Nas últimas edições da Universidade de
Verão incluímos um tema que não constava do currículo original: o tema social.
Desta vez, considerámos que seria importante abordá-lo sob o ponto de vista do
empreendedorismo.
Portanto, escolhemos o tema da inovação
social, reforçar a sociedade civil e a competitividade. Pedimos ao Prof. Doutor
Filipe Santos que fosse o nosso orador nesta manhã.
O Prof. Doutor Filipe Santos é licenciado
em Economia, mestrado em Gestão e Estratégia industrial e é doutorado em
Management Science and Engineering. É considerado um dos melhores especialistas
portugueses nesta área e foi a personalidade que o governo escolheu para
presidir à Agência Portugal Inovação Social no âmbito do programa Portugal 2020
que vamos abordar esta tarde.
O nosso convidado de hoje tem como hobby fazer desporto na praia: correr,
jogar raquetes, vólei, nadar. Portanto é um homem desportivo, não é como o
Duarte Marques. Diz ele: "E, quando estou cansado, deitar-me na toalha a ouvir
música e a ler o The Economist”; aqui já parece mais o Duarte Marques.
[RISOS]
A comida preferida é peixe grelhado no
carvão, comido com vista para o mar e em boa companhia.
O nosso convidado não tem um animal preferido,
diz que se foca "muito nas pessoas”, embora as pessoas também sejam animais,
Filipe.
O livro que nos sugere é "O Senhor dos
Anéis – um mundo fabuloso de fantasia e criatividade, com uma história complexa
mas que, na sua essência, foca temas simples e centrais: a luta entre o bem e o
mal, a corrupção do poder, a amizade, o sacrifício e a mensagem de que as
pessoas mais importantes e heroicas são por vezes as mais simples e indefesas.”
O filme que nos sugere é "City of Angels
– uma fábula romântica que fala de curiosidade, sacrifício em nome do amor, com
bons atores, uma banda sonora fabulosa e, para mim, um dos filmes mais
românticos de sempre. Uma escolha algo invulgar, mas recomendo.”
A qualidade pessoal que mais aprecia é "a
dedicação sincera a uma causa maior do que cada um de nós”.
Senhor Professor Filipe Santos, tem a
palavra.
[APLAUSOS]
Filipe Santos
Muito obrigado, Carlos.
Bom dia a todos. É um prazer estar aqui
convosco esta manhã na Universidade de Verão. Uma universidade é sempre um espaço
de reflexão, de partilha e de troca de ideias. O facto de esta universidade ser
promovida por um partido político torna-o também um espaço de intervenção
política, mas no meu caso vou focar-me muito mais na primeira do que na
segunda.
Portanto, sou independente, não estou
filiado em nenhum partido. Estive 15 anos fora do país, desde 1998, primeiro
para o doutoramento em Stanford na América e depois durante 12 anos como
professor de Empreendedorismo e Empreendedorismo Social na INSEAD, vivendo em
França e em Abu Dhabi. E aceitei em Janeiro o convite para regressar a
Portugal, feito pelo Ministro Poiares Maduro, para liderar esta iniciativa:
Portugal Inovação Social.
É um tema que me é muito caro, pelo qual
me apaixonei há cerca de sete ou oito anos e ao qual tenho dedicado a minha
carreira e era esse tema que queria partilhar convosco hoje: o tema da Inovação
Social e como o facto de pensarmos e promovermos a inovação social pode alterar
um pouco o modo como pensamos a sociedade atual, a forma de organizá-la e
articular como é que podemos tentar evoluir, melhorar e reforçar o modelo
capitalista.
Portanto, o tema que vou trazer é
exatamente alguns exemplos e ideias em torno da Inovação Social, algum
questionamento sobre porque é importante, porque nos faz pensar e o que altera
na nossa forma de organizar a sociedade.
Depois, dado o contexto em que estamos e
se o Carlos permitir, no final gostaria de ter tempo para algumas reflexões
mais pessoais sobre o exercício da política, os dilemas e a coragem que eu vejo
enquanto académico, empreendedor inovador, no exercício da política.
Portanto, este era um bocadinho o tema
que gostaria de vos trazer hoje. Gosto também de fazer sessões interativas e,
portanto, estou aberto a perguntas e há alguns momentos em que vos vou fazer
perguntas diretamente e envolver-vos.
Mas gostaria de começar abrindo o tema da
Inovação Social.
Descobri a Inovação Social quando há
cerca de oito anos me envolvi e comecei a dirigir um programa no INSEAD que
como muitos sabem é uma escola de negócios com base em França e em Singapura na
área do empreendedorismo social. Era um tema que eu não conhecia, mas como às
vezes o destino nos prega partidas, eu que estava na área do empreendedorismo
tecnológico, na criação de novos mercados, Silicon Valley, capital de risco e
essas coisas que nós ouvimos, como empresas Unicórnio, comecei a trabalhar com
empreendedores sociais.
Ao longo de sete anos conheci cerca de
600 empreededores sociais de todo o Mundo e fiquei fascinado pelos modelos que
nos trazem.
Queria trazer aqui só uns exemplos para
vocês terem noção do que estamos a falar quando falamos de Inovação Social.
Organizámos recentemente, em Junho, um
fórum de Inovação Social, onde trouxemos algumas das pessoas mais relevantes,
mais empreendedoras e inovadoras deste tema a nível mundial. Uma equipa era a
que fundou esta empresa, what3words. O que é que eles fazem? Nós temos todos
uma morada. Quando vi para aqui, Hotel Sol e Serra, rua tal no número tal e,
portanto, com a morada facilmente encontrei o sítio. Todos nós temos uma
morada.
Não sei se vocês sabem que há três mil
milhões de pessoas no Mundo que não têm uma morada. Imaginem uma favela, um
bairro de lata enorme, em Lagos com dez milhões de habitantes. Qual é a vossa
morada? É o barraco ao fim da rua. Como é que vocês sem morada arranjam um
emprego, é-vos entregue coisas em casa, convidam amigos? Não têm morada, não
existem em termos institucionais. Isto é a realidade para milhões de pessoas em
todo o Mundo.
Então, o que estes senhores fizeram foi
dizer que iam mapear o globo e a cada m2 do globo vamos dar-lhe um
nome com três palavras na língua local.
Portanto, este quadradinho aqui pode ser
chamado de "estrela sol mar”. Vocês podem dizer que vivem em "estrela sol mar”
e põem isso no vosso smartphone , toda
a gente fica a saber que é este bocadinho aqui no terreno, porque o sistema
deles é automático e permite localizar exatamente cada m2 da Terra.
Isto permite a cada pessoa que tem um barraco de 5m2 ter a sua
própria morada. Eles estão a dar moradas a mais de três mil milhões de pessoas
no Mundo que não têm e estão a tentar vender a solução a países, nomeadamente
na Ásia e na África, que ainda não implementaram sistemas de moradas que
funcionem.
Imaginem que podem, através do empreendedorismo,
dar uma morada, uma identificação, uma identidade, a milhares de milhões de
pessoas. Era um exemplo de projeto que me foi trazido nesse fórum.
Outro exemplo é as Roots of Empathy, um
projeto no Canadá que já chegou a mais de meio milhão de crianças. O que é que
este projeto faz? Hoje falamos muito de questões como o bullying , a violência nas escolas entre jovens. Vimos recentemente
alguns vídeos bastante chocantes de realidades que acontecem nos nossos jovens
no dia-a-dia.
A base desse bullying , desses comportamentos agressivos, dessa violência, é a
falta de empatia, de inteligência emocional de muitos dos nossos jovens e
crianças.
Essa inteligência emocional, assim como a
inteligência racional, também se pratica e se ensina. Essa senhora que
desenvolveu esta Roots of Empathy pensou que a forma de ensinar empatia às
crianças é colocá-las no momento mais essencial que é na relação entre o bebé e
a mãe. Ou seja, vou a uma escola primária, crianças entre os seis e os dez
anos, vou trazer uma mãe ou um pai recentes com o seu bebé de meses e através
da interação entre os pais e o bebé e as crianças tentar ensinar o que é que é
a inteligência emocional.
A inteligência emocional começa por a
pessoa se conseguir colocar no papel do outro, perceber as reações do outro e
conseguir desenvolver uma relação.
Este projeto já chegou a meio milhão de
pessoas no Canadá e já se expandiu a cerca de dez países, gostaríamos também de
o trazer a Portugal e o projeto demonstrou que em contextos escolares em que
foi implementado reduziu dramaticamente o nível de violência, de bullying , nas escolas.
Estes dois exemplos já vos dizem algo
interessante que é: ideias grandes, transformadoras, mas na sua essência muito
simples - ensinar inteligência emocional a crianças usando bebés, ou dar
moradas a todas as pessoas do mundo através de três palavras no dialeto local.
Também temos projetos portugueses. Se
calhar alguns de vocês já ouviram falar do ColorADD. Entre vós que aqui estão
há talvez cerca de 100 pessoas, se calhar 50 são homens e desses uns cinco ou
seis são daltónicos. 10% dos homens no Mundo têm algum grau de daltonismo, ou
seja, não conseguem diferenciar os espectros de cores. Se for um grau extremo veem
tudo a cinzento, se for um grau menor não conseguem diferenciar por exemplo o
azul do verde, ou o vermelho do laranja.
O Miguel Neiva, um designer português, na
sua tese de mestrado preocupou-se com esse tema, pensou que usamos a cor para
tudo: vamos ao metro do Porto ou de Lisboa e dizemos para apanhar a linha
vermelha, mas se eu for daltónico qual é a linha vermelha? Vou ao hospital e
oiço que as pessoas com a pulseira verde podem apresentar-se; não sei qual é a
minha pulseira, só vejo cinzento.
Hoje, a cor é fenómeno de identificação
para muito do que fazemos. Então o que é que ele fez? Criou um pequeno código
com base nas cores primárias, que com alguns símbolos permite representar de
forma simples todas as cores do espectro: o escuro, o claro, o laranja, o roxo,
misturando apenas as cores primárias que ali estão.
Isto é como um código Braille para
daltónicos. Este código implementado em produtos como lápis de cor, linhas do
metro, hospitais, permite que um daltónico seja incluído pela cor.
Novamente, uma ideia muito simples, uma
inovação muito simples este código de cores para daltónicos, abordando um
problema que é invisível e negligenciado, temos uma solução transformadora.
Este é o tipo de projetos que aparecem e
que são projetos de inovação social. Também organizámos um prémio para projetos
mais pequenos que estão agora a ser lançados, de empreendedorismo de impacto.
Temos projetos por exemplo como o A+ que envolve os idosos com as crianças na escola.
Temos um recurso muito valioso, que é o tempo das pessoas idosas, temos cada
vez mais idosos, com muita experiência de vida, muitos saberes, que adoram
estar com crianças.
Temos, infelizmente, cada vez menos
crianças, mas crianças que estão na escola cujos pais muitas vezes não têm
tempo de acompanhar de forma devida e este projeto junta os avós nas escolas em
tempos livres ocupando-os com as crianças e passando os seus saberes e
experiências para as crianças que adoram o envolvimento com os mais idosos.
Outro projeto, também interessante, com
base em Leiria e que já se expandiu para vários pontos do país é o Speak. O
Speak fala de integração de imigrantes. Normalmente quando se fala de integrar
imigrantes, um tema aliás que está a ser muito falado hoje em dia, pensamos que
temos de lhes dar a língua portuguesa, a cultura portuguesa, fazê-los parte da
nossa sociedade. Mas o Speak foi mais longe e disse que não se trata apenas de
ensinar português aos imigrantes, trata-se também de ensinar ucraniano e a
cultura ucraniana, ou africana aos portugueses; trata-se verdadeiramente de uma
partilha de culturas.
Portanto, o que eles fazem é criar grupos
de autoajuda entre portugueses e imigrantes, os quais ensinam entre eles as
aulas, a língua e têm também um grupo de apoio social que ensina cozinha,
culinária, cultura e as pessoas de facto conhecem-se e criam uma rede de apoio.
Este projeto tem tido um impacto muito
grande na melhoria da inclusão de imigrantes de várias nacionalidades da Europa
do Leste, África e outras que estão em Portugal.
Estes são exemplos de inovação social.
São projetos de empreendedorismo que têm como objetivo não lucro, não uma
valorização económica, mas a melhoria da vida das pessoas e causar um impacto
social.
Em Portugal existem centenas destes
projetos, muitas vezes pequeninos e escondidos.
Fizemos um mapeamento nos últimos dois
anos em Portugal e identificámos 134 projetos desde tipo, entre eles alguns dos
que falei, o ColorADD, o Speak, que são projetos de elevado potencial de impacto.
Alguns deles criam novos mercados. Só
para vos dar um exemplo: quem é que usou lápis Viarco na escola há dez ou 15
anos na escola primária? Na nossa geração toda a gente utilizava, mas agora
menos e por quê? Porque a empresa estava a morrer, estava a ir à falência. A
Viarco estava a desaparecer enquanto empresa porque não era competitiva.
