ACTAS  
 
27/08/2015
Internet hoje: Garantir a liberdade ou reforçar a segurança?
 
Dep.Carlos Coelho
Vamos dar início ao nosso debate. Como eu vos disse na sessão de abertura, este formato não existiu na primeira Universidade de Verão, havia só conferências. Os vossos colegas nas avaliações sugeriram que houvesse um prós e contras e, desde a segunda Universidade de Verão, passamos a incluir um tema de confronto.
Um tema de confronto que é sempre diferente, que versa um tema de atualidade, e que vos permite ver como é que convidados de alto gabarito exercem a controvérsia, esgrimem argumentos, debatem com contundência, sem pisar os riscos da falta de educação.
E é esse exercício que vamos proporcionar esta manhã com um tema que não podia ser mais atual e que vocês sentem particularmente que é a questão da internet. Há várias escolas de pensamento que se confrontam sobre o que hoje em dia é mais urgente.
Há quem considere que, face à emergência do crime, do crime internacional, do apelo ao terrorismo, das redes pedófilas, que o essencial é assegurar um maior controlo sobre a internet. Isto é, que os governos devem ter uma maior capacidade de controlar a internet. E há quem considere também, por razões económicas, no cibercomércio, que a confiança neste meio é essencial para que o comércio em linha possa aumentar. E, portanto, são um conjunto de argumentos por razões diferentes que justificam um maior controlo sobre a internet.
Há quem considere exatamente o contrário, que a internet deve ser um espaço de liberdade e que o controlo dos Estados prejudica essa liberdade. E dão, designadamente, o exemplo de fenómenos como a Primavera Árabe ou a luta contra ditaduras, na China, na Rússia, etc. em que um maior controlo da internet pelos Estados significaria retirar dos poucos instrumentos que os cidadãos têm para se oporem à tirania desses regimes.
Para animar o nosso debate temos dois especialistas. À minha esquerda, o Prof. Pedro Sousa, que é professor da Faculdade da Universidade Nova de Lisboa, dá aulas também em Madrid e em Teerão. É um homem do mundo, ajudou a desenvolver sistemas informáticos para o Banco da Guiné, de São Tomé, para o Serviço de Estrageiros e Fronteiras de Angola, entre outras experiências pelo mundo fora.
E o Dr. Fernando Resina da Silva, que está à minha direita, que é advogado, embora também tivesse estudado engenharia, e que é considerado um dos maiores especialistas na área do direito, nesta área das telecomunicações, das novas tecnologias e da propriedade intelectual.
Os gostos dos nossos dois convidados: à minha esquerda o hobby é a leitura e a pesquisa biográfica, à minha direita a corrida/running; à minha esquerda, a comida preferida é peixe grelhado do nosso mar atlântico, à direita cozido à portuguesa, dizendo que é a alma da nossa gastronomia; o animal preferido, à esquerda é a palanca negra gigante, à direita é o cão, o fiel companheiro.
O livro que nos sugere o Dr. Pedro Sousa é a biografia do Tenente-General Alípio Tomé Pinto (estou a editar e espero lançar ainda este ano, próximo do 25 de novembro), o livro que nos sugere Fernando Resina da Silva é "A Endurance - Encurralados no Gelo”, de Caroline Alexander, o relato da lendária expedição de Shackleton na Antártida, uma odisseia da sobrevivência e liderança. À esquerda, o filme que nos é sugerido, tendo em consideração o tema deste debate, "1984”, de George Orwell; o filme que nos sugere à direita "Invictus”, de Clint Eastwood, como um desporto uniu uma nação, um filme sobre determinação, princípios e união.
E finalmente a qualidade pessoal que aprecia, à minha esquerda o espírito cientifico, à minha direita a lealdade.
Estes são, pois, os nossos convidados, a quem agradeço muito a disponibilidade para estar connosco.
Vamos seguir a seguinte metodologia: cada um dos nossos oradores convidados vai fazer uma intervenção inicial, esgrimindo os seus argumentos. Terão 25 minutos rigorosos para o fazer e ambos vão-se socorrer de uma apresentação em PowerPoint. Essas apresentações estarão depois disponíveis na intranet.
Na fase de debate vamos começar com as perguntas obrigatórias, em grupos de duas, a que os nossos convidados responderão alternadamente pelo período de quatros minutos. Havendo tempo, abrimos o catch the eye, seguindo a mesma metodologia.
Definidas as regras do jogo, Dr. Fernando Resina da Silva, tem V. Exa. a palavra.

Vamos dar início ao nosso debate. Como eu vos disse na sessão de abertura, este formato não existiu na primeira Universidade de Verão, havia só conferências. Os vossos colegas nas avaliações sugeriram que houvesse um prós e contras e, desde a segunda Universidade de Verão, passamos a incluir um tema de confronto.

Um tema de confronto que é sempre diferente, que versa um tema de atualidade, e que vos permite ver como é que convidados de alto gabarito exercem a controvérsia, esgrimem argumentos, debatem com contundência, sem pisar os riscos da falta de educação.

E é esse exercício que vamos proporcionar esta manhã com um tema que não podia ser mais atual e que vocês sentem particularmente que é a questão da internet. Há várias escolas de pensamento que se confrontam sobre o que hoje em dia é mais urgente.

Há quem considere que, face à emergência do crime, do crime internacional, do apelo ao terrorismo, das redes pedófilas, que o essencial é assegurar um maior controlo sobre a internet. Isto é, que os governos devem ter uma maior capacidade de controlar a internet. E há quem considere também, por razões económicas, no cibercomércio, que a confiança neste meio é essencial para que o comércio em linha possa aumentar. E, portanto, são um conjunto de argumentos por razões diferentes que justificam um maior controlo sobre a internet.

Há quem considere exatamente o contrário, que a internet deve ser um espaço de liberdade e que o controlo dos Estados prejudica essa liberdade. E dão, designadamente, o exemplo de fenómenos como a Primavera Árabe ou a luta contra ditaduras, na China, na Rússia, etc. em que um maior controlo da internet pelos Estados significaria retirar dos poucos instrumentos que os cidadãos têm para se oporem à tirania desses regimes.

Para animar o nosso debate temos dois especialistas. À minha esquerda, o Prof. Pedro Sousa, que é professor da Faculdade da Universidade Nova de Lisboa, dá aulas também em Madrid e em Teerão. É um homem do mundo, ajudou a desenvolver sistemas informáticos para o Banco da Guiné, de São Tomé, para o Serviço de Estrageiros e Fronteiras de Angola, entre outras experiências pelo mundo fora.

E o Dr. Fernando Resina da Silva, que está à minha direita, que é advogado, embora também tivesse estudado engenharia, e que é considerado um dos maiores especialistas na área do direito, nesta área das telecomunicações, das novas tecnologias e da propriedade intelectual.

Os gostos dos nossos dois convidados: à minha esquerda o hobby é a leitura e a pesquisa biográfica, à minha direita a corrida/ running ; à minha esquerda, a comida preferida é peixe grelhado do nosso mar atlântico, à direita cozido à portuguesa, dizendo que é a alma da nossa gastronomia; o animal preferido, à esquerda é a palanca negra gigante, à direita é o cão, o fiel companheiro.

O livro que nos sugere o Dr. Pedro Sousa é a biografia do Tenente-General Alípio Tomé Pinto (estou a editar e espero lançar ainda este ano, próximo do 25 de novembro), o livro que nos sugere Fernando Resina da Silva é "A Endurance - Encurralados no Gelo”, de Caroline Alexander, o relato da lendária expedição de Shackleton na Antártida, uma odisseia da sobrevivência e liderança. À esquerda, o filme que nos é sugerido, tendo em consideração o tema deste debate, "1984”, de George Orwell; o filme que nos sugere à direita "Invictus”, de Clint Eastwood, como um desporto uniu uma nação, um filme sobre determinação, princípios e união.

E finalmente a qualidade pessoal que aprecia, à minha esquerda o espírito cientifico, à minha direita a lealdade.

Estes são, pois, os nossos convidados, a quem agradeço muito a disponibilidade para estar connosco.

Vamos seguir a seguinte metodologia: cada um dos nossos oradores convidados vai fazer uma intervenção inicial, esgrimindo os seus argumentos. Terão 25 minutos rigorosos para o fazer e ambos vão-se socorrer de uma apresentação em PowerPoint. Essas apresentações estarão depois disponíveis na intranet.

Na fase de debate vamos começar com as perguntas obrigatórias, em grupos de duas, a que os nossos convidados responderão alternadamente pelo período de quatros minutos. Havendo tempo, abrimos o catch the eye , seguindo a mesma metodologia.

Definidas as regras do jogo, Dr. Fernando Resina da Silva, tem V. Exa. a palavra.

 
Fernando Resina da Silva

Muito obrigado. Muito bom dia a todos. Começar por agradecer este convite, para mim é sempre muito estimulante e é sempre um grande prazer participar nestas discussões que têm que ver com tecnologia, eu sou um grande fã e adepto da tecnologia.

Agradecer ao Instituto Sá Carneiro, à JSD, ao PSD, na pessoa do deputado Carlos Coelho, este convite, espero estar à altura daquilo que sejam as vossas expectativas da defesa da minha posição nesta matéria.

Bem, para mim é um grande prazer estar com o Pedro Sousa neste debate. Nós temos visões muito diferentes sobre tudo isto; não só sobre tudo isto, até sobre a gastronomia, porque, de facto, ele é um homem saudável, gosta de peixe. Eu que sou um homem mais para as coisas pesadas, gosto da variedade, gosto do cozido à portuguesa. E por isso também diz muito do que é a nossa posição.

Eu tenho uma desvantagem, é que começo eu. Eu ainda protestei: não, mas quem está primeiro no "coiso” és tu, tens que ser tu… Isto quem começa primeiro está sempre em desvantagem, porque quem vai falar a seguir já pode comentar o que o outro disse. Eu espero, depois, ter oportunidade nas perguntas também de ir comentando aquilo que o Pedro disse e aqui fazermos um bocadinho de contraditório.

O título da minha apresentação do tema é este: "Internet Hoje – Garantir a Liberdade ou Reforçar a Segurança”. Eu sou uma pessoa de tecnologia, sempre gostei de tecnologia, sempre gostei de máquinas, desde pequeno.

Isto sou eu, na minha primeira bicicleta, aos 5 anos, e já tinha tecnologia. Tinha duas pequeninas rodas atrás e tinha uma buzina fabulosa de som.

Sou casado, esta é a minha família, a Ana, a minha mulher; tenho duas filhas, a Beatriz, que tem 20 anos, e a Marta, que tem 18 anos.

Sou de Lisboa mas adoro viajar. A outra fotografia da direita é de São Petersburgo, a última viagem que eu fiz e que foi à Rússia.

E a minha formação académica vem de dois lados. Do Técnico, onde estive 3 anos a estudar Engenharia Mecânica. Mas aquilo era muito difícil e era muito chato naquela altura, agora sei que é menos. Mudei para Direito e foi muito mais divertido. E daí que eu sou um "Engenhado”, sou um engenheiro-advogado, e portanto é um misto que não é fácil de encontrar. Não dou nada por mal empregue e não tenham medo de mudar de curso se sentem que afinal não é essa a vossa apetência, que há outro que afinal gostam mais. Eu mudei, foi muito útil ter estado em Engenharia, deu-me um sentido prático e analítico para os problemas do direito que é importante, portanto não dou por mal empregue. E depois, obviamente, na parte do direito à advocacia, trabalho naquilo que gosto, apesar de tudo, que são os meus hobbies que também têm que ver com a tecnologia.

Gosto de tecnologia moderna, como a Fórmula 1, tecnologia de ponta. Eu gosto de saber como funcionam aqueles motores. Mas gosto muito dos motores clássicos que podíamos abrir em casa. Eu desmontei muitos motores de motas e muitos de vocês também, com certeza, e aqueles princípios básicos da explosão dos carburadores ainda me fascinam.

E sou um apreciador de gin, que é uma moda agora, é verdade, mas de facto é uma coisa engraçada, e bebo com moderação e não bebo quando conduzo.

Corro, como já se falou. Sou um dos fundadores da VdA Atletas, que é o grupo de corrida da Vieira de Almeida & Associados e o clube do meu coração é o Belenenses. Belenenses que hoje tem um dia muito importante, esperemos que corra melhor do que correu ontem aos sportinguistas. Estás a bater palmas aos sportinguistas ou ao Belenenses? Muito bem, temos mais um homem de azul aqui.

E este é o meu grupo de advogados, não só advogados, e assistentes da Vieira de Almeida. Eu sou advogado, sou sócio da Vieira de Almeida & Associados, trabalho no grupo de TMT – Tecnologias, Media e Telecomunicações e esta é a minha equipa, são as pessoas com quem eu trabalho todos os dias.

E aqui chegados, segurança ou liberdade? Esta é uma pergunta muito ingrata. Porque, na internet, segurança ou liberdade, isto é um pouco como perguntarem "gostas mais de gelado de chocolate ou bolo de chocolate”. Eu gosto das duas coisas. Eu, se possível, gostaria de ter liberdade e gostaria de ter segurança. Gostaria de ter o maior grau de liberdade com o maior grau de segurança. Mas isso é incompatível na maior parte dos casos. Então, na dúvida, eu prefiro ter segurança.

A minha apresentação inicial deu-vos a conhecer um bocadinho de mim. Enfim, é uma coisa que os americanos fazem muito, eu acho alguma piada e optei por fazer também essa experiência agora aqui.

É, de facto, para vos dar a conhecer um bocadinho mais do que aquilo que está no papel, de quem eu sou, de como penso, quais são os meus interesses. Mas é também para vos demonstrar - isto é mais importante, se calhar – que eu não tenho medo, não tenho receio de partilhar informação pessoal. E partilho esta convosco e depois vai para a internet e vocês tomam notas e ficam-me a conhecer... O meu problema não é partilhar informação, o meu problema é que utilizem a informação que eu partilhei para fins que eu não autorizei ou que utilizem informação que eu não partilhei nem dei autorização para que utilizassem. Este é que é o meu problema.

E assim sendo, como é que isto tudo evoluiu? A internet evoluiu, no âmbito muito de liberdade. O Pedro é um libertário da internet. Vocês vão ver depois, de facto, nós já discutimos um bocadinho ontem. No bom sentido, atenção, no bom sentido…

Mas o mundo mudou com os atentados de 11 de setembro de 2001, os atentados do nine eleven às torres gémeas e ao Pentágono. Porque, de facto, aquilo que era o paradigma da liberdade e da defesa do que era as comunicações entre as pessoas, cujo grande paladino eram os Estados Unidos, de repente tiveram uma epifania: isto não pode continuar assim!

Porque o nine eleven veio demostrar que, de facto, na internet corre muita coisa, corre muita coisa para o bem, corre muita coisa para o mal. E então passou-se de um extremo, do oito para o oitenta. E aquilo que era a liberdade do mercado, da internet, de repente, assiste a coisas como estas – o Patriot Act que foi uma lei dos Estados Unidos, em que os Estados Unidos se arrogam no direito, o governo, as instituições americanas, de intervir, de monitorizar, de vasculhar tudo quanto é a vida de toda a gente praticamente em todo o lado do mundo. E passámos do oito para o oitenta.

Também não é a solução, porque depois os casos continuam-se a complicar e continuam-se a multiplicar. E temos aqui casos que os próprios governos começam a ser eles atores de quebras de segurança ou de violação de direitos e de privacidade.

Temos aqui dois casos, um dos Estados Unidos, temos aqui outro caso da China. Para além dos casos dos governos, temos outros casos, como nós, há pouco tempo ainda, no ciber-ataque que se fez à Procuradoria-Geral da República, ou até, mais recentemente, no caso da Apple, aquele ataque que permitiu obter fotografias das celebridades.

Portanto, os casos continuam a multiplicar-se. E nós precisamos de leis para regular isto, porque senão é o caos. De leis que façam três coisas:

Primeiro, que consagrem os direitos. O que é o direito? O meu direito sobre a minha informação, sobre as minhas coisas.

Segundo, que estabeleça proibições ou condições em que os outros podem utilizar essa informação.

Terceiro, que depois estabeleça medidas, diga: têm que fazer isto, aquilo, aqueloutro para evitar que isto aconteça – senão tivermos leis, então temos aqui um caos instalado. E nós isso não podemos aceitar. O Pedro vai dizer uma coisa diferente, mas depois teremos tempo para falar…

Daí que a minha apresentação ande à roda destes temas: são três grandes temas. Isto é uma coisa que dava imenso tempo para falar. E eu tinha muita coisa para falar convosco, tinha muita coisa para vos dizer, ainda por cima sou advogado, falo muito, e aqui ponho-me o limite rigoroso dos 25 minutos, eu tenho aqui um problema para tentar passar umas mensagens neste curto espaço de tempo.

Elegi aqui três matérias, podiam ser muitos mais.

Primeiro: privacidade, tratamento dos dados pessoais e ciber-segurança. É um primeiro grande tema e talvez o mais importante e os outros decorrem muito deste.

O segundo tema é a propriedade dos conteúdos e os downloads, e a problemática dos downloads legais ou ilegais.

E o terceiro são os novos desafios. E temos aqui três coisas: a internet das coisas (a internet of things ), temos o big data e temos as redes sociais.

Isto é uma Universidade e eu penso que a ideia não é só trazer a minha visão, a minha opinião, que é muito pessoal ou menos pessoal, enfim, sobre como estas coisas se tratam. É um bom sítio também para nós partilharmos conhecimento. Eu quero também ter esta oportunidade para transmitir-vos algum conhecimento, transmitir-vos algumas noções, alguns princípios, transmitindo a forma como a lei regula algumas matérias, porque é importante para as vossas vidas, não só profissionais, mas até pessoais, enquanto cidadãos, saber como é que… se vocês estão protegidos dos abusos, dos habituais abusos que podem fazer das vossas coisas.

Daí que a privacidade do tratamento dos dados pessoais é fundamental. E os dados pessoais são algo valioso. E temos aqui alguns casos emblemáticos de quebra de segurança em matéria de dados pessoais.

Temos o caso da Orange, houve um ataque, e houve mais de um milhão de dados de clientes que foram divulgados. A Orange é uma grande empresa de telecomunicações.

Temos um caso gravíssimo do Barclays Bank, já foi há algum tempo, foi o maior caso de roubo de informação de um banco, em que roubaram 2.7 milhões de dados de clientes, onde estão dados tão importantes como o número do cartão de crédito, os códigos, tudo o mais.

