Se repararem têm em volta dos
vossos guardanapos uma cinta roxa com o menu do jantar no verso. Foi uma
delicadeza do hotel e agradeço ao seu diretor a circunstância de, já há vários
anos, por iniciativa deles, se terem adaptado à lógica, às regras, de
funcionamento da Universidade de Verão e de nos fazerem a delicadeza de porem a
cinta com a ementa da cor do grupo que em cada noite recebe os convidados para
os jantares conferência na nossa Universidade de Verão. É mais uma das
simpatias que ficamos a dever ao Sr. Jacinto e à sua extraordinária equipa que
nos recebe todos os anos aqui no hotel Sol e Serra.
[APLAUSOS]
E vamos dar início ao nosso
momento cultural com a leitura de dois poemas dos grupos Azul e Laranja. O
grupo Azul, pela voz de Fernando Melo, vai ler um poema de Sebastião da Gama
chamado "Pelo sonho é que vamos”. E a justificação é: como jovens somos seres
sonhadores na procura de novos desafios, novos conhecimentos e novas
experiências. Não interessa a imediata busca dos frutos, basta deixar que em
nós cresça a esperança, a fé e a dádiva de que é possível concretizar o sonho
que nos anima. Partindo materializamos esse mesmo sonho.
Depois, pela voz de Ana
Catarina Neves, do grupo Laranja, vamos ouvir o poema "A uma árvore” de
Francisco Bugalho. O grupo Laranja diz-nos que Francisco Bugalho, poeta e
lavrador, exerceu durante anos também as funções de Conservador do Registo
Predial de Castelo de Vide. Natural do Porto, adotou como suas a terra e as
gentes desta vila, em que viveu a maior parte da sua vida. É considerado o
poeta pintor da natureza, terá vivido na perspetiva da eternidade. Fez parte do
movimento literário modernista, fazendo parte da revista "Presença”. Este poema
- "A uma árvore” - celebra o triunfo da vida, uma árvore que o poeta plantou, acompanha
o ritmo das estações, regenera-se ciclicamente, ouve os sonhos dos filhos do
poeta e eterniza-o. Vamos portanto ficar com estes poemas e as vozes de
Fernando Melo e Ana Catarina Neves.
[ACOMPANHAMENTO MUSICAL]
Pelo sonho é que
vamos,
comovidos e
mudos.
Chegamos? Não
chegamos?
Haja ou não haja
frutos,
pelo sonho é que
vamos.
Basta a fé no
que temos.
Basta a
esperança naquilo
que talvez não
teremos.
Basta que a alma
demos,
com a mesma
alegria,
ao que
desconhecemos
e ao que é do
dia a dia.
Chegamos? Não
chegamos?
– Partimos.
Vamos. Somos.
[APLAUSOS]
[ACOMPANHAMENTO MUSICAL]
A Uma Árvore
Árvore
Quando eu morrer
hás-de ficar.
Hás-de ver o
passar doutras Estações.
Hás-de ouvir as
canções
De uns outros ninhos,
noutras Primaveras.
Junto de ti, meu
filho há-de sonhar
Minhas antigas,
fúlgidas quimeras.
Árvore
Quando eu
morrer, hás-de falar
De mim, que te
plantei.
E, em cada ramo
novo que brotar,
Serás um gesto
meu a perdurar:
- Por ti, não
morrerei …
[APLAUSOS]
Boa noite. Disse
o Dr. Pinto Balsemão, presidente do júri do Prémio Pessoa, que o nosso
convidado é um verdadeiro cultor da interdisciplinaridade. É essa
interdisciplinaridade que nos deve inspirar. Enquanto jovens vivemos um período
de acrescida competitividade no mercado de trabalho, na busca de uma posição
estável na nossa carreira profissional, e por outro lado vivemos um período em
que o conhecimento não pode ser apenas em profundidade, o conhecimento deve ser
também em horizontalidade. Por exemplo, só através do domínio de áreas
científicas tão díspares como o Direito, a Economia, as Tecnologias ou a Saúde,
podemos contribuir construtivamente para a resolução dos problemas da nossa
sociedade. Assim, proponho que brindemos ao nosso convidado, o Doutor Henrique
Leitão, galardoado em 2014 com o Prémio Pessoa. Um brinde ao Doutor Henrique
Leitão.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Senhor
Professor, senhor Presidente da Câmara, senhores Deputados, minhas Senhoras e
meus Senhores, como foi dito, e bem, o nosso convidado de hoje foi galardoado
com o Prémio Pessoa. O Prof. Henrique Leitão, foi reconhecido pelo júri como a
personalidade em torno da qual se constitui uma escola de pensamento neste
domínio científico. E foi sublinhado o facto de ter dado a conhecer ao grande
público a importância crítica que a Península Ibérica teve para o
desenvolvimento científico e o progresso civilizacional. Disse o Presidente da
República que se tratava de uma carreira de exceção e um marco na História da
ciência em Portugal.
O nosso
convidado de hoje é doutorado, é professor, é galardoado, é autor de numerosas
obras, tem como hobby a leitura, diz que o hobby não difere muito do trabalho,
também gosta de estudar línguas, a comida preferida é a preparada pela mulher,
o animal preferido é o leitão, o livro que sugere é "Os Maias”, o filme que nos
sugere "The Thin Red Line” ("A Barreira Invisível”) e a qualidade pessoal que
aprecia é a lealdade.
Eu até hoje não
conhecia pessoalmente o Prof. Henrique Leitão, não tive esse privilégio, e não
sei se ele é ou não um homem leal, mas não tenho nenhuma razão para supor o
contrário. Mas sei uma coisa: é que ele é um homem modesto. Ele não fez questão
de sublinhar que tinha sido eleito como membro da Academia Internacional para a
História das Ciências, e que isso não ocorria com um historiador português nos
últimos 100 anos. E quando lhe foi atribuído o Prémio Pessoa a reação dele foi
a seguinte: é uma grande surpresa, uma grande alegria, mas é também uma grande
responsabilidade. Já viu a lista dos laureados? Estar naquela companhia, é
preciso respirar fundo.
Pois bem, nós é
que temos de respirar fundo, pelo convidado que temos hoje. E eu tenho que
respirar fundo porque tenho o privilégio de lhe fazer a primeira pergunta.
Senhor
Professor, gostaria de lhe fazer talvez duas perguntas para o nosso pontapé de
saída de conversa. A primeira tem a ver consigo. Não é todos os dias que
recebemos alguém com o seu perfil e com o seu currículo, e acho que seria
interessante para a Universidade de Verão perceber um bocadinho o que é isto de
um historiador de ciência. O que faz, porque acha que isso é relevante, para lá
do reconhecimento nacional e internacional que já teve. E segundo, porque é
também membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, que é um órgão
consultivo do Governo, presidido pelo Primeiro-Ministro, pedia-lhe para referir
um pouco o valor estratégico da ciência em Portugal. Neste momento, na Europa,
há pessoas que defendem que os incentivos europeus devem ser dados apenas a
instituições de grande excelência e tentando concentrar essa excelência em poucos
países, assim como quem diz que só há ciência a sério na Alemanha, no Reino
Unido e em poucos mais países, levando ao desinvestimento em polos científicos
nos países mais pequenos, nos países mais periféricos. Creio que concordará
comigo que a ciência tem um valor estratégico para todos e que não há país que
se possa furtar a esse investimento nos recursos humanos. Qual é a sua opinião
sobre isso, era também algo que gostaríamos que partilhasse connosco.
Minhas senhoras
e meus senhores, no segundo Jantar Conferência da Universidade de Verão 2015, o
galardoado com o Prémio Pessoa, Professor Henrique Leitão.
[APLAUSOS]
Henrique Leitão
Muito boa noite
a todos. Antes de mais nada, é obviamente uma grande honra e um grande gosto
estar aqui. Acedi logo ao convite e queria começar por agradecer ao Dep. Carlos
Coelho, a todos os membros da organização, ao Sr. Presidente da Câmara, todas
as pessoas responsáveis por esta Universidade de Verão, o facto de me terem
convidado e agora se disporem a ouvir-me durante uns minutos.
Eu sei que quem
fala nestas circunstâncias, a missão número um é não estragar o jantar. E eu
vou tentar ir rapidamente à pergunta, às duas, se me esquecer depois
recordem-me. Mas se começasse por explicar o que faço, estragaria decerto o
jantar. Mas talvez valha a pena, correndo esse risco, começar um bocadinho por
aí. O meu trabalho é sobre equações matemáticas e modelos astronómicos e
teorias científicas do século XVI, do século XV e XVI. São temas que já no séc.