Acrescentou o código ColorADD, começou a
exportar lápis para 16 países do Mundo porque de repente os lápis que eles
produziam eram diferenciadores, inclusivos, que incluíam daltónicos também.
Portanto, estas inovações não só têm
impacto social direto mas também aumentam a competitividade empresarial dos
parceiros ou dos produtos e serviços que desenvolvem.
Há casos em que estes projetos causam uma
nova valência social: a Escola de Rugby da Galiza utilizou o rugby como
instrumento para envolver jovens em situação desfavorecida. Quando eles estão
envolvidos dão-lhes apoio escolar, médico, enquadramento e fazem um contrato
com eles: só podem fazer parte da equipa da rugby se não usarem armas na
escola, não usarem drogas e se estiverem aproveitamento escolar. Assim, há aqui
um contrato, um compromisso entre o jovem que procura o centro para jogar rugby
e os treinadores e o centro, e permite também incluir o jovem e colocá-lo num
patamar de desenvolvimento mais favorável.
Estes projetos podem, portanto, criar
novos mercados, novos serviços da economia social, ou podem criar novas
políticas públicas também.
Aqui é uma notícia que eu vi no jornal O Público em Junho que tem a ver com as
famílias de acolhimento, ou a falta delas em Portugal.
Portugal tem uma rede muito boa de apoio
às crianças e os serviços de Segurança Social conseguem identificar crianças em
risco por causa dos contextos das famílias e para as proteger retiram das
famílias e colocam-nas em centros de instituições e centros de apoio.
No entanto, muito poucas dessas crianças
são colocadas em famílias de acolhimento, a percentagem é mínima comparando com
outros países e para uma criança crescer em família é o mais importante.
Então, há uma associação, Mundos de Vida,
que se apercebeu desta realidade e começou a trabalhar com a Segurança Social a
criar programas de apoio para treinamento de famílias de acolhimento. Está a
tentar aumentar a percentagem de famílias de acolhimento em Portugal e alterar
a política pública no sentido de esta ser a opção mais seguida e mais
favorecida pela Segurança Social. Porque não só ajuda as crianças que são
incluídas em contexto familiar, como reduz o custo para o Estado porque uma
criança numa instituição custa cerca de 15 mil euros por ano e numa família
custa menos três mil.
Portanto, há aqui projetos e inovações
que alteram políticas e que têm ganhos não só para os beneficiários mas ganhos
de poupanças para o próprio Estado. Logo, esta é uma alavanca do potencial de
desenvolvimento.
O que se está agora a firmar em todo o
Mundo é uma nova vaga de empreendedorismo que se chama de empreendedorismo
social e que tem alguns elementos-chave que que fui identificando ao longo dos anos.
Um deles é que normalmente aborda
problemas que são negligenciados, que são invisíveis para a maior parte das
pessoas. O empreendedor social identifica que em Portugal há meio milhão de
daltónicos e nós nunca ouvimos falar de daltonismo, ou só 5% de crianças é que
vão para famílias de acolhimento e todas as restantes estão em instituições.
Uma criança deve crescer em família. Portanto, olham para estes problemas que
são invisíveis e trazem-nos para cima dizendo que são problemas importantes e
que temos de os resolver.
Em vez de protestar e dizer ao Estado
para resolver o assunto, assumem o papel de empreendedores e o preparar e
desenvolver uma solução. Portanto, desafiam a visão tradicional, usam modelos
de negócio inovadores, diferentes, capacitam e envolvem as pessoas. Não se
trata de dar ou ajudar, mas sim de envolver e encontrar soluções que são
sustentáveis economicamente e financeiramente, que têm um impacto positivo na
sociedade.
Este é um bocadinho empreendedorismo
social.
Vamos entrar agora numa fase um pouco
mais interativa, pois gostava de vos perguntar algumas coisas. O que é que é um
problema negligenciado?
Vou apresentar-vos um que, aliás, é um
problema muito forte em África: minas; existem 70 milhões de minas ativas no
mundo inteiro, enterradas no chão em países que enfrentaram guerras.
Normalmente o que acontece a um país quando depois da guerra entra em paz? Há
um projeto de desminagem que é financiado pelo Banco Mundial, ou pelas Nações
Unidas, com o governo do país em questão, para trazer peritos que vêm com cães
e detetores de metais para identificar e retirar as minas.
Ao ritmo que isto está a ser feito
demorará 500 anos a tirar todas as minas que estão nos diferentes países,
nomeadamente em África e na Ásia, e que estão enterradas no Mundo inteiro. Um
problema que demora 500 anos a resolver é necessariamente um problema
negligenciado. Ao ritmo que novas minas estão a ser colocadas, isto nunca há-de
ser resolvido.
Qual é o impacto negativo deste problema?
É um problema sério, grave, importante para a sociedade? Existem 15 mil a 20
mil pessoas que todos os anos morrem ou ficam sem um membro quando a mina
explode.
Isto não só tem impacto na vida das
pessoas, como tem um impacto económico, pois se uma zona está minada não pode
ser usada para a agricultura. Os agricultores não têm emprego, não podem
cultivar a terra nem produzir alimentos.
Qual é a solução? A solução tradicional,
como eu já vos disse, era trazer os peritos estrangeiros que conseguem com
detetores de metais ou com cães identificar as minas e retirá-las. Como é que
um empreendedor social olha para este problema de uma forma diferente dado que
essa solução é cara e não resolve o problema visto que demora 500 anos? Dado os
exemplos que já vos dei, o que é que poderá fazer?
Voz
não identificada
Formar cidadãos locais para desempenharem
essa função. Mesmo que a formação inicial tenha um custo significativo, a
médio-longo prazo esse retorno é imediato, não só pelos empregos locais que
cria mas também pela consciência local que implementa na população.
Filipe
Santos
Essa é uma abordagem que é muito seguida
por empreendedores sociais: envolver as pessoas que mais beneficiam com esta
solução e tentar trazê-las como coprodutoras da solução. Além de que a vantagem
é que são recursos locais, que às vezes são de mais baixo custo dos que os que vêm
de fora. E, ao capacitarmos as pessoas, elas começam a responsabilizar-se pelo
problema ao tentar também resolvê-lo.
Portanto, esta é uma abordagem, é uma
coisa que pode ser feita.
Outras ideias.
José Manuel Ribeiro
Outra abordagem que podia ser feita: além
dos técnicos especialistas, poderiam ser criados campos de treinos para os cães
farejadores para que um recurso que antes tinha de vir de fora possa ser
facilmente investido no próprio país.
Filipe Santos
Aliás, essa em parte foi a solução e era
o exemplo que eu queria trazer também: encontrar um recurso local. O que
acontecia com as soluções tradicionais era que muitas vezes traziam os cães e
eles como não estão habituados a um clima tropical rapidamente morriam e tinham
de ser substituídos. Era uma solução ineficiente.
Houve um empreendedor social, louco, como
a maior parte deles são, que criou uma solução diferente. Essa solução envolve
ratos. Quem era essa pessoa? Essa pessoa era um belga, Bart Weetjens, que hoje
em dia é um monge budista, portanto é uma pessoa diferente do habitual e em
criança era uma pessoa muito solitária, pensativa e refletiva. Os pais estavam
preocupados com ele porque quando ele estava a crescer não tinha muitos amigos
e um dia compraram-lhe um pequeno rato de estimação. O miúdo gostou tanto desse hamster, que criou uma relação tão
forte com o ratinho e começou a comprar mais e de repente tinha uma coleção
deles em casa e ficou muito amigo deles.
Quando foi crescendo teve sempre uma
paixão particular pelos ratos. Depois começou a pensar em como podia canalizar
essa paixão de forma produtiva. Pensou que podia partilhar o amor pelos ratos
com outras crianças do Mundo, portanto, criando ratos em casa, vendendo-os a
lojas de animais e as lojas venderão a outras crianças que hão de partilhar do
bem-estar que tenho com a companhia dos ratos.
Começou com esse negócio empreendedor e
depois descobriu uma coisa que ele não gostou e o fez parar com o negócio. O
que é que ele descobriu? Descobriu que muitas vezes os ratos quando não eram
vendidos eram dados como alimentos às serpentes da loja dos animais e portanto
eram comidos. Quando ele descobriu isso ele pensou que tinha de arranjar outra
solução para que as pessoas valorizem os ratos e gostem deles.
Um dia viu uma reportagem na televisão
sobre Moçambique, quando terminou o conflito e estavam a tentar desminar os
terrenos mas os cães tinham morrido rapidamente porque não aguentaram o clima
tropical.
Ele pensou que os ratos tinham uma
capacidade de olfato muito superior aos cães e que possivelmente haveria ratos
locais da região. Então encontrou os chamados giant african rats que são dóceis, vivem o suficiente para serem
treinados e que podem ser treinados. Criou um centro de treino de ratos em que
eles aprendem a farejar não o metal mas o cheiro dos explosivos que vêm do
chão, das minas, e o que eles fazer é envolver agricultores locais que adotam e
treinam os ratos. Usam-nos para desminarem os terrenos.
Como é que eles fazem? Vamos imaginar
este terreno, colocam-lhe cordas e o rato vai pela corda e quando sente o
cheiro do explosivo faz sinal com as patinhas e está ali de certeza uma mina. O
rato é leve o suficiente para não explodir com a mina, por isso não se
preocupem animal lovers porque os
ratos não explodem, até porque seria uma solução com impacto negativo na vida
dos ratos e, portanto, o Bart não iria gostar disso.
Os ratos não explodem as minas mas
identificam-nas com metade do custo, quatro vezes mais rápido e com mais
fiabilidade do que o detetor de metais ou o cão. Ou seja, as soluções do
empreendedorismo social não só são mais baratas, como muitas vezes são
melhores, têm mais qualidade ou mais eficácia. Esse é o contrassenso: não se
trata de poupar nos custos para ser mais barato, mas sim encontrar a forma
certa de resolver o problema, apesar de muitas vezes não ser a forma óbvia.
Queria começar por vos dar muitos
exemplos deste tema do empreendedorismo social, mas mais do que os exemplos
está a acontecer em todo o Mundo a
emergência de um setor novo da economia: o setor de empreendedorismo e inovação
social. Talvez a pessoa mais conhecida deste tema seja o Professor Yunus que
foi criador do microcrédito a nível mundial, que é hoje uma indústria que tem
centenas de instituições financeiras que o fazem e centenas de milhões de
pessoas que recebem pequenos empréstimos para criarem o seu próprio negócio.
Mas em todos os países existem projetos e
organizações como a Ashoka e outras, que apoiam empreendedores sociais. Na
vossa geração, dos chamados millenials ,
está a haver também uma apetência muito grande por este tema e se calhar alguns
de vocês têm envolvimento com projetos deste tipo.
Por exemplo, um estudo do Reino Unido
indica que 2% da população criou no novas organizações de inovação social no
último ano e dados da Europa de 2013 indicam que uma em cada quatro startups são sociais.
Ou seja, um em cada quatro novos negócios
assumem no centro da missão da organização o impacto social e não a maximização
do lucro.
Agora, vocês podem dizer-me um bocadinho
como o advogado do diabo: "Está bem, isso tudo é muito bonito, são exemplos
engraçados, inspiradores, mas no que é que isso altera a forma como pensamos a
economia e as empresas?”. Todos os empreendedores criam impacto social, criam
empregos, novos produtos e serviços, o facto de terem lucro não é problema
nenhum.
Porque é que precisamos de empreendedores
sociais? Há instituições de caridade, IPSS, que ajudam as pessoas e resolvem
alguns destes problemas. Porque é que precisamos de ter este novo movimento, em
que é que isto nos ajuda?
Era aqui que eu queria passar-vos alguns
exemplos para uma reflexão um pouco mais profunda sobre o modelo capitalista e
a sociedade que nós estamos a desenhar e a desenvolver. Para isso vou precisar
da vossa ajuda e da vossa atenção. Portanto, esta é uma boa altura para acabar
com os smartphones e computadores e
concentrarem-se.
Às vezes há frases e ideias que
transformam o Mundo e que são tão poderosas na sua essência que mudam a forma
como agimos e construímos a nossa realidade.
Vou-vos mostrar uma dessas frases. Queria
que vocês primeiro pensassem, depois dissessem quem é que escreveu isto, quem é
que teve este insight, está bem? Para aqueles que estão
mais atrás, vou ler: "and by directing that industry in such a manner intends
only his own game and he’s in this as in many other cases led by and invisible
hand to promote an end that has no part in his intention. Nor is it always the
worse for the society that it was no part of it. By pursuing his own interest
he frequently promotes that of the society more effectually than when he really
intends to promote it”, quem é que escreveu isto e quando?
Vozes
não identificadas
Adam Smith.