Em Portugal também, ainda há pouco tempo a EDP foi processada porque teria comunicado dados pessoais de clientes a uma terceira entidade e houve uma associação de consumidores que se sentiu lesada. Tudo isso são questões que interessa aprofundar.

Existe muita legislação, vocês depois ficam com o slide e terão oportunidade de ir ver essa legislação. Mas esta matéria tem logo consagração constitucional, ou seja, a utilização da informática e a proteção dos dados pessoais vem logo na Constituição que é o artigo 35.º.

E depois têm outras legislações, têm a Lei de Proteção de Dados Pessoais, que é uma lei ampla e de aplicação genérica, têm uma específica para as comunicações eletrónicas, porque é nas comunicações eletrónicas que os dados andam, e depois têm outra para a vigilância e têm as decisões da Comissão Nacional de Proteção de Dados que também são importantes.

O quê que são os conceitos base? E muitas vezes as pessoas não têm consciência da amplitude do tema.

Dados pessoais. Dado pessoal é o que ali está: qualquer informação, em qualquer suporte relativa a pessoa singular identificada ou identificável. Ou seja, não é só um nome. Tudo quanto permita identificar-me é um dado pessoal. É o meu nome, é a minha morada, inclusivamente, é o número do meu cartão de cidadão, é o meu número fiscal, é o meu número de sócio do Belenenses, é um dado pessoal, é a minha imagem, é um dado pessoal, o número da minha conta bancária, é um dado pessoal, o número do meu cartão de crédito, é um dado pessoal; portanto, é um conceito muito abrangente.

Mas atenção: há ainda dados que são mais importantes do que estes. Porque se estes podem ser tratados, a regra é que os outros, as terceiras entidades, em princípio, até nem os podem tratar. São os dados sensíveis. Dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada, origem racial ou étnica, dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos.

Isto são dados ainda mais preciosos, que a lei pretende que sejam, de facto, ainda mais limitados, e que não possam ser suscetíveis de utilização porque eles são, em si mesmo, matéria muito delicada.

Depois temos aqui o tratamento. Qualquer coisa que se faça com esses dados é tratamento. Temos quem é o responsável. O responsável é a entidade que recolhe os dados. Quando eu vou ao site do Pingo Doce, para me registar, para fazer compras on-line no Pingo Doce, o responsável é o Pingo Doce.

Há o subcontratante, que é de facto a entidade que vai mexer. O Pingo Doce depois contrata uma empresa de TIs, uma Reditus, uma Nova Base, o que seja, para trabalhar. Esse subcontratante também é importante saber que tem obrigações e que não pode incumpri-las. E depois a interconexão de dados, que é uma coisa muito importante, que é a ligação de bases de dados para a criação de perfis. Já vamos voltar a este tema.

Então quando é que uma empresa, por exemplo, trata de dados pessoais? Trata durante muitas vezes durante a sua vida e durante a sua atividade.

Primeiro, sempre que recruta pessoas paga aos seus colaboradores. Quando eu recruto pessoas a empresa manda um anúncio, recolhe currículos e faz uma base de dados com aqueles currículos. Está a tratar dados pessoas.

Sempre que recebe pedidos de utentes para os seus produtos e serviços. Sempre que recebe pedidos e que depois tem que responder, fica com o registo da resposta que deu àquela pessoa, está a constituir uma base de dados pessoais.

Sempre que coloca uma câmara para a segurança do seu espaço – lá está, videovigilância, está a captar a minha imagem. São dados pessoais.

Sempre que cria uma página na internet que inclui um formato para contacto e quando as pessoas a estão a contactar, ela está a constituir também uma base de dados pessoais.

Sempre que faz uma lista de clientes para envio da newsletter está a constituir uma base de dados pessoais.

Atenção, dados pessoais, não é dados de empresas. Se eu só tiver uma base de dados com nomes de empresas e números de identificação de pessoa coletiva, não são dados pessoais. Não entra aqui. Tem obrigações de confidencialidade, por outras razões, pode ter outras questões, mas não são dados pessoais. Isso são dados de pessoais individuais.

E qual é o momento fundamental - e as pessoas muitas vezes não têm consciência disto – em que se fixa o âmbito em que as empresas podem utilizar os meus dados pessoais? É no momento da recolha. E muitas vezes esta recolha é mal feita e vocês devem estar advertidos de que se estão a dar os dados a quem tem uma postura correta na sua recolha.

E o momento da recolha é fundamental. Que é o dever de informação que essa entidade tem quando recolhe os meus dados. E tem que identificar quem é o responsável. Quando eu vou inscrever-me no site do Pingo Doce tem que lá estar: o responsável sou eu, Pingo Doce, sou eu que me responsabilizo, sou eu que vou tratar os dados.

Tem que dizer qual é a finalidade. Isto é importantíssimo. Porque uma coisa é autorizar que os meus dados sejam tratados pelo Pingo Doce para tratar da encomenda e me enviar para casa as compras. Outra coisa é eles serem depois utilizados para o Pingo Doce fazer campanhas publicitárias e estar a enviar-me spam.

Ou, que é a coisa que vem a seguir, quem é que são os destinatários. Uma coisa é dizer: eu estou a dar-te os dados a ti, Pingo Doce, exclusivamente para tratares das minhas encomendas, não é para enviares para marketing. E também não é para enviares para outras entidades do Grupo Jerónimo Martins porque eu não estou a autorizar que tu partilhes os meus dados com outras entidades. Portanto, tem que estar também lá identificado, porque senão eu posso optar por dizer: não, então não quero dar os meus dados, vou comprar ao Continente.

E finalmente a existência do direto de acesso, retificação ou eliminação. Eu tenho que ser informado de quais são os meios que eu tenho para tirar os meus dados, para os corrigir para os eliminar. Isto é fundamental. E quem não fizer isto, é um mau começo. Quem não fizer isto quando recolhe os dados pessoais de uma terceira entidade não tem boas práticas internas e nós devemos logo ficar de pé atrás. Porque não sabemos o que vai acontecer com aqueles dados e a certa altura o meu cartão de crédito, que foi só para finalidade de pagamento das compras do Pingo Doce, pode estar já comunicado a não sei quem que vai fazer outros movimentos e que eu nem sequer sei que essas entidades têm os meus dados.

Obviamente que aqui a pessoa central é o titular. E a regra é esta: ninguém pode tratar os meus dados pessoais sem o meu consentimento. Ou seja, eu tenho que expressar de forma inequívoca o meu consentimento. E por isso, muitas vezes, é que aparece lá o ticketezinho : concorda com o tratamento dos dados pessoais para isto, para aquilo… Eu tenho que pôr sim, porque se não pusesse isso como consentimento inequívoco, não é considerado como havendo consentimento e estão a fazer uma ilegalidade.

Obviamente que há casos de mera notificação. Há coisas que eu tenho que informar, ou a empresa tem que informar, " vou utilizar os seus dados para isto ”. Quando é caso do Pingo Doce, como é para cumprimento de um contrato, eles não têm que pedir autorização para utilizar, porque se eu estou a pedir a encomenda, para o cumprimento do contrato, para me enviarem as coisas, eles vão ter que utilizar.

E há outras situações em que basta, de facto, a mera notificação: a execução do contrato, cumprimento de obrigações legais, proteção de interesses vitais do titular dos dados; se eu estiver em perigo de vida ninguém vai perguntar "posso-lhe fazer uma radiografia?”. Não, tem que utilizar. Só diz: "eu vou-lhe fazer uma radiografia, vou utilizar isto”.

Portanto, há situações que são diferentes, mas o que é importante acautelar é que, de facto, a regra é que os dados pessoas não podem ser trabalhados sem o meu consentimento.

E quem fiscaliza tudo isto é a Comissão Nacional de Proteção de Dados a quem se podem dirigir para esclarecimentos, a quem se podem apresentar queixas, e que tem o poder de aplicar as coimas a essas entidades.

Mas do lado da empresa, a empresa tem de fazer também algo de forma a garantir, a mim, que ela continua a cumprir tudo quanto se obrigou. Tem que notificar, registar, legalizar as bases de dados junto da CNPD. Há casos em que basta uma notificação, quando está a tratar de dados não sensíveis. As empresas têm que comunicar, o Pingo Doce tem que comunicar à CNPD: eu tenho aqui uma base de dados de clientes onde tenho dados A, B, C e D e que utilizo para estas finalidades. E a CNPD pode fazer auditorias e fiscalizações.

E tenho casos em que preciso mesmo de autorização. Se houver necessidade de tratar dados sensíveis, que em regra não são permitidos, já não basta notificar. Eu tenho que obter autorização expressa da CNPD para que os dados possam ser tratados.

E depois se isto não for cumprido pode ser crime e pode ser contraordenação. Pode ser crime, pode dar direito a prisão, e pode ser contraordenação com multas muito elevadas. As multas podem ir até 5 milhões de euros, a prisão pode ir até 4 anos de pena de prisão ou multa. Para além da obrigação de indemnizarem a empresa que utilizou mal os meus dados pelos prejuízos causados e de ter sanções acessórias, até inibição de utilização dos dados e até publicação da sentença.

Tudo isto para assegurar que, de facto, eu tenho os meus dados pessoais a serem tratados apenas para aquilo que eu autorizei e sem abusos. Portanto é fundamental que a lei exista para regular estas matérias.

E entramos aqui noutro capítulo que é a ciber-segurança. Porque a lei estabelece os direitos, estabelece as condições de utilização, as proibições e os limites, mas tem que dizer medidas também. Ou seja, estabelece que para tratamento de dados sensíveis as medidas são estas, são mais rigorosas, as empresas têm que tomar estas cautelas. Para dados não sensíveis, as medidas são mais leves mas têm que tomar estas cautelas.

Porquê? Porque depois podem acontecer azares, pode haver ataques. E se a empresa não tiver cumprido nada disto, do que está na lei, a empresa é responsável diretamente. É responsável e tem a obrigação de indemnizar, e pode ser crime e pode ser contraordenação.

Mas mesmo tendo cumprido, há casos em que os hackers conseguem entrar nas redes e conseguem violar as redes. Então a lei vai mas longe e tem uma série de obrigações. Neste momento, só no setor das comunicações eletrónicas, só para as PTs, para as Vodafones, etc., eles são obrigados a comunicar todas as violações da rede. Seja violação de dados pessoais, alguém que teve acesso a dados pessoais que não devia ter; seja violações de segurança, quebras de segurança na rede; seja perda de identidade das redes, seja avarias das redes, seja intromissões nas redes.

Eles são obrigados a fazer isto porquê? De forma a que (e existe esta obrigação também) quem tem o poder de atuar como a CNPD e as forças policiais possam atuar de imediato, mas há muitas situações em que também são obrigados a comunicar aos utentes. Para que os utentes saibam que, não obstante terem tomado todas as medidas de segurança para que isto não aconteça, isto aconteceu. E então eu tenho o direito de saber para tomar as medidas que entendo adequadas. Se alguém, numa comunicação, quando eu estou a pagar através da rede de telecomunicações a minha compra, obtém os meus dados do cartão de crédito, a PT sabe que houve uma quebra e que alguém obteve esses dados, tem que comunicar para eu logo mandar cancelar o cartão de crédito. É o mínimo que se pode fazer.

Portanto, há mecanismos não só legais que impõem obrigações, estabelecem quais são os meus direitos, mas que obrigam a medidas, e depois também há durante as atividades das empresas obrigações de reporte para, caso aconteçam estes azares, possam ser tomadas outras medidas que evitem prejuízos e que evitem que as situações mais graves aconteçam.

No futuro isto vai ser ainda mais alargado, porque vamos ter novos Regulamentos e novas Diretivas que vão obrigar ao alargamento desta obrigação de comunicação de todos estes eventos com caráter geral, ou seja, a todas as empresas e são só aos operadores de comunicações e até as próprias administrações públicas e operadores de mercado.

Vamos avançar um bocadinho mais depressa, isto aqui está, e vamos entrar noutra matéria que é a propriedade dos conteúdos e dos downloads.

Tudo quanto circula na internet, ou grande parte do que circula na internet, tem um dono, tem um proprietário, alguém que criou. Não é por estar na internet que de repente as coisas se tornam livres. E as músicas e os filmes e os livros que andam na internet têm alguém que os criou. Entramos então aqui no âmbito do direito de autor e da propriedade intelectual.

O que é o direito de autor? Criações intelectuais que sejam a exteriorização do pensamento criativo do seu criador – uma obra. O software também é, mas os casos mais típicos são, de facto, os livros, as músicas, as pinturas. Tudo isso são obras objeto de direito de propriedade intelectual.

A titularidade é do seu criador, é de quem as criou. Ele tem, em princípio, todos os direitos, exceto no regime de obra por encomenda. Um trabalhador quando está a fazer um trabalho para uma empresa, a empresa é que é o proprietário, mas a regra é de quem é o criador.

E tem uma duração que depende dos direitos patrimoniais ou dos outros. E depois, isto é muito importante: reserva-se ao autor o exclusivo da exploração económica. Ou seja, o autor, que é o dono, que investiu, que é o seu trabalho, tem o exclusivo de explorar economicamente aquilo, de vender, de fazer o que quiser com aquilo.

Assim sendo, estamos a falar de quê? Estamos a falar daquilo que eu já referi: livros, ensaios, músicas, filmes, marcas; mas atenção: as ideias não são objeto de proteção. Eu tenho uma ideia muito boa, a ideia por si só não é… só a materialização dessa ideia. Eu tenho uma ideia de escrever um romance que é de uma viagem de Portugal à Índia, como o Camões, a contar a História de Portugal. Esta ideia, enquanto não for materializada num romance, não tem proteção. Isto é importante saber. Só a materialização ou exteriorização é que tem proteção.

Há direitos morais, o direito moral é simples: é o direito de quem cria, é o autor, é aquele que o criou; mas há os direitos patrimoniais, que são os direitos de explorar e esse aqui é que nos interessa.

Isto porquê? Porque, como referimos, existe um exclusivo de exploração económica de quem criou, de quem investiu o seu tempo, de quem foi o autor daquela obra. Mas há casos em que – são os chamados atos de utilização livre – são lícitas sem o consentimento do autor as utilizações.

Mas elas estão muito limitadas. E são estes os casos:

Atos que não sejam de exploração económica, portanto, que eu não esteja a utilizar para vender eu próprio, para eu quebrar o exclusivo da exploração económica do autor.

A cópia privada. Se eu tenho um CD e quero fazer uma cópia só para mim, para eu utilizar, posso fazer.

Citações, resumos em apoio das próprias doutrinas ou com fins de crítica, discussão ou ensino. Se eu estou a dar uma aula posso citar uma outra obra, posso pôr um excerto, etc., porque estou a citar.

São casos, muito, muito, muito limitados. A regra é esta: quem cria é o proprietário, investiu e tem o direito de ser remunerado por aquilo que criou.

E aqui chegamos aos problemas dos downloads. E vocês conhecem muito provavelmente estas três entidades: piratebay , ontuga , tvtuga , que eram entidades que afinal faziam o quê? Faziam a utilização dos direitos patrimoniais, exploravam comercialmente obras de terceiros sem o consentimento deles, e ficando eles com os rendimentos e não pagando a quem os criou. Estes três já foram proibidos, em Portugal já houve as ações judiciais e já não se pode aceder a estes sites.

Porque, de facto, o que eles faziam era uma exploração ilegítima da propriedade intelectual e dos direitos patrimoniais de algo que não era deles, fora dos casos em que essa utilização é lícita que eu referi atrás, e que aqui voltam a ser referidos.

Quando é que um download é permitido? É permitido nestas condições: é permitida, sem autorização do titular, do autor, a reprodução por pessoa singular, não é por empesa, é pessoa singular, somos nós, para uso privado, sem fins comerciais diretos ou indiretos.

Na medida em que eu tenho um CD e depois quero reproduzir, fazer uma cópia, porque quero ouvir no carro, então eu posso fazer. Muito bem, é uso privado, é só para meu uso. Depois estou a pagar até uma remuneração na cópia privada, que é uma lei que saiu agora, mas não temos tempo para falar nisso agora.

Mas o que não se pode fazer é o que está a seguir. É que "sem fins comerciais” significa que a reprodução não pode ser feita com o objeto de explorar a obra. Ou seja, não posso fazer reproduções do meu CD dos Coldplay para depois ir vender a reprodução, porque já não é um uso lícito. Isso já não posso.

E atenção que "sem fins comerciais” significa também que a reprodução não pode representar uma poupança para o utilizador, tem um fim substitutivo. Ou seja, eu não posso é comprar, evitando assim ter que comprar, porque isto também é considerado ilícito.

Ou seja, se eu estou a pensar comprar, porque quero ouvir, o CD dos Coldplay, eu devo comprá-lo. O que eu não devo fazer é substituir isso por uma cópia que é uma cópia ilegal de um amigo que me emprestou. Porque então aí eu estou a cometer uma legalidade, porque estou a ter um fim direto comercial, estou a prejudicar. Já não está o autor a ter um ganho.

Ainda há muito pouco tempo, no final de julho, foi assinado um acordo entre o governo e a maior parte de associações de direitos de autor e organizações de consumidores que permite fazer a denúncia dos casos em que existe pirataria e serem bloqueados esses sites.

Vamos apressar um bocadinho porque estamos mesmo a chegar ao final do tempo.

Mas isto começou agora. E há aqui coisas que nós não sabemos ainda como é que vamos fazer. A internet das coisas. Vocês já ouviram falar da internet das coisas. É a capacidade, a possibilidade de os objetos usados no dia-a-dia ligarem à internet e enviarem e receberem dados, todos eles, estarem ligados. O meu frigorífico manda para o supermercado uma mensagem a dizer: falta o leite, manda entregar. E eu já nem sei quando é que me falta o leite, porque me aparece o leite.

O que é facto é que em 1992 nós tínhamos um milhão de computadores ligados à internet, foi o princípio da internet, mas no ano 2020 vamos ter 50 biliões de objetos ligados à internet.

Isto levanta todos os problemas que falámos atrás do consentimento, da interconexão dos dados. Obviamente que isto é muito importante e é muito útil e é muito interessante e eu acho que nós devemos caminhar neste sentido. Isto dá uma possibilidade muito grande de controlo e organização às empresas que queram fazer a sua atividade, queiram fazer vendas, oportunidades de negócio e ofertas adequadas, promove a inovação. Mas tem este problema, é que tem menos privacidade, a informação domina-se e controla-se de uma forma muito mais difícil, pode haver mais abusos.