XV e XVI eram obscuros que só alguns daqueles cientistas daquele período sabiam,
se interessavam e estudavam. E passados cinco séculos são ainda mais obscuros,
são matérias arcanas, recônditas, muito complicadas, estranhas.
Qual é o
interesse de fazer isto? Que interesse é que pode ter para os presentes, agora,
e para a sociedade como um todo, que uma pessoa se dedique a este tipo de
tarefas, de tão obscuras e estranhas? Eu penso que ninguém nega que há um
interesse intelectual e, de certa maneira, há uma primeira consideração que nós
podemos fazer logo, é a de notar que vivemos num país que tem parâmetros de
desenvolvimento e civilização tais, que me paga a mim para fazer este tipo de
trabalho. São muito poucos os países do mundo onde isto acontece. São muito
poucos os países do mudo onde há uma espécie de acordo social, um pacto social
e instituições e uma cultura que achem normal que uma pessoa viva com dinheiros
públicos – eu sou um funcionário da Universidade do Estado – para estudar
equações do século XVI. Isto marca um grau de civilização e de desenvolvimento
que o nosso país tem que nós devemos acarinhar. Não há muitos sítios - no mundo
ocidental, por certo, há muitos outros sítios -, mas pelo mundo inteiro eu não
poderia ter feito esta carreira.
Mas que
interesse é que isto pode ter para as pessoas que estão aqui? O interesse que
tem, sobretudo, é porque tem que ver com ciência. E o problema de que eu
gostaria mais de falar aqui é que sempre que nós falamos de ciência – e o tema
é contínuo, basta abrir um jornal. Não há jornal nenhum de qualquer dia que não
tenha notícias com alguma conexão científica. Mas o interesse principal dos
assuntos científicos é que quando se fala de ciência nunca se está a falar só
de ciência. A nossa imagem e a imagem do que é um país moderno foi construída a
partir de várias ideias. Tem a ver com certos sistemas políticos, tem a ver com
um certo nível económico, tem a ver com um conjunto de liberdades individuais,
mas no coração da ideia de um país moderno e desenvolvido está, de uma maneira
que não se consegue tirar, a ciência.
Por isso, de cada
vez que nós falamos de ciência, nós estamos, quer o reconheçamos quer não, a
trazer à baila noções como desenvolvimento, progresso, liberdade intelectual,
ambiente de discussão criativa, criação…. Por isso, não há nenhum tema
científico nas sociedades que não agregue em torno de si todas estas ideias. E
isto quer dizer que quando alguém, como eu, está a estudar estas estranhas
equações, e estes modelos e estas teorias científicas de épocas passadas, com
isto não estou só a reconstruir processos e ideias científicas de outros
tempos, mas estou - ou pelo menos assim espero – a ajudar a construir uma ideia
mais correta de quem fomos. E a ideia de quem fomos, como é óbvio, determina de
maneira profunda a ideia que temos, hoje, de nós próprios.
A História, como
é evidente, afeta muito o presente. E, portanto, se houvesse um capítulo, ou um
tema, ou um conjunto de questões, na História portuguesa que não estivessem bem
clarificados, mas que sucedesse que em torno deles se jogassem questões tão
profundas e tão importantes como as de modernização, de desenvolvimento, de
progresso… Se se desse que, nestas questões, tão importantes, o estudo não
estava suficientemente desenvolvido, percebem o problema que temos em frente. E
com isto eu faço, não tanto uma defesa do meu trabalho, mas da disciplina que
pratico.
O interesse da
História da Ciência é precisamente este. É uma área um bocadinho estranha, é
uma forma muito peculiar de História, não é uma História como a tradicional, é
uma História peculiar, mas tem esta caraterística de facto estranha. É que,
embora os temas sejam muito arcanos e às vezes técnicos, contaminam toda a
nossa imagem histórica e, portanto, toda a nossa imagem do país. É ou não é
completamente diferente dizer que se vem de um país onde não houve nenhuma
prática cientifica, houve um desinteresse total por estas questões, ou dizer
que se vem de um país onde houve um contínuo interesse por assuntos
científicos, que teve um contínuo grupo de praticantes destas disciplinas, alguns
deles notáveis, e contributos e novidades que influenciaram outros países (como
sempre sucede na ciência porque é iminentemente internacional).
Estas duas
imagens são, para o presente, duas imagens completamente diferentes do país. E
o que afetam? Afetam não só a imagem que temos de nós próprios, e isto é muito
importante, mas afetam - e neste ponto toco já na segunda pergunta – afetam
imenso a imagem que projetamos para fora. Seria uma pena que, se por um capítulo
histórico tão importante como este, se tivessem dito coisas erradas, ou tivesse
ainda mal explorado, mal estudado, o país projetasse para o exterior uma imagem
completamente equivocada. Então, o trabalho que eu tento fazer – e os meus
colegas, (como hoje, todos sabem, todo o trabalho de investigação é feito e tem
a ver com equipas, habitualmente) – é precisamente o de clarificar estas
questões. Nós trabalhamos com questões que são, técnicas e um pouco, distantes
do discurso normal, mas com a plena consciência de que o que se diz sobre isto
acaba por afetar muito mais.
E o que podemos
dizer sobre a nossa própria história científica, sem transformar isto numa
aula? Isto é um jantar-conferência! Eu como sou professor tenho deformação
profissional e portanto transformo tudo em aulas. Se isto começar a parecer uma
aula você levantem o guardanapo e avisem para eu saber que isto está a ficar
parecido com uma aula. Não é uma aula…
Como sabem, todo
o discurso sobre o passado científico português tem sido muito oscilante,
digamos, tem sido um bocadinho extremado. É fácil encontrar visões que são
muito miserabilistas, visões que são muito redutoras, que transmitem uma imagem
completamente desinteressante do nosso passado científico. E também sabemos que
há o outro extremo. Houve em épocas históricas portuguesas apropriações, por
exemplo, políticas ou sociais, o que seja, que hiperbolizaram e que venderam
uma imagem épica igualmente desajustada. E temos andado um pouco a oscilar.
O que é preciso
é recuperar um tom certo para falar do nosso passado que seja ao mesmo tempo um
tom justo para a realidade histórica e que nos permita olhar para o futuro
descomplexadamente e para os nossos parceiros dos outros países
descomplexadamente, trazendo a nossa própria História. A tarefa dos
historiadores da ciência não é uma tarefa, digamos, de marketing, isto é, de
descobrir este tom, é a tarefa de estudar a evidência histórica empírica, as
teorias históricas, os dados, os factos, os elementos, os textos, os
instrumentos, as instituições, as biografias, para que, com esse estudo, se
possa depois construir uma imagem sobre o nosso passado que seja muito mais
coerente, justa e verdadeira com o que sucedeu.
Felizmente, nos
últimos anos tem havido muitos desenvolvimentos, penso que a situação está
muito mais interessante, e há muitas pessoas a fazer um trabalho ótimo nesta área e eu penso que,
pouco a pouco, aquilo que os especialistas têm andado a estudar, acabará por
disseminar-se para a população, o que me parece urgente que aconteça. Porque me
parece, penso que é fácil de perceber, que manter-se uma imagem demasiadamente
negativa, um pouco triste, deprimida do nosso passado histórico, tem
consequências diretas no presente. Por exemplo, vocacionalmente, em jovens que
queiram fazer carreiras científicas.
Se uma pessoa
vive numa sociedade em que sucessivamente lhe é dito que não houve passado
histórico cientifico interessante, é muito pouco provável que esta pessoa venha
a desenvolver interesse por atividades científicas. Pode suceder, mas é muito
mais difícil. Enfim, considerações tão simples como estas e como outras. Ou
seja, para chegar ao ponto. Embora a minha tarefa, a minha e dos meus colegas,
seja só uma tarefa de história, este modo peculiar de fazer história, é preciso
perceber porque, como o tema é ciência, e a ciência adquiriu esta importância
tal nas sociedades, acaba por ter consequências que são até surpreendentes na
imagem que formamos de nós próprios.