Filipe Santos
Adam Smith, muito bem, essa parte foi
fácil com a "invisible hand” e foi no séc. XVIII, em 1776, no
"Wealth of Nations”.
Ele escreveu mais: "It is
not from the benevolence of the butcher, the brewer, or the baker that we
expect our dinner, but from their regard to their own interest. We address
ourselves, not to their humanity but to their self-love, and never talk to them
of our own necessities but of their advantages”.
Qual é a ideia principal
que o Adam Smith transmitiu nestas frases, alguém consegue explicar? O que é
que é a invisible hand e em que é que
isto impactou a forma como pensamos a sociedade?
Nuno Pinto Dias
Podemos interpretar isto como: a
prossecução dos interesses individuais em termos coletivos acaba por produzir
sinergias que a todos beneficiam, apesar de eu procurar encontrar a minha
felicidade individual, o meu bem-estar individual e o dos meus, o conjunto
destas ações promove uma realidade que é bem maior que os seus resultados
meramente somados.
Filipe Santos
Muito bem. Algum acrescento que queiram
dar a esta intervenção?
Luís Mário da Ponte
Bom dia. Um empreendedor na prossecução
do seu interesse individual deteta uma falha de mercado, uma oportunidade, uma necessidade
que necessita de ser satisfeita e na prossecução do seu interesse individual e
da procura da própria riqueza e subsistência, visa satisfazer essa necessidade.
Ao satisfazer essa necessidade está a satisfazer a necessidade de outra pessoa
que por sua vez vai adquirir aquele bem para seu benefício próprio.
No fundo, quando queremos alguma coisa,
em vez de esperar que ela apareça de forma centralizada ou de esperar que pela
boa vontade dos outros eu consiga essa coisa, o mais fácil é apelar ao
interesse próprio que cada um de nós tem.
Se cada um, ao perseguir o interesse
próprio, criar empresas ou organizações, vender produtos e serviços e receber
um lucro desses serviços que presta, acaba por alocar recursos na economia de
uma forma eficiente. Porque vai alocar recursos às necessidades que as pessoas
mais valorizam. Se eu alocar recursos a necessidades que ninguém precisa nem
vai comprar, desapareço. Se aloco recursos a uma coisa que alguém valoriza e
quer comprar eu ganho e posso investir mais e vou aumentar a eficiência com que
a sociedade aloca os seus recursos.
Isso é a base da economia e da
prosperidade.
Esse foi o insight original que o Adam Smith desenvolveu quando estava no séc.
XVIII a olhar para a emergente revolução industrial inglesa e via as fábricas
apercebendo-se que há de facto um modelo diferente que se pode criar. Um modelo
em que o interesse próprio acaba por conduzir, qual mão invisível, para o ganho
coletivo social.
Com base nesse conceito, nós enquanto
sociedade organizámos um certo modelo societal. Um modelo de sociedade que se
baseia no interesse próprio, na motivação que eu tenho para melhorar-me, para
ter mais lucro, mais dinheiro e bem-estar.
Vou canalizar esse interesse próprio
através de incentivos para mim e para aqueles que trabalham comigo, para que
nós em conjunto consigamos capturar valor.
Como é que capturamos valor? Através de
empresas que vão desenvolver os seus produtos e que visam maximizar os lucros.
Como é que uma empresa maximiza o lucro? Tem que proteger aquilo que tem. Uma
empresa que tem uma competência específica vai criar uma patente e protegê-la.
Uma empresa que vende um produto muito
valioso vai aumentar o preço do produto para conseguir lucrar mais. As empresas
vão proteger o conhecimento que têm e vão tentar controlar o mercado onde estão
inseridas.
Um empresário, o que quer ser é o mais
poderoso do mercado, com maior quota de mercado e força sobre os fornecedores,
e maior influência sobre os clientes.
Não sei se recordam, aqui os economistas,
as cinco forças do Porter: se conseguir ser mais forte do que os fornecedores,
fazer o lock-in de vários clientes,
combater a competição e não ter substitutos, vou conseguir ter um lucro ao
longo do tempo muito elevado e, portanto, vou ter uma vantagem competitiva
sustentável.
Portanto, um bocadinho aquela ideia do
Adam Smith que se traduziu num modelo de sociedade baseado em mercados onde
empresas competitivas operam e nesta lógica, logo o empreendedor vai através de
incentivos organizar as coisas, capturar valor e maximizar o lucro.
Agora, deixem-me perguntar-vos outra
coisa: será que este sistema funciona? Este modelo capitalista que
desenvolvemos e criámos, será que temos evidências de que ele funciona? Sim e é
um sim sem qualquer qualificação? Não: acho que não funciona, ou funciona em
certa medida mas não totalmente? Qual é a vossa opinião?
Agora gostava que cada um se manifestasse.
Quem diria que sim? Que claramente o modelo funciona? Quem diz que não? Que não
lhe parece que o modelo esteja a funcionar, ou vai funcionando mas tem
fraquezas que têm de se trabalhar?
Já vi que não gostam de se comprometer.
[RISOS]
Seis sim e nenhum não. A maior parte
diria um "sim/não, ou sim, mas precisa de regulação”.
Portanto, no fundo, estou a ouvir um sim,
mas os mercados para funcionarem bem e darem o ganho social têm de ser
regulados; ou sim, mas tem ciclos e os ciclos seriam de um momento de euforia
que depois leva a um crash. Isso é
parte do sistema capitalista, mas que neste processo de ajustamento muitas
vezes é doloroso para os países, para as pessoas, aliás nós que acabámos de
atravessar um período de crash e de
austeridade, sentimos na pele isso.
Muitas vezes estas perguntas respondem-se
com dados, historicamente, de modo a que a experiência recente não polua, de
certa forma, o nosso pensamento.
Agora também vou desafiar-vos um
bocadinho. Se olharmos para os dados históricos, a sensação que temos é que não
há dúvida que o modelo tem funcionado. Tivemos, desde que este modelo de
economia foi implementado no séc. XVIII, a partir da revolução industrial
inglesa, um progresso económico e social extraordinário ao longo dos últimos
200 anos.
De facto, os economistas que olham
historicamente para os dados económicos veem que durante mil anos a economia
foi crescendo 0,1%, 0, 3%, ou seja, não havia progresso económico e este não
havendo, o progresso social era muito limitado. Por quê? Porque havia modelos
hierárquicos, os recursos estavam todos controlados por uma elite e, portanto,
não havia aumento de produtividade.
Assim, tínhamos aqui uma curva que era
quase plana e é óbvio que aconteceu aqui algo que aumentou a produtividade e o
produto dos países, mesmo que descontemos o efeito do PIB per capita e algum
efeito de consumo de recursos naturais excessivo, estamos hoje 100 vezes melhor
economicamente, em termos de números, do que estávamos há 200 anos atrás.
Podem questionar se os números económicos
traduzem a felicidade das pessoas, se calhar não, mas quando olhamos para
indicadores como a escolaridade, a mortalidade infantil, a esperança média de
vida, nós hoje mesmo olhando para a geração dos nossos pais ou avós vemos um
ganho fenomenal nos últimos 70 anos. De facto, o modelo tem funcionado bem
historicamente e por quê? Porque o capitalismo de mercado produz algumas coisas
interessantes. Para já, produz algumas economias de escala que são fundamentais
para o aumento da produtividade, porque - lá está - dos empreendedores, há 100
a fazer coisas diferentes e há alguns que são melhores que outros.
Os mecanismos da economia de mercado
levam a que esses que são um bocadinho melhores recebam mais recursos, invistam
mais, ganhem mais, cresçam mais, comprem os outros e as suas práticas acabem
por se disseminar por toda a indústria. A economia de escala melhora também a
produtividade. Mesmo que um empresário, ou uma empresa, vá à falência, deixa no
tecido económico competências e conhecimentos que às vezes criam novo valor.
Quem de vocês ouviu falar de uma empresa
chamada Fairchild semi-conductors. Ninguém ouviu falar? É uma empresa dos anos
70, início dos anos 80, em Silicon Valley. Quem é que já ouviu falar da intel.
Se calhar, o que vocês não sabem é que a Fairchild semi-conductors foi a
primeira empresa de semicondutores do Mundo e foi quem criou a indústria.
Depois, foi à falência, mas os empregados dessa empresa saíram e cada um criou
outras empresas. Criou aquilo que chamo hoje de Fairchildren, sete empresas que
saíram da Fairchild; umas delas foi a Intel e as outras foram as restantes que
criaram a indústria dos semicondutores.
Apesar daquela empresa original ter ido à
falência, criou uma nova indústria que fez uma revolução tecnológica.
Por outro lado, a competição entre os
empreendedores leva a uma constante procura de inovação, de criar mais valor
para o cliente, de conseguir vender mais, e isso é uma pressão, uma disciplina,
de mercado que leva todos a melhorarem se for um mercado regulado e se evitar o
abuso de posição dominante.
Portanto, há mecanismos no capitalismo de
mercado que permitem de facto um progresso económico e social forte. No
entanto, só cinco ou seis de vós é que puseram a mão no ar e declaradamente
disseram que acreditavam no sistema. Por quê? Acho que há um mal-estar
generalizado, um sentimento de que algo não está bem, em relação à economia de
mercado e ao capitalismo. Era aqui que eu queria aprofundar um bocadinho a
nossa reflexão.
Acho que há dois processos ou desafios no
capitalismo: um é o sistema não respeitar totalmente a natureza humana. Vou
explicar o que quero dizer com estas palavras. O segundo aspeto que eu queria
dizer é que o sistema tem lacunas que precisam de ser resolvidas e alguns de
vocês já falaram de algumas dessas lacunas: ciclos económicos, aumento da
desigualdade, desregulação de mercados.
Vamos focarmo-nos no primeiro ponto. Vou
mostrar-vos novamente algumas palavras que podiam ter mudado o Mundo mas que
não mudaram tanto quanto as outras que vos mostrei do Adam Smith.
Queria que vocês lessem, refletissem e
pensassem quem é que escreveu isto e quando, está bem?
"How selfish soever man
may be supposed, there are evidently some principles in his nature, which
interest him in the fortune of others, and render their happiness necessary to
him, though he derives nothing from it except the pleasure of seeing it.”
Adam Smith, disse o Aldo Maia. Muito bem,
foi Adam Smith em "The Theory of Moral Sentiments”, uma obra anterior. O Adam
Smith não era economista, era professor de moral na Universidade de Glasgow.
Para ele, a obra-prima dele não era o "Wealth of Nations” que foi quase a
bíblia dos economistas que o seguiram, mas foi esta obra chamada "The Theory of
Moral Sentiments” que ele escreveu onde refletiu sobre a natureza humana e
sobre o que é que motivava os comportamentos humanos.
O que é que ele está a tentar expressar
aqui nestas palavras? Que a natureza humana tem uma dualidade, que o Homem
preocupa-se naturalmente com o seu interesse próprio e com o bem-estar daqueles
que lhes são próximos, da família próxima, mas ao mesmo tempo está na natureza
humana uma preocupação pelos outros, chame-se amor ao próximo, chame-se care for others.
A natureza humana tem esta dualidade que
nós estamos felizes quando vemos ou criamos felicidade nos outros também. Nós
gerimos estas duas naturezas em nós próprios. Qual é o desafio? É que o
capitalismo pegou apenas em metade da alma humana - o interesse próprio - e
criou todo o edifício, todo um sistema, com base no interesse próprio e relegou
o amor ao próximo para segundo plano.
Basicamente disse: querem ajudar os
outros, querem ser bonzinhos, façam-no na vossa família, na vossa igreja, na
vossa obra de caridade, mas no mercado e nas empresas têm de ser competitivos,
maximizar o lucro, não há perdão, vão em frente e façam o que for necessário
para vencer.
Se fizerem isso têm bónus, têm prestígio,
têm mais poder e ganham. É este aspeto da economia de mercado, de capitalismo,
que muita gente se sente desconfortável, porque não está a responder aos
anseios e aos desejos da natureza humana.
Será que há algum modelo diferente que
podíamos conceber, que poderia alavancar e construir sobre o amor ao próximo
que nós temos pelos outros? Como é que poderia ser este modelo, se fôssemos
comparar este modelo com um outro de amor ao próximo, como é que o
construiríamos?
Na base estava o amor ao próximo e se eu
quero alavancar uma organização com base no amor ao próximo o que é que eu faço
para organizar as coisas?
Vou dar incentivos às pessoas? O que uso
como mecanismo? Incentivos, salários, mais dinheiro, mais poder?
Em relação a envolver-me com os outros,
vou alavancar a sua motivação e predisposição para ajudar os outros e se
aliarem a uma causa importante, uma causa social.
Qual é o meu objetivo enquanto
organização ou projeto? É a captura de valor? Qual será o meu objetivo?
Voz
não-identificada
Realização pessoal?