 
Dep.Carlos Coelho
Dr. Resina da Silva, temos de concluir
 
Fernando Resina da Silva

Mais um minuto e acabo.

O mesmo problema se revela quando nós surgimos com o big data. Isto porquê? Porque são gerados todos os dias 2.2 milhões de terabites de novos dados, 90% da informação não está estruturada e 98% da informação é digital. Nos últimos dois anos foram criados mais dados digitais do que em toda a história humana.

E este é o mesmo problema da internet of things , da internet das coisas. Que é como é que se vai controlar o trabalhar até automático de todas estas informação, que vai gerar perfis, que vai gerar uma série de coisas. Perde-se o controlo. Eu dei o meu consentimento ao Pingo Doce, lembram-se, para aquela compra daquele dia, mas de repente, com o big data , o Pingo Doce pode ligar isto àquelas compras que eu fiz no grupo… E de repente nós temos aqui uma série de matéria que não está regulada e que é difícil de regular e que é complicado.

Finalmente, e para acabar, as redes sociais. Tenho aqui três casos que são emblemáticos de como estas coisas depois surgem num novo tema da internet, que é a utilização das redes sociais.

Este caso é o caso do trabalhador que foi despedido porque fez comentários ofensivos da entidade para que trabalhava dentro de um grupo que ele considerou que era um grupo privado. Mas um grupo privado no facebook que tinha 140 pessoas.

E aquilo que eu posso dizer em relação a uma conversa particular, que é uma comunicação pessoal, dizer "o treinador da equipa A é um palhaço, o tipo não percebe nada do que faz”. Isto não é ofensivo, é liberdade de expressão, eu não estou a tentar denegrir a imagem de ninguém criando uma campanha. Mas só que o tribunal entendeu que não. Que aquilo de facto era uma ofensa ao bom nome e à imagem das empresas e dos colegas. Porquê? Porque o grupo já não era um grupinho, já não era um comentário pessoal.

E de repente nós temos aqui uma nova realidade: nós estamos expostos. E o tribunal decidiu, e bem, que o despedimento que foi feito a este trabalhador foi um despedimento correto e era legal porque de facto ele tinha ofendido, para além do que era uma comunicação pessoal, tinha ofendido de forma abrangente o que era o bom nome da empresa e dos colegas.

Mas temos depois um caso mais complicado que eu já não estou de acordo e que saiu agora há pouco tempo. A Relação de Évora proíbe pais de publicarem fotos da filha no facebook. Porquê? Porque depois há um pânico, como a história do 8 e 80 e como o nine eleven nos Estados Unidos. E de repente os pais não podem publicar fotos da filha no facebook porque os juízes entenderam – vejam, isto depois é o preconceito, é a cultura que é também uma questão complicada e tem que haver aqui muita pedagogia –, consideram que a internet é um sítio privilegiado para os perigos de exposição de menores em redes sociais frequentados por muitos predadores sexuais e pedófilos.

Isto não é verdade, isto não é assim. Nós sabemos que a internet é muito mais do que isso. E os predadores sexuais e os pedófilos usam a internet como usam outras matérias. Agora partir do princípio que tudo que lá está é predadores e pedófilos e portanto não posso pôr a fotografia é um abuso, é ir para além daquilo que é o razoável.

E finalmente há coisas anedóticas, e esta saiu há muito pouco tempo. Como foi este: site de infidelidades Ashley Madison e criadores processados em Tribunal Federal. Porque houve uma pessoa que está registada num site de infidelidades, para cometer infidelidades, acusou-as de ter quebrado a confidencialidade do tratamento de dados pessoais porque permitiu que se soubesse que ele estava lá inscrito.

Isto já é um bocado anedótico, mas o que é facto é que o homem tem razão. Lá o que ele faz, se é fiel ou infiel, é um problema dele e da mulher dele, nós pouco temos a ver com isso.

Agora, que a empresa tinha obrigação de manter a confidencialidade e que a identidade pessoal não podia ser revelada a terceiros, não podia, e ela foi.

Isto foi assim muito rapidamente, havia muita coisa para discutir, pode ser que agora nas respostas tenhamos oportunidade. Agradeço a vossa paciência e a do moderador para este pequeno excesso de tempo.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Muito obrigado, Dr. Resina da Silva. Vamos agora transferir o microfone de lapela para o Dr. Pedro Sousa, que dispõe de 29 minutos para fazer a sua apresentação. Igualdade de tratamento, a chamada equidade…

 
Pedro Sousa

Vou começar com os habituais agradecimentos. Agradeço imenso a honra de estar aqui presente, agradeço-vos a paciência de estarem aqui nesta sala em período de férias, é bom sinal, e agradeço a apresentação e as provocações que o Fernando já me fez, eu vou tentar aguentar-me, para ser justo, vou tentar não influenciar muito a minha apresentação.

Eu tenho que vos confessar que quando fui convidado estava de saída, eu estive quase vinte e tal dias fora de Portugal, e vi-me na iminência de preparar esta apresentação on fly , mas mesmo a voar, entre sítios.

Eu gosto desta muito desta frase do Ortega y Gasset que diz que nós somos nós próprios e as nossas circunstâncias, e temos que, de alguma forma, proteger as nossas circunstâncias para nos protegermos a nós próprios. E eu começo por fazer uma breve apresentação, como o Fernando fez da minha vida pessoal, menos pessoal, porque eu não gosto nada de partilhar a minha vida pessoal. Ao contrário do Fernando, tenho um problema, que é: não gosto nem de partilhar fotografias, nem de partilhar família, porque sei do perigo. Não recomendo a ninguém a partilha na internet, exatamente porque sei do perigo.

Mas seu sou professor, professor na Nova, já foi dito, sou investigador, eu continuo a fazer investigação, exatamente na área da big data , das redes complexas, andamos a estudar este fenómeno e como podemos tirar partido deste fenómeno.

Sou empresário, também. Eu trabalho muito na Europa, África e Médio Oriente.

Esta apresentação obrigou-me a fazer alguma reflexão. Eu uso muito peças de arte nas minhas apresentações, gosto de escrever pouco. E isto obrigou-me a refletir porque eu já ando nisto há quase 25 anos, ou seja, eu vi nascer a internet. E quando estava em Luanda (porque eu aterrei em Luanda com esta necessidade de refletir e de me preparar para esta apresentação), ouvi um mais velho – que é como se diz lá em Angola – a dirigir-se a um mais novo (neste caso, estou aqui a meter-me com o Fernando) e disse-lhe assim: olha pá, se vieres uma criança a rastejar vai lá ajudar, mas se vires uma piton não faças isso porque é perigoso.

E eu achei que era uma boa forma de começar esta apresentação. Eu até tenho um vídeo aqui que não vou mostrar porque é demasiado agressivo, que mete uma piton a atacar. Eu acho que vocês são todos capazes e vão ganhar aqui algum tempo a perceber que, de facto, isto da internet tem os seus perigos e tentar mexer na coisa enquanto nós não percebermos bem onde é que estamos e para onde vamos tem os seus perigos. Principalmente porque eu não sei para onde e que nós vamos, e quanto mais estudamos, mais somos surpreendidos.

Eu esta imagem gosto muito, porque é devido a esta imagem que nós, de alguma forma, chamamos ao planeta Terra o planeta azul. E a internet tem muitos erros de perceção.

Esta imagem é uma variante. Mas esta é um estudo científico aprofundado do que é o planeta Terra em relação à sua água, a água que existe no planeta Terra. Não sei se já viram alguma vez esta imagem, mas isto é toda a água que existe no planeta Terra concentrada naquela bolha.

E se pensarmos na água potável, temos esta. Aquela mais pequenina, não sei se conseguem ver.

E isto muda um bocado a perceção que nós temos das coisas. Eu acho que é isso que nós precisamos de fazer em relação à internet. Antes de começar a mudar o bicho é percebê-lo bem e tentar entendê-lo.

Nós estamos a viver agora uma revolução. Principalmente para vocês, que são mais novos, vocês não assistiram ao crescimento da internet. Mas nós primeiro tivemos a imprensa, depois tivemos a rádio, depois tivemos a televisão e agora estamos a viver uma verdadeira revolução do conhecimento.

Esta foi a primeira página, isto começa tudo com uma primeira página em 89 no CEN. Isto é conhecido, mas isto é evolução. E isto é totalmente desconhecido, e todos os dias isto é desconhecido, porque todos os dias há coisas novas. Nós começamos só por ler, depois começamos a negociar, a comprar, a falar, isto em 2000, alguns de vocês estavam a nascer, sei que há pessoas aqui com 16 anos, estamos no limite.

Mas depois temos a comunidade, hoje em dia vivemos em comunidade, estamos nas redes sociais, estamos a partilhar informação. Isto é mais do que um meio de comunicação, é essa a minha tese.

Mas antes de chegar lá, eu gostava de vos tentar explicar porque é que isto aconteceu. Eu acho que isto é uma coisa que ainda está pouco estudada.

Há essencialmente quatro razões para este fenómeno ter acontecido de forma tão acelerada nos últimos anos. E nós temos de os entender para conseguir perceber o que se está a passar.

Primeiro, tem a ver com a ligação. Nós temos internet em todos os sítios. Eu fui tirando algumas fotografias por onde ia passando. Isto é Istambul. Estamos à espera que isto aconteça. No Dubai também. Isto já é em Paredes de Coura, mais perto. Vocês estavam aqui a trabalhar e eu estava lá no concerto. Depois aproveitei para relaxar um pedaço e ainda fui mais para o monte, continuava com internet. E na piscina também.

Isto era uma coisa que há uns anos não acontecia. Mas não é há muitos anos, é há 5 anos. Vocês têm que se lembrar que nós há 5 anos não tínhamos este tipo de qualidade de internet. Portugal também é um caso particular, porque nós temos uma excelente internet comparado com o resto do mundo. Mas a verdade é que isto não é só cá. Eu tive o privilégio de ir ao Norte de Angola, entrei inclusivamente na República Democrática do Congo, são sítios absolutamente extraordinários, por antítese, e isto é mesmo na fronteira, aliás, isto é mesmo na passagem da fronteira do Dundo – eles estão-se a rir porque se calhar conhecem – a fronteira do Dundo é um sítio absolutamente extraordinário, e esta senhora vende internet. Eu tinha, mas os que não têm, a senhora vende.

Isto é muito importante porque quer dizer que a internet está de facto disponível. E isso é uma das razões, a cobertura é quase total.

Depois é a capacidade de produção. Nós, hoje em dia, cada um de nós, é uma fábrica de produção, é um estúdio. Isto há cinco anos também não era verdade. Vocês têm que perceber que por isso é que isto está tão acelerado, está tão rápido. Vocês tiram mais fotografias, fazem vídeos, trabalham os vídeos, incluem músicas por aí fora. E isto aconteceu nos últimos anos.

Há mais dois fatores que têm a ver com a capacidade de armazenamento. Nós temos data centers como nunca tivemos e estão todos interligados, o que quer dizer que a capacidade de armazenar é imensa, mas nós próprios também conseguimos armazenar. Vocês já não apagam fotografias, vocês guardam no disco rígido ou então enviam mesmo para a cloud.

O outro fator muito importante tem a ver com a logística e isto é importante para o comércio. Ou seja, o facto de nós conseguirmos transportar equipamentos, coisas de um ponto do planeta para o outro, tem levado a que, aliás, estes quatro fatores têm sido essenciais para que se dê este salto, que é mais do que facebook e websites. Isto está-nos a mudar, de facto, socialmente.

Nós não podemos esquecer que neste momento estimamos que somos cerca de 7 mil milhões de almas a caminhar para as 8, vamos ver. Mas a verdade é que na net, neste momento, já estamos 3 vírgula qualquer coisa.

Se vocês forem à internet, às estatísticas, este número não pára mais, isto acaba por ser um bocado impressionante. Este é o número atual, estimado, naturalmente.

Isto é um número que não pára mais, é um contador que não pára. E nós temos que tentar perceber porque é que isto está a acontecer. Estes fatores contribuíram, mas não é só, há aqui um fator que leva a interligar-nos e as ciências sociais estão também a estudar isso.

É muito importante percebemos o que nos está a acontecer como sociedade. Isto tecnologicamente aconteceu, está a acontecer, estamos a acelerar, mas nós estamos a mudar, mesmo a mudar.

Em 2000, esta é a foto, a foto da esquerda é a foto do Concord a arder. É a única, foi vendida por muito dinheiro à Reuters.

Cinco anos depois, a coisa já estava a mudar, são os atentados de Londres. As pessoas dentro do Metro já partilhavam os vídeos. Há aqui uma mudança de paradigma entre o "eu vi isto e registei e quero ter um crédito por isso” por "eu estou a viver este momento”.

Aliás, a sensação que me dá é que hoje em dia, se nós, se vocês, não publicam na internet, não aconteceu. E isto espanta-me.

As coisas estão a mudar até na publicidade. Isto é um verdadeiro anúncio que já tem alguns anos e que mostra que até as marcas mais tradicionais – isto é a Ford... Eu não sei se vocês conseguiram ver, mas até as marcas mais tradicionais estão a mudar a forma como comunicam, o que quer dizer que a coisa está a ter impactos.

Isto é um outro filme que envolve um gato a ser decapitado pelo próprio carro, que eu não vou mostrar.

E, portanto, as coisas estão de facto a mudar. E estão a mudar na forma como nós gerimos o conhecimento. Ou seja, como sociedade nós estamos cada vez mais a dar relevância, ou devíamos estar, à partilha de informação, ao trabalho de equipa, ao estímulo do trabalho de equipa, e isto vai induzir algumas alterações de comportamento. Eu espero, e tenho alguma espectativas, que venha a acontecer um reconhecimento social do conhecimento, que é coisa que não vai acontecendo nos dias de hoje.

Mas isto é só o princípio, porque nós somos capazes de perceber através da net, e isso é ao mesmo tempo um perigo, o pulsar de uma sociedade. Não sei se vocês alguma vez refletiram, e estes são os meus medos, é que nós, em cada momento, somos capazes, se analisarmos as pesquisas que estão a ser feitas, de perceber quais são as preocupações até de um povo.

Estas são as pesquisas que estão a ser feitas neste momento no Google, com mais intensidade, o Nelson Évora, ainda bem; a Bolsa, estamos todos preocupados com a Bolsa; este jovem não faço ideia de quem é que é… há aqui coisas que vocês percebem melhor do que eu.

[RISOS]

Mas isto são de facto as pesquisas. Mas eu consigo perceber e analisar o que se está a passar na minha sociedade olhando para as pesquisas que estão a acontecer.

E como disse aqui o Fernando, 5% está feito, isso garanto-vos eu, faltam 95. O que vem aí é verdadeiramente admirável. Vocês preparem-se e agarrem-se. É como quando uma pessoa vai arrancar a grande velocidade deve pôr o cinto de segurança e agarrar-se.

O tempo é para vós, é mais para vós do que para mim, porque o que vem aí é giro.

O Fernando falou sobre a internet of things , eu gosto de pensar na ubiquidade. Ao mesmo tempo que é interessante também é perigoso. Eu volto a dizer que eu olho para a internet não como uma coisa boa, ao contrário do que muitas pessoas pensam, mas também não como uma coisa má.

Eu olho para a internet como uma coisa. A internet é tecnologia e está à nossa disposição. Um bocadinho como a energia nuclear, depende do que nós fazemos com ela.

E o que vamos fazer com a internet vai continuar a moldar-nos. E este moldar é um moldar mesmo já social, nós já conseguimos ver, não é antever, já conseguimos perceber algumas diferenças nas novas gerações, e já há estudos que comprovam que há aqui um aumento da expressão individual, e já conseguimos identificar aqui duas categorias entre os nativos digitais, aqueles indivíduos que nasceram, em que a tecnologia já existia, e nós aqui na mesa, que assistimos à migração, ao aparecimento da tecnologia.

Temos aqui alterações importantes. Se vocês repararem, aos nativos são apontadas capacidade como acesso rápido de informação de múltiplas fontes. Eu aqui estou-vos a incluir, à maioria de vocês, nos nativos.

Capacidade de múltipla tarefa.

Multimídia para além de texto, ou seja, uma prevalência do interesse na imagem.

A interação em redes múltiplas, com múltiplas pessoas, ou seja a incapacidade de comunicar com um indivíduo só, vários ao mesmo tempo.

O just in time da aprendizagem e uma necessidade de recompensa imediata, isto levanta-nos aqui alguns problemas, porque a vida não é de recompensas imediatas.

Por contraposição, se vocês repararem, temos aqui nós, os monotarefas, o acesso a fontes limitadas, estamos habituados a suar muito na Torre do Tombo para encontrar a informação que queremos.

O processamento sequencial da informação e uma recompensa um bocadinho a posteriori. Isto levanta-vos aqui alguns problemas no futuro, porque estudar não é fácil, estudar é uma atividade difícil, e com recompensa a longo prazo. Portanto, vocês vão ter que adaptar-se um bocadinho a esta realidade. E as escolas também vão ter que se adaptar.

Se quiserem uma comparação entre gerações, a web, para mim é mais uma ferramenta, e para vocês será mais o oxigénio. Ou seja, para a maior parte das pessoas da vossa geração é difícil conceber um dia sem internet e para mim são os melhores dias, são os dias sem internet.

A ideia do juiz que toma decisões porque 140 é muita gente, também com um juiz daqueles, imagino que ele não tenha 3 amigos. Portanto, 140 ligações na internet é uma multidão. Mas para nós, que estamos na net e sabemos, 140 é um número que não tem expressividade. É um indivíduo isolado socialmente numa rede virtual. Há aqui uma diferença muito grande de análise, e de facto aí o Fernando tem toda a razão, há aqui uma perceção diferente da realidade.

As carreiras são de reinvenção múltipla, aparentemente vocês são muito mais decididos a mudar, e portanto são muito menos leais, na perspetiva de que nós ficávamos numa carreira a vida toda, eu ainda faço o que comecei a fazer, nós estamos muito mais ligados a uma autoridade de hierarquia e vocês são os vossos próprios experts , digamos assim.

A questão é que esta nova sociedade onde nós nos estamos a encontrar tem problemas, eu entendo. Porque é como diz o Fernando, nós temos aqui problemas de segurança, temos problemas com o que fazem aos nossos dados pessoais, é verdade, agora, a minha grande dúvida é como é que nós vamos legislar, ou regulamentar ou regular, ou seja qual for a palavra mais adequada, eu não sou advogado, não tenho esse predicado, porque o que eu tenho visto ao longo da História não me tem agradado. E eu acho que o que nós temos é q.b.. Eu acho que os problemas que o Fernando apresentou são mais casos de polícia do que casos de necessidade de nova legislação. Porque assusta-me a nova legislação. Isto é uma provocação mesmo.