Alguns de vocês
podem perguntar assim: então, mas o
que poderíamos
dizer do nosso passado… enfim, quando chegarmos às nossas perguntas poderemos
dizer. Mas, deixem-me só dar um exemplo pequeno para se perceber que há uma
história por contar. Todas as pessoas que vivem em Portugal conhecem um objeto
chamado esfera armilar. A esfera armilar está por todo o lado, todo o Manuelino
tem esfera armilar. A esfera armilar está na bandeira de Portugal. O que é uma
esfera armilar? Uma esfera armilar é um objeto científico, uma esfera armilar
não é um globo, uma esfera armilar não é uma representação do mundo, uma esfera
armilar é um objeto de ciência que a certa altura na História de Portugal, com
o rei D. Manuel - depois os detalhes, se alguém se interessar… -, foi tomada
como símbolo da representação do poder real, mas este símbolo, o que quer
dizer, é o domínio do mundo com conhecimentos técnicos, a partir do domínio de
uma certa técnica. E é este objeto científico, que se tornou ubíquo em
Portugal, que está por todo o lado, que é um instrumento científico, e nós
praticamente nem notamos.
Bastaria uma
consideração tão simples como esta para se perceber que há uma história de
interesse por atividades científicas, de carinho pelas práticas científicas, e
de influência de técnicas e práticas científicas até na própria imagem do poder
real, e portanto na imagem como um país se apresenta, para perceber que há
muito que nós ainda não percebemos da nossa História, que não compreendemos e
que é provavelmente muito mais interessante do que se pensava.
A historiografia
internacional habitualmente atribui a ideia de que a expansão, na altura
imperial, e o desenvolvimento tinham que ter uma base técnica, atribui esta
ideia à Europa Central do séc. XVII, à Inglaterra e à Holanda do séc. XVII, mas
temos dados evidentíssimos e claríssimos de que esta ideia existiu em Portugal,
clarissimamente, no séc. XVI. É claro que nós sabemos perfeitamente que depois
o objeto em si, objeto científico, porque é disso que se trata, depois foi
investido de outra simbologia e hoje nós já nem notamos o que ele é. Mas aqui é
que a tarefa do historiador de ciência pode ser importante, recordando às
pessoas que cada vez que virem uma esfera armilar, que estão por todo o lado em
Portugal, o que nós estamos a ver é um objeto de ciência.
Não tem por isso
grande sentido dizer que este país não ligou à importância da ciência. O que é
preciso é descobri-la e estudá-la com o rigor e o cuidado e, digamos, a
exigência de profissionalismo e de standards académicos que o tema merce.
Então esta seria
a primeira parte. As consequências disto são imensas, como dizia há pouco, porque
a imagem que nós formamos de nós está muito dependente de elementos deste
género, e a segunda, que está implícita na segunda observação e na pergunta do Dep.
Carlos Coelho, porque a imagem que projetamos para fora está também muito
determinada por isto.
Um país ou uma
nação que projete para fora uma imagem de desinteresse pelas atividades
científicas ou de desincentivo nos estudos científicos, este país corre,
gravemente, este risco de que aqui se aludia de ser menorizado no panorama
internacional e, no nosso caso, no panorama europeu. Portanto, quando falamos
de ciência, e sem ter de falar dos detalhes do que faço, nós estamos a falar de
assuntos que são muito importantes numa sociedade, muito importantes numa sociedade.
Porque é que isto é importante agora para o presente? Porque é que precisamos
de ter ciência hoje? Porque é que é absolutamente crucial que o interesse por
atividades científicas e académicas ocupe na sociedade portuguesa um lugar prioritário,
absolutamente crucial? Em primeira ordem de ideias, porque há um
desenvolvimento intelectual, porque há, para dizer de maneira rápida, a
possibilidade de descoberta, ou seja, para ter portugueses que participam
naquela que é uma das maiores aventuras intelectuais em que a Humanidade esteve
envolvida – o estudo da Natureza. Esta é a primeira razão, há uma razão
puramente intelectual.
Mas há outras
razões, como nós sabemos. O investimento e o cuidado com a ciência têm
repercussões, por exemplo, na educação. A tentativa e o desejo e o
estabelecimento de grupos, centros, ambientes de investigação acaba por ter
efeitos em todos os processos educativos, como que puxando-os para cima. E,
portanto, há consequências do cuidado pela ciência que se manifestam na
educação. E o mesmo na tecnologia e, portanto, acaba por ter efeitos na
economia, na indústria, na aplicação de desenvolvimentos tecnológicos, o que
seja. Tudo isto eu sei que é mais ou menos bem sabido por todos. E isto é de
extrema importância.
Mas eu gostava
também que olhássemos para aspetos que são mais intangíveis e que às vezes não
são tão comentados, mas que se alguns visitarem instituições científicas, o
notarão logo. As instituições científicas são instituições muito peculiares,
mas os países que têm práticas científicas maduras e bem sustentadas comungam
muito de um conjunto de ideais que como que transbordam das instituições
científicas. Ideais de que género?
Há um otimismo
nas práticas científicas. Os cientistas, às vezes, até de uma maneira ingénua,
têm um otimismo natural, têm uma convicção e transmitem uma convicção e uma
certeza na capacidade de resolver problemas, na capacidade de avançar, na
capacidade de não ficar determinados ou aprisionados por dificuldades do
momento. A ciência gera naturalmente este tipo de coisas. Há como que um
comungar nesta ideia absolutamente central de que a mente humana é capaz de
resolver os problemas que se nos deparem. E isto é feito de um modo, como digo,
otimista, de um modo positivo, de um modo alegre.
Há também outros
aspetos: a ciência é, de certa maneira, uma atividade muito implacável porque
não liga a raças, religiões, credos, sexo, opções políticas, futebolísticas, o
que seja… A ciência introduz, enfim, nas instituições, e depois isto passa para
as sociedades, como que uma espécie de pontos comuns de interesse pelos quais
as pessoas se unem e diante dos quais as diferenças se esbatem. E por isso, as
atividades científicas, e portanto uma cultura onde haja um tecido científico
rico, é uma cultura que tem destes pontos, que acabam, deste modo indireto, por
gerar mecanismos de convivência entre as pessoas porque estão unidas diante de
certos objetivos comuns, e objetivos grandes, não é?
Ou seja, para
além das considerações mais óbvias e imediatas, em torno desta atividade
gera-se como que um estado de espírito que acaba por ter repercussões enormes
nas sociedades. E os que aqui estão, se tiverem alguma vez na vida, no futuro,
oportunidade de tomar cargos, decisões ou funções políticas, acho que é
importante perceberem que há esta riqueza de retorno, de retorno nas atividades
académicas de alto nível, todas elas, culturais de alto nível, mas certamente
nas atividades científicas, para além daquelas mais óbvias.
Ou seja, e para
terminar e passar às perguntas, o que é que eu queria dizer ainda mais? Se
alguma coisa se pode aprender com a História, se alguma coisa os historiadores
têm aprendido com a História – e alguma coisa às vezes se aprende com a
História –é que a modernização científica foi um fenómeno que envolveu as
sociedades como um todo.
Durante muitos
anos havia como que um relato que descrevia o surgimento duma modernidade
científica como um fenómeno apenas de elites culturais, intelectuais muito
avançadas. E isto tem muito de verdade. Houve grandes cientistas em círculos
académicos restritos que fizeram grandes contributos. Mas quando os
historiadores de ciência começaram a examinar com mais atenção, por exemplo, os
séculos XVI, XVII e XVIII, de grande desenvolvimento científico no mundo ocidental,
começaram a notar que um dos fatores cruciais não era apenas o de em alguns
estratos sociais ter havido novidades científicas, mas de ter havido mecanismos
que influenciaram toda a sociedade. Isto é, de o tema científico ter
perpassado, como um corte, de toda a sociedade, dos muito cultos, aos
mediamente cultos, até aos poucos cultos, de todos os tipos de atividades.
Hoje em dia é
claríssimo para os historiadores de ciência que o que diferenciou o mundo
ocidental foi o facto de estes fenómenos de modernização terem sido fenómenos
globais da sociedade. O que é que eu quero dizer com isto? Quero dizer que – e
agora tomando isto como um ensinamento histórico – hoje é claro que o progresso
científico de um país tem a ver, não só com a criação de grupos de
investigação, de grandes centros, de universidades de alto nível e de grande
excelência, e isso é absolutamente essencial, mas tem a ver com a estimulação
de interesse científico a outras franjas da sociedade. Não estamos diante de
uma ilusão, estamos diante de um fenómeno que tem como que uma base histórica a
sustentá-lo e a sugeri-lo. E portanto, se podemos aprender alguma coisa com a
História, uma das coisas que podemos aprender é isto. Podemos aprender que
temos diante de nós um desafio que tem a ver não só com a constituição destas
unidades, e grupos e centros de investigação muito especializados, mas tem a
ver com uma participação da atividade científica por toda a sociedade.