Filipe Santos
Realização pessoal, mas realização
pessoal no amor ao próximo, existe no momento em que consegues realizar os
anseios dos outros também.
Aqui, diria, fazendo o paralelo, que não
preocupado em capturar valor para a minha organização, mas em criar valor na
minha iniciativa.
Qual é a entidade em que eu posso criar
valor?
Nós criamos na nossa economia esta noção
jurídica de empresa em que empresa é uma entidade para basicamente operar na
economia e todo o excedente que conseguir gerar, consegue apropriar-se dele e
dá-lo aos seus donos.
Que entidade ou que contexto é que
consigo desenvolver para criar valor? Se não for a empresa qual é o centro
desta nova economia? ONG? Estou preocupado é com uma solução que não é só uma
organização, mas que envolva a comunidade e organizações de caráter diferente,
como fundações ou até empresas, mas o meu foco não é fazer com que uma empresa
dure para sempre, mas que uma solução transforme o sistema. Uma solução como
aquelas que eu vos dei: o what3words, uma solução em que com três palavras eu
crio moradas; o ColorADD, disseminar um código para daltónicos, que esta
inovação social que quer solução crie valor.
Para implementar isso vou tentar
maximizar o lucro, vou tentar maximizar o impacto social, que a minha solução
cria na vida das pessoas e se para o fazer tiver um código, uma inovação, algo
valioso, vou proteger, criar um trade
secret , vou disseminar e partilhar.
Portanto, quero partilhar aquilo que eu
tenho para criar mais valor e a minha lógica de operar no mercado é uma lógica
de controlo: quero controlar os fornecedores, os clientes, os competidores - é
isso que quero fazer - e qual é a minha lógica de atuação no mercado?
É uma lógica de envolvimento e mais que envolvimento,
é uma lógica de capacitação, de empoderamento dos outros. Eu sei que a minha
solução só criará valor se todos os seus parceiros estiverem mais envolvidos,
mais capacitados, mais empoderados.
Portanto o meu foco é melhorar todo o sistema e os parceiros e, não, melhorar a
minha situação ou a situação da minha empresa. Se eu fizer isso consigo ter
soluções sustentáveis no tempo que disseminam e criam impacto.
Este é o modelo económico alternativo que
eu poderia criar. Se pensarem um bocadinho o que fazem os empreendedores
sociais, o que têm feito é trazer ao sistema económico um novo modelo e forma
de atuação que são sustentáveis, e que tem impacto, mas que alavanca não o
interesse próprio e a procura de ganhos para quem está a implementar essa ideia
mas alavanca o potencial da criação de valor da iniciativa.
É isso que junta as pessoas e orienta a
sua atuação. Portanto, o empreendedorismo social está a trazer uma nova forma
de empreender, atuar na economia, que é consistente com a ideia de capitalismo,
mas que traz ao capitalismo esta outra vertente que é do amor ao próprio.
É também por esta razão que estou
entusiasmado, apaixonado, pelo tema da inovação social. Agora, podem dizer que soa
bem mas questionarem se realmente precisamos disto. Onde é que falha o sistema
capitalista, no qual a inovação social pode ser uma ferramenta útil?
Onde falha o sistema capitalista?
Imaginem um modelo quase ideal, em que existem mercados regulados, competitivos,
existe um Estado com recursos e atento a resolver problemas. Neste contexto
ainda é necessário empreendedorismo social? Ainda faria sentido ter
empreendedores sociais, ou não?
Onde é que o sistema capitalista, mesmo
bem operacionalizado, falha? Algumas ideias ou sugestões?
Miguel Sousa
O sistema capitalista não falha um bocado
na redistribuição do dinheiro? Porque há pessoas que têm muito dinheiro e
pessoas que têm muito pouco, criando-se um fosso.
Filipe Santos
Ou seja, o problema do capitalismo é
muitas vezes o aumento da desigualdade. Aliás, este tem sido um tema muito
falado hoje em dia pelos economistas e pela imprensa.
É que em geral estamos todos melhor, mas
na prática os mecanismos da lógica de mercado premeiam alguns muito em
detrimento de muitos outros e desigualdade tem vindo a aumentar em particular
nos últimos 30 anos.
Mas aí temos o Estado também com uma
função redistributiva, ou seja, o Estado deveria recolher os impostos e não só
dar subvenções sociais que atenuem as desigualdades, mas também dar serviços
públicos tendencialmente gratuitos ou de fácil acesso para nivelar algumas
dessas diferenças. Porém existe ainda o problema do aumento da desigualdade.
Outros temas, outras ideias de onde o
mercado pode falhar e onde o capitalismo tem fraquezas?
João Ferraz Diogo
Bom dia. Um problema neste caso seria a
adaptação à procura, às necessidades do mercado, uma vez que o lucro é o
objetivo final então vai-se sempre produzindo cada vez mais e sem ter atenção à
procura, ou seja, a oferta aumenta e a procura diminui. Estamos a produzir mais
do que devemos.
Filipe Santos
Pois, há uma questão dos efeitos que a
procura do lucro provoca na economia e se houver áreas em que a procura do
lucro não está associada com o impacto social a mão invisível do Adam Smith
falha.
A mão invisível do Adam Smith funciona
quando a minha procura do lucro induz a comportamentos e mecanismos que levam
depois a um ganho social. Onde é que isso pode acontecer?
Laurindo Frias
Normalmente as classes menos protegidas
não têm voz para exprimir as suas dificuldades e acabam por ser as mais
prejudicadas nesse sistema.
Filipe Santos
Muito bem, temos já algumas respostas que
em conjunto dão uma base para pensarmos este tema.
Resumindo algumas coisas que têm dito,
por um lado onde é que falha o sistema capitalista? O interesse próprio, a
procura do lucro, não é eficaz com o mecanismo da atuação em áreas que têm o
que os economistas chamam de externalidades positivas. Ou seja, áreas em que o
valor que crio com a minha intervenção não é apropriável mas espalha-se por
todo o sistema.
Imaginem que o Aldo tem uma fábrica de
cimentos e eu sou um construtor civil. Quero construir casas para vendê-las a
pessoas que precisam de habitação. O Aldo quer produzir cimento para ter lucros
com a sua atividade.
Faço as minhas contas e penso: neste
mercado consigo vender casas a este preço, vou precisar de tanto cimento,
pergunto ao Aldo qual é o preço para o cimento que vou precisar. O Aldo olha
para as contas dele, os custos, o potencial de mercado e diz-me que por cada
tonelada de cimento vai cobrar cinco.
Eu digo está bem, com esse preço consigo
construir um número de casas e vendê-las. Portanto, digo ao Aldo que vou
comprar 1000 toneladas e produzir 100 habitações. Nós fizemos uma transação em
que ganho ao vender as casas, o Aldo e a sua fábrica ganham ao vender o
cimento, ficamos todos contentes, excepto se por acaso o Aldo precisar para
produzir cimento atirar resíduos para o rio onde a fábrica está situada. Está a
impor um custo à sociedade, que não está incluído nas suas próprias contas.
Portanto, quanto mais cimento ele me
vende, mais poluição existe no meio-ambiente; é uma externalidade negativa. O
lucro dele e o meu não estão alinhados com o impacto social.
Portanto, o sistema capitalista tem de
encontrar formas de resolver o problema das externalidades. Mas isso é o que o
Estado faz, diz que a poluição não é permitida, ou só em certas condições. Por
isso, o Estado tende por um lado ou proibir os comportamentos negativos que
causam impacto negativo socialmente ou taxá-los dizendo que por cada tonelada
de cimento há uma taxa de cinco euros adicional, porque preciso depois do
processo produtivo, de limpar o rio.
O Estado acaba por conseguir, se atuar de
forma eficaz, anular ou reduzir alguns destes comportamentos negativos que são
motivados pela procura do lucro.
Por um lado, os comportamentos negativos
são mais fáceis de cancelar, mas as externalidades positivas são mais difíceis
de motivar. Por exemplo, há áreas onde uma atuação é muito valiosa para a
sociedade mas é pouco valiosa para o indivíduo que a presta. É o caso da
vacinação: posso vender vacinas e vocês podem comprar, mas dizem que o risco de
apanharem a doença é tão pequenino que não vão pagar muito pela vacina e muita
gente não vai ser vacinada. Mas sei que do ponto de vista público, se não
houver vacinação há o risco de epidemia que vai criar um mal social enorme.
Portanto, há um ganho muito forte em
haver vacinação de muito fácil acesso, mas no mecanismo de mercado não vai
trazer porque esse ganho não está alinhado com o lucro dos agentes. Não tem
rentabilidade suficiente para eu comercialmente desenvolver a atividade; tem de
ter o envolvimento do Estado e o Estado também se envolve na parte das
externalidades positivas, corrige as falhas de mercado, providencia bens
públicos em áreas com estas características como a Educação, a Saúde, o
Ambiente ou outras.
Fá-lo por duas formas: por provisão
direta, provendo os serviços que o mercado não consegue entregar ou subsidiação
a atores - comerciais ou da economia social - que possam fazer essa provisão e
com os subsídios já tem rentabilidade para desenvolver essa atividade.
Por isso, com o Estado a funcionar e com
o mercado regulado, de certa forma não seria muito necessário o
empreendedorismo social. Agora entra aquilo que o vosso colega falou: mesmo que
o Estado seja eficaz, acaba sempre por ouvir e sofrer as pressões e as
tendências das vozes mais fortes da sociedade, muitas vezes esquecendo as vozes
mais fracas ou quem não tem voz.
Dou sempre o exemplo: vivi muitos anos em
França e pensem por exemplo na agricultura francesa. A agricultura é uma
atividade que tem algumas externalidades positivas, basta guiar através de
França e ver aqueles campos bem organizados e lindos, além da segurança
alimentar que cria no país. Portanto, além da produção agrícola poder ser
vendida por um lucro, existem externalidades positivas em termos de
meio-ambiente e de segurança alimentar. Assim há algum argumento para incentivo
e apoio à agricultura. Existem apoios à agricultura em França, ou não? Brutais,
enormes, mais se calhar do que haveria de ser necessário.
Por quê? Porque a voz dos agricultores é
muito forte em França. Os presidentes da França não são eleitos se não forem
para a feira e beijarem o touro e a vaca. Isto é real, o Jacques Chirac fazia
durante muitos anos.
Se há alguma coisa que prejudica os
agricultores eles bloqueiam as estradas, vêm com um camião de tomates e atiram
tomates aos políticos e ninguém quer isso na televisão.
Portanto, como têm muita voz e muita
força, e a psique francesa está muito ligada à agricultura têm imensos apoios,
mais do que é devido. Mas onde falha é exatamente naquele segmento da população
que não tem voz ou capacidade de organização: os daltónicos, as crianças que
são retiradas de uma família, um imigrante que não vota por exemplo, a minoria
étnica ou religiosa que é excluída e ostracizada.
Nessas áreas, esses problemas parecem
invisíveis ao resto da sociedade e acabam por ser negligenciados. É exatamente
nessas áreas que o empreendedorismo social tem o seu sweet spot de atuação, tem a sua área onde pode criar valor, porque
as pessoas de forma descentralizada identificam esses desafios e oportunidades,
apaixonam-se por esses temas, criam soluções, utilizam outros para essas
soluções e alertam o Estado para a importância daquele problema.
Há pouco falámos aqui sobre o Miguel
Pavão a sorrir, que é um dentista apaixonado pela saúde oral. Ele verificou, há
uns atrás, que a saúde oral era uma área de provisão pública na qual não havia
qualquer valência, não havia subsídios para a saúde oral, apoio dentário, nem
qualquer oferta pública. O que é que acontecia? Quem tem dinheiro ia ao
dentista, quem não tem não tratava dos dentes e as coisas depois pioravam ao
longo do tempo e pessoas com menor capacidade económica e crianças de zonas
mais desfavorecidas não cuidavam dos dentes, cresciam com os dentes podres,
depois não arranjavam emprego por tinham os dentes podres e depois tinham
cáries enormes tinham de ao hospital de urgência com um custo enorme para o
Estado. Ele disse que isto não podia continuar, que a saúde oral era um
problema negligenciado, que era importante para todos e para os que não podem
usufruir dela, então, criou uma rede de dentistas voluntários. Assim, deu
acesso a muito mais baixos preço a toda a população, começou a fazer lobby junto da Segurança Social e
Ministério da Saúde para alterar o estado das coisas e começa a haver uma
política de saúde oral em Portugal.
Os empreendedores sociais encontram estes
problemas invisíveis para os outros e ao fazê-lo introduzem na economia este
motor de inovação social, que é um bocadinho um espelho do que o motor de
inovação empresarial do empreendedorismo empresarial faz na parte da economia
de mercado.
É esse o valor que a inovação e o
empreendedorismo sociais podem trazer para repensarmos o modelo da economia.