A Constituição de 33 em Portugal tinha lá dois artigos muito importantes que tinham a ver com as nossas garantias, que era: " evitar, através de medidas cautelares e restritivas, a perversão da opinião pública e o seu funcionamento como força social. Todas as influências que a afastarem da verdade, da justiça, da boa administração e do bem comunitário têm que ser combatidas ”. Isto foi a porta para termos a PIDE.

A mim incomoda-me, numa internet que nasceu livre, e que é o que é hoje porque nasceu livre, nós estamos a começar todos a reportar a uma entidade a quem, ainda por cima, eu tenho alguma dificuldade de reconhecer competência, porque a competência vem também da competência tecnológica e de perceber o que vai acontecer. E isso é uma coisa que nós temos que pensar muito bem se estamos a fim e abdicar.

Tanto mais que nós podemos olhar para a internet um bocadinho como olhávamos para as máquinas de escrever da STASI, que era a polícia política da antiga Alemanha de Leste. As máquinas de escrever tinham de ser registadas porque qualquer máquina de escrever tem uma impressão digital única, vamos dizer assim, ou seja, se vocês escreverem um panfleto, um folheto, um texto, seja o que for, fica registado que foi feito naquela máquina. Se soubermos quem é o dono, conseguimos descobrir quem anda a produzir essas ideias subversivas.

A internet é exatamente assim, porque tudo o que fazemos na net, se for feito de forma honesta, está registado; se for desonesta tem que se contornar, mas continua a estar registado, porque os operadores continuam a ter essa informação.

Portanto, não é por falta de ferramentas e eu, talvez desconhecimento meu, também não me parece que seja por falta de lei. Principalmente, eu tenho grande dificuldade em imaginar leis para coisas que não sei o que vão ser, porque a internet tem sido sempre assim, tem sido sempre surpresa. Por mais que eu estude e tente perceber o que vai acontecer, nunca consegui antever. Eu fui sempre surpreendido. Não fui capaz de prever o Google, não fui capaz de prever as redes sociais, e acho que não vou ser capaz de prever a próxima coisa, por mais que estude.

E portanto isto preocupa-me de alguma forma, que leis é que se estão a pensar ou que novas legislações é que estão a ser pensadas.

E eu acho que a forma de sobrevivermos nisto, porque eu também gosto de ser positivo, é fazermos parte da coisa. Como dizia o Darwin (e eu deixei isto em inglês de propósito):

It is not the strongest of the species that survives but the most adaptable .

Ou seja, não é o mais forte nem é o mais inteligente, é aquele que se adaptar melhor. E eu acho que nós na internet ainda temos aqui outra dimensão que é: aquele que melhor influenciar a internet é que vai sobreviver melhor. O nosso papel tem que ser estarmos por dentro e não nos deixarmos arrastar. Ou seja, especialmente a Europa tem que ser um driver, tem que deixar de andar de rasto ou por arrasto. É verdade que nasceu lá, mas já nasceu há algum tempo.

A solução é a educação. A solução é o que nós estamos a fazer aqui, é de alguma forma o que fez o Fernando, chamando a atenção para que vocês têm que ter atenção com os dados pessoais. Mas é mais do que isso, nós temos que apostar fortemente, como disse o orador de ontem, na educação, temos que gerir bem o nosso sistema científico, e isso faz-se com livros nos sítios mais improváveis, faz-se com ensino, o ensino formal. Nós temos que preparar os nossos jovens para o pensamento crítico, que é o que nós estamos também aqui a fazer hoje. Os nossos, e os jovens onde queremos colaborar. Isto é uma imagem de M'Banza Kongo, que é a norte de Luanda, numa escola onde eu estive há pouco tempo. Mas isto é uma imagem também em Teerão, ou seja, os povos estão-se todos a preparar, mais ou menos.

Isto é uma escola de meninas, e nós somos de facto todos iguais, isso era uma mensagem que eu também vos queria passar, porque esta menina tem um caderno, se vocês repararem, eu já vi estes desenhos em cadernos da minhas filhas, só que está escrito com farsi , não está com carateres dos nossos.

Portanto, nós temos que apostar, é mais fácil defender aqui a minha dama, eu concordo com o Fernando, é mais sexy, vamos dizer assim, em vez de defender uma parte de segurança, defender a liberdade e, essencialmente, esta necessidade de educar, porque senão a coisa tem tendência a descambar.

Eu fiz uma pequena brincadeira, espero que vocês me permitam, porque nós somos todos hackers, os maiores hackers que eu conheço nascem nos sítios que são mais regulados. Não conheço nenhum iraniano que não seja um hacker. Não há nenhuma rapariga iraniana com 10-15 anos que não saiba fazer uma VPN para poder aceder aos sites todos. É um país onde os sites estão todos bloqueados.

E eu criei aqui um eu virtual, que foi o que eu enviei aqui para a organização, ou seja, esta fotografia não existe, de facto, o ombro esquerdo está trocado com o ombro direito, o ombro direito está trocado com o ombro esquerdo, o meu cabelo está todo trocado, eu tenho para aí menos uns 20 anos, estou muito mais bonito.

Mas fiz mais, eu hackei a minha fotografia. Ou seja, a fotografia que eu enviei para a organização tem um qr code em cima de um dos ursinhos da gravata, o que quer dizer que eu aqui podia ter enviado a informação que quisesse. E eu enviei, enviei uma informação que eu não sei se vou conseguir abrir, que é totalmente inócua, que é no fundo a anunciar a palestra que estamos nós estamos a fazer aqui hoje num endereço privado da empresa.

Isto é para vos dizer o quê? Por mais que pensemos regras, vai haver sempre tanta gente nova na internet, que nós vamos ser capazes de as contornar. E eu acredito, exatamente pelas mesmas razões que o Fernando referiu, nós temos que nos preparar para o que vem aí, que pode não ser bonito, aliás, tipicamente não será bonito. E por isso é que vocês têm que ter muito cuidado com a informação que disponibilizam na internet. Ao contrário de ter aquela compulsão de partilhar informação, não a partilhem se não for necessário partilhar.

E eu acabo com uma coisa que nunca fiz em nenhuma apresentação, mas vou tentar fazer. Eu vinha de Istambul e já estava tão cansado que já nem filmes conseguia ver e fui a ouvir música e vi uns videoclips. E há dois videoclips que resumem tudo o que eu quero dizer nesta apresentação. O primeiro é este, que é terrível, Amy Winehouse.

Nós não nos podemos enganar porque a internet não é coisa boa, como diz a música. A ideia é: temos é que ver onde estamos metidos e temos que perceber se conseguimos ou não adaptar-nos à situação. Tentar mudar a coisa vai ter resultados imprevisíveis. E eu acho que nós estamos a ter algum benefício como sociedade de toda esta informação que estamos a partilhar e este conhecimento que estamos a partilhar. Eu preferia continuar a investir nesta capacidade de desenvolvermos este meio absolutamente fantástico, em vez de estar tão preocupados com a segurança. Eu gostava mais de ver os governos preocupados com a educação para atuar na internet e para alterar a internet, porque senão eu prevejo muito choro e muita insatisfação em todos nós.

Mas hoje, quando estava a pensar que este vídeo era capaz de ser interessante, pelo menos vocês devem conhecer esta música, achei que isto era capaz de ser um bocado deprimente para acabar a minha apresentação, porque eu quero acabar mesmo com uma mensagem de esperança. Apesar de eu antever e continuar a antever muita luta, o que temos pela frente é de facto uma batalha difícil, mas eu prefiro olhar para a internet mais nesta perspetiva, que foi o vídeo que vinha a seguir, por isso é que eu não aguentei, achei que era uma mensagem quase divina.

Que é olhar para as vantagens da internet sempre sem esquecer as desvantagens. Nunca esquecer que nós temos sido sempre surpreendidos. Não há nenhuma aplicação verdadeiramente disruptiva que nós tenhamos tido a capacidade de prever que ia acontecer. E as contribuições vem sempre dos sítios menos prováveis ou mais improváveis, se quiserem.

E o que eu tenho observado são coisas absolutamente fantásticas, na capacidade de comunicarmos, de partilharmos saber, de nos sincronizarmos todos. E eu acho que este vídeo mostra isto, vem muito da juventude, e eu sou sempre surpreendido com o que vai aparecendo na internet, e tenho muitas expectativas das propostas que vocês, a vossa geração vai trazer para este novo meio. E tenho muita esperança que isto não seja um mundo tão negro como eu olho para ele agora. Eu vejo-o com muita preocupação, principalmente porque vos vejo a utilizar a internet sem cuidado absolutamente nenhum e sem estarem cientes do perigo.

Para além da juventude toda e das contribuições, as coisas quando amadurecem, ou seja, quando o processo amadurece na internet, então eu tenho a expectativa de que a coisa vai correr mesmo bem, e eu acho que nós estamos só com dores de crescimento e que o que vem aí é espetacular.

Eu antevejo uma capacidade de comunicação a nível global e de partilha a nível global de informação que espero que nos leve no bom caminho e não no caminho negativo, digamos assim, que precise de tanta segurança. A mim assusta-me a segurança e assusta-me, por exemplo, o que os Estados Unidos fizeram quando usaram os atentados para tomarem conta dos nossos dados, o que eu acho que é não só assustador, é até desleal.

E era com isto que eu queria terminar a minha apresentação.

[APLAUSOS]

 
Nuno Matias

Muito obrigado. É um tema tão atual quanto interessante e desafiante. Têm agora a palavra os grupos, e para a primeira ronda têm a palavra o João Carlos Costa, do Grupo Castanho, e o Sérgio Laranjeira, do Grupo Roxo.

 
João Carlos Costa

Bom dia a todos. Depois das profícuas intervenções a que assistimos, e querendo imprimir um carater mais pragmático à nossa discussão, colocamos a seguinte questão: tendo em conta o perigo e o repto que a dark web representa, atendendo ao facto de constituir a esmagadora maioria da cibercriminalidade, de que forma podemos mitigar este problema?

Obrigado.

 
Sérgio Laranjeira

Bom dia. Obrigado pela vossa presença e pela oportunidade. No seguimento daquilo que ficou conhecido pela lista VIP das Finanças, eu gostaria de saber como é que o Estado deve garantir que os dados dos cidadãos estão protegidos e que só são acedidos por um motivo válido.

Muito obrigado.

 
Pedro Sousa

Eu vou ter alguma dificuldade em usar os quatro minutos, vou ser mais rápido.

Mitigar o problema da dark web , é uma questão de educação, mais uma vez. Neste caso, das nossas polícias, porque eu acho que isto é um caso de polícia. E é um caso de incapacidade, ou não, que nós temos de mergulhar também na dark web. A dark web está aí, está disponível para os criminosos, está disponível para nós todos e está disponível também para as nossas polícias. Eu prefiro até que a dark web venha à superfície, porque uma forma boa de saber onde anda a criminalidade e onde é que andam os tontos é dar-lhes liberdade de expressão, digamos assim.

Eu acho que passa tudo outra vez pela educação, neste caso da nossa polícia. Ou seja, nós temos que ter indivíduos mais bem formados, mais capazes. Eu não estou a dizer que eles não estão, mas cada vez mais, porque isto é uma corrida que não pára mais, digamos assim.

Porque isto é um jogo do gato e do rato, muito acelerado. E essa é a mudança que nós vamos ter de fazer. Enquanto há 100 anos o crime evoluía de forma mais tradicional, e a nossa polícia podia ir ao ritmo também tradicional, nós aqui vamos ter que acelerar tudo.

Quanto à garantia dos dados pessoais e do Estado. É assim: nós temos um problema complicado para gerir. É que isto é uma ciência muito nova. A informática é verdadeiramente uma ciência nova. E os informáticos têm um problema de base que é: têm a convicção de que conseguem fazer tudo. Se pegarem num informático e o contratarem para um hospital ele faz um sistema hospitalar; mas se for para as Finanças faz um sistema de finanças e se for para as telecomunicações faz um sistema de telecomunicações. Portanto, normalmente faz tudo mal.

Não sei o que aconteceu nas Finanças, mas imagino que tenha sido mais uma daquelas coisas de Engenheiro Informático que um dia ouviu dizer: há aqui uns tipos que acedem aos dados e nós não os controlamos. Qualquer informático, o primeiro raciocínio é dizer: isso é fácil, quais são os tipos que anda toda a gente à procura? Há vinte nomes que nos vêm logo à cabeça. Ele até nem foi muito longe, só arranhou 3. Mete lá um "trigerzinho” na base de dados que a próxima vez que vierem cá a gente apanha-os todos. Esqueceu-se que é ilegal.

Aqui, mais uma vez, é apostarmos na educação. Uma educação muito mais holística. Nós durante alguns anos fizemos uma verticalização muito grande dos nossos cursos. E garantir que quem trabalha nos nossos sistemas informáticos, em sistemas tão críticos como estes, tenha o conhecimento do negócio. E que depois, o cliente, neste caso o Estado, tenha também essa capacidade. A ideia de que nós podemos subcontratar tudo tem aqui alguns riscos.

E estas são as duas sugestões que eu faço de forma muito curta para tentar recuperar os minutos que perdemos por causa do Fernando.
 
Fernando Resina da Silva

Ao responder às questões também vou comentar um pouco o que o Pedro disse.

Duas coisas. Primeiro: quando digo que precisamos de lei, eu não quero que a lei seja um espartilho à inovação. Não pode ser. A pior coisa que nós podemos fazer é fazer leis para realidades que não conhecemos. Eu estou perfeitamente de acordo. Não pode haver espartilho à inovação porque a inovação é boa, porque isso traz mais qualidade de vida, traz uma série de coisas boas para os cidadãos.

 
Pedro Sousa
Ou má. Eu estou cansado de inovação má. Até das leis.
 
Fernando Resina da Silva

Compete-nos a nós escolher a inovação em que investimos e a inovação em que não investimos.

A inovação deve existir e a lei não pode ser um espartilho à inovação. O que a lei tem que fazer é acompanhar a inovação de forma a ser um regulador daquilo que são as novas realidades que vão surgindo. E portanto, não vamos é fazer por antecipação. Não vamos fazer a lei que é um espartilho e que vai impor limites a coisas que nós não conhecemos, porque senão a coisa dá a volta à lei e vai pelo outro lado.

A inovação tecnológica deve prosseguir e a lei deve ir atrás com a rapidez possível para ir regulando aquilo que for colocado em causa com essa nova situação. Primeiro aspeto.

Depois o Pedro também referiu que isto são casos de polícia, não são casos de lei. São casos de polícia, mas não há casos de polícia se não houver uma lei que diga que a polícia tem que intervir para corrigir aquilo. Portanto, voltamos ao mesmo assunto. São casos de polícia, são. Mas para haver casos de polícia, para ser crime, para ser ilegal é preciso que haja antes uma lei que diga que aquilo não se pode fazer. Voltamos a cair: a lei é de facto precisa. Não pode ser um espartilho, ela tem que acompanhar a evolução, mas ela é necessária, senão não há casos de polícia. Se não é ilegal, todos podem fazer e a polícia não pode fazer nada. Segundo aspeto.

Quanto à educação, eu estou perfeitamente de acordo que a educação é fundamental. E nós precisamos de leis, mas precisamos de educação. Só que a educação demora tempo, e pode demorar anos a mudar uma mentalidade e, enquanto não muda, nós precisamos de leis se calhar mais restritivas do que as que teremos daqui a um tempo quando a educação for mais generalizada. Estou perfeitamente de acordo que a educação é fundamental para não termos juízes a decidir como decidiu aquele do caso da criança e das fotos do facebook que para mim não faz sentido nenhum. Porquê? Porque de facto ele não tem uma educação do que é o mundo da internet e das tecnologias.

Posto isto, as duas questões. Eu penso que à primeira, o Pedro já respondeu e eu estou perfeitamente de acordo.

Quanto à segunda, da lista VIP das Finanças, mais uma vez: a legislação existe e por isso é que foi ilegal aquilo que eles fizeram e que o Pedro disse, houve quem acedesse a dados fiscais que não podia aceder.

O que não impede é que – e isto é importante referir – que os Estados, os governos, as administrações fiscais estão sujeitos a legislação e também têm que a cumprir. Por isso é que existe uma CNPD – Comissão Nacional de Proteção de Dados que é uma entidade que se pretende que seja independente, independente do governo, independente do poder político, do poder económico e do poder judicial, que tem a capacidade de atuar e de agir também sobre os organismos do Estado.

E, mais uma vez, a legislação existe, o problema é que ela não foi cumprida. Porque os meios da polícia aí, também, frequentemente estão muito atrasados em relação ao que são os meios dos técnicos da informática. E enquanto a polícia e os polícias não tiverem técnicos informáticos tão bons quanto os hackers ou os programadores que fazem estas coisas têm, é complicado.

Mas por isso é que nós sabemos também que muitos dos bons técnicos das polícias são ex-hackers e são contratados por esse mundo todo, a peso de ouro, para poderem ajudar as polícias e os Estados a defenderem-se daquilo que são utilizações abusivas dos dados e o caso das Finanças é um caso desses.

 
Nuno Matias

Muito obrigado. Tem agora a palavra a Céu Brandão, do Grupo Verde, e depois o Bruno Coelho, do Grupo Encarnado.

 
Céu Brandão

Bom dia. O uso da internet e das redes sociais tem-se banalizado nos dias de hoje. Esta prática está imbuída no nosso dia-a-dia e já quase banalizamos – colocamos lá quase tudo. Contudo, temos assistido a grupos terroristas, como é o caso do Estado Islâmico, a explorar estes comportamentos para tirar o máximo de proveito e fazer chantagem ou provocar o choque nos cidadãos. Será que a liberdade de expressão deve ser limitada? Como é que poderemos lidar então com estas ameaças?

Obrigada.

 
Bruno Graça Coelho

Bom dia. Antes de mais quero cumprimentar os oradores e dizer que estou um bocadinho, entre aspas, pouco confortável com a situação porque eu sou Engenheiro de Redes de Informação e Telecomunicações e o orador começou por dizer que os engenheiros fazem tudo mas depois acabam por fazer as coisas mal, não fiquei muito confortável.

 
Pedro Sousa
Ainda bem, odeio pessoas confortáveis.
 