Tudo isto são
desafios enormes que nós temos pela frente. São desafios enormes e eu acho que,
como o Dep. Carlos Coelho aludia há pouco, estamos numa altura muito importante
em que, por razões várias de conjuntura larga no mundo inteiro, e certamente na
Europa, os países pequenos têm que afirmar-se como tendo uma voz importante a
dizer em todas as áreas e, nesta afirmação, a ciência joga um papel
absolutamente incontornável. Eu ficaria por aqui.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Muito bem, vamos
entrar na fase de perguntas. Vamos para um primeiro bloco. Dou a palavra ao
Hélder Quintas de Oliveira, do Grupo Laranja, e ao João Carlos Costa, do Grupo Castanho.
Hélder Quintas de Oliveira
Boa noite, Prof.
Henrique Leitão. Por ocasião da entrega do Prémio Pessoa 2014 referiu que, e
passo a citar: "a ciência, o modo como historicamente a ciência foi ou não
praticada, afeta de maneira determinante a ideia de construção de modernidade,
a imagem que um povo faz de si próprio e da sua História, bem como a imagem que
projeta para fora”. Fim de citação. Posto isto, gostaríamos que desenvolvesse
um pouco mais como é que a forma como fomos fazendo ciência ao longo do tempo
se reflete na imagem que temos de Portugal e de nós enquanto povo.
João Carlos Costa
Boa noite, Prof.
Doutor Henrique Leitão. Devo dizer-lhe, antes de mais, que é uma honra poder
contar aqui com a sua presença, uma figura tão importante para a nossa cultura,
que tanto contribuiu. Sabemos hoje, muito graças ao contributo de V. Exa., a
relevância que a Península Ibérica, também como aqui já foi dito pelo Dep.
Carlos Coelho, teve para o desenvolvimento científico e para o progresso
civilizacional. A nossa questão prende-se com o seguinte: há atualmente
condições políticas, económicas, sociais e culturais, quer a nível nacional
quer a nível europeu, que favoreça o cultivo da ciência?
Henrique Leitão
Bom, acerca da
primeira pergunta, e como viram, falei aqui dum tema que tinha falado na altura
da entrega do prémio, desta projeção desta imagem do país, é fazer o exercício
simples, o exercício simples de pensar o que é imaginar que somos cidadãos e
habitantes dum país do qual não nasceu nenhum contributo visível para a ciência
internacional, o que é que isto diz de nós, que forma, que imagem formamos nós
do nosso passado, ao pensarmos e sabermos que somos continuadores, herdeiros,
cidadãos de um país que, em momentos históricos precisos, e ao longo da sua História
como um todo, se envolveu sempre em atividades científicas e teve contributos
inovadores.
As duas imagens
não diferem só nos aspetos científicos; as duas imagens diferem na imagem
mental que se forma do valor de ideias tão importantes como desejo de
progresso, liberdade intelectual, desenvolvimento, discussão intelectual. Estas
ideias são todas arrastadas, são literalmente dois países quase diferentes,
quando se clarifica ou não clarifica a questão científica.
Porque, como eu
dizia, atrás de equações, atrás de teorias científicas, nós temos sempre,
outras noções muito mais amplas, noções de modernidade (sobretudo somos muito sensíveis a esta noção
de modernidade) que afetam imenso o modo como nós nos entendemos hoje.
Portanto, o
ponto essencial que eu queria dizer, é que não é preciso ir aos detalhes
técnicos, isso há os especialistas, explicar-nos-ão os detalhes técnicos e os
contributos pontuais e podem explicar: "olhem este resultado foi pela primeira
vez...” Se quiserem, este é o meu trabalho e dos meus colegas, se quiserem
posso falar de alguns. Mas não é tanto os resultados individuais, é de repente
uma pessoa poder olhar e perceber que tem atrás de si uma História, uma História
onde este debate se realizou, um país que participou nesta construção da
modernidade científica. Com a sua escala, com o seu tamanho, com as suas
peculiaridades que não são iguais às de todos os outros.
Está muito em
jogo nisto, insisto, está muito em jogo nisto. Todos os países, sabem do que eu
acabei de dizer aqui, todas as nações do mundo sabem. Portanto, todas as nações
do mundo são muito cuidadosas em projetar, em conhecer primeiro, estudar
cuidadosamente primeiro, e depois projetar exteriormente uma imagem de nação
produtiva cientificamente, cheia de grandes contributos científicos. Porquê? É
só uma coisa de nacionalismo puro? Não é só isto, é porque todas as nações
cuidam do modo como se apresentam para fora.
A segunda
pergunta, se há condições… eu creio que sim. Eu devo dizer, sou muito otimista.
Não diminuo as dificuldades, mas como comentava há pouco, as condições que
temos para fazer este trabalho hoje são muito melhores do que as que tínhamos
há dez anos, muito melhor do que havia há vinte ou do que havia há cinquenta. E
eu fui testemunha, na minha vida, do crescimento desta possibilidade de fazer
este tido de estudos.
Parece-me que temos um
campo todo aberto. Agora, o campo é exigente, este é o ponto, quer dizer, o
campo é exigente. O treino de especialistas para fazer este trabalho é um
treino longo, demorado e exigente e que precisa de uma cultura, ou seja, vocês,
uma sociedade, ou seja, vocês e todas as outras pessoas, que acarinhem este
tipo de atividades e este tipo de compromisso de vida. O que está aqui… - como
nada disto pode ser feito por mandato superior – o que está aqui realmente em
jogo é suscitar na sociedade portuguesa uma curiosidade e um interesse por
estes assuntos que levem a que sociedade como um todo apoie, estimule, acarinhe
as pessoas que decidiram dedicar-se a isto. E portanto eu acho que sim, que há
muito boas condições, mas o desafio, em última análise, é conseguir criar e
manter especialistas capazes de estudar estes temas. Não são os únicos, há
muitas outras áreas da história importantíssimas, mas eu atenho-me agora a
falar das minhas.
Dep.Carlos Coelho
Segunda ronda de
perguntas. Dou a palavra à Patrícia Oliveira do Grupo Roxo e ao Nuno Pinto Dias
do Grupo Verde.
Patrícia Oliveira
Boa noite, Dr.
Henrique Leitão. Nós temos estado a ouvir o Dr. com muita atenção e surgiu-nos
efetivamente um dúvida, o que é que podemos esperar do amanhã partindo da
aposta que é feita na área da História das Ciências e quais são as áreas que
são necessárias para apostar neste tipo de profissão? Portanto, o que é que
estuda, o que é que teve que estudar, qual foi o seu percurso, e como é que
chegou aqui? Muito obrigada.
Nuno Pinto Dias
Muito boa noite,
Prof. Doutor Henrique Leitão, é uma enorme honra tê-lo aqui connosco e, com a
devida vénia, permita-nos a seguinte questão: conhecendo que muita da sua
investigação foi em latim, e sabendo, permita-me a expressão, que a ciência que
por cá é feita, muitas vezes, é língua morta para a generalidade dos
portugueses, como é que poderemos inspirar, não só a sociedade em geral, como
ainda há pouco referiu, mas de forma especial os mais jovens, a sonhar alto com
uma carreira na ciência. Muito obrigado.
Henrique Leitão
Muito obrigado.
Primeiro para falar um bocadinho do meu percurso, é um tema completamente
desinteressante, mas como foi feita a pergunta, eu falo dele. Mas depois vou à
parte mais interessante que é como se treina um historiador de ciência é o que
é preciso fazer.
O meu treino
original é científico, eu sou um físico teórico, eu fiz licenciatura, mestrado,
doutoramento em física teórica. Fiz investigação em física teórica, equações em
Portugal, noutros sítios, trabalhei bastante tempo na Alemanha, grupo
internacionais... publiquei artigos de investigação em física teórica.
Portanto, fiz uma formação científica forte, como cientista. Por razões várias,
por razões familiares, de gosto pessoal, sempre gostei muito de questões de
humanidades, fui estudando sempre muita História, muita Filosofia, e porque
acho graça a línguas antigas - estudei latim, grego… Mas não tinha um plano, o
meu plano era fazer investigação em física.