Porque de certa forma o que estamos aqui a falar é o potenciar da sociedade
civil. De que forma? Não tanto através do ativismo social mas do
empreendedorismo social.
Gosto desta distinção: o ativismo é
quando vemos um problema e dizemos que não pode continuar e vamos para a
Assembleia da República protestar para que alguém faça alguma coisa. Isso é um
bocadinho o ativismo: alertar para os problemas e para o que está mal e tentar
criar através da pressão política ou social mecanismos de mudança.
O empreendedorismo social é diferente: é
o identificar do problema, tentar encontrar soluções que envolvem todas as
pessoas e todas as entidades para que este problema seja resolvido. Portanto, é
um esforço de ação e de empreendedorismo e não de protesto.
A inovação social pode potenciar o estado
civil dando às pessoas estes mecanismos de proativamente resolverem os
problemas da sociedade e não esperarem que o Estado faça tudo, ou que o mercado
resolva tudo, porque ambos não conseguem resolver tudo sem o envolvimento dos
cidadãos.
É esse o potencial do empreendedorismo
social, que não só é importante para segmentos desfavorecidos mas que é
importante para todos nós.
Deixem-me dar-vos um exemplo: há um
projeto de inovação social que todos utilizam e do qual beneficiam. Qual é? É
internacional. O telemóvel? Eu não chamaria inovação social necessariamente,
foi uma inovação. O Wikipédia. Quem utiliza, levante o braço. Toda a gente. O
que é o Wikipédia? É uma solução. Lembram-se daquela outra versão de
capitalismo que eu vos mostrei. É uma fundação que criou uma solução que
envolve os utilizadores. Eles dizem basicamente: isto é gratuito mas todos
podem contribuir para a solução escrevendo novas entradas ou corrigindo
entradas no Wikipédia e todos têm acesso livre. Em dez anos a Wikipédia criou
uma enciclopédia global online que cobre todos os temas do Mundo em todas as
línguas do Mundo, todos têm acesso gratuito e é usado por mais de 500 milhões
de pessoas em todo o Mundo.
Qual era a comparação com o Wikipédia?
Qual era o modelo anterior ao Wikipédia? A Enciclopédia Britânica e as que nos
vendiam em casa, as bibliotecas municipais, no serviço público, ou até o CD da
Microsoft com a Encarta. Lembram-se? Parece há tanto tempo atrás, não é?
O que é que aconteceu aqui? É que dantes
dizíamos que precisávamos de uma oferta de mercado, portanto eu como empresário
vou contratar um conhecimento aos peritos, vou produzir o conhecimento num
livro e vou vender o livro - isto é uma oferta de mercado. Ou então o Estado
dizia: o conhecimento dever ser livre, vou comprar montes de livros, pôr numa
biblioteca e oferecer gratuitamente para disseminar a cultura.
O que a Wikipédia disse foi: não, isto
não é uma oferta de mercado, nem pública, necessariamente, mas uma rede de
colaboração em que se eu envolver as pessoas a participarem na criação do
conhecimento que não é privilégio apenas só de alguns, consigo criar um modelo
digital que dá acesso a todos e que está sempre em inovação e transformação.
Portanto, de forma interessante, o modelo
do Wikipédia é superior e mais competitivo do que os modelos de mercado ou de
provisão pública. Em algumas áreas isto acontece: modelos de inovação social
são mais poderosos e mais eficazes do que os modelos tradicionais. Outra área
onde é importantíssimo o empreendedorismo social é a obesidade infantil que é
elevadíssima apesar da nossa dieta mediterrânica. Afeta todas as classes
sociais e económicas e tem rácios preocupantes para o futuro, assim como gastos
de saúde enormes com o aumento de diabéticos e de doenças cardíacas.
O combate à obesidade infantil que está a
ser feito por empreendedores sociais, tentando dar aulas sobre nutrição e
capacitando as crianças, é uma forma de nós também alterarmos o estado das
coisas.
Deixem-me só dar-vos um exemplo.
Possivelmente muitos de vocês não têm filhos, mas eu tenho, de seis e nove
anos, e há uma coisa que me faz imensa confusão: há muitas festas de anos, é
normal. Todos os fins-de-semana os meus filhos vão a uma festa de anos de um
colega da escola e nas festas de anos vão comer bolos, açúcar, doces; é uma vez
por semana, está bem, mas o que é que acontece quando as crianças saem das
festas de anos? Recebem um presente. Qual é o presente que recebem? Recebem um
saquinho com chocolates, gomas, rebuçados para levarem para casa e comerem
durante a semana. Já pensaram nisto?
Portanto, vou convidar os filhos dos meus
amigos para virem para a festa, vou dar-lhes veneno de longo prazo para eles
comerem e depois vou dar um pacotinho de veneno para eles levarem para casa e
se habituarem ao veneno.
Quando hoje é sabido que a morfologia
humana, numa idade jovem, adapta-se ao açúcar que recebe e ao sal que recebe.
Portanto, se vou receber açúcar aos cinco, sete anos de idade, o meu metabolismo
vai-se alterar e eu conto e espero receber mais açúcar no futuro.
Estamos a matar as nossas crianças, de
forma assumida e clara. Se for um pai e não dou o saquinho de rebuçados, de
repente tenho bocas a dizerem que não sou generoso, que sou forreta, que não
dou nada aos miúdos que queriam levar um saquinho e não levaram.
Nós, às vezes, temos comportamentos
sociais que nos parecem normais mas que são altamente destrutivos e negativos e
nem nos apercebemos. O empreendedor social tem uma visão diferente e diz: isto
é ridículo, não veem o quão ridículo isto é? E começa a trabalhar não só para
encontrar uma solução alternativa como para mostrar o quão ridículo é o que nós
fazemos enquanto comportamento social.
Neste caso, há uma professora de ensino
secundário, Ana Quintas, que criou em Carcavelos um centro de educação
alimentar chamado Vitaminos, onde ensina e capacita as crianças a saberem como
é que se devem alimentar, a fazerem sopa e a mudarem a sua atuação.
Ela tem um workshop que se chama Vamos Fazer Sopa Juntos; depois das aulas os
miúdos inscrevem-se, pagam um ou dois euros, que é para aumentar a
sustentabilidade do modelo e as pessoas pagarem um bocadinho pelo que recebem,
e vão fazer um workshop de uma hora e
meia que os leva a ir à horta colher os vegetais. Depois, vão à cozinha que é
uma cozinha montada para crianças, com facas que não cortam os dedos, etc.,
para tratarem dos vegetais, fazerem a sopa e comerem-na no final. Têm também um
trabalho de casa que é chegarem a casa e dizerem aos pais: quero fazer e comer
sopa convosco.
Quando ela passou o trabalho de casa
pensou que apenas 10% é que o fariam. No dia seguinte, teve telefonemas a
perguntar o que é que ela tinha feito aos filhos deles, que nunca comiam sopa,
que era uma chatice para comerem sopa e ontem chegaram e disseram que queriam
fazer sopa juntos. Os pais disseram que cozinharam sopa com os filhos pela
primeira vez e que comeram todos juntos, inclusive alguns pais que não
costumavam comer sopa mas foram obrigados porque era a sopa da filha e tinham
de comer.
Ou seja, é fácil mudar os comportamentos
quando o fazemos da forma certa, envolvendo e capacitando as pessoas.
Nas festas que esta Ana Quintas organiza,
a comida é toda saudável, não tem nada com excesso de açúcar. A inovação que
ela fez foi o chupa-chupa de cenoura. Já ouviram falar do chupa-chupa de
cenoura? É muito fácil: descasca-se uma cenoura, enfia-se num palito e dá-se
aos miúdos.
Os pais acharam a ideia mais absurda e
que os filhos nunca iriam comer isso, mas os miúdos adoram, ficam a roer a
cenoura durante meia hora e não comem mais nada.
Portanto, este é um dos exemplos de como
estas ideias, uma vez que possamos dar azo a que essas ideias se desenvolvam,
se traduzem em mais projetos empresariais, em novos negócios e iniciativas,
podem aos poucos alterar a nossa sociedade, a nossa realidade e levar-nos a
níveis melhores de prosperidade.
O que se trata aqui é de empoderar a
sociedade civil com responsabilidade e com os mecanismos para responder
positivamente aos desafios da sociedade e do futuro. Não é contar sempre que o
mercado faça, porque muitas vezes não o faz, ou que o Estado tenha capacidade
de responder, que muitas vezes não tem, e é capacitar todos nós para a área em
que somos apaixonados, na área que nos preocupamos, encontrar as soluções
certas, envolver os outros e partir para este processo.
Este é um bocadinho sobre a importância
de potenciar a inovação social. Esta ideia está a ter lastro em todo o Mundo.
No âmbito do G8, houve uma task force durante o ano liderada pelo Reino Unido para trabalhar a área das finanças de
impacto e como é que podemos reorientar o sistema financeiro para apostar e
investir neste tipo de projetos de impacto social.
Chamaram ao relatório
"Impact Investiment, the invisible heart of market”. É um bocadinho
isto que vos queria deixar, é que temos no capitalismo esta arma poderosa que é
a mão invisível, ao alavancar o interesse próprio de cada um de nós conseguimos
conduzir a sociedade e o mercado a um ganho social através da procura do lucro
e do ganho próprio, mas para o capitalismo funcionar de facto temos de juntar a
esse instrumento que é poderoso outro instrumento que se chamaria o coração
invisível.
Ou seja, se alavancarmos não só o
interesse próprio mas também o amor ao próximo e se damos possibilidade dele
ser canalizado em projetos sustentáveis com escala que transforme a nossa
realidade, conseguimos criar um modelo de economia de mercado muito mais
sustentável, muito mais resiliente e que consiga reduzir as desigualdades, os
fenómenos de exclusão e eventualmente combater um bocadinho estes ciclos que
acontecem na economia.
É um bocadinho isso que se está a gerar
em todo o Mundo hoje em dia. Há uma vaga em torno da inovação social e de criar
este novo mecanismo de impacto com novos instrumentos financeiros e, portanto,
é isto que estamos a fazer em Portugal.
Agora, se calhar, mudava o registo para
falar durante uns minutos sobre a iniciativa que estou agora a desenvolver
chamada Portugal Inovação Social. Depois, teremos tempo também para perguntas
no final.
Durante 15 anos estive fora do país, mas
nos últimos quatro anos estive muito mais envolvido em Portugal a fazer o
mapeamento da Inovação Social, a lançar projetos como o empreendedorismo social
ou o laboratório de investimento social. Fui convidado pelo governo, pelo
Ministro Poiares Maduro com quem vão estar esta tarde, para liderar uma nova
iniciativa, a Portugal Inovação Social.
Qual é a visão? É, assim como nós
conseguimos criar em dez anos um verdadeiro ecossistema de apoio ao
empreendedorismo e hoje temos investidores-anjos, capitais de risco,
incubadoras, empresas unicórnio, e temos de facto pela primeira vez em Portugal
um fenómeno de empreendedorismo de escala global que conseguimos em dez anos, é
replicar este sucesso e fazer o mesmo para a área de impacto social.
Ou seja, criar investidores sociais,
incubadoras sociais, apoio a projetos sociais para que o empreendedor social
não esteja sozinho, tenha rede, financiamento e possa crescer e desenvolver o
seu projeto com sucesso.
Qual é a visão? É de que nós temos de
parar um bocadinho de trabalhar em setores separados com o setor público de um
lado, o setor privado de outro e o setor empresarial do outro. O empreendedor
social mostrou que há vantagem e possibilidade de unir os diversos setores. O
empreendedor social, por natureza, alia e junta as forças dos vários setores e
cria o que se chama um pouco a economia de impacto.
É promover comportamentos na economia
orientados para a maximização do impacto social e não apenas necessariamente a
maximização do lucro. Há todo um conjunto de instrumentos financeiros, como os
títulos de impactos social, ou empresas como as empresas B, for Benefit Corporations , que já existem
mais de 1.000 em todo o Mundo, e estão a transformar a sua forma de agir para
pôr o impacto social no centro da sua atuação.
Este é o desafio e o que nós criámos foi
uma estrutura de missão que no âmbito do Portugal 2020 vai ter um conjunto de
financiamentos para poder apostar e promover nos inovadores e empreendedores
sociais.
Aqui não vos vou maçar com isto, mas
temos cerca de 150 milhões de euros de fundos até 2020 para poder criar este
mercado de investimento social, alavancando também a competência dos
investidores privados nestes temas.
O estamos a pensar é que estas
iniciativas que referi, o Mundos a Sorrir, o ColorAdd, Vitaminos, têm o seu
ciclo de desenvolvimento desde este projeto-piloto que tem de se validar até
criar um modelo de negócio sustentável. Até começarem a crescer, disseminar a
sua solução, criar políticas públicas, há todo um processo de desenvolvimento
que estes projetos atravessam, que é semelhante de certa forma aos projetos de
empreendedorismo tradicional.