Bruno Graça Coelho

A minha questão é um bocadinho, entre aspas, tentadora até. Recentemente o Google ousou mesmo dizer perante as autoridades que o Gmail não garante a privacidade da informação. A minha questão é, e vou ser mesmo ousado a fazê-la: não tenham dúvidas, quanto mais informação tivermos na internet, mais empresas como o Google ou o Facebook saberão sobre nós. Ouso mesmo dizer que essas mesmas empresas poderão, ao fim de pouco tempo, saber mais sobre nós do que nós próprios. Como vê o crescente desenvolvimento de plataformas de soluções de cloud computing e consequente criação de big data ? A verdade é que estas soluções e serviços irão agregar grande parte da informação dos cidadãos comuns. Isto é, sem regulamentação e mecanismos de proteção, acredita que se conseguirá proteger essa informação? Como poderemos evitar que essas empresas que controlam essa big data , isto é, grandes quantidades de informação sobre nós, possam subliminarmente utilizar essa informação para uso próprio e, no extremo, manipular e controlar-nos.

Obrigado.

 
Fernando Resina da Silva

Curiosamente as duas perguntas tocam-se num ponto que é importante que é onde está informação e quem pode aceder a ela. Acaba por ser isso.

Quanto à primeira, das redes sociais e a liberdade de expressão: A liberdade de expressão existe e ela está consagrada e é independente do meio pelo qual eu a manifesto. Ou seja, a liberdade de expressão, eu posso exercê-la através da rádio, da televisão, dos jornais, dos livros que escrevo e da internet. Os limites são os mesmos. O problema é a consciência do que ainda é liberdade de expressão e daquilo que já não é liberdade de expressão. Aquele caso do trabalhador do facebook é um caso típico. Ele defendeu-se em tribunal que aquilo era ao abrigo do direto da liberdade de expressão. Num ambiente em que a liberdade de expressão é permitida que é o comentário pessoal, a comunicação pessoal em que eu manifesto uma opinião sobre uma pessoa que é uma opinião desagradável.

Só que aquilo foi feito em determinado grupo. E não é ser 140, ó Pedro, os 140 não era o grupo de amigos dele no facebook, os 140 era o grupo de trabalhadores da Essegur. Não tinha referido isso, é uma coisa diferente.

Ele não foi um comentário para um colega, a dizer: o nosso chefe é um palerma, que é um comentário pessoal, uma liberdade de expressão. Foi aos trabalhadores: a nossa entidade patronal, aquilo são uns palermas, são uns palhaços. Isto já é ofensivo. E é este equilíbrio é que é complicado, que é entre os valores e os direitos, a liberdade de expressão e o direito ao bom nome. E aqui não é por ser na internet e nas redes sociais que a coisa muda.

As pessoas não têm é consciência do que diga nas redes sociais e na internet pode ter uma amplificação tal que já excedeu aquilo que era o objetivo da pessoa nesse momento. E aí estou de acordo com o Pedro, é preciso ter cuidado. Porque quando nós dizemos uma coisa na internet ela pode ser amplificada vezes sem conta. O que é diferente de eu dizer só a uma pessoa: "o treinador é um palhaço”, e é uma conversa que ficou entre nós. Ela pode ser reproduzida mas já é indiretamente já não é eu próprio a dizer diretamente a uma série de pessoas.

Estes equilíbrios entre a liberdade de expressão, o bom nome, a imagem, etc. e os outros valores não são diferentes na internet do que são nos outros meios.

Agora ligando já com a segunda, o Gmail não garante a privacidade, eles sabem mais de nós do que nós muitas vezes sabemos, o problema do cloud , do big data e da proteção dos dados. Isso é uma questão interessantíssima é que já é discutida muito por causa do cloud computing e do big data. Porquê? Os dados estão armazenados nalgum sítio. Estão em data center e estão em data center por esse mundo fora. E de facto, a proteção que as diferentes legislações de cada país dão aos dados armazenados nesses países é completamente diferente. Mas nós aí também temos leis. E as entidades e as empresas, e os próprios cidadãos, cada vez estão mais alertas e mais avisados do quê que devem ponderar e devem ter em consideração quando põem os dados na internet.

Por exemplo, no cloud computing e no big data. As empresas hoje em dia trabalham com dados pessoais e têm os dados pessoais dos seus clientes e dos seus trabalhadores em computadores que, muitas vezes, já não estão nas suas instalações. Estão em sistemas de cloud por esse mundo fora. O que a legislação portuguesa é o mesmo da legislação europeia. Diz o seguinte: a transmissão de data centers entre países da União Europeia é livre. Ou seja, quando eu me registo no Pingo Doce e o Pingo Doce fica com os meus dados, ele vai arquivar aquilo num data center em Lisboa ou na Covilhã, se for da PT. Mas pode fazer na Microsoft em Dublin ou na Microsoft em Amesterdão – é dentro da União Europeia. Eu sei que aqui os dados têm proteção das nações europeias que obriga a medidas de segurança que são as melhores que há para proteger os dados. A lei também estabelece que se houver uma transmissão de dados de um data center de Portugal para outro país não da União Europeia, há regras. E das duas, uma (só para dar uma coisa rápida, não tenho muito tempo): ou essa transmissão é feita para um país em que o grau de segurança e as medidas que a lei impõe são idênticas às nossas, então ela pode ser feita; tem que comunicar à CNPD, mas pode ser feita.

Para qualquer outro país que não seja considerado com grau de proteção idêntico ao nosso, já não pode sem autorização da CNPD, que tem que verificar se aqueles dados vão ter elementos de proteção ou não vão ter os elementos de proteção que nós consideramos.

Ou seja, hoje em dia as empresas têm muito cuidado onde é que armazenam os dados e com as políticas de privacidade. E portanto há legislação sobre essa matéria, há normas que obrigam as empresas a ter medidas de segurança sobre essas matérias. Agora, tudo depende em que país é que estão. E, hoje em dia, as empresas quando têm bases de dados e contratam serviços de cloud computing têm muitas vezes a preocupação de saber onde é que estão os data center onde estão a ser armazenados para eu ter a garantia de que estou a proteger os dados dos meus clientes da forma mais eficiente que pode ser protegido.

 
Pedro Sousa

Aparentemente isto vai correr bem, porque afinal o Fernando não está a propor leis novas, não está a propor coisa nova, já existe tudo. E eu com o que existe até já vou conseguindo viver, já me adaptei.

Há uma das perguntas que tem a ver com a capacidade das nossas polícias. Um dos problemas das nossas polícias, se respeitarem a lei, é a dificuldade que têm de cruzarem os dados pessoais. Aliás, o Fernando depois pode explicar melhor, há uma limitação que nós temos, penso que é mesmo na Constituição, há um artigo que proíbe, ainda vem do tempo da nossa Constituição de quando entrámos numa democracia, consolidar nomes e identificações de cidadãos.

 
Fernando Resina da Silva
É proibido o número único de cidadão.
 
Pedro Sousa

Ou seja, se quiserem aumentar a capacidade da vossa polícia, nesse caso tirem esse artigo da Constituição, e aí a nossa polícia vai ter mais capacidade.

Ou seja, há um caso em que se nós reduzirmos a proteção que foi necessária àquela data, talvez ganhemos aqui mais capacidade das nossas polícias. Porque esta é uma tarefa que qualquer pessoa faz hoje. À data (não podemos esquecer que já foi há muitos anos) cruzar os dados era uma atividade complicada que só mesmo as polícias conseguiam fazer. Hoje em dia qualquer de vocês, em casa, cruza dados. Portanto é uma norma um bocado anacrónica. Se nós quisermos ajudar as nossas polícias temos que diminuir a capacidade que, neste caso a Constituição, tem de nos limitar.

Quanto à liberdade de expressão, eu acho que é exatamente ao contrário, eu prefiro ter esta malta toda na net, porque pelo menos sabemos onde é que eles andam.

Aliás, tenho alguma dificuldade – também deve ser por deformação, outra vez – de entender como é que uma pessoa depois pode ser penalizada por consultar esses sites. Eu consulto.

E portanto eu sou um indivíduo que tenho que um dia destes que ser penalizado, provavelmente. Porque é a única forma que eu tenho de me informar. Porque eu, para além das coisas que faço, também estudo geopolítica, e tenho alguma necessidade de perceber o que se passa, também por fontes diretas, não acredito só em fontes indiretas.

Quanto à limitação, eu preferia que nós continuássemos a manter esta capacidade de as pessoas comunicarem e não limitaria.

Quanto ao nosso engenheiro em telecomunicações, ó homem, eu não estava a ofender. Eu estava a falar genérico. É um problema que nós temos na informática, os nossos engenheiros têm esse problema, acredita. Aliás, todas as metodologias indicam no início que tem que se conhecer o negócio. E nós nem temos tempo para conhecer o negócio. E portanto cometemos muitos erros, mesmo, eu conheço muitos projetos que falham exatamente porque nós – eu estou-me a incluir – não conhecemos o negócio dos nossos clientes.

E a verdade é que tudo o que tu disseste que nós potencialmente podemos fazer, nós fazemos, e temos essa capacidade – não é futuro é presente. É possível hoje em dia perceber, olhando para o e-mail das pessoas, dizer quais são os gostos, perfilar as pessoas. O que as empresas todas dizem que fazem, neste momento, é que usam isso para melhorar o serviço que prestam ao cidadão. Acontece que isto é uma matéria de fé. Quando entra na relação entre empresas, que era o caso de que o Fernando estava a falar, as empresas têm que se proteger, porque há aqui problemas de espionagem, inclusive, industrial. E só há um computador seguro no mundo; é um computador que não está ligado a lado nenhum e fechado num cofre. Mesmo assim, alguém pode tentar arrombar o cofre.

A minha mensagem é: tudo que mandamos para a internet é de caráter semipúblico ou público. Tanto mais que, quando se envia um e-mail, vai por servidores de ISP genérico, nós não sabemos obrigatoriamente quem são os provedores. Não temos nenhuma garantia de que os dados quando são transmitidos, não vão parar a uma caixa negra de alguém, amigo ou inimigo. O passado recente tem mostrado que têm sido normalmente os nossos amigos. Esta é uma pergunta muito complicada, mas que tem de ser resolvida ao nível individual, das empresas e de cada um de nós na relação. Temos que saber o que estamos a fazer, mais uma vez é a educação. Isto não se resolve de outra forma. Vocês quando metem alguma coisa na internet têm que ter a perceção clara de que é para sempre, portanto têm que ver se querem meter.

 
Nuno Matias

Muito obrigado. Têm agora a palavra o João Fortes, do Grupo Cinzento, e o Rafael Neto, do Grupo Bege.

 
João Fortes

Muito bom dia a todos. Tem sido percetível que ao longo do tema um dos conceitos que tem sido mais invocado é a educação. É nesse sentido que eu pretendia questionar ambos os oradores qual é a importância que as instituições família e educação devem ter. Na educação dos mais jovens deverão estas instituições ser preventivas relativamente aos sistemas de informação, potencializando sempre, obviamente, os pontos fortes da utilização da internet, mas desencorajando os pontos fracos e negativos/pejorativos.

Muito obrigado.

 
Rafael Neto

Bom dia a todos. Antes de mais, gostaria de agradecer a fantástica apresentação, porque realmente é um problema, eu considero um problema, neste caso a internet, porque quando vemos os riscos associados à internet, como vocês falaram, e muito bem, e é uma preocupação que nós ontem estivemos a falar na preparação de algumas das questões, que nos atormenta um pouco.

Eu tinha aqui duas questões, uma ligada ao terrorismo, que já foi falado, e das redes sociais, e a outra ligada à educação dos grupos mais vulneráveis, penso que seria o que o meu colega João estava a falar, relativamente aos grupos mais vulneráveis, crianças e idosos, ou mais velhos, que não têm tanta literacia digital e de informação.

Como tal, vou passar para outra pergunta que, se calhar, não teria tanta substância, mas é: como podemos nós afirmar que vivemos numa sociedade livre e democrática se, através dos sites que visitamos, falávamos há pouco disso, através dos sites que visitamos, notícias que lemos, grupos, comunidades on-line em que participamos, de génese política ou não, religiosa, etc., permite que determinadas entidades tracem o nosso perfil e o utilizem com as finalidades que bem entenderem?

Obrigado.

 
Pedro Sousa

Ó João, finalmente isto está a ir na direção que eu gosto. A educação faz-se nas escolas, que é uma educação formal, mas faz-se em casa. É impossível, e muito difícil, não é impossível, formar, seja quem for, especialmente uma criança, se não existir vontade da família, a não ser que seja uma criança muito resiliente. E este problema da internet, da forma como nós estamos uns com os outros, resolve-se essencialmente na família. Ao jantar, durante as apresentações, é importante que as pessoas desliguem os telemóveis, desliguem os portáteis, não dá para estar toda a gente ligada ao mesmo tempo a uma mesa a jantar ou numa conferência.

As pessoas têm que libertar o cérebro. Só quem não fez meditação – e eu nunca fiz – é que não sabe qual é a vantagem de nós darmos tempo ao nosso cérebro para conseguir assimilar as coisas. E nós estamos a cortar esse tempo. Há uma coisa que eu não tive que fazer quando vim para esta apresentação, que foi tirar o som ao meu telemóvel, que foi coisa que eu fiz há dois anos. O meu telemóvel não bipa , não toca, não coisa nenhuma, e depois tenho uns problemas quando me telefona um deputado, que eu não lhe ligo nenhuma. A minha família já sabe, já leva dois anos disto, e já se habituou, houve aqui uma necessidade de treino.

Isto porquê, porque eu percebi que a minha produtividade estava a cair a pique, porque eu era interrompido a cada minuto que passava. Por muito que eu dissesse, isto faz-se, porque eu sou multitarefa – não sou multitarefa, pertenço à geração migrante. E portanto tive que tomar essa medida, a que alguns chamam drástica, de desligar o som. Eu acho que estas vão ser algumas das soluções que nós vamos encontrar no futuro. O sistema de e-mail não é um sistema síncrono, as pessoas têm essa sensação, de que têm que estar sempre a responder a tudo, não é um sistema de messaging. E o de messaging também não tem que ser imediato. E nós estamos a abdicar do nosso espaço privado e pessoal para mergulharmos no espaço virtual. Eu acho que com muitas desvantagens.

A tua pergunta está muito bem introduzida, porque eu acho que é mesmo na família que se resolve o problema. Mas para resolver o problema na família, passa pela família desligar a televisão à hora de jantar, desligar os telemóveis, discutir, conversar e referir a parte boa e a parte má.

Eu concordo com o Fernando que a educação leva muito tempo, mas é aquela educação de fundo, para fazer engenheiros, para fazer médicos. Para mudar mentalidades, faz-se em minutos. O poder projeta-se – vocês, se alguma vez estudarem poder, vão perceber que há três níveis de poder, e o terceiro também faz-se muito por projeção institucional. E é coisa de minutos. Vocês entram aqui nesta Universidade e sentem o poder. E mudam a vossa atitude – ninguém chega atrasado, chega tudo a horas, trabalha tudo muito mais do que numa organização que não projete esse poder. E isso faz parte de vos mudar e de vos educar. E isso faz-se também em minutos. Se nós investirmos bem o nosso tempo…

Este debate vai ter um problema, que nós não estamos aqui num grande contraditório. Nós seguimos aqui caminhos paralelos que se intercetam muitas vezes. Na verdade, o que nós temos que fazer é estimular o pensamento crítico e pôr-vos a pensar se vale a pena mandar aquela fotografia ou não e mandar aquele e-mail ou não e qual é o perigo que estão a correr.

Ó João, eu não sei qual era a tua pergunta…

 
Rafael Neto

Bom dia. Sou Rafael. Como é que nós podemos afirmar que vivemos numa sociedade livre e democrática em que podemos partilhar algumas informações e que conseguem fazer um perfil, diversas entidades conseguem fazer um perfil, e utilizar da forma que bem entenderem?

 
Pedro Sousa

Eu já respondi um bocadinho a isso. Vou passar ao Fernando e depois se for preciso eu remato a seguir.

 
Fernando Resina da Silva

Quanto à educação, eu acho que aí é fundamental, não é só na escola, a família com certeza que sim. Há um problema com a família, um problema que só o tempo vai resolver. É que a educação que os pais podem dar aos filhos nestas matérias não é para os pais facilmente da minha geração ou mais velhos do que eu.

E o problema hoje em dia é que – com os vossos filhos já não será assim. Vocês com os vossos filhos já vão ter um grau de conhecimento tecnológico mais equiparado com eles do que vocês têm atualmente com os vossos pais, acredito eu. E o problema da educação da família é que, hoje em dia, nas famílias que têm filhos e que começam a utilizar a tecnologia, os pais ainda são emigrantes digitais quando não são mesmo infoexcluídos. E o problema é que é muito difícil para um pai que não conhece aquela realidade e o filho sabe mais do que ele, como é que o pai vai educar uma coisa que não conhece. Essa é a dificuldade. Daí que não pode ser só a família.

De facto, a família é muito importante, os pais devem ter essa preocupação, mas há uma dificuldade dos pais de uma geração que é a minha, mais velhos do que eu e um bocadinho mais novos do que eu, em educar os filhos com realidade que eles não conhecem bem.

Vou-vos dar um exemplo. Há muitos anos – as minhas filhas têm 18 e 20 anos –, estávamos ainda nos primórdios dos computadores lá em casa, a minha filha teve uma noite muito agitada, ela era pequena, já andava a utilizar o nosso computador, a certa altura desata num choro, e à mãe disse: ó mãe, é que eu fui fazer uma busca à internet e pus "bonecas” e vocês na fazem ideia do quê que lhe apareceu em "bonecas” na internet. Pusemos logo um controlo parental, etc. que era uma coisa que nem sequer estava divulgada na altura, ninguém punha.

E estas realidades vão surgindo e os filhos vão andando na nossa frente e portanto há uma dificuldade na família, de certas gerações, em fazer esta educação. E aí tem que entrar forçosamente a escola, os clubes desportivos, e todas as outras entidades onde as crianças e os jovens estão.

A questão da interconexão de dados e dos perfis. As empresas estão muito limitadas na elaboração de perfis. Uma empresa pode elaborar um perfil de um consumidor, de um seu cliente, com base nas informações que tem. Não pode é utilizar depois esse perfil para impor coisas às pessoas ou para fazer com que a pessoa considere que já adquiriu determinadas coisas só porque eu penso que ela gosta delas só porque ele tem um perfil. Não. A pessoa pode fazer o estudo dos seus clientes com base na informação que tem utilizando a informação para a finalidade para que ela foi autorizada. O que a empresa não pode fazer, e voltamos à história da interconexão de dados, a empresa não pode fazer, sem o consentimento das pessoas, é agarrar numa base de dados que eu tenho de um cliente que foi constituída para determinado fim e ligá-la com outros dados que eu tenho, noutra base de dados, onde está esse cliente também, mas que deu autorização para outros fins.