A certa altura,
de facto, a questão histórica foi nascendo como interesse e comecei a olhar
para temas de História da Ciência e a reparar o interessante que eram, o
fascinante que eram, e aqui revelo a minha agenda escondida que eu trazia aqui
hoje: é tentar converter pelo menos um ou dois dos que estão aqui à História da
Ciência, não sei se o Dep. Carlos Coelho me vai deixar, mas se um ou dois
inverter a carreira para se dedicar a estes assuntos, eu dou por ganha a minha
vinda à Universidade de Verão.
Mas a certa
altura, estava a começar a interessar-me por assuntos de História da Ciência - e
agora aqui foi uma pura casualidade da vida -, por causa destes estudos que
tinha feito, era capaz de trabalhar com um tipo de materiais, ou seja, um tipo
de documentos que são muito peculiares – são documentos que são ao mesmo tempo
muito técnicos e que, por exemplo, estão em latim, como perguntaram há pouco.
Era preciso uma
pessoa que conseguisse fazer este tipo de coisas. Ou era preciso ser capaz de
ter conhecimentos, digamos, avançados de História, em certos períodos, história
cultural, e ao mesmo tempo conseguir perceber assuntos científicos, e,
portanto, isto sucedeu mais ou menos por casualidade (no meu caso) mas a
verdade é que me fui dedicando cada vez mais a um estudo muito sério de áreas
históricas, tive muita sorte com os meus colegas historiadores, porque me
receberam sempre muito bem e me ensinaram e me incentivaram, não sendo eu
originalmente um historiador, e depois com o passar do tempo fui-me dedicando a
isto cada vez mais e porque – este é um ponto importante – em Portugal a
abundância documental é imensa, contrariamente ao que as pessoas poderiam
talvez pensar, a quantidade de documentação, de registo histórico sobre antigas
atividades cientificas feitas por portugueses é imensa, o problema é que não há
gente suficiente para a estudar. Por causa disso eu tive a vida muito facilitada,
porque cada vez que entrava num arquivo ou biblioteca, aqueles documentos não
tinham sido praticamente estudados por ninguém e pude rapidamente fazer algumas
coisas.
Ou seja, e agora
acaba-se o assunto deprimente da minha história e falo em geral de formar um
historiador de ciência. Este é o problema. Insisto sobre este ponto: a história
da ciência é uma disciplina muito peculiar. Não é, por exemplo, como a Física,
que é uma grande disciplina académica, ou a Matemática ou a própria História Geral,
História Política, História Económica, são grandes disciplinas, História das
Ciências é como que um nicho muito peculiar, de um certo tipo de gente, um
certo tipo de historiadores um bocadinho estranhos, não é?
Estas pessoas
não têm nenhum percurso que as forme, não há nenhuma maneira de estudar. Estas
pessoas vêm, para dizer de uma maneira rápida, ou vêm das humanidades e é preciso
que aprendam aspetos científicos – de Medicina, de Biologia, de Matemática,
seja o que for. Ou vêm das ciências e precisam de aprender todas as
metodologias históricas, o saber histórico, filosófico, linguístico, etc.
Não há nenhuma
maneira de resolver isto, digamos, de maneira eficaz que não seja anos de
trabalho e estudo. E estas são as más notícias. As más notícias é que a única
maneira de treinar um historiador de ciência, torná-lo um profissional
internacionalmente reputado, em Portugal e em qualquer parte do mundo (e o
problema é o mesmo) são anos de trabalho a partir de uma formação inicial que a
pessoa tem, complementando-a com aquilo que ela não tinha inicialmente. Este é
o nosso desafio. O meu desafio profissional é garantir que, na minha
Universidade, as condições para treinar estas pessoas, primeiro, para descobrir
o talento, porque nem todas as pessoas dão para isto, portanto, tem que se
descobrir talento, as pessoas que tenham as capacidades intelectuais, o gosto,
de um certo tipo de alinhamento intelectual para este tipo de tarefas. E depois
ensiná-lo, treiná-lo, estudá-lo com os padrões que são bastante exigentes da
disciplina.
Portanto, a
minha tarefa na vida, uma parte importante, que tem a ver com montar um grupo e
formar pessoas, teve a ver com isto. Devo dizer que, nos últimos dez anos, fui
surpreendidíssimo com alunos, colaboradores, de primeiríssimo plano, gente
talentosíssima. Tive alunos de doutoramento absolutamente notáveis, alunos de
mestrado, que estão a fazer carreiras extraordinárias, em Portugal e fora de
Portugal. Num dos maiores observatórios astronómicos do mundo, nos Estados
Unidos, em Chicago, – o Adler Planetarium – o curador dos instrumentos
científicos, neste momento, é um antigo aluno da nossa Universidade, um português,
que é o curador de todas as instrumentações, contratado pelas suas
competências. Podia dar muitos outros exemplos disto.
Então esta é uma
parte importante do trabalho, além do meu trabalho de investigação, este
trabalho de montar o grupo e de treinar estes especialistas. São poucos, mas
têm que ser, de alguma maneira, acarinhados, não é? Não sei se respondi
completamente, mas o percurso é este. Para todos os que já adormeceram e
esquecerem, a má notícia é esta: é preciso estudar muito, lamento imenso, mas
não há volta a dar. Agora, como todas as coisas que exigem muito esforço - e
exige muito esforço, não nego -, a condição fundamental é o gosto pessoal. O
que é preciso é detetar, detetar e estimular, as pessoas que por alguma razão
têm esta apetência – e há muitas.
Uma cultura
viva, o que faz é isto: estimula os gostos das pessoas; pode ser surf ou pode
ser História da ciência, pode ser música ou pode ser matemática, mas
estimulam-se os gostos das pessoas e é a partir dos gostos pessoais, uma vez
detetados, que se faz treino avançado. Uma das coisas que as Universidades têm
de fazer é este processo, digamos, binário, de deteção de talento e depois de
treino deste seu talento.
A segunda
pergunta, não sei, tinha a ver com o latim, eu já respondi, já não me lembro
bem exatamente o que era… mas sim, é preciso estudar as coisas específicas. Mas
vou dar exemplos. Vou dar exemplos para que percebam. As pessoas podem pensar:
então temos muita coisa para fazer? Imensa. Se alguém, aqui, tiver
conhecimentos linguísticos de chinês, por favor venha falar comigo, porque eu
preciso, Portugal precisa, imenso, imenso de especialistas que saibam ao mesmo
tempo matemática e chinês para reconstruir historicamente Macau e a China toda.
Houve contactos científicos e tecnológicos…
Portugal tem uma
história contínua com a China de 500 anos, não há nenhum país europeu que tenha
isto. Nós temos uma História de meio milénio de contactos contínuos,
permanentes, com a China. Nós precisamos neste momento desesperadamente de
académicos com domínio linguístico e cultural da realidade chinesa e, no meu
caso, de historiadores de ciência, de domínio técnico. Há muitos trabalhos que
mostram que grande parte, ou alguns aspetos, da ciência portuguesa foram
veiculados para a China através de portugueses. Dou um exemplo importante: a
China pela primeira vez soube das descobertas telescópicas de Galileu, que é
uma coisa muito importante – não vale a pena dizer os detalhes, a não ser que
me peçam. Uma coisa muito importante na Europa, a China pela primeira vez soube
isto através de textos escritos por portugueses, em chinês, na altura, no
século XVII, em 1614. No princípio do século XVII, houve portugueses, que
vivendo na China, e tendo sabido destas novidades científicas da Europa,
imediatamente as comentaram na China. E temos muito mais documentação desta
que, literalmente, espera ser estudada.
Isto é um caso
de uma relação de Portugal com uma cultura poderosíssima, uma cultura que eu me
dispenso de comentar a sua importância no momento atual. Há como que uma oportunidade
de estabelecer uma História intelectual com a China, não é um assunto de menor importância
para um país, a partir de um período de diálogo cultural e científico entre
portugueses e chineses e que aguarda apenas pelos especialistas capazes de o
fazer. E não temos.
Ao revés podemos
pensar outras influências na nossa História. Por exemplo, as do mundo árabe. A
influência que aparece em todos os livros de escola, mas se repararem nunca
estudada com detalhe, a influência de tradições científicas do mundo árabe nas
práticas portuguesas e da Península Ibérica, aguarda ainda historiadores, no
nosso país, com as competências para o estudar.
Por isso é que
eu digo, o meu desafio não é para que vocês se dediquem a isto, mas para que
saibam que o tipo de desafios que temos pela frente é este, são desafios de
criar especialistas capazes de fazer isto.