Há também aqui uma zona que é o chamado
vale da morte, que é o gap de
financiamento. É fácil criar um pequeno projeto hoje em dia, há muitos pequenos
apoios para um projeto-piloto, mas atravessar este processo de crescimento e
amadurecimento é muito difícil e falta financiamento.
Os bancos não emprestam, exigem garantias
pessoais; as fundações chegam aos 30 mil euros e já não financiam, não
financiam a longo prazo, os empreendedores sociais desmotivam-se e os seus
projetos morrem.
O que nós queremos é alterar este estado
de coisas, de diferentes formas. Uma delas é capacitando os projetos para
reforçarem o seu modelo de negócios, a sua forma de trabalhar e poderem receber
investimentos futuros de investidores privados.
A outra é aposta em cofinanciamento, 50%
com fundações e quem quiser apostar em projetos inovadores. Diremos: você,
fundação ou empresa, quer apostar num projeto inovador enquanto investidor
filantrópico, cofinanciamos esse esforço para colocar o projeto mais robusto,
maior e mais desenvolvido. Ou, então, utilizando títulos de impacto social, que
é uma nova abordagem em que basicamente se diz que para projeto de forte
validade e ganho público e poupança pública, podemos financiar integralmente
mas só financiamos após a validação do resultado. Então, façam o projeto, o
investidor social financia-o por três anos, medimos os resultados e se forem
alcançados devolvemos integralmente o valor inicial ao investidor.
Portanto, é um novo modelo de
investimento que estamos a testar e que foi lançado no Reino Unido há uns anos
e vamos implementar em Portugal.
Por fim, um instrumento financeiro é o
fundo para a Inovação Social, em que um investidor-anjo com capital de risco
pode dizer que quer apostar em projetos de impacto social, ou um banco que
tenha receio das garantias mas empresta dinheiro a projetos de impacto social,
e nós aí, Portugal 2020, iremos colocar cofinanciamento para incentivar esses
agentes a investir nesses projetos.
O cofinanciamento pode ir até dois
terços, dependendo do modelo de investimento, pode ser empréstimo ou o que se
chama quase de capital se forem projetos lucrativos, for profit , mas se for uma IPSS terá de ser um modelo diferente
porque não se pode comprar capital numa IPSS.
Mas o que vai acontecer é que vamos criar
mecanismos de apoio e de promoção da Inovação Social em Portugal para que os
empreendedores que já existem e são muitos, terem mais incentivos e mais
apoios, possam crescer e desenvolver as suas atividades.
Isto era o que eu queria dizer-vos e
ainda tenho algumas considerações finais mas deixo para depois das vossas
perguntas. Iria abrir agora para perguntas livres sobre este tema, sobre temas
relacionados, sobre o empreendedorismo, capitalismo e outros. Reflexões,
ideias, partilhas, se têm experiências neste tema, partilhas que queiram fazer.
Dep.Carlos Coelho
Muito bem. Vamos iniciar, de acordo com
as regras, as perguntas obrigatórias de cada grupo. Depois, se houver tempo,
entramos no "Catch the Eye”. Peço a colaboração do Prof. Filipe Santos, para
haver tempo, tentar reduzir as respostas a três minutos por pergunta.
Duarte Marques
Vou dar a palavra à primeira pergunta do
Grupo Encarnado com a Inês Moreira.
Inês da Fonseca Moreira
Muito bom dia. Aproveitando a sua
apresentação digital, o empreendedorismo social é a procura de soluções
sustentáveis. Assim, o Grupo Encarnado queria saber quais os comportamentos a
adotar a nível local para conseguir uma sociedade civil verdadeiramente inovada.
Obrigada.
Filipe Santos
Acho que esta questão da sustentabilidade
é fundamental e é um dos grandes desafios dos inovadores e empreendedores
sociais. Porque a questão é: posso sempre desenvolver uma solução e esperar que
o Estado pague, ou contar com a boa vontade dos outros. Sabemos que em geral a
escala que estes projetos podem ter é limitada, portanto o projeto está
destinado a ser pequenino e por isso tem pouco impacto. O que estamos aqui a
falar é de projetos que desenvolvem modelos de projetos diferentes, que é
sustentável economicamente e que pode escalar e ter um impacto transformador na
sociedade.
Como é que isso se consegue? Há vários
exemplos, ou formas de o conseguir. A primeira é evitar coisas completamente
gratuitas, pois pagamentos mesmo que sejam simbólicos são moralizadores e
responsabilizadores dos serviços que se prestam.
Ou seja, se eu enquanto beneficiário pago
alguma coisa pelo serviço é uma escolha que eu faço, não é algo que eu faça de
graça. Mesmo que o pagamento só cubra 20% do custo, haver um pagamento,
chamemos-lhe taxa moderadora ou outra coisa qualquer, que seja simbólico é
importante.
Há muitos modelos, como por exemplo mesmo
os workshops de nutrição da
Vitaminos, em que cada criança pagava um ou dois euros e não era por isso que
deixava de ir, mas moralizava o processo e dava algum financiamento.
O outro modelo chama-se um modelo
híbrido: ofereço um serviço, mas esse tem alguma componente adicional que
alguém está disposto a pagar. Por exemplo, aqueles modelos como a Revista Cais
em que envolvo as pessoas desempregadas de longa duração, que não têm casa, na
produção e venda desta revista, mas depois vendo a revista a um público.
Ou seja, o meu beneficiário é um mas o
meu cliente é outro, mas se o cliente valorizar o produto acabo por sustentar o
modelo. Essa é uma outra forma de o fazer.
A terceira forma que é mais interessante
é a forma de comprar impacto, que é o que fazem os títulos de que eu falava
antes. Se eu for muito bom a mostrar que tenho impacto e que esse impacto tem
transformações específicas na vida das pessoas, posso levar a que esta fundação
com quem estou a trabalhar me pague o impacto, ou que o próprio Estado pela
poupança que vai ter me pague de forma sustentada pelo impacto.
O seja, o que é que vos quero dizer? A
sustentabilidade não tem de ser apenas por mecanismos de mercado. Não é sempre
"eu tenho de vender para ser sustentável”. A sustentabilidade é: consigo gerar
recursos de forma continuada no tempo para pagar o meu custo de operação e
esses recursos posso trazer ou vendendo através do mercado, ou vendendo o
impacto a entidades que estão dispostas a pagá-lo ao longo do tempo, ou criando
um modelo que reduz os custos utilizando trabalho voluntário, mas de forma
sistemática, como faz por exemplo o Banco Alimentar.
O Banco Alimentar consegue envolver um
número grande de voluntários e de parcerias com organizações como as
distribuidoras para conseguirem angariar os bens que têm de angariar, a um
custo muito baixo.
Portanto, o foco é a sustentabilidade. No
mundo empresarial a sustentabilidade é só vender no mercado e fazer dinheiro;
no mundo de impacto social, para a sustentabilidade há vários mecanismos, o do
mercado, o de vender impacto, os modelos de negócios híbridos e há criar um
modelo de custo tão baixo como o Wikipédia com uma grande escala sem
necessidade de muitos recursos. Vocês têm mais ferramentas e alavancas enquanto
empreendedores sociais para alcançar a sustentabilidade que é o tema central e
eu concordo que o tema central é conseguirmos sustentabilidade para estes
projetos.
Obrigado pela pergunta.
Duarte Marques
Muito obrigado. Segue-se o Ricardo Pinto
do Grupo Cinzento.
Ricardo Pinto
Muito bom dia aos presentes. A pergunta
do meu grupo decorre de um conceito que a nosso ver deveria estar na pirâmide
social, que é a dignidade Kantiana.
Atualmente, com o peso da economia, até
que ponto estaremos a formar uma sociedade de números? Quando digo "uma
sociedade de números” é uma sociedade que olha a objetivos, metas, mas não
considera a pessoa em si, ou seja, o valor expresso por Francisco Sá Carneiro,
no fundo, que era o personalismo.
Uma segunda pergunta, que a nosso ver
está englobada: até que ponto as empresas ao criarem instituições que apoiem causas
sociais não estarão a usar uma forma de marketing, para se venderem? Isto acaba
por coincidir um pouco com aquilo que falámos sobre o campo de ténis, em que a
bola ou cai em A ou em B. Ou seja, por um lado a empresa está a apoiar causas
sociais, mas por outro também não está a praticar uma dignidade própria dentro
da empresa.
Muito obrigado.
Filipe Santos
São duas excelente perguntas. Em relação
à primeira acho que há um risco e tem havido um risco de que o modelo de
capitalismo mais extremo possa ignorar ou reduzir a pessoa humana e a
dignidade. Se tudo for um número e se o número for trazido sempre em loops , simplesmente tomo decisões com
base no lucro e esqueço-me o impacto que as decisões têm nas pessoas.
Se, por exemplo, digo que se despedir 20%
das pessoas aumento os meus lucros, esqueço-me do impacto que isso pode ter nas
pessoas que vou despedir.
Se olho sempre para o PIB, para o
crescimento do PIB de 2% e quero aumentá-lo, introduzindo coisas negativas que
prejudicam a vida das pessoas, estou só a olhar para números abstraindo da
realidade.
Os números são úteis quando correspondem
a uma melhoria e a um progresso, mas quando os números tomam valor em si
próprio corremos esse risco, é verdade.
Para já, gostaria de dizer, que no modelo
de capitalismo anglo-saxónico corre-se mais esse risco muitas vezes porque é o
modelo mais extremo, que se ajusta mais depressa, frequentemente com o custo do
ajustamento a ser imposto às pessoas e não se sabe gerir de forma a que
respeitem mais as pessoas como os modelos da Europa permitem fazer.
A razão pela qual estou muito interessado
na Inovação Social é porque traz para o sistema capitalista uma nova perceção,
uma nova dinâmica, porque o empreendedor social centra-se nas pessoas e diz que
os números são interessantes mas o que querem é acabar com fenómenos de
exclusão, de infelicidade, entre outros.
No fundo, isto traz à economia um foco
nas pessoas e alerta outros agentes - Estado e empresas - para estes problemas
que são invisíveis para muita gente.
Há um risco de as pessoas fazerem esse green washing , que é dessa forma um social washing. Dizer que se ajuda um
projeto mas retirar daí maior reputação e mais vendas. Isso pode acontecer, mas
há fundamentalmente nas empresas também um processo de transformação.
Falava há bocadinho das empresas B, mas
não aprofundei o tema. Há empresas nos EUA, chamadas B Corp, que dizem que
querem assumir nas suas empresas o impacto social, alinhado a par com a procura
do lucro. Portanto, vou assumir um conjunto de comportamentos. Não só apoio a
projetos de responsabilidade social, mas na forma como lido com os empregados,
com o meio-ambiente, com os fornecedores e os clientes, em toda a cadeia de
valor vou ter comportamentos éticos e valorizadores, diferente de todos e vou
assumir nos estatutos que vou fazer assim.
Se atingir um certo nível de pontuação,
tenho a certificação de empresa B, que é for
benefit corporation. Há cerca de 1.200 empresas B em todo o Mundo, algumas
delas grandes, como a Patagónia.
Tem havido bastante adesão principalmente
na América Latina. Já há algumas empresas em Portugal, 13, mais pequenas.
Portanto, nas próprias empresas está a começar a criar-se um processo de
transformação, de repensar, que vai contra o green washing e diz que só é feito a sério na sua essência.
Agora, como em tudo, vão ver o espectro,
o green washing e o social washing mais puro e vão ver
esforços meritórios e de facto honestos de melhoria da atuação no mercado.
Têm é que nas vossas escolhas saberem também
diferenciar quando escolhem um empregador, a quem compram os produtos, saberem
diferenciar nas vossas escolhas e premiar aqueles que têm um conjunto de
comportamentos promotores do progresso e da dignidade humana.
Duarte Marques
Muito obrigado. Dava agora a palavra ao
Rafael Neto do Grupo Bege.
Rafael Neto
A minha pergunta está um pouco ligada à
última que foi feita, relativamente aos valores do empreendedorismo social. Não
tanto falando no produto que se vende, mas de alguns projetos de capacitação
que se fazem hoje em dia com jovens ou de integração, tanto com os mais novos
com os mais velhos, em bairros sociais, etc.
Os projetos necessitam sempre de um
mecenas ou, neste caso, de alguns fundos, como falou aqui do Portugal 2020 sendo
um deles. Têm sustentabilidade e isso é óbvio porque o projeto não consegue
passar mais de um ou dois anos sem ter essa sustentabilidade.
No entanto, fala-se agora e cada vez mais
de um modelo de negócio de retorno financeiro, de promover mais o seu valor mas
sempre numa ótica financeira.
Tenho conhecimento de alguns projetos e o
Prof. também falou de alguns - sei que está próximo do IES - em Cascais e
Lisboa há muitos projetos desses, é exatamente igual em várias cidades que têm
perdido o seu objetivo social porque vão atrás deste modelo de negócio e acabam
por perder esses valores.
