegui abordar na intervenção inicial, mas se não forem eu farei um esforço para falar desses temas.
Mas há uma conclusão que gostava de fazer agora. Procurei demonstrar que governar é reformar. É que era necessário agora garantir estabilidade e previsibilidade.
Estávamos a falar de uma área estratégica como é o crescimento verde, como é que poderíamos garantir que nela tínhamos ambição, estabilidade, previsibilidade e que não estávamos sempre a recomeçar políticas públicas. Isso dependia de um compromisso para o crescimento verde, que foi trabalhado durante um ano com uma centena de organizações, ONG, associações da área empresarial, área financeira, do setor de investigação e de desenvolvimento, que colocasse metas concretas de 40% de renováveis em 2030, de 40% de redução das emissões de CO2 em 2030, de reforço das interligações energéticas de 10% em 2020 e de 15% em 2030, de redução da intensidade energética em 1,4% por ano no PIB até 2030, de passagem da reabilitação urbana de 10% para 25% em 2030, entre outras.
No fundo, um conjunto muito alargado de metas, de propostas, de medidas e reformas que não deviam apenas vincular o espaço político-partidário e um governo, mas que deveriam ser um projeto, um pacto, um contrato social.
Conseguimos algo que muitos consideravam impossível. A meia dúzia de meses das eleições conseguimos assinar este contrato, o compromisso para o crescimento verde, com estas 14 metas e 111 reformas e iniciativas, que foi assinado pelo governo português mas também por associações da área empresarial, ONG, fundações, organizações da área científica e académica.
Acho que vale a pena sublinhar este compromisso.
É muito raro em Portugal conseguirmos um compromisso desta amplitude e desta natureza. É mesmo ímpar à escala internacional. Em Portugal, conseguimos portanto fazer aquilo que era altamente improvável muito próximo das eleições.
Quero enaltecer, elogiar, a coragem das organizações da sociedade civil de terem prescindido de algumas das dimensões da sua agenda para conciliar pontos de vista, dando uma lição notável a muitos partidos políticos.
É extraordinário que uma centena de organizações, desde a CAP à CIP, à Quercus e muitas outras das sociedade civil, tenham tido a coragem de dizer "bem, não concordo com tudo, mas o crescimento verde é mesmo importante e não quero estar sempre a recomeçar políticas públicas sempre que mudam de governo e, portanto, assino este contrato”.
Tenho pena que, apesar dos sucessivos convites que lancei, os partidos políticos da oposição não tenham tido esta capacidade de conciliar pontos de vista apesar da nossa abertura. Mas fica o essencial. Este contrato, este compromisso, não é do governo; neste momento é um compromisso da sociedade portuguesa e é por essa razão que as organizações internacionais olham hoje Portugal e dizem que é AAA na área verde.
Todos ambicionamos o momento em que as condições económicas e orçamentais permitam que o rating da República possa melhorar e estamos todos muito confiantes que isso vá acontecer.
Por isso é que estas eleições são tão importantes.
Mas há uma área onde esse reconhecimento já surgiu. Surgiu porque nós não fizemos o que era mais fácil, que era usar o pretexto da crise para adiar, hesitar, transigir na área verde, mas sim fizemos da crise uma razão adicional para liderar na área verde.
Hoje, isso é reconhecido internacionalmente. Portugal é o quarto melhor país do Mundo, foi reconhecido tanto em 2014 como em 2013, na área das alterações climáticas. Subiu oito posições no ranking mundial da política energética do fórum económico mundial, tendo Portugal hoje a 10ª melhor política energética do Mundo.
O Secretário-Geral das Nações Unidas e da OCDE apresentaram a fiscalidade verde e o compromisso para o crescimento verde como o exemplo internacional que deveria ser prosseguido e essa é de facto uma vantagem para todos os que trabalham nesta área.
Se Portugal é AAA na área verde, significa que um produto na área verde fabricado em Portugal, ou um investimento na área verde que se procura trazer para Portugal, tem maiores condições de sustentabilidade porque esse reconhecimento já surgiu.
Mas para isso é necessário continuar a reformar e a perseverar nesta área.
Muito obrigado.
[APLAUSOS]