Agora volto
àquela pergunta: não é completamente diferente quando nós nos damos conta de
que a história científica da China foi influenciada por acontecimentos
relacionados com portugueses? Não é completamente diferente? Mas afinal que
país é este e que lugar tem este país no mundo? E como se atrevem a dizer que
nós não devemos ter ciência? Como se pode alguém atrever a dizer isto?
Portanto, por detrás destas tarefas que parecem muito académicas e muito
especializadas está muito em jogo, está muito em jogo. Se eu vos conseguir
despertar para a importância do que está em jogo, não é que tenham que se
dedicar a isto… mas percebam que por trás disto está muito em jogo.
Se posso dar um
exemplo… um trabalho que fiz recentemente, com um colega, que é um especialista
de cartografia, foi um trabalho muito interessante, – cartografia, mapas
antigos, mapas antigos, Portugal tem uma história impressionante na história da
Cartografia, na construção da imagem do mundo, como toda a gente sabe. Há uma
maneira de fazer mapas que foi inventada no final do século XVI, chamada
projeção de Mercator, vocês já devem ter ouvido falar do nome - Mercator, uma
modernidade importante.
Com um colega,
fomos capazes de mostrar que as ideias que este belga, Mercator, usa para fazer
a sua projeção, são tudo ideias que vão ser buscadas a Portugal. Isto está hoje
perfeitamente estabelecido, publicado nas melhores revistas internacionais, faz
parte do cânone da História da cartografia, hoje. Ou seja, de repente
percebe-se internacionalmente que aquele grande progresso na história da
Cartografia tem uma raiz num país como Portugal. Não sei se conseguem imaginar
a diferença enorme que isto faz no modo como o mundo académico passa a olhar
para a História deste pequeno país. É muito diferente. E quando os portugueses,
progressivamente, vieram a saber mais sobre isto, sobre o que foi feito pelos
seus antepassados, tudo isto se torna um pouco diferente.
Pronto, termino
só com o coiso do latim… já não me
lembro de quem foi a pergunta… sim é preciso aprender as competências
necessárias. Como?
[VOZ NÃO
AUDÍVEL]
Motivar os
jovens… bem, sim, aqui somos muitos, eu tenho o microfone e há pessoas a tirar
fotografias, e portanto eu não posso dizer tudo. Mas, se eu fizer uma conversa
a sós com um ou uma, eu converto-o imediatamente à História da ciência.
[RISOS E APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Bem, já sabem,
se houver alguém de matemática e chinês, já tem emprego aqui com o Prof.
Henrique Leitão.
Vocês, pelo
programa, sabiam que eu vou dar a palavra ao Dr. Passos Coelho no domingo, ele
estará na sessão de encerramento, o que não sabiam é que eu vou dar a palavra
ao Bruno Graça Coelho – portanto, os Coelhos estão a proliferar nesta
Universidade -, do Grupo Encarnado, e depois à Jéssica Vieira, do Grupo
Cinzento.
Bruno Graça Coelho
Boa noite. Antes
de mais, quero agradecer, em nome da minha equipa e em nome dos presentes, a
presença do Dr. Henrique Leitão, e quero fazer uma breve questão tendo por base
uma citação sua. A citação é a seguinte: "Se não houvesse uma base cristã,
nunca teria havido propriamente ciência moderna, porque se hesitava sobre
aspetos que são absolutamente centrais para haver ciência.” A questão é: não
deixa de ser interessante o facto de suportar nos princípios e mais-valias da fé
cristã as bases para que a ciência se possa fazer, mesmo que esta fé ainda hoje
rejeite algumas das mais importantes teorias científicas. Não considera que
hoje, e no futuro, a base para a ciência será mais o homem e o que ele
descobriu e não Deus e a fé cristã? Obrigado.
Jéssica Vieira
Muito boa noite.
A questão que o Grupo Cinzento elaborou para o Doutor Henrique Leitão é se as
oportunidades existentes em áreas de investigação em Portugal são suficientes
para fazer face à procura existente pelos jovens e pelos profissionais destas
áreas?
Henrique Leitão
Bom, a primeira
pergunta, de facto, é uma pergunta interessantíssima, demoraria muito tempo a
explicá-la em detalhe, portanto eu vou ser esquemático, mas quero ir direto à
pergunta, porque a pergunta é importante.
Entre os
especialistas é relativamente pacífico, eu sei que não é a opinião comum na
sociedade, por razões várias, no modo como as sociedades europeias se notaram,
mas entre os especialistas de História da Ciência é mais ou menos pacífico que
há um substrato cultural que o Cristianismo forneceu à Europa e este substrato
cultural introduz certas ideias sem as quais dificilmente teria havido ciência.
Quais ideias?
Essencialmente três: a ideia de que o mundo é um mundo bom, que é uma coisa
boa. Culturas que hesitam sobre este ponto, sobre a bondade da realidade
material, não desenvolvem ciência.
A ideia de que o
mundo é racional, esta ideia muito típica do Cristianismo, a ideia de que o
mundo se entende, portanto, toda a realidade natural entende-se, a mente humana
consegue entendê-la – esta ideia importantíssima.
E terceira, que
é um bocadinho mais técnica, mas importante explicar, a ideia de que a
realidade é contingente, quer dizer, é desta maneira mas podia ser doutra. Isto
tem a ver com o facto de, no entendimento cristão, o mundo ser uma criação de
um ato livre de Deus. Como é desta maneira, mas podia ser doutra, a única
maneira de saber como é, é estudando-a, estão a perceber?
Estas três
ideias, a partir da Idade Média, tornaram-se culturalmente partilhadas pela
Europa. E, em grande medida – não vejam no que eu digo relações únicas, mono causais
– mas em grande medida estes elementos fizeram este facto estranhíssimo de que
a modernização, a revolução científica tivesse ocorrido nesta pequena zona do
mundo, minúscula, habitada por gente que não é mais esperta do que a das outras
zonas do mundo, somos todos iguais. Mas porquê aqui? Uma das razões, sublinho,
uma das razões, mas uma das razões fortes, tem a ver com este substrato
cultural que, a partir do século XIII, XIV, XV, começa a ficar difundido pela
Europa e, depois, influencia tudo o mais. Estão a perceber, é a nível de ideias
culturais de base.
Estas ideias são
tão "segunda pele” para nós que nós nem notamos muito bem donde elas vêm, mas a
sua origem tem a ver com a sua tradição judaico-cristã que influenciou o mundo.
Como digo, isto é mais ou menos pacífico entre os historiadores de ciência.
Depois, o desenvolvimento sucedâneo é mais complicado, mas quando eu falava, e
quando os historiadores de ciência falam, da influência de convicções culturais
cristãs de base para o estabelecimento de uma atividade científica, estão-se a
referir, mais ou menos, a isto.
O mais
telegraficamente que consegui - é isto. E por isso é que temos um fenómeno que
é curioso, o facto, por exemplo, de termos muitos - que ainda se nota, notou-se
em toda a História -, muitos clérigos, clérigos cristãos, que se envolveram em
atividades científicas. O que é muito anómalo, os membros ordenados das
religiões, habitualmente, não se envolvem em atividades científicas, não
acontece no mundo islâmico, não acontece… embora tenham grandes cientistas,
falo apenas dos membros ordenados, clérigos propriamente. Como sabem, Mendel, o
inventor da genética moderna, é um frade copérnico, que é um padre, Steno, o
fundador da geologia moderna, um padre.
Quer dizer, esta
conexão é muito importante. E também o nascimento das Universidades, este facto
também muito importante da História europeia.
Ou seja, para
resumir muito rapidamente, é um tema muito amplo e muito interessante, mas tem
muito a ver com a nossa própria História, quer dizer, nós temos convicções,
hoje… Mesmo quando as sociedades se afastaram muito de um modo de ver cristão
do mundo, permanecem, trazem consigo, convicções que têm uma base cultural ali,
não é?
Insisto: nós
achamos que o mundo se entende e que se vai entender sempre. Donde é que vem
esta ideia? Porque é que o mundo não se tornaria incompreensível? E no entanto,
nós temos isto como uma ideia… não temos a mais pequena dúvida, havemos de
perceber, qualquer que seja o fenómeno natural, se a gente o estudar, há de percebê-lo.