Falou também de uma questão sobre o
voluntariado e há determinadas instituições que promovem demasiado o
voluntariado. O voluntariado é bom, mas só em certa medida. Estas empresas para
poderem chegar ao ponto de garantirem mais dinheiro acabam por pegar em jovens.
Fica-lhes bem no currículo porque são empresas ou instituições com 50 anos de
implementação e fazem um trabalho meritório, mas basicamente isso é recrutar
voluntários ali para cumprir funções que deveriam ser pagas a outras pessoas.
Obrigado.
Filipe Santos
Essa é uma pergunta importante de difícil
resposta. Vou responder se calhar de forma um bocado indireta mas vou lá
chegar.
Acho que a tarefa do empreendedor social
é muito mais difícil do que a do empreendedor. O empreendedor tem um foco
claro: tem de encontrar um mercado para o seu produto ou serviço, vendê-lo, o
cliente tem de gostar querer comprar, quando
o cliente paga mais do que o custo ele faz dinheiro, a empresa é sustentável,
continua e inova.
Já isto é difícil de fazer mas pelo menos
é mais focado.
O empreendedor social tem um desafio
maior que é ter uma missão social, querer apoiar e ajudar e alterar os
comportamentos neste grupo de beneficiários, mas eles não podem pagar. Tenho de
os servir sem eles pagarem o custo do meu serviço, tenho de encontrar outra
forma de pagar e tem de ser inovador e respeitar um conjunto de regras mais
exigentes de comportamento que são impostas por mim. Portanto, o desafio é
maior e exige muito mais criatividade e até capacidade de inovar no modelo de
negócios, do que para o empreendedor tradicional.
Dou-vos um exemplo de um modelo de
negócios que gosto muito que é de uma organização alemã para mostrar como é que
a sustentabilidade pode ser alcançada sem perder a missão social. É uma
organização social chamada Dialogue in the Dark. Não sei se já foram a
restaurantes no escuro ou museus no escuro, mas que é um modelo que está a
começar a disseminar-se e o original foi este Dialogue in the Dark.
Qual é o modelo? Um museu no escuro,
somente no escuro, onde uma pessoa paga para ir ao museu e imaginem numa sala
como esta completamente escura, sem réstia de luz, a pessoa vai experimentando
o museu tateando, ouvindo, cheirando, com a escuridão completa.
No fundo, o que está a acontecer? Está a
sentir um bocadinho o que é ser cego e o que é tentar com os outros sentidos
que nós temos experimentar o Mundo sem ter a visão.
Agora, como é que o modelo foi montado? O
modelo foi montado em que quando atravesso essa experiência no escuro, as
pessoas ficam muito perturbadas em não ver e quem me está a acompanhar nessa
experiência e é o meu guia no meu museu é uma pessoa cega que está confortável
no escuro porque é a sua realidade.
Reparem na inversão de papéis, eu que
vejo e que me sinto empoderado, olho para um cego como coitadinho, como um
deficiente, e de repente invertem-se os papéis e a pessoa cega é o meu guia, é
quem está a dar confiança e a controlar o contexto e eu sinto-me indefeso,
perturbado, porque estou fora da minha realidade. De repente, começo a perceber
o que é a cegueira e a respeitar a pessoa cega de forma diferente por causa da
experiência.
Ao mesmo tempo, pagando a entrada do
museu, sejam escolas com crianças, empresas com funcionários, ou pessoas
individuais, cobro o custo da operação e ao mesmo tempo a operação vai
contratar centenas de pessoas cegas dando-lhes um emprego digno enquanto guias
de museus.
Reparem neste modelo de negócio. Tenho
clientes que são as pessoas, que pagam para ir ao museu, para terem a
experiência no escuro e ao mesmo tempo alteram a perceção sobre o que é ser
cego e o respeito pelas pessoas cegas. Encontro emprego sustentável para
centenas de pessoas cegas e ao mesmo tempo também aumento o respeito que as
pessoas em geral têm pelos cegos.
Este modelo é sustentável economicamente,
tem um foco na sua missão muito claro, que é dar a oportunidade às pessoas com
cegueira e mostrar o potencial que elas têm para trabalhar como as outras e
dar-lhes de novo respeito. Portanto, o desafio está em vocês, empreendedores
sociais, aqueles que o querem ser, em encontrar o modelo de negócios certo que
respeitando e orientando a missão social conseguem encontrar formas de se
sustentar ao longo do tempo e ser economicamente viável sem perder o foco na
sua missão.
É mais difícil do que os empreendedores
tradicionais, mas é possível de fazer. O queremos também é facilitar esse
processo, em particular nas fases iniciais, incentivando um bocadinho a
capacitação dos projetos, a sua capacidade de gestão e de sistematizar o seu
modelo.
Porque onde os projetos tendem a falhar é
na sua sistematização. É fácil fazer um projeto funcionar em pequena escala, é
muito difícil fazê-lo funcionar em grande escala, mas é em grande escala que se
muda o Mundo.
Portanto, é este o
desafio que tem de ser enfrentado pelos empreendedores sociais, mas há formas
através da inovação e do empreendedorismo de trabalhar estes desafios. Conheço
muitos empreendedores que acho que estão a tentar fazê-lo. Não é fácil, mas é
possível. Havendo este sistema de apoio que queremos criar, será mais fácil de
o fazer, assim como hoje em dia é mais fácil ser empreendedor porque há um
conjunto de apoios e entendimento do que é o empreendedorismo comercial.
Duarte Marques
Muito obrigado. Dava agora a palavra à
Soraia Lopes do Grupo Rosa.
Soraia Lopes
Muito bom dia. Até que ponto as velhas
instituições estão preparadas para acolher projetos inovadores em termos
sociais? Será que há resistências?
Filipe Santos
É uma pergunta muito interessante. Quando
fizemos o mapeamento da inovação social dos últimos dois anos em Portugal,
olhámos para as regiões do Norte, Centro e Alentejo, identificámos 134 projetos
de elevado potencial de impacto. Alguns deles dei-vos como exemplo durante o
dia de hoje.
A maior parte destes projetos nasceu no
seio da economia social tradicional, no seio da Misericórdia, da Cruz Vermelha,
da IPSS. Outros não, como o ColorADD, o Mundo a Sorrir ou os Vitaminos, que
foram empreendedores sociais novos que criaram novas organizações. Mas muitos
projetos de grande valor e inovação social nasceram no seio da economia social.
Portanto, há pessoas de imenso valor,
muitos inovadoras, com uma abordagem diferente a trabalhar na economia social e
que procuram desenvolver projetos inovadores. Conseguem incubar esses projetos
em pequena escala nas organizações. Qual é o desafio que temos encontrado e que
vai de encontro à resposta para a tua pergunta? É que, enquanto incubar um
projeto novo no seio da economia social tradicional não é difícil, fazer esse
projeto vingar, crescer e disseminar-se é muito difícil. Porque esses projetos
normalmente não são o core do que a
organização faz, crescer o projeto é sempre um risco económico-financeiro, tem
de se alocar essa equipa a tempo inteiro ao projeto, normalmente essas equipas
depois fazem outras coisas e a liderança não quer que a equipa se disperse.
Por isso, o que temos notado é que há
muito projetos incubados no centro da economia social, há menos casos em que
esses projetos conseguem nesse contexto vingar, crescer e sustentar-se.
Do que precisamos é ou de darmos condições
para que as organizações de economia social consigam crescer internamente esses
projetos, ou organizamos o spin-off dos projetos, dando incentivos para que as organizações coloquem esses projetos
fora de portas para que com uma equipa dedicada possam crescer enquanto novos
projetos empreendedores.
Estamos a tentar perceber qual dos
caminhos é mais eficaz, se é fazer crescer os projetos incubados, se é o spin-off , e como é que fazemos esses
processos.
Duarte Marques
Muito obrigado. André Vicente do Grupo
Azul. Há pouco esqueci-me de referir: façam só uma pergunta, por favor.
André Vicente
Bom dia a todos e em especial ao Dr.
Filipe Santos. O Grupo Azul gostaria de saber, a partir da sua elevada
experiência, como é que a crise afetou a área do empreendedorismo social e em
especial a captação de investimento.
Obrigado.
Filipe Santos
Há aqui um aspeto interessante que acho
importante salientar em relação à crise que atravessou: os impactos sociais na
pobreza e na exclusão não foram tão fortes como seriam de se esperar, dada a
elevada contração da economia e de orçamentos públicos que aconteceu. A razão
pela qual não foi superior em termos de pobreza e de exclusão penso que foi a
forte rede da economia social, que tem presença localmente em todo o país,
através das IPSS, Misericórdias e Cruz Vermelha.
Essa rede deu uma base de sustentação em
termos de combate à pobreza, de alimentação e envolvimento, que impediu que a
crise fosse mais severa ainda para as populações mais desfavorecidas.
Claro que houve desemprego, impactos
negativos em vários níveis, mas não foi tão extremo como se viu noutros países
e como seria de esperar dada a dimensão da crise económica. Portanto, aqui
temos pelo menos um forte papel que a economia social teve ao longo destes anos
mais recentes a manter um nível mínimo de sobrevivência e estabilidade na vida
das pessoas.
Agora, as organizações também sofreram um
bocado com o corte de orçamentos, com a menor disponibilidade de doações da
parte do setor privado e da parte dos indivíduos. Portanto, estes efeitos
normalmente não se veem imediatamente, mas um ou dois anos depois quando se
está a pensar os orçamentos seguintes e de facto foram alturas difíceis para a
rede de economia social.
Também há que dizer que da parte do
Ministério da Segurança Social houve uma forte promoção, através de alguns
instrumentos de apoio às situações mais difíceis de algumas instituições que
tiveram alguns fundos de emergência para conseguirem reequilibrar as suas
contas.
Agora, as coisas estão de facto até ao
osso, está muito apertado.
De certa forma, não prejudicou muito o
empreendedorismo social em termos de experimentação de ideias porque os empreendedores
sociais, por natureza, como os empreendedores, operam bem em situações de
poucos recursos. Porque o que eles fazem bem é do nada criar alguma coisa, é
mobilizar recursos de baixo preço ou disponíveis, juntar a boa vontade das
pessoas e lançar um novo projeto. Portanto, não tenho notado que haja falta de
dinamização de novos projetos, pelo contrário, o aumento do desemprego também
levou a que muitas pessoas dissessem que não conseguindo encontrar emprego,
tinham de tentar fazer alguma coisa empreendedora, encontrar a paixão delas,
fosse na área dos animais, do meio-ambiente, ou apoio aos idosos, por exemplo.
Portanto, houve muitos projetos que
nasceram fruto da situação de desemprego. Em termos de número de projetos novos
que apareceram não tenho notado uma redução. O desafio é naquele vale da morte
do financiamento, ou seja, projetos pequenos que estão a ter bons resultados e
querem crescer e precisam de financiamento para isso, aí esse financiamento não
está disponível. Aí tem havido fortes restrições e há projetos que não têm tido
o seu potencial devido à falta de financiamento.
Espero agora que com os incentivos do
Portugal 2020 ao nível da Inovação Social possamos trazer mais financiamento
privado a jogo, de empresas, de fundações, para começar esses projetos.
Duarte Marques
Muito obrigado. Dou agora a palavra ao
Nuno Picado do Grupo Amarelo.
Nuno Picado
Bom dia, Dr. Filipe Santos. Gostaria de
saber se num país como o nosso, em que há alguma dificuldade no que toca ao
financiamento, é viável uma forte aposta na economia social.
Filipe Santos
Se é viável, o futuro dirá. E espero que
o seja pois estamos a trabalhar nesse sentido. Mais do que ser viável, a questão
é se é importante e se é necessário ou não.
Acho que é importante que esse
financiamento exista porque de certa forma olhamos para a economia social que
em Portugal representa cerca de 2,8% do VAB e cerca do 5% do emprego, e vemos
que é um setor intensivo em mão-de-obra e trabalho - o que é bom, por outro
lado a produtividade do setor não é muito elevada, daí o menor peso no VAB face
ao emprego que cria. O que quer dizer que, comparando com o setor empresarial,
a produtividade do setor social está um bocadinho atrasada.
Portanto, temos que trazer mais
financiamento para o setor social mas temos de trazer financiamento que reduza
a dependência de modelos que não são sustentáveis e que aumente o potencial de
inovação e de melhoria do setor social de modo a tornar-se mais competitivo.
Ou seja, o financiamento é uma alavanca
poderosa para introduzir comportamentos novos de medição de impacto, só
financiamos quem consiga medir o seu impacto e mostrar o valor que trazem à
sociedade, que mostrem uma utilização eficiente dos recursos e capacidade de
gerar parcerias com outros para diversificar fontes de financiamento.
O potencial é com o financiamento que
podemos trazer promover mecanismos virtuosos que melhorem a produtividade e a
performance do setor social.