E com isto, é a história do big data , começa a interconectar diferentes informações de diferentes bases de dados, sem a minha autorização, e começa a ter o meu perfil, que de outra forma não teria se utilizasse apenas as informações que tem para os fins a que eu dei o meu consentimento. Isto é que é perigoso, isto é que não pode acontecer, isto é que a lei proíbe.

Só a talhe de foice… o Pedro diz que desligou o telefone, a família já sabe, os outros não sabem… eu teria um problema enorme com isso.

Eu para já, ao contrário do Pedro, acho a internet uma coisa boa, uma coisa muito boa. A internet facilita-nos imenso a vida, dá-nos uma qualidade de vida ótima, dá-nos uma facilidade de aquisição de conhecimento fabuloso. Há coisas fabulosas.

Eu quando comecei a advocacia, se eu queria consultar as decisões dos tribunais, havia umas fichazinhas em papel que chegavam de 2 em 2 meses ou de 3 em 3 meses, fazia-se por ordem alfabética, e estavam lá coisas de há 6 meses, 7 meses, 1 ano ou 2 anos e não estava lá tudo. Hoje em dia quero saber uma decisão de um tribunal, vou à internet e está lá tudo. Isso é uma coisa fabulosa.

Eu nunca poderia desligar o meu telefone por duas razões completamente distintas. Uma é que se eu desligasse o meu telefone sem som os meus clientes despediam-me. Porque parte de qualidade do serviço que eu presto ao meu cliente não é só a qualidade jurídica do aconselhamento. É o próprio serviço em si, é a disponibilidade, eles pagam-me para isso. O meu cliente hoje em dia tem um grau de exigência que é grande.

 
Pedro Sousa
Acho que escolheste mal a profissão.
 
Fernando Resina da Silva

Mas isso dá-me gozo. Um cliente tem um problema, telefona-me: - ó Fernando, como é que eu resolvo isto; ó pá resolve assim. Ele está numa assembleia geral, tem uma dúvida, telefona-me, preciso votar sim ou não, o que me aconselhas? Vota sim. Se eu não lhe consigo dar isto em tempo, o gajo vai buscar outro advogado. É tão simples quanto isso.

Há outro caso ainda mais grave e mais importante para mim. Tu dizes uma coisa que a mim me faz imensa confusão: a minha família está habituada. Se há cliente que eu não deixo de atender é a minha mulher e as minhas filhas, aconteça o que acontecer. Mas é assim! É assim!

[APLAUSOS]

A minha filha tem a carta há dois meses. No outro dia, distraiu-se a olhar para a direita, bateu no carro da frente, telefonou-me em prantos. Se eu tivesse o telefone desligado, coitada da miúda. Eu tinha o telefone ligado: filha, faz assim, tal e tal, eu vou já para aí. Se eu só soubesse isto no dia a seguir, quando chegasse a casa, eu dava um tiro na cabeça. A tecnologia é fabulosa. Permite-me dar qualidade de serviço aos meus clientes, permite-me estar a par das minhas filhas. Temos um grupo no WhatsApp, estamos sempre em linha. Estamos sempre a dizer graças uns aos outros. Isto é giríssimo.

 
Pedro Sousa

Ele já desistiu das leis. Agora já estamos só na educação.

Havia família e vida antes dos telemóveis. E o amor que tu tens pela tua família não é superior ao meu, é igual. E a vontade que tu tens de atender as tuas filhas, a mim estende-se aos meus pais, e àquela família mais… e à minha mulher. É igual. Não é diferente. A questão é que eu não consigo. O que me estava a acontecer é que eu, para ter essa disponibilidade para todos, estava a baixar a minha produtividade de tal maneira que os estava a prejudicar a todos, inclusive os meus clientes e a minha família. O que eu te desafio a fazer e a pensar é se não estás a prejudicar essa malta toda com esse teu grau de disponibilidade.

 
Fernando Resina da Silva

Eu estou ali a meio caminho entre o migrante e o nativo que eu já consigo ser um bocadinho multifunção.

 
Nuno Matias

Tem agora a palavra o Bernardo Barros Chitas, do Grupo Rosa, e depois o Nuno Ramos, do Grupo Azul.

 
Bernardo Barros Chitas

Bom dia. Queria agradecer o magnífico debate que está aqui instaurado. Queria começar a minha questão com uma citação, Eric Schmidt: "A internet é a primeira coisa que a humanidade construiu que não entende; a maior experiência de anarquia que alguma vez experimentámos”.

A minha questão é: como é que nós podemos educar, legislar algo que, à partida, reconhecemos que podemos não compreender, podemos não conseguir prever algo.

É essa a minha questão. Muito obrigado.

 
Nuno André Ramos

Bons dias. Antes de mais deixe-me só aqui, Dr. Fernando: também eu sonhava ser mecânico, acabei licenciado em Direito; algo em comum. Dr. Pedro: a meu ver, o seu gosto musical é excelente.

Uma pergunta muito breve. Certamente lidam com informação a nível de direito, confidencial, de formação importantíssima, o Dr. Pedro também. Vamos imaginar que tinham uma informação de segredo de Estado, um Orçamento de Estado ou algo ainda superior. Teriam confiança para a guardar numa cloud ?

Obrigado.

 
Fernando Resina da Silva

A primeira pergunta eu já respondi um bocadinho. Legislar o que não se conhece… não se deve legislar o que não se conhece. Eu sou advogado, mas tenho espírito prático de engenharia. A lei não é um fim em si, a lei é um instrumento, apenas. E não vamos fazer as leis só porque achamos que calha bem uma lei. Não, a lei é um instrumento, não é um fim em si. Portanto, a lei deve esperar que as realidades existam e depois legisla sobre elas de forma a assegurar equilíbrios entre diferentes interesses. É isto que a lei deve fazer. Primeira pergunta, penso que está respondida. A lei não deve antecipar, deve ir atrás, na medida do possível acompanhar, e como instrumento que é, ser uma regulação daquilo que vai existindo e à medida que vai existindo.

A segunda, a cloud. A cloud para mim é dos temas mais fascinantes que há e eu sou fã da cloud. Porque dantes nós, as empresas, as pessoas tinham que fazer grandes investimentos em computadores, infraestruturas para termos ali os computadores, a informação e tudo, e a cloud , o paradigma, é completamente diferente. Eu não tenho que fazer investimentos em infraestruturas, em capacidade de armazenamento, porque alguém vai fazer esse investimento, alguém tem data centers e consegue guardar isso tudo. E mais do que isso, eu gastava uma pipa de massa em licenças de software, porque precisava de licenças de software para aquilo, aquilo e aqueloutro. E agora deixo de comprar licenças porque quem tem os dados também tem as licenças, e em vez de eu estar a gastar dinheiro – é como a história do poço de água.

Houve um governante americano que fez este paralelo que é muito claro e útil para perceber a diferença do que era antes da cloud e depois da cloud. Antes da cloud , se um povo, uma aldeia, queria ter água, tinha que gastar dinheiro a fazer um furo, tinha que meter uma máquina para tirar água, tinha que armazenar a água no depósito, e depois podia usá-la ou não usá-la, mas o custo já lá estava e teve aquele custo todo.

A internet na cloud , e tudo quanto é serviços cloud , é diferente: é hoje a torneira da água. Eu já não tenho que fazer eu o furo, não tenho eu que estar a gastar dinheiro com equipamento, não tenho que estar a armazenar a água sem saber se preciso dela ou não. Eu tenho a torneira. Quero água, abro a torneira, pago. Não quero água, fecho e já não pago. E pago só aquilo que gasto. A cloud é isto, de facto. Alguém vai ter a capacidade de armazenar e vai ter os softwares. E depois eu vou é ter o direito a um serviço. A cloud , de facto, é um motor muito grande do desenvolvimento da economia para as empresas porque representa uma elevada qualidade, porque os serviços são prestados por quem é, de facto, daquele ramo, a um custo mais reduzido, e com menos investimentos. E isto pode ser um motor muito importante para o desenvolvimento das empresas.

Agora, o problema volta a ser onde está a cloud, onde é que estão os dados. E voltamos a cair na questão do tratamento dos dados, e privacidade e segurança dos dados. E, mais uma vez, tudo tem que ver com saber onde é que estão os dados para saber qual é a lei que se aplica àqueles dados. Porque eu tendo dados numa cloud , num data center , que está na Europa sei que tenho uma legislação que protege e obriga a medidas de segurança técnicas que são as que eu conheço e são as melhores que há. Mas se eu tiver um data center que está no Sri Lanka, a legislação não é a mesma e se calhar no Sri Lanka qualquer pessoa acede àqueles dados.

Daí que as empresas, hoje em dia, têm muito cuidado em saber, quando contratam um serviço cloud , qual é a informação que lá metem. E eu sou capaz de meter informação que não é muito confidencial – e agora fazendo a ligação já com a outra – numa cloud que pode estar no Sri Lanka. Se são dados que não têm muita importância e sai mais barato… a Amazon, eu não sei onde andam os dados da Amazon, podem andar por esse mundo fora. Mas eu na Amazon meto dados que não são muito importantes, ou a Google. A Google, a certa altura, tinha um projeto que não avançou que era pôr data centers em barcos no meio do Atlântico, no meios dos oceanos. E os dados andavam a vigorar de um lado para o outro, onde era fiscalmente mais interessante (resolviam um problema também de arrefecimento dos data centers , etc.) e os dados andavam por esse mundo fora, nós não sabíamos onde eles estavam, e a certa altura está em legislações que protegem mais e outras em legislações que protegem menos, muito bem. Se eu tenho dados que não são muito confidenciais, não são muito importantes, e eu posso meter na Google, não me interessa onde estão. Dados confidenciais, dados importantes, dados que têm segredos de negócios, eu quero saber onde estão. E hoje em dia as pessoas estão advertidas e tentam-se informar. Grande parte dos contratos que eu faço para serviços de cloud das empresas, as empresas exigem saber quais são os data centers que são utilizados para armazenamento dos seus dados, para saber se podem lá pôr informações confidenciais importantes, ou não. E querem depois saber quais são as medidas técnicas, se há separação física dos servidores, se é só separação virtual, etc., etc.

Portanto, se eu poria lá dados confidenciais, poria; teria era o cuidado de saber onde é que os poria. Porque uma coisa eu vos digo: eu acredito que os dados estão mais seguros numa Microsoft, num grande prestador, numa IBM, numa Microsoft, o que seja, que recebem milhares de ataques ou milhões de ataques todos os dias e dificilmente lá entram, do que estão no meu computador em casa, onde é muito mais fácil de entrar. Não tenham dúvida. O conforto de ver a máquina ali, é uma coisa, agora, que a informação não está mais segura em minha casa em baixo da secretária, do que está num data center desses, eu estou perfeitamente convencido disso.

 
Pedro Sousa

Eu vendo serviços de cloud. Eu vou contratá-lo. Ele fez a defesa perfeita.

Eu conheço data centers de cloud que têm 150 engenheiros de segurança. Só segurança, só fazem segurança. É difícil de conseguir imaginar um sítio onde os nossos dados possam estar mais seguros. O sítio não é certamente no data center lá da empresa, seja ela qual for, principalmente aqui em Portugal, nós não temos empresas com dimensão para isso.

Portanto, a resposta do Fernando é perfeita.

Os dados que são verdadeiramente confidenciais e os meus segredos eu não ponho em lado nenhum, nem no papel. Isto não tem absolutamente nada a ver com a cloud. Tem a ver com o nível de segurança e de relevância que eu dou aos dados. Portanto, não é um problema da cloud , é um problema de onde é que eu deixo as minhas ideias, onde é que eu deixo os meus pensamentos privados, vamos dizer assim.

Quanto à necessidade da lei, há aqui outra coisa que nós ainda não abordamos e se calhar valia a pena abordar – é que isto tem custos, e todas as novas leis que este senhor venha a propor – ainda não propôs nenhuma – vão ter custos, nós vamos ter que pagar. E é esse fator que nós temos que analisar. É se estamos dispostos a pagar para ter essa proteção extra, seja ela qual for, para coisas que nós ainda não sabemos o que vão ser. E que nos temos que preparar, e como ele diz que não se fazem leis para o futuro, vamos continuar como estamos, vamos apostar na educação e vamos apostar numa relação mais madura entre as empresas e entre todos nós e a internet e a cloud computer. Eu não sei se respondi às duas perguntas, se não, no meio disto tudo.
 
Fernando Resina da Silva

Posso utilizar os 2 minutos que faltam ao Pedro só para fazer um comentário.

Esta história da localização dos dados é muito importante e as pessoas não têm consciência disso.

Vou-vos dar um exemplo que aconteceu há muito pouco tempo e que foi um azar e uma sorte para a Microsoft. A Microsoft é uma empresa americana e tem data centers por esse mundo todo e tem um data center em Dublin, na Europa, onde a legislação de proteção de dados pessoais é das melhores que há, ou pelo menos é das mais modernas e mais eficiente que há. Os Estados Unidos, o governo americano, tinham uma suspeita sobre determinada pessoa, e notificaram a Microsoft para entregar ao governo americano a informação que tinha daquela pessoa no seu data center de Dublin. É a tal história do Patriot Act - é o 8 ou 80. Acham que têm o poder de fazer tudo, mas não têm. E a Microsoft teve a coragem de dizer "não, eu não entrego. Apesar de isto ser uma empresa americana, eu não entrego, porque os dados que vocês estão a falar estão num data center na Irlanda. A Irlanda tem uma legislação de dados pessoais que não me permite entregar a quem quer que seja, só me permite entregar em determinadas condições, o reconhecimento da sentença, etc.”. Os Estados Unidos barafustaram, que não havia direito, era uma empresa americana, tinha que entregar, e a Microsoft disse: Não!

Isto é um azar porque a Microsoft de repente tem um litígio com o governo americano muito grave, mas é uma sorte porque a Microsoft pôde demonstrar a todo o mundo que, não obstante ser o governo dos Estados Unidos, porque os dados estavam numa jurisdição que impedia que se entregassem os dados a quem quer que seja, ela não entregou. E é este tipo de "awareness" que as pessoas começam a ter e eu acho que as pessoas vão-se educando a si próprias também. E vão ganhando essa consciência: onde é que estão os dados? Eu tenho garantias de que aquilo é tratado da melhor forma possível? Claro que hackers haverá sempre. Mas é isto que as pessoas vão vendo.

Depois há outro paradigma como o da internet de que não falámos aqui. Quando eu falei a certa altura que havia downloads ilegais de tudo e havia sites que exploravam comercialmente as obras e as músicas de toda a gente, isso está a desaparecer, porque as pessoas cada vez têm mais educação, cada vez as polícias são mais eficientes, foram fechando os sites, e as pessoas têm consciência de que não podem fazer aquilo. E começam a aparecer novos paradigmas de modelo, como o Spotify, a Apple também tem agora um site de venda de música, começam a ser eles os principais defensores dos direitos dos autores, porque começam a encontrar novos modelos de negócio, que funcionam com estas especificidades da internet. A educação vai surgido, as pessoas vão-se autoeducando e vão-se criando novos modelos de negócio que vão respondendo melhor a todos os interesses, de quem quer comprar música e de quem tem que ser remunerado pelo música, e surgem novas realidades.

 
Pedro Sousa

E já viram como foi bom não ter lei? Porque na prática, o que aconteceu – eu não sei se vocês alguma vez refletiram sobre isso, e isto ainda precisa de algum pensamento crítico também o que eu vou dizer, meu – mas porque não tivemos lei acabámos se calhar com o negócio de algumas editoras, ou de muitas editoras. E terá sido mau para a música, terá sido mau para os músicos? Talvez não. Vocês têm hoje um conjunto de artistas que nasceram na internet e que estão mundialmente famosos e ricos porque deixaram de ter a editora no meio. E agora cabe aos gigantes da internet pagar-lhes diretamente a eles. Vocês têm ideia de quanto um autor – porque ele está a referir que está preocupado com os autores e com o direito dos autores, e bem. Mas um autor recebe 10% da obra, do valor de capa, de um livro, por exemplo. Quando recebe 10%.

A maior parte das vezes, os autores pagam os seus próprios livros, isto não é nenhuma piada, isto é mesmo verdade. A maior parte dos livros que vocês vêm de pequenas tiragens, o autor paga o livro integralmente. E depois quando o livro é vendido fica com 10% do valor do livro ou coisa assim.

O que nós estamos aqui a falar quando estamos a dizer que estamos a proteger o autor, na prática, muitas vezes estamos a proteger os incumbentes, ou seja, a indústria que nós conhecemos, que era a indústria editora, é agora o problema que temos com os táxis, com a Uber. O quê que estamos a proteger? Estamos a proteger o serviço que o cidadão tem ou estamos a proteger as empresas de táxi, que garantem uma qualidade… eu estou a tentar gerar aqui alguma polémica nisto. Dizem que garantem alguma qualidade, porque têm os seus associados e fazem exames e testes. E depois, eu não sei se vocês conhecem algumas histórias, mas eu conheço algumas histórias dos exames e dos testes que se fazem nos taxistas e também tenho experiência de apanhar táxis no aeroporto.

Às vezes quando nós estamos aqui a olhar para a lei para proteger o autor, o que de facto estamos a fazer é a proteger a distribuição e a edição, ou seja, as indústrias que estão instituídas e eu acho que isto merece alguma reflexão também.

 
Dep.Carlos Coelho

Vamos fazer aqui um pingue-pongue, Fernando Resina da Silva e Pedro Sousa, para acabarmos esta parte e retomarmos as perguntas.

 
Fernando Resina da Silva

Duas coisas, em relação à música e em relação aos táxis.

Eu estou perfeitamente de acordo. Se há alguém que está a ganhar sem trazer valor acrescentado para o ciclo produtivo, deve desaparecer.

Isto é um "animal” que se vai apurando. Mas a lei existia e depois a lei mudou para adequar-se às novas realidades. Agora, nem todos os músicos, nem todos os autores ficaram encantados com a mudança do paradigma. Alguns ficaram muito ricos, mas a generalidade dos autores – e temos associações que os representam – continuam a defender que o modelo é o modelo que os remunera. Não tem que ser o modelo que remunera as editoras, é verdade. Mas o problema então já está resolvido, ou pelo menos o problema da ilegalidade, que eram os downloads ilegais, já se resolveu de forma diferente. Tirou-se do meio os editores, criaram-se entidades como o Spotify, e voltaram-se a ter equilíbrios de interesses. Os autores continuaram a ser defendidos porque são remunerados, e o consumidor tem direito àquilo que quer mas pagando aquilo que é suposto pagar. Tirando uma entidade do meio que não tinha valor acrescentado, pelo menos neste modelo de negócio.