Outra coisa,
sobre as oportunidades. Uma vez mais, eu lamento imenso, sou otimista. Eu acho
que há oportunidades, ou seja, há oportunidades conjunturais, isto é, há
instituições, há grupos, há maneiras de financiar, há maneiras de apoiar. Claro
que há problemas, e há sempre dificuldades, vai haver sempre. O maior desafio
quanto a mim, é uma decisão, mas que tem que vir da sociedade e depois tem que
estar nas instituições, de manter estes grupos de especialistas. Há uma espécie
de uma decisão coletiva, um gosto coletivo, um apreço coletivo por ter gente
desta, que serão muito poucos, como sempre; mas que nos esclareçam sobre a
nossa história científica.
Gostava só de
fazer um pequenino parêntesis que não tem a ver, diretamente, com nenhuma das perguntas
mas que as atravessa a todas e é o que eu quero dizer. Eu não sei se dão conta
de que muitas vezes o sistema educativo em Portugal parece um bocadinho
esquizofrénico, isto é, ao mesmo tempo que nos processos de educação dos
jovens, das crianças, se insiste em que as pessoas devem ser agentes do
progresso e desenvolvimento do seu país, ao mesmo tempo, muitas vezes,
apresenta-se uma imagem cínica, negativa, destrutiva do seu próprio passado.
Ora, estas duas tensões destroem-se.
Não é possível
querer melhorar uma realidade de que não se gosta. Se não há uma ponta de
afetividade pela própria História, pelo próprio País, com serenidade, não é
preciso empolamentos, mas se não há um desejo de gostar daquilo que se tem, da
História que nos trouxe aqui, eu não acredito que pessoas assim sejam agentes
de grande transformação e, portanto, na medida em que, através deste pequeno
elemento da História, nós conseguimos dar uma ideia do nosso país que nos
alegra mais, nesta medida, tornamo-nos capazes de ser agentes de mais
progresso.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Dou a palavra à
Renata Costa Leite, do Grupo Bege, e à Catarina Martins de Sousa, do Grupo
Rosa.
Renata Costa Leite
Boa noite a
todos, boa noite Senhor Professor. Como vencedor do Prémio Pessoa em 2014, com
a recente disponibilidade do novo Quadro Comunitário Portugal 2020, de que
forma acha que o investimento deve ser de maneira a obtermos o máximo de
proveito para o desenvolvimento científico e uma elevada taxa de
empregabilidade. Obrigada.
Catarina Martins de Sousa
Boa noite. Numa
intervenção do Dr. Henrique Leitão, nós tivemos a oportunidade de reparar que
fala do drama educativo, dos estudantes não sentirem paixão pelas matérias que
estudam, desvalorizando os grandes feitos históricos e científicos conquistados
por Portugal. Assim, gostaríamos de saber se acha que está na altura de ser
feita uma grande reforma no ensino, de modo a que os estudantes passem a ter
orgulho no que é seu, uma vez que, como disse, e bem, é impossível haver
progresso por parte de quem não gosta do que é seu. Obrigada.
Henrique Leitão
Bom,
relativamente à primeira pergunta, a realidade científica do país tem que
mostrar é que é capaz de produzir… – e aqui tenho muito em mente o Quadro 2020
– é que é capaz de produzir ciência comparável à melhor internacional. Isto é o
que temos entre mãos como desafio, porque senão, de maneiras mais ou menos
explícitas, seremos tratados menormente pelos nossos parceiros europeus.
Ou seja, é
preciso que Portugal, continue a fazer o que tem vindo a fazer e que melhore,
conseguir produzir entre os seus membros, na sua comunidade, grupos de
investigação com resultados, com performances, com impacto internacional ao
nível dos melhores. Isto é muito difícil e é muito exigente, mas é este o
desafio que temos pela frente, porque senão seremos relegados para um segundo
lugar. Portanto, este novo enquadramento obriga a uma insistência atenta na
qualidade da investigação científica que é feita. A empregabilidade é um
problema, como sabem. Portugal, porque teve um desenvolvimento nesta área
bastante rápido, que não equilibrou completamente, tem problemas estruturais de
fundo. O principal, como provavelmente devem saber, o indicador que é mais
preocupante, é que 95% a 97% dos doutorados de Portugal permanecem nas
Universidades. Portanto, não estão a ser capturados nem absorvidos pela
sociedade, pelas empresas, por outros âmbitos.
E isto a longo
prazo não é sustentável. As Universidades não podem continuar a viver
produzindo, produzindo doutorados, doutorados que depois não têm sítio para
onde ir. Portanto, como é que isto se muda? Não sei, ainda bem que não estive
neste trabalho, estas sim, são tarefas muito complicadas. Mas este é o
indicador mais delicado. Por detrás disto o que é que tem? Por detrás disto o
que tem é o facto de que a cultura, o saber, a ciência andam de mãos dadas com
a economia, com o desenvolvimento económico. Uma vez disse que a ciência é uma
coisa de ricos, que é uma maneira um bocadinho brutal de dizer, e fica mal dita
assim, portanto não a repitam, mas ter atividade científica supõe ter economias
sãs, pujantes, que crescem. A ideia de que é possível manter investigação e
ciência em países com grandes carências económicas não é realizável. Portanto,
a empregabilidade disto, ou seja, a economia é chamada a esta questão, e de que
maneira, com certeza, e de que maneira.
Sobre a
educação… Muito importante, a minha vida sempre foi ligada a tarefas
educativas, primeiro porque tenho filhos, mas também porque fui sempre
professor e as tarefas educativas dizem-me imenso…
A primeira coisa
que se faz no ato educativo é a transmissão de uma paixão, é o primeiro
momento. Depois há, com certeza, transmissão de conhecimentos, de técnicas, de
saber. Mas se no processo de educar, não se comunica uma certa paixão, isto é,
se o educando não vê no educador, de uma maneira totalmente honesta - porque
não pode ser fabricada - um interesse genuíno pelo assunto, um interesse que é
vital, uma paixão que é imensa sobre aquele tema, é muito difícil que se dê
qualquer educação séria.
Ou seja, quando
eu falo da importância de haver uma paixão no processo educativo – não é só
sobre a História de Portugal, ou só sobre a ciência em Portugal, sobre qualquer
matéria –, quando eu falo deste assunto é porque este assunto é muito sério no
fenómeno educativo. O fenómeno educativo feito sem este facto não resulta
completamente.
Eu acho que aqui
temos que melhorar, a tradição educativa em Portugal tem que melhorar muito
nisto. Porque, por razões várias (a História educativa portuguesa é conturbada
ao longo dos séculos, este aspeto, muitas vezes, não foi suficientemente
enfatizado. Faz-me a sugestão dos programas e das reformas educativas, e tal…
Com certeza, talvez, mas, eu acho que são atitudes muito simples que têm que
mudar, atitudes de base, que podem mudar aqui entre vocês, na maneira como
educam, na maneira como se relacionam com os mais novos.
A idade adulta é
a idade em que uma pessoa toma consciência de que é um educador. Isto é que é
propriamente o querer ser adulto, em que toma consciência que na sociedade tem
a tarefa de ajudar as gerações mais novas. Não precisa de ser professor para
isto. Portanto, todos os aspetos educativos é importante que sejam percebidos.
Talvez uma reforma… eu não apontaria, porque já tivemos tantas reformas
educativas, não queria ter mais outra. Agora, que tem que haver e que tem de se
ajudar a montar uma atitude completamente diferente para o facto educativo,
isso parece-me que sim.
Dep.Carlos Coelho
Senhor
Professor, nós temos uma tradição na Universidade de Verão que é dar a última
palavra, por dever de cortesia, ao nosso convidado. Portanto, eu não terei
outra oportunidade de usar este microfone que é para lhe agradecer as respostas
que nos deu e aquelas que ainda nos vai dar nesta última ronda de perguntas, mas
também para fazer os últimos avisos.
Primeiro para
recordar que amanhã, às 10.00 da manhã, temos o nosso único debate frente a
frente da Universidade de Verão sobre a Internet: "Garantir a liberdade ou
reforçar a segurança.”
Depois tenho uma
mensagem especial para os coordenadores dos dez grupos, para dizer que hoje não
vos vou convocar para uma reunião. [APLAUSOS] Mas igual sorte não têm os vossos
Conselheiros que estão convocados… [APLAUSOS] estão convocados para uma reunião
com a Direção da Universidade de Verão assim que acabar este jantar.
E reiterando os
agradecimentos ao Prof. Henrique Leitão, convido para fazerem as últimas
perguntas, a Maria João Podgorny, do Grupo Azul, e o Nuno Picado do Grupo
Amarelo.
Maria João Podgorny
Muito boa noite,
muito obrigada pela palavra. Um dos temas que dominou esta conversa hoje, esta
noite, e é natural que assim seja, foi a influência do passado no presente e no
futuro. Eu por acaso esta manhã dei um passeio aqui por Castelo de Vide e
passei em frente à Sinagoga, onde estava inscrito um provérbio judaico que diz:
uma Nação que não conhece o seu passado não tem futuro. E ainda acerca deste
tema, eu gostaria de perguntar o seguinte: frisou no início da sua intervenção
que é um privilégio e uma sorte viver e trabalhar num Continente onde se
valoriza o conhecimento e o aprofundamento do conhecimento. Se olharmos para a
História da Europa, sabemos que nem sempre foi o caso – já houve períodos em
que se procurou conhecimento, outros períodos em que se procurou travar a
procura do conhecimento. E se olharmos para os tempos modernos, vemos em
regiões, por exemplo como o Médio Oriente, onde já houve grandes culturas de
conhecimento, um certo movimento no sentido contrário.
Isto preocupa-o? Acha que
na Europa podemos dar por adquirido que a valorização do conhecimento será
sempre uma constante? E se não é o caso, se não podemos dar isso por adquirido,
o que podemos todos nós fazer para garantir que esta situação se mantém tanto
tempo quanto possível? Muito obrigada.
Nuno Picado
Boa noite,
Doutor Henrique Leitão. Antes de mais gostava de agradecer a oportunidade… o
facto de ter estado aqui na Universidade de Verão. Hoje em dia damos uma grande
importância ao cruzamento de dados nas diversas áreas dos saberes. Acha que a
evolução científica, em geral, poderia de certa forma beneficiar se houvesse
uma proximidade maior entre as ciências exatas, como, por exemplo, a Matemática
e a Física, e as ciências não exatas, como a Filosofia?
Henrique Leitão
Em relação à
primeira pergunta, sim, obviamente é verdade, que não podemos dar nada como
adquirido. Nós temos a sorte de viver numa zona onde há uma tradição
intelectual distinguível, claríssima, secular, de apreço pelo saber, e que tem
de ser fomentado e que teve altos e baixos, sem dúvida, mas nada disso pode ser
dado por adquirido. Ou seja, o desafio permanece em cada momento.
Há um aspeto que
eu gostaria de comentar. Há, às vezes, uma espécie de uma narrativa ou uma
interpretação, que tende a fazer o seguinte, que me parece completamente
errado. Isto é, há um conjunto de ideias políticas que garantem a modernidade,
o progresso e o saber, e há um conjunto de outras ideias políticas que não as
garantem, que as entravam.
Eu acho porem
que os problemas são muito mais de fundo, não são propriamente a nível das
ideias políticas, são a nível de conceções muito mais de fundo. Pessoais, sobre
o lugar do indivíduo, sobre realmente quem somos. Ou seja, para dizer de alguma
maneira, há olhares, talvez filosóficos, que promovem mais o amor ao saber e a
proteção do amor ao saber, e há outros que não. Digo isto porque às vezes, na
sociedade portuguesa, ou em certas visões históricas em Portugal, parece haver
uma visão dicotómica. Isto é, que houve conjuntos de ideias políticas que, por
si só, por uma pessoa ter essas ideias, por si só, o país desenvolver-se-ia, e
por não as ter seria um opositor ao saber. Isto não corresponde nada à verdade.
Agora, neste momento, no momento presente, no momento da História europeia, e
também, obviamente, no momento de Portugal, nada pode ser dado por adquirido.
Cada geração tem que recuperar tudo. Temos a sorte de ter uma carga e uma
herança por trás de nós.
O que me parece
aqui importante, para os presentes - e volto a insistir -, colocar o gosto pelo
saber, o gosto pela ciência, o gosto pelo estudo sério, como uma prioridade
central das sociedades, deve ser uma tarefa de todos vós, e certamente minha,
não é só dos académicos. Não negociamos sobre isto, não negociamos sobre isto,
e não nos reduzimos às vantagens imediatas de pequeno desenvolvimento ou
crescimento. Não, estamos a falar de coisas muito mais sérias, estamos a falar
de propriamente quem nós somos. Isto parece-me um ponto absoluto importante e contínuo.
Mas sim, viver é sempre um risco, e toca-nos agora este risco.
Sobre a parte da
interdisciplinaridade e especialidade. Queria dizer duas coisas. Uma é uma
consideração simples. Às vezes parece-me que há um bocadinho de equívoco sobre
o que é uma interdisciplinaridade ou um cruzamento de disciplinas. Não é feito
de saber um bocadinho de muitas coisas. É feito de uma pessoa,
especializando-se numa área e sabendo muito de um assunto, conseguir dialogar
com outras áreas. A capacidade de atravessar áreas, e a capacidade da
interdisciplinaridade, não é feita na vaguidão, nem no domínio mediano das
coisas. É feito num domínio sério - por exemplo, uma disciplina científica -,
mas que permite uma abertura a outras áreas. Não sei se me estou a fazer entender,
porque às vezes parece-me que se tenta apresentar uma ideia da
interdisciplinaridade como um caminho mais fácil. Não é um caminho mais fácil.
A segunda
consideração é que os modos atuais do saber são tais que, é muito provável nas
vossas vidas – e eu sou um exemplo disso -, que nós acabemos por fazer tarefas
que não foram aquelas para que inicialmente estávamos treinados. Este é o mundo
de hoje. É imensamente provável que daqui a dez anos vocês estejam a fazer uma
tarefa que não tem nada a ver com o que os ocupa hoje e que não tenha nada a
ver com a vossa formação inicial.
O quê que isto
quer dizer? Quer dizer que as formações iniciais têm que conter a capacitação,
também, de técnicas, de saberes e de modos de estar que permitam estas
transições. Isto é absolutamente crucial. Portanto, esta será muito
provavelmente a vossa vida.
As grandes
educações – aqui educação no sentido anglo-saxónico, de um treino, de uma education , de um treino académico –
souberam sempre isto muito bem. Eu não sei se vocês têm ideia, quando se anda
numa grande Universidade, não interessa muito o que lá se estudou. O importante
foi a education a que se foi
submetido. Uma pessoa que tem um título de uma Universidade muito famosa,
raramente lhe perguntam o que estudou. Perguntam-lhe "onde é que você andou?” E
ela diz. Porquê? Porque o que se sabe é que aquele processo educativo, embora
baseado numa disciplina, num saber, numa especialidade, foi feito de tal
maneira que a capacitou para mudar aquilo se tiver que mudar. E por isso, em muitas
culturas, nós vemos que as pessoas mudam completamente de atividades
científicas. Porque a formação inicial permitiu isto. Mas não foi feita na base
da facilidade, foi feita a partir de um domínio sólido de técnicas e de
saberes, mas que ao mesmo tempo continha os elementos para permitir fazer isto.
Isto é o modo como as instituições educativas hoje têm que ser feitas. Ninguém
tenha dúvidas sobre isto, porque provavelmente já é o modo das vossas vidas,
imagino.
[APLAUSOS]
Eu peço desculpa
falar já fora… mas pensava que tinha direito a uma palavra final. Demora um
minuto. Queria prestar de alguma maneira uma homenagem pública… Na cerimónia de
entrega do prémio eu fiz questão de dizer uma coisa. Eu sou um produto das
instituições de ensino deste país. Fui um aluno da Universidade de Lisboa,
estudei em grupos portugueses, estive em muitas partes do mundo, em
colaborações, passo muito tempo fora de Portugal, mas o meu treino, a minha
formação, foi adquirida aqui. A repercussão internacional do meu trabalho, a
repercussão nacional do meu trabalho, foi adquirida a partir do que este país
me deu, as instituições deste país me deram. Tenho, por isso, uma dívida enorme
para com este país, para com as escolas deste país, para com as universidades
deste país, para com os professores deste país. E é a consciência desta dívida
e da possibilidade de fazer uma carreira internacionalmente competitiva, a
partir do que me foi dado aqui, que me fez sempre andar toda a vida. Gostava
que percebessem que isto é perfeitamente possível fazer hoje, e que o país já
oferece hoje – como ofereceu noutras épocas, mas certamente oferece hoje - a
possibilidade de se fazer isto. Muito obrigado.