E portanto isto vai apurando. Lá está, uma vez mais. É preciso que a lei vá acompanhando. E vá garantindo que as soluções que o mercado encontra são modelos que são sustentáveis e correspondem ao que são os interesses das partes envolvidas.

O problema dos táxis é um problema mais complicado e já houve este problema com as farmácias e há problemas sempre que há atividades reguladas. Eu não sou contra a Uber, acho que é uma forma fabulosa de ter mais serviço, ter qualidade diferente de serviço, e que eles devem existir, não tenho dúvidas quanto a isso. O problema é que os taxistas que existem até hoje tiveram que fazer um investimento que têm uma expectativa de amortização num determinado ambiente, num determinado número de participantes, de players.

O mesmo se passou com as farmácias há uns anos atrás. Dantes havia poucas farmácias e para comprar farmácias era muito caro. De repente liberalizou-se a atividades das farmácias e toda a gente pode ter farmácias. Os tipos que pagaram uma fortuna para ter as farmácias tinham o direito, pelo menos, de ter um período de amortização do seu investimento. Não se pode dizer assim: tu gastas xis, que é bastante, pode ser a farmácia ou pode ser o táxi, tens que ter a licença, tens fazer os cursos, tens que tirar todas as qualificações e isso tem um custo. E agora de repente abrimos a todos que, sem nada disso, vão concorrer contigo. Isso é que não é equitativo, isso e que não é correto. Isto não tem nada que ver com os taxistas do aeroporto cumprirem a lei ou não, isso é uma coisa diferente, eles têm é que cumprir.

 
Dep.Carlos Coelho

O argumento percebeu-se. Pedro, alguma réplica?

 
Pedro Sousa

Mudasti

[RISOS E APLAUSOS]

 
Nuno Matias

Para a última ronda antes do catch the eye , o Pedro Brandão, do Grupo Amarelo, e o Filipe Reis, do Grupo Laranja.

 
Pedro Brandão

Obrigado. Antes de mais bom dia a todos os participantes e à mesa. A minha pergunta é a seguinte: quais são para vocês os limites para definir o que deve ser legislado ou não.

Obrigado.

 
Filipe Miguel Reis

Para começar, bom dia. Gostava de dizer que achei curioso que a nossa pergunta estava mesmo baseada no site ashleymadison. Para quem não sabe, houve recentemente um ataque ao site ashleymadison, um site que se dedica a promover encontros extramatrimoniais. A informação hackeada foi utilizada para chantagear e chegou a levar pessoas a cometerem suicídio.

Tendo isto em conta, quem considera que tem um maior grau de responsabilidade? Os utilizadores ou os programadores do site?

Obrigado.

 
Pedro Sousa

Eu para responder a estas duas tenho que pôr aqui uns pontinhos nos "is” a umas coisas que o Fernando disse há umas perguntas atrás. Lembrei-me agora.

Eu verdadeiramente adoro a internet, e acho que a internet é um sítio fantástico. Como também gosto das autoestradas. Mas são os dois sítios perigosos.

Também gosto muito do mar, principalmente quando está de tempestade, aquelas ondas boas para surfar. Mas é um sítio perigoso.

A minha mensagem, que eu queria deixar, antes que me esqueça, é: atenção eu acho que a internet é interessantíssima e vocês todos têm que fazer parte deste fenómeno. E têm que contribuir, têm que fazer parte da onda, têm que fazer parte da mudança, têm que fazer coisas novas, têm que usar, sabendo dos perigos que correm. E esse é o ponto que eu queria deixar aqui bem expresso.

Se vocês vão usar para enganar o parceiro ou a parceira, eu não vou fazer nenhum juízo moral sobre isso. Era o que mais faltava, é uma coisa que eu já não faço há muitos anos, nem ao pé das minhas filhas.

Isto é dramático, principalmente aqueles indivíduos que usaram a sua identificação real, porque há malta que usou esses sites com os e-mails institucionais, portanto é impossível dizerem que não eram eles, porque há sempre a hipótese de usar a coelhinha, a fofinha ou o barbudo57, o que nos dá algumas garantias, agora, quando é o e-mail do Parlamento Europeu, não sei se foi o caso, ou da organização, é dramático, essa gente tem um problema na vida, mas isso é como tudo, é como ir brincar para a autoestrada, é provável que um tipo se magoe.

Quanto aos limites do que deve ser legislado na internet, eu continuo a dizer a minha tese inicial, que é: eu não vejo grande diferença, a internet para mim é um meio de comunicação. E portanto, tudo o que nós tínhamos nos nossos sistemas informáticos, passou a estar mais exposto, portanto há aqui um problema das bases de dados dos dados privados, mas também havia antes da internet. Portanto, todos os problemas que nós tínhamos e as leis que fomos afinando provavelmente serão suficientes. E eu estou disponível para continuar a observar. Mas custa-me um bocado é que cada vez que vejo uma nova lei, normalmente vem com um preço atrás, e eu pessoalmente não estou disponível a pagar.

Eu custa-me muito pagar mais uns cêntimos ou uns euros por cada telemóvel que vá comprar a partir de agora porque isto vai para a Sociedade de Autores, que não sei se entrega se não entrega, mas os autores queixam-se que andam na miséria, nunca vi nenhum autor feliz.

Não sei se esta lei vai resolver o problema, mas custa-me um bocado, porque todas estas leis têm normalmente um custo associado à sociedade e a nós próprios diretamente, às vezes.

Eu continuo com a preocupação de garantir uma sociedade melhor para todos. Quando eu digo "caso de polícia”, não é esquecer-me que para a polícia funcionar tem que haver lei. É dizer que, com as leis que temos, e com uma polícia eficiente e cada vez mais capaz, nós se calhar conseguimos resolver o problema sem estarmos aqui a fazer mais matéria legislativa.

 
Fernando Resina da Silva

Quanto à primeira questão – limites à legislação. A legislação deve ser minimalista, a legislação deve existir na medida mínima possível para consagrar e assegurar direitos e estabelecer os equilíbrios entre os interesses envolvidos. Atingidos estes fins, não é preciso mais legislação. Ou seja, não podemos entrar utilizando a legislação como instrumento, por exemplo, para privilegiar uma das partes. Isso não pode ser. Ou seja, a legislação tem que ser razoável e tem que ser do mínimo. Como eu disse há pouco: é um instrumento apenas. Não vamos formatar a sociedade porque queremos, ou há um grupo de interesses que quer que a sociedade seja assim e, portanto, fazemos legislação para que assim seja. Não, vamos deixar que a sociedade evolua, com os seus valores, e depois vamos fazer legislação apenas na medida necessária para assegurar esses valores e o equilíbrio desses vários interesses. E portanto, eu acho que tem de acompanhar e no mínimo possível.

Quanto à questão do site, bom, o site é um bocado anedótico, mas o site não é ilegal. Quem comete infidelidade não está a cometer uma ilegalidade, está é a violar uma obrigação que tem para com o seu cônjuge. O que é ilegal é eu não pagar impostos quando devo pagar impostos. Isso é ilegal. Agora, se eu sou infiel no casamento, é uma questão entre mim e a minha mulher, não é uma questão de ilegalidade, é um direito que ela tem de eu ser fiel e a obrigação que eu tenho de ser fiel e o incumprimento que eu tenho.

Aí o site não é diferente dos outros sites. Agora, a responsabilidade é do utilizador, é dos programadores? Aí estou como o Pedro. Os utilizadores têm que ter muita atenção com o que lá põem, sabendo os riscos que podem correr.

Os programadores, desde que cumpram a legislação e utilizem os melhores métodos para preservar os dados pessoais, também não podem ser acusados. Eu há bocado falei nos dados pessoais e falei que havia dados pessoais não sensíveis, são aqueles mais comuns, e depois havia os sensíveis, têm muitas vezes a ver com a orientação sexual, etc., são dados sensíveis. Esses dados, em bom rigor, e de acordo com a nossa legislação, nem sequer podem ser tratados por ninguém. Só com a autorização da CNPD, consentimento do titular, etc.

As nossas legislações, aqui, são diferentes dos Estados Unidos. Eu tenho dúvidas de que um site destes possa existir na Europa, com a nossa legislação de dados pessoais, uma vez que trata de dados sensíveis, e que em princípio não o poderia fazer, que é os casos da orientação sexual.

Os sites que têm dados sensíveis, sendo eles legais e podendo ser utilizados, a lei já obriga a uma série de medidas técnicas de segurança, que são medidas mais rigorosas. Controlo de acessos, controlo de inserção de dados, controlo de acesso à instalação onde os dados estão, etc., etc.

Desde que os programadores e as entidades cumpram, os utilizadores saibam o que lá estão a meter, depois é o risco como outro qualquer. Eu também posso andar na rua e ser assaltado. Tenho que andar por sítios onde não haja muita escuridão, onde haja mais pessoas, tenho que evitar à noite determinados bairros, é a mesma coisa que os sites, é a mesma coisa que os sites.

 
Nuno Matias

Muito obrigado. Vamos então agora para o catch the eye , peço que vão levantando o braço.

Eu vou dar a palavra aos dois primeiros alunos que se inscreveram, e depois vou pedindo para se identificarem à medida que forem chamando os intervenientes.

Em primeiro lugar temos o Duarte Canhão, do Grupo Verde, e o João Diogo, do Grupo Laranja.

 
Duarte Canhão

Antes de mais, muito bom dia. Sr. Dr. Resina da Silva, eu ia só fazer um pequeno reparo, que eu tive o privilégio de estar, há coisa de dois meses, acho que foi em maio, um bocadinho mais, numa conferência com o Adolfo Mesquita Nunes, fizeram-lhe uma pipa de perguntas por causa da questão da lei do jogo, que ele mexeu muito nisso, ele disse que não queria ficar conhecido por causa disso, mas a verdade é que ficou, e perguntaram-lhe também por causa da Uber. E a comparação que ele fez foi uma comparação interessante. A proteção do lóbi dos taxistas, independentemente daquilo que o Sr. Dr. disse, que eles fazem um investimento inicial, nestes casos seria o mesmo que proteger o VHS quando o DVD surgiu. Não sei se me faço entender. Já ninguém usa o VHS, já nem se fazem vídeos, no outro dia queria mandar o meu arranjar e tive que ir a uma daquelas lojas de antiguidade tecnológica. O DVD destruiu completamente, não acontece o mesmo com o Blueray, mas é uma questão muito interessante.

Para a pergunta, que não tem nada a ver com isto, queria só deixar a nota. Queria perguntar sobre a lei da cópia privada, para os dois, como é lógico.

Falou-se, numa intervenção muito curta no início da sua apresentação, os dois falaram nas evoluções constantes da internet. Falou-se na questão da indústria dos editores que também passavam por intermediários, e às vezes não faziam nada e ganhavam com isso. Eu gostava de saber se a lei da cópia privada não é um abuso para as pessoas que estão em Portugal, dentro dos parâmetros que a lei da cópia privada abrange, porque eu perfeitamente posso ir a Badajoz e tudo aquilo que me cobram aqui extra, para evitar os downloads e proteger os autores portugueses, eu posso ir a Badajoz, compro um disco, um terabite, uma coisa do género, e não pago o imposto que pago cá. Era essa a minha pergunta, se estão a favor ou contra a lei da cópia privada e quais é que acham que são os trâmites e os parâmetros que podiam ter tomado, ou não.

Obrigado.
 
João Ferraz Diogo

Bom dia, Sr. Engenheiro; bom dia Sr. Engenhado. Ainda bem que mudou de curso, escolheu mal a Universidade, mas isso é outra conversa, eu sou suspeito. Universidade de Coimbra.

Eu vou tentar ser pertinente e não ser inconveniente. Vai ser uma tarefa um bocado difícil, mas espero não desrespeitar ninguém, porque quando o Sr. Dr. diz que a lei deve seguir a tendência da internet, eu acredito que o Sr. Dr. não acredita nisso, porque é impossível.

Porque quando nós estivermos cientes de que há um problema com algum tema da internet, já a lei está ultrapassada porque já há outro problema da internet. Até porque a lei não pode, de modo algum, ser criada de forma exagerada, até preventivamente, coisas que nem existem, nós não somos videntes, por isso não podemos descobrir coisas que ainda não estão em vigor. Porque, como se diz, às vezes o remédio a mais deixa de ser cura, torna-se veneno. E a lei não vai proibir um pai de oferecer um tablet a um miúdo de oito anos. Isso é um problema. Por isso, passa pela educação, temos que educar. E temos que inventar, talvez, princípios gerais, fundamentais que englobem esses vários problemas informáticos que nós não podemos prever. Só dessa única maneira é que eu acho que é possível. E mesmo assim vai ser incompleto, porque o mundo está sempre a mudar, sempre. Por isso, é uma questão que fica no ar. Eu espero mesmo que seja sincero na sua resposta porque eu acho mesmo que não acredita que a lei consegue seguir a internet.

Muito obrigado.

 
Fernando Resina da Silva

Eu não estou a dizer que consegue em tempo real e útil. Que a lei não deve moldar a realidade, isto é válido para tudo. Eu acho que a lei deve, se quer fomentar determinadas realidades, porque quer promover determinados direitos, como a educação, aí tem que ser uma lei programática. Tenho leis como o plano tecnológico da educação, um plano da saúde, obviamente que aí são leis em sentido geral que são programáticas e que querem fomentar o crescimento dessas atividades e desses setores.

Mas não é dessa lei que eu estou a falar. Estou a falar da lei que regula a atividade para proteger os cidadãos, é dessa que estamos aqui a falar.

O problema da tecnologia é esse, é que a tecnologia evolui a uma velocidade relâmpago e a lei tem muita dificuldade em acompanhar. Mas eu estou perfeitamente consciente disto. E a lei que eu vou publicar hoje para uma realidade, já não é bem a realidade que existe porque a realidade que existe já é um bocadinho mais diferente.

Mas qual é a alternativa? É não ter lei? É o caos, é a anarquia? Não pode ser. A lei tem que seguir, na medida do possível, o que é a realidade. Obviamente que ela não consegue acompanhar ao segundo a realidade. Mas aí há um trabalho de outros protagonistas da lei, que conhece, que é o intérprete da lei e quem aplica a lei. Então o que a lei faz é o seguinte: tenta regular uma realidade que é a que conhece, e que não é a de amanhã. E enquanto a lei não se atualiza, compete-nos a nós todos, juristas, sejam advogados, sejam juízes, sejam até legisladores, sejam governantes, a interpretar a lei que existe e tentar nessa interpretação adequá-la às novas realidades. É este o trabalho que tem de ser feito.

Concluindo, a lei não consegue acompanhar. Não consegue, mas deve ir atrás porque a alternativa é não haver lei, é o caos a anarquia - não pode ser. E compete depois a quem está aplicar a lei, ir aplicando a lei, ir interpretando a lei àquilo que é a nova realidade, não perdendo o objetivo que é assegurar o que eram os fins da lei quando ela foi criada.

A questão dos vídeos e do Uber, só um comentário ao que este nosso amigo disse. A evolução do Beta para o VHS, etc., é diferente, porque foi uma evolução tecnológica do mercado, não foi imposto, a dizer assim: até agora a lei diz que só quem pode prestar este serviço são estas entidades que eu quero certificar e têm que fazer este investimento. E amanhã, de repente, já é aberto. Não, são questões de mercado e evolução de tecnologia mas em ambiente de concorrência. E portanto o Beta começou, face a uma inovação tecnológica, a cair, enquanto cresceram as outras tecnologias. Mas é uma evolução natural. E os empresários e os fabricantes foram percebendo e foram deixando de investir em equipamentos que eram de Beta para começar a investir em VHS, e depois investiram nos CD-Roms e depois nos Bluerays, etc.

Mas isso é o mercado a funcionar. Não tem que ver com condições administrativas que limitam, que dão aos players do mercado as condições: as condições são estas, agora faz as tuas contas, se queres investir, entras. E de repente diz assim: afinal mudei de ideias, amanhã já toda a gente pode entrar, faça o investimento ou não faça. Isso é que não pode ser, isso é que não é correto, isso é que não é equilíbrio de interesses.

A questão da cópia privada. Para quem não sabe o que é a lei da cópia privada, que já existe há muito tempo e existe noutros países, não é só em Portugal. Agora não tenho presente, mas eu penso que a tendência é de generalização do pagamento da cópia privada, que diz o seguinte: é uma forma de remuneração do autor, uma forma indireta. Porque quando eu compro o CD dos Coldplay, o que seja, eu estou a pagar já os direitos de autor, mas se eu copiar para outro suporte, mesmo sendo meu, eu estou a ter uma utilização acrescida daquilo que eu comprei. E por essa utilização acrescida, é natural que não seja ao mesmo preço que me custou a aquisição original, eu tenha que pagar também uma parte ao autor porque estou a ter uma utilização acrescida.

E o que se pretende é, através da aplicação de uma taxa a todos os mecanismos e equipamentos de memória que possam ser suscetíveis de abarcar estas cópias, que haja uma taxa que reverta, em parte pelo menos, para o autor. É isso que se pretende.

Eu também tenho muitas dúvidas quanto à eficiência desta metodologia, e quanto do dinheiro é que chega de facto ao autor – que chega parte, chega. Agora se é pouco se é muito, isso já não sei. É muito o que se paga da cópia privada? Nalguns equipamentos, sim, porque pode chegar às dezenas de euros, noutros anda na ordem dos cêntimos.

Uma coisa é certa: que a remuneração dos autores deve ser mantida, deve. Agora, qual é a forma por que ele deve ser melhor assegurada, essa é uma questão que compete também depois aos financeiros saber.

Só uma coisa ainda em relação à questão de educar. Você disse uma coisa que é engraçada e é uma contradição em si. O problema não é da lei, a lei não consegue, vamos é educar. E você disse uma coisa importante: vamos estabelecer aqui princípios, são princípios gerais, e depois princípios de princípios. E onde é que vão estar esses princípios? Estão no éter? É que se eles não forem lei, ninguém os vai seguir. Nalgum sítio eles têm que estar, nem que seja uma lei com os princípios, eles devem existir para serem obrigatórios para toda a gente. Porque senão não são princípios, são opiniões, são tendências e não são vinculativas para ninguém.

 
Pedro Sousa

Dá-me vontade de responder com aquela história das taxas e das taxinhas, do outro. Para a primeira, da cópia privada, que a mim custa-me muito.

E para a história do caos e da anarquia dá-me vontade de responder que na maior parte dos casos surge pelo excesso de lei e de regras, e não o contrário.

 
Fernando Resina da Silva

Mas eu sou minimalista, eu disse, a lei mínima, não é excesso. Vocês… A lei necessária para assegurar o equilíbrio dos interesses em causa.

 
Pedro Sousa

Eu acho que temos que apostar na lei que temos e fazer pequeníssimos ajustes, porque, de facto, a internet e esta tecnologia que temos à nossa disposição tem-nos dado tanto, tem-nos dado tanto retorno, que eu estou disposto a pagar o que ela tem de mau, pelas vantagens que me tem dado. Eu tentei-vos mostrar que eu acredito muito na revolução da gestão do conhecimento.

O exemplo que ele deu é muito importante, das fichinhas. Nós, na área das telecomunicações, ali para o amigo das telecomunicações, cada vez que avariava um servidor, demorava meses até voltarmos a ter um servidor a funcionar, porque só para descobrir qual era o disco e onde estava o manual e depois mandava um fax. Isto para vocês é a história da carochinha, mas para mim não é. Estava dias e dias sem os meus pais saberem de mim porque não havia telemóveis, não havia telefones, era assim. E a humanidade foi evoluindo assim. E com umas leis que também nos iam protegendo os nossos direitos, umas vezes mais do que outras.

Portanto, deixem lá as coisas como estão e vamos é fazer parte da coisa. Vamos preocupar-nos em criar uma lei geral, um programa de governo ou seja o que for, que nos garanta uma educação e uma cidadania esclarecida e participativa. Vamos apostar em investigação a sério, vamos apostar na ligação das universidades às empresas, vamos desburocratizar os modelos que temos de gestão. Não sei se algum de vocês alguma vez submeteu um QREN, agora é Horizonte 2020, é uma loucura. A regulamentação para demonstrar que as pessoas estão a cumprir tudo o que estão a fazer na investigação, nestes programas, em Portugal não é 10 vezes maior do que na União Europeia, e eu sei que estamos na União Europeia, mas em Portugal nós exigimos 100 vezes mais. Vocês não imaginam os dossiers – quem quiser a demonstração disso pode lá ir à empresas que eu mostro – os dossier que nós temos, pilhas de dossiers. Nós temos carimbos de recibos de vencimento com 36 carimbadelas. E isto foi-nos exigido pelo gestor.

O que nós termos que nos preocupar, e foi por isso que eu gostei de vir a este debate, foi para vos passar esta mensagem: o que nós muitas vezes precisamos é de mais flexibilidade. É a tal lei mínima que ele está a referir. Mas esta lei mínima implica nós deixar-nos de nos preocupar com a cópia do CD de música, porque já ninguém compra, as pessoas agora compram na net. Há muito pouca gente a comprar CDs de música.

Vamos apostar num Portugal para o mundo e a trabalhar ativamente neste meio. Um Portugal muito esclarecido.

 
Fernando Resina da Silva

Posso só fazer uma nota? Uma coisa muito rápida.

A cultura e a educação das pessoas é muito importante, mas enquanto não se mudar a cultura é preciso leis mais apertadas do que aquelas que tínhamos.

Eu vou dar-vos um exemplo de como isso é uma questão cultural, são questões de gerações.

Em Inglaterra, quem quer comprar uma casa ou quem quer vender uma casa chega ao Notário e o vendedor diz "eu declaro que sou proprietário desta casa e vendo esta casa”; o outro acredita e compra a casa. Em termos simplistas é assim. Depois, se ele vendeu a casa que não era dele, está tramado. Mas isto não acontece, em princípio, porque há uma cultura de responsabilidade.

Em Portugal se eu quero comprar uma casa, o Notário vai dizer: prova lá que és proprietário. E tenho que levar a caderneta predial, e o pagamento dos impostos, e a certidão do registo predial para provar que sou e o dono e não há mais hipotecas e não sei mais o quê e o que mais… e temos uma cultura mais de Estado polícia. O que é facto é que se nós acabássemos agora de repente com esta legislação, tínhamos os portugueses a vender o Mosteiro dos Jerónimos, a vender a Torre de Belém, vendíamos tudo e mais um par de botas. E não pode ser…

Daí que eu digo que as leis não podem acabar assim e vamos agora todos para a educação. A educação demora gerações. E enquanto não tivermos esta cultura de responsabilidade, temos que ter leis que vão limitando isto.

E com os fundos europeus é a mesma coisa. Os fundos europeus, o princípio, que é aplicado também em Portugal nalguns fundos, como o Horizonte 2020, etc., e como eram os antigos quadros internacionais, era muito na perspetiva anglo-saxónica: tu declaras que tens essas condições, cumpres essas condições, eu dou-te o dinheiro e depois eu vou fiscalizar.

Foram problemas enormes, o meu escritório está cheio de problemas destes. Porque isto era contra a cultura do português. O quê, basta eu declarar que tenho? Eu declaro já! Declarou, veio o dinheiro. E depois quando vieram as auditorias, ai Jesus que aquilo não correspondia à verdade, agora devolve lá o dinheiro. Por isso tem que haver alguma legislação que exige alguns carimbos. Mas há aqui uma questão cultural que demora gerações a mudar.
 
Dep.Carlos Coelho

Um minuto para a réplica.

 
Pedro Sousa

Isto é um Estado paternalista que eu não consigo aceitar… custa-me muito. E os portugueses que iam vender o Mosteiro dos Jerónimos, não estão cá, estão a vender o Big Ben. Estão lá fora, se é possível vender lá fora, eles estão lá fora. Isto já não é os portugueses e os ingleses. Nós já estamos há muitos anos nisto, temos que mudar um bocado o paradigma.

Acontece-me muito quando estou em Angola, dizem-me assim: nós estamos aqui em Angola, vocês lá… nós cá… Não há lá nem cá. Nós estamos todos, somos os mesmos. Porque eles agora estão cá, mas daqui a bocado estão lá e estou lá eu também. E somos os mesmos, somos uma comunidade. Eu percebo o que ele está a dizer, mas nós estamos a mudar, nós já mudámos. Nós já não estamos cá, saíram 300 mil pessoas ou 400 mil pessoas. Essas pessoas estão a viver nessa sociedade e não estão todas presas lá, não estão a vender lá o Big Ben.

 
Dep.Carlos Coelho

Última ronda de perguntas.

 
Nuno Matias

Gabriel Albuquerque, do Grupo Cinzento, e Rui Martins, do Grupo Castanho.

 
Gabriel Mateus de Albuquerque

Antes de mais, bom dia.

A propósito da informação que há bocado o Dr. Fernando referiu que a infidelidade não é crime, eu gostaria apenas de referir que, de facto, na Europa não é crime, mas nos Estados Unidos, em 21 Estados da América, é mesmo crime traduzido em multa ou mesmo pena de prisão.

De resto, eu tenho uma questão que se prende também um pouco com este último caso dos cônjuges, que é a seguinte: eu gostaria de saber qual é a vossa opinião sobre os hackers que dizem que são ativistas e que acham que fazem serviço em prol da comunidade; eu gostava de saber o que acham sobre esse tema e lançar assim esta parte do debate.

Obrigado.

 
Rui Manuel Martins

Bom dia. Antes de mais, para o orador da direita, eu não consegui perceber, também porque tive dificuldade em desligar-me, se de facto a VdA tem toda a informação na cloud. Não sei se essa é uma informação que podemos ter aqui para perceber até que ponto, mais do que falar, também praticamos. Por outro lado, apreciei na apresentação o facto de nos trazer um pouco de arte – Almeida Negreiros e, no final, também com Júlio Pomar.

Estava legendado, de qualquer forma. Ainda que reconheça porque Almeida Negreiros apraz-me bastante.

O que eu queria dizer era, até relacionado com arte, até que ponto a lei da cópia privada e estas questões de piratebay e outros servidores que nos trazem conteúdos de forma gratuita, num tempo em que, de facto, aquilo que vivemos é uma cultura da gratuitidade e da rentabilização daquilo que é gratuito através de outros mecanismos, não estamos de alguma forma a limitar aquilo que é inovação e aquilo que é a produção de conteúdos e a promover ou, de alguma forma, a proteger aqueles que produzem conteúdos mas que não os conseguem rentabilizar?

Isto está relacionado também com a arte, porque podemos estar aqui a tentar definir o que deve ter palco e não deve e como é que deve ser protegido. Não sei se concordam comigo, mas estas leis estão, mais do que a promover e a proteger a inovação e a tecnologia, estão a proteger aquilo que é a incapacidade de se promover pela qualidade e pela procura que os conteúdos vão ter junto da população.

 
Pedro Sousa

Os hackers é uma atividade extremamente sexy, ilegal, e qualquer pessoa que seja apanhada na minha empresa a praticar é o suficiente para ir para o olho da rua, ou seja, mesmo que seja ilegal despedi-lo, irá.

 
Fernando Resina da Silva
Mas não é ilegal, tens toda a razão para despedi-lo.
 
Pedro Sousa

Mas não quero saber. É legal? Ainda bem, mesmo que não fosse.

Ou seja, apesar de ser muito sexy, chega a ser imoral; porque depende também da informação que eles andam a pesquisar.

Assusta-me muito disponibilizar bases de dados sem sabermos o que estamos a disponibilizar porque o valor da vida para mim sobrepõe-se ao direito absoluto da informação. E quando se disponibiliza uma base de dados, por exemplo, onde podem estar soldados em ação, onde podem estar espiões, onde podem estar agentes, seja o que for, há sempre aqui um risco do que pode acontecer. Eu, pessoalmente, se calhar, até acho muito sexy a ideia, mas chega a ser imoral. Podem existir algumas causas em que eu possa dizer "abro aqui uma exceção para este ou aquele caso”, mas custa-me um bocado. É a mesma coisa que a gente achar piada ao tipo que rouba para dar aos pobres. É a história do Robin dos Bosques.

Quanto à cópia ilegal e à cópia, nós já falamos um bocado sobre isso. Deixa-me dizer-te que eu tenho autorização da Gulbenkian para mostrar alguns destes quadros. Eu tinha um projeto de educação pela arte…

 
Fernando Resina da Silva
Mas não precisas…
 
Pedro Sousa

mas como nós tínhamos um projeto de educação e tínhamos os miúdos e publicámos e editámos livros com isso, até temos as autorizações para isso, mas afinal não precisa.

 
Fernando Resina da Silva
Afinal, a lei não é assim tão má nem tão limitadora.
 
Pedro Sousa

Tem é que ser menos ainda. Eu não quero é mais lei, acho que isso já está claro.

A lei está sempre a proteger duas coisas: o que conhece e – por muito que eu me vá arrepender do que vou dizer agora – as elites.

Tenho dito.

 
Fernando Resina da Silva

Começando pelos hackers, o Pedro já disse tudo. É uma atividade ilegal, ilícita, tudo quanto vocês queiram qualificar, porque é crime, na maior parte dos casos, dependendo obviamente do tipo de intromissão que os hackers façam, mas é uma atividade que vive de quebrar a lei, independentemente de ser como o Robin dos Bosques, de não tirar um partido económico disso. Mas viola a lei, viola os direitos e os interesses das pessoas quando acede, nomeadamente, a dados pessoais sem autorização e para os fins que eles acedem. Quanto a isso não tenho mais nada a acrescentar ao que o Pedro disse.

Quanto àquela pergunta difícil se a VdA tem ou não tem serviços na cloud. Faz como eu faço… Como é o ditado? Faz como eu digo, não faças como eu faço.

Não querendo revelar, porque não tenho que revelar o que é a estrutura informática da VdA, posso dizer que a VdA tem aplicações na cloud , sim senhor. Não vou dizer quais são, obviamente, mas tem algumas aplicações na cloud. Deixe-me dizer também uma coisa que é importante quanto à questão da cloud e que é um dos problemas da cloud e que nós também sentimos em algumas das nossas aplicações.

Os serviços na cloud são prestados de data center e de softwares que são standard. Porque assim é que eles conseguem prestar muitos serviços a preço muito baixo, porque prestam o mesmo serviço para toda a gente. E o problema das empresas, para a VdA como todas outras, é que tem um legacy , tem um legado de aplicações que construiu, próprias, que têm dificuldade em interligar com essas aplicações sem custos muito elevados. Um dos problemas atualmente e uma das limitações dos serviços da cloud , e isso o Pedro pode falar melhor do que eu, é enquanto não houver a ultrapassagem, esta evolução, enquanto as empresas tiverem um legado de aplicações que construíram e customizaram às suas necessidades, e tiverem dificuldade de ligar com as aplicações que estão lá na cloud , isto é um inibidor dos serviços da cloud.

Eu acredito que isto vai sendo ultrapassado à medida que cada vez a cloud se vai conseguido customizar mais e que as empresas vão migrando mais serviço para a cloud , deixa de ter este problema. Mas que temos alguma coisa, temos sim senhor.

Quanto à cópia privada, eu percebi a sua questão. A questão é: será que a cópia privada, cobrando-se a todos, não está a premiar aqueles que não conseguiram vender… Em princípio não, porque a distribuição depois aos autores é em função daquilo que são o seu número de vendas. Não sei depois bem os critérios, mas aquilo que se cobra na cópia privada não é agora dá cá o bolo e vamos distribuir por todos, em igualdade, porque aí, de facto, estávamos a premiar aqueles que não têm qualidade, que não conseguiram vender, e agora estavam a receber. Não, a distribuição pelos autores depois é em função daquilo que é o volume de vendas pelos canais tradicionais e, portanto, recebem em proporção, porque se vendem mais é natural que haja mais cópias privadas, os que vendem menos é natural que haja menos. Na distribuição isso é tido em conta, agora, como é feito o cálculo financeiro, isso aí não sei.

Ainda te dou um minuto.

 
Pedro Sousa

Ainda me dá um minuto e dez, eu vou usar. Ele tem sido o maior apologista do cloud computing e eu tenho estado aqui um bocado calado por questões óbvias...

 
Fernando Resina da Silva
Mas sou mesmo, eu sou um grande apologista do cloud computing.
 
Pedro Sousa

Ainda bem, porque eu tenho um interesse aqui de conflito.

O que se passa é o seguinte: vocês têm que olhar para o cloud computing como quem olha para a energia elétrica. Nós chegámos a uma fase em que acreditámos que a nossa rede elétrica é suficiente para deixarmos de ter geradores. Tirando os hotéis, os hospitais e os quarteis, a maior parte das instituições abdicaram dos geradores. É para aí que as coisas caminham. Numa primeira fase nós começamos pelo mais simples que era o sistema de e-mail e o sistema de intranet, vamos dizer assim. Da intranet e das comunicações, da patilha de dados.

O que acontece é que estes sistemas têm uma imensa vantagem comparados com os tradicionais. Não são só as que o Fernando disse. Há novos paradigmas de trabalho nestes sistemas. A partilha dos dados – quando eu falo em partilha de dados, eu não tive durante a minha apresentação – é feita de uma forma verdadeiramente colaborativa. O quê que eu quero dizer com isto? Não sei quantos de vocês já usaram as aplicações da net que permitem ter um ficheiro e cinco ou seis pessoas a trabalhar ao mesmo tempo sobre o mesmo ficheiro. Isto é verdadeiramente um novo paradigma de trabalho. Não é estar cada um de nós a trabalhar num ficheiro de Excel ou de Word e depois alguém tentar consolidar tudo.

Não!

É estarmos todos, em várias geografias – e eu faço isso amiúde – a trabalhar no mesmo documento. E isto é um estímulo ao trabalho em equipa, à partilha de conhecimento e ao tal reconhecimento social do conhecimento, porque o conhecimento não é nosso quando estamos a trabalhar dentro de uma empresa, é da instituição para quem estamos a trabalhar naquele momento.

E quem estuda o poder, sabe que ninguém partilha poder e, aliás, o espaço do poder é sempre ocupado, acabará alguém sempre por ocupar o poder quando nos não tratamos. E a informação é poder, é o verdadeiro poder.

E por transitividade, nós habituamo-nos, todos, a nunca partilharmos informação, mesmo dentro das nossas organizações. A informação que não é nossa, que é da organização, nós temos um sentido de posse, que todas as organizações que tirarem agora vantagem - que migrarem para o cloud - vão ter uma vantagem competitiva aqui na capacidade e na velocidade com que geram informação e da forma como gerem essa informação dentro da organização.

A quantidade de informação que se perde todos os dias nos labirintos, dos PCs e da falta de vontade dos colaboradores das empresas, compensa, em muito, o esforço que ele estava a referir, e que é importante, de legado. Às vezes valia a pena as empresas pensarem que têm que manter as aplicações legadas e começar a migrar progressivamente para este novo paradigma pelas vantagens que daí advêm.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem, agradeço ao Dr. Pedro Sousa e ao Dr. Fernando Resina da Silva o excelente debate que nos proporcionaram, nós vamos acompanhar os nossos convidados à saída, vocês continuam a trabalhar. Em nome de todos, muito obrigado aos nossos dois convidados.

[APLAUSOS]

 
Nuno Matias

Meus caros amigos, peço-vos que preparem os cartões de voto. Mais uma vez peço-vos também a compreensão, houve seis colegas que não puderam usar da palavra, mas têm que entender não só a limitação do tempo, mas também o facto de haver colegas de grupos que já intervieram, mesmo no catch the eye , que leva a que tenhamos de fazer alguma rotação pelos grupos. Há outros casos que se inscreveram a posteriori , estou a ver ali o André que, no caso… Sim, mas houve quem se inscrevesse antes de ti. Depois falo com o André.

Primeira fila, vamos então votar a utilidade do tema. Pedia-vos que levantassem os cartões.

Muito obrigado, podem baixar. Segunda fila

Muito obrigado, podem baixar. Terceira fila.

Podem baixar. Quarta fila.

Podem baixar, obrigado. Quinta fila.

Obrigado, podem baixar. Sexta fila.

Obrigado.

Não se esqueçam de deixar toda a documentação à saída e, importante também, a questão da visita a Castelo de Vide que nós aconselhamos vivamente que façam, não só para conhecer a terra que nos dá a honra de acolher este evento, mas também porque é um momento de descompressão que nós próprios também iremos fazer convosco.

Até já.