Esse é o desafio e é a oportunidade
também de ter um setor social em Portugal ainda mais forte e mais resiliente,
ainda mais atento às necessidades e problemas sociais, e que combata alguma da
desigualdade e da exclusão que inevitavelmente é criada pelo modelo
capitalista. O modelo capitalista ao promover os vencedores acaba por sempre
ter pelo menos 10% da população que fica excluída do sistema e que é importante
que a sociedade consiga dar resposta a essas populações em exclusão.
Portanto, não sei se é viável, cabe-nos a
nós tornar viável enquanto iniciativa para a Inovação Social e enquanto
sociedade. Mas claramente é importante e é necessário que esse financiamento
aconteça e que traga estes comportamentos virtuosos ao sistema.
Duarte Marques
Muito obrigado. Temos o Hélder Oliveira
do Grupo Laranja.
Hélder Quintas de Oliveira
Bom dia a todos. Como temos percebido
pela apresentação do Dr. Filipe Santos, a Inovação Social tem um importante
pilar no empreendedorismo social que é ainda uma dimensão de empreendedorismo
um pouco desconhecida em Portugal.
Nesse sentido,
gostaríamos de saber - e decorrente da sua experiência e das necessidades
detetadas, quais são as principais áreas de oportunidades de negócios na área
do empreendedorismo social.
Filipe Santos
Boa pergunta. Só um aspeto que gostaria
de refletir convosco, que é: muitas vezes pensa-se em empreendedorismo social
como uma pessoa como nós a empreender um novo negócio. Para mim,
empreendedorismo social é um processo de inovação na economia, que pode ser
desenvolvido por um empreendedor sozinho, ou em equipa, criando uma nova
organização. Pode ser desenvolvido por uma empresa que lance um projeto de
impacto social no contexto da própria empresa, o chamado empreendedorismo
social corporativo. Pode ser feito por uma IPSS que lance, no seu contexto, um
novo projeto de inovação social. Ou até pode ser pelo Estado, que inove através
de um novo projeto de impacto social.
O empreendedorismo social é um processo
na economia e se nós conseguirmos promover esse comportamento e esse tipo de
atitude, veremos mais inovação social a acontecer, seja qual for o agente que a
implemente.
Agora, quais são as áreas de oportunidade
para empreendedorismo social?
Diria que há aqui duas áreas a que é bom
os empreendedores sociais estarem atentos. Uma área são as áreas de
negligência, ou seja, áreas de problemas que sempre existiram mas que nós não
conseguimos dar resposta porque são invisíveis para nós. O caso de daltonismo é
um deles, alguns casos de exclusão, esse é o core dos mercados dos empreendedores sociais, são essas áreas.
Por outro lado, uma área de oportunidade
é quando existe uma mudança social profunda nalgum setor, a economia - tanto o
mercado, como o Estado -, demora tempo a ajustar-se a essa nova tendência ou
inovação e como tal há problemas latentes que se aprofundam ou oportunidades
que não são satisfeitas. Acho que é aí que o empreendedor social, sendo ágil a
perceber a situação, pode agir.
Vou-vos dar alguns exemplos, um deles
claríssimo é a parte do envelhecimento. Temos, cada vez, menos jovens e mais
idosos. Temos creches e escolas primárias a fecharem por todo o país e temos
centros de apoios aos idosos a criarem-se.
Como é que o trabalho com os idosos é
feito? Como é que se pode inovar na forma de envolver este setor cada vez maior
da sociedade, que é válido, que tem experiência, que tem saber, que tem energia
e que está muito longe daquele modelo de antigamente em que a pessoa chega aos
60 anos, vai cansada e passados uns anos morre.
De que outra forma se pode trabalhar este
tema? Não resisto aqui a dar um exemplo: no nosso mapeamento de Inovação
Social, encontrámos um projeto muito giro num lar de idosos, que tenho de
partilhar porque me marcou. É um lar de idosos que não sei dizer já onde era ou
qual era, mas que envolveu os seus utentes, os idosos, na criação de vídeos
cómicos que imitavam alguns filmes que as pessoas conhecem e depois partilhavam
esses filmes no Youtube. O vídeo que nós vimos mostrava os idosos
divertidíssimos a fazerem de Thriller do Michael Jackson, eram atores,
realizadores, e divertiam-se imenso.
Depois, passado esse vídeo, mostravam uma
reportagem de como faziam e punham os vídeos no Youtube. Mostravam uma senhora
idosa, de 85 anos, a dizer: Nunca me diverti tanto até ao momento em que entrei
neste lar e comecei a participar nas atividades do lar.
Ou seja, é a pessoa que faz o contexto.
Pode haver diferentes formas de trabalhar um lar de idosos e envolver os idosos
até no contexto do lar, tornando-o no sítio mais dinâmico, mais divertido, mais
ágil no planeta. Só depende de nós essa diferença de trabalhar, de vencer as
ortodoxias do que é suposto acontecer e entregar a uma forma diferente.
Outro exemplo é a atividade física para
idosos.
Há um amigo meu francês que é professor
de educação física e desporto. Ele dizia-me que aprendeu a dar aulas a miúdos,
mas que havia um excedente de professores de educação física para crianças.
Então, decidiu dar aulas a idosos, fez um projeto de intervenção em lares, de
trazer aulas de educação física e desporto para lares.
Inicialmente fez tudo gratuito, falou com
os diretores dos lares e disse que não tinham de pagar nada, só no futuro. Fez
uma aulas e passadas três aulas disse aos diretores que para sustentar o
projeto tinha de cobrar dez euros por aula. Disseram-lhe que não tinham
orçamento e que tinha de parar as aulas.
Passados três dias recebeu um telefonema
a dizer que os idosos revoltaram-se com o fim das aulas e disseram que tinham
de ser, por isso a direção arranjou orçamento para pagar as aulas. Então, ele
começou a dar aulas em lares de idosos, a criar exercícios físicos
especificamente para pessoas mais velhas e não para crianças. Alterou os
currículos e criou manuais, e hoje em dia tem uma empresa de 600 professores de
educação física e desporto que dão aulas a centenas de milhares de idosos.
Houve um estudo da McKinsey sobre o
impacto social que este projeto criou, que indicou que só pelo aumento da
atividade física, evitar que os idosos caiam e partam a bacia - que é um
acidente que tem um custo económico para o Estado -, este projeto poupou 50
milhões de euros ao Estado francês só a prevenir a queda e quebra da bacia por
parte dos idosos.
Ou seja, na área do envelhecimento ativo
há todo um potencial de áreas a trabalhar. Esta é uma área clara. Outra área de
que se está a falar e acho que vai ser muito importante no futuro é a área da
migração, tanto emigração e redes que se podem criar com a diáspora portuguesa,
como imigração que temos de incluir de forma diferente. Se calhar vamos receber
agora alguns milhares de imigrantes com os novos acordos europeus e vamos ter
de encontrar formas boas de os acolher.
Portugal tem tradição a ser exímio e dos
melhores do Mundo a acolher imigrantes e a conseguir dar-lhes um contexto em
que trabalhem. Temos o Alto Comissariado para as Migrações que faz um trabalho
excecional, temos tradição em envolver pessoas depois da descolonização em
Portugal.
Portanto, é uma área onde vai haver
oportunidade para muitos projetos na área social.
A área da Educação e a empregabilidade é
outra área fundamental. As áreas ligadas à saúde vão ser críticas, em
particular a prevenção de doenças crónicas - falo de obesidade, diabetes, todo
um conjunto de doenças que pode ser prevenido pela alteração de comportamentos.
Diria que Educação e empregabilidade, o
envelhecimento ativo e formas de trabalhar com os idosos e envolvê-los na
sociedade e na economia, e a área da saúde na prevenção e alteração de
comportamentos, são três áreas que considero chaves para o futuro do país e
oportunidades de Inovação Social.
Duarte Marques
Muito obrigado. Tem agora a palavra pelo
Grupo Castanho, a Iva Meireles.
Iva Carla Meireles
A nossa questão prende-se com a situação
dos jovens. Aqui, na Universidade de Verão, temos discutido como atrair os
jovens para a política.
Como isto é empreendedorismo social e
dada a desvalorização, descrença e perda de valores dos jovens, e sendo professor,
queríamos conhecer formas de cativar e consciencializar os jovens para quererem
trabalhar nestas áreas.
Filipe Santos
Obrigado pela pergunta, é uma pergunta
que muito aprecio. A Educação é a minha paixão desde sempre.
Acho que estamos atualmente a enfrentar
uma mudança de paradigma da forma como cada um de nós deve pensar a sua
carreira. Quando tirei o curso de Economia na Nova há 20 anos atrás, as coisas
eram muito claras: tiro o curso, sou formatado e preparado para uma carreira em
empresas financeiras, bancos, ou marketing, ou recursos humanos, ou
contabilidade, ou consultoria. Portanto, havia ali umas formatações claras e
sabia qual era o meu caminho a seguir, tinha os caminhos mais ou menos claros.
Claro que depois acabei por fazer algo
diferente, mas as coisas eram mais claras. Hoje em dia são mais confusas para
todos nós, porque cada um vai ter um caminho diferente: não há carreiras em que
uma pessoa entre numa empresa e fique durante 20 ou 30 anos, esse modelo está a
acabar.
Portanto, cada um de nós tem de ser um
auto-empreendedor no sentido em que se tem de posicionar no mercado de trabalho
de forma única e diferenciada, e em
caminhos que vai seguindo procurar criar o seu próprio currículo e a sua
própria carreira.
Esta perspetiva, acho que tem de ser
muito embebida em cada um de nós, de que não há empregos para toda a vida,
tenho de assumir a minha própria carreira.
Como é que eu o faço? Diria que cada um
de nós tem talentos únicos e paixões singulares. Uns são loucos por
empreendedorismo social como eu, outros por automóveis, outros por crianças,
outros por coisas diferentes.
Hoje em dia, acho que a sociedade premeia
o talento único e diferenciado e premeia o esforço e a paixão que as pessoas
têm. Por isso, encontrem em cada um de vocês a vossa área de paixão, a vossa
área de envolvimento, criem um currículo diferenciador e acho que vão encontrar
certamente formas de se posicionar no mercado de trabalho.
Depois há aqui a questão mais diretamente
a ver com a pergunta: como envolver os jovens na política e como combater
alguma desmotivação, já que os jovens votam pouco e estão desmotivados com a
política. Apesar de não ser o vosso caso é a maioria dos casos que eu conheço e
que são contra o Estado e contra a política, não querem saber nada disso e
querem focar-se noutras coisas.
Como é que combatemos isso? Acho que
todos nós queremos ser envolvidos e criar impacto. Temos que tornar a política
um exercício de serviço aos outros e de criação de impacto, pois é a sua função
mais nobre, é o que deveria ser, embora às vezes, por um conjunto de questões
que vou abordar mais tarde, seja desvirtuada.
Acho que temos de voltar à essência do
que é a prática da política e essa é também a forma de motivar os jovens para
que na política encontrem forma de realizar os seus sonhos, as suas paixões e
de sentirem que contribuem para a sociedade.
Acho que quando isso acontecer e as
pessoas sentirem que através da política mais nobre, não da Política mas das
políticas que transformam a sociedade e causam impacto, podemos voltar a chamar
os jovens para o exercício da cidadania da qual a política é uma manifestação.
Penso que haja diferentes formas e o que
é importante é a cidadania ativa. É importante envolver a nova geração que tem
tanto saber, tantas competências, está tão atenta ao que se passa no Mundo,
envolver com a sociedade. A forma como isso é feito e essa cidadania é
expressa, se é através da política, ou do empreendedorismo, ou da inovação
social, não interessa, pois precisamos de todos esses mecanismos. O que é
importante é que tenhamos uma geração de jovens que se sinta cidadã porque é
pertencente a este país e queira contribuir e envolver-se, e encontre de acordo
com as suas paixões a melhor forma de se envolver.
Diria que o grande desafio que temos é
promover uma cidadania ativa dos jovens e expressá-la das diferentes formas, ou
política, ou social, ou empresarial. Esse é o desafio. Podemos, talvez, na
minha reflexão final falar um bocado mais sobre esse tema.
Duarte Marques
Muito obrigado. Segue-se a Marta Monte do
Grupo Roxo.
Marta Monte
Bom dia. Como referiu, o Prof. será
responsável pela gestão de 150 milhões de euros para a promoção de projetos de
Inovação Social. O Grupo Roxo gostaria de saber quais são os principais
critérios para aceder à seleção dos projetos.
Obrigada.
Filipe Santos
Temos vários. Estamos a lançar quatro
programas de financiamento em diferentes fases do ciclo de vida destes
projetos. Os critérios, de certa forma, são diferentes para cada um dos
programas. Mas, diria que aquele que vai apostar em mais projetos com montantes
mais reduzidos, até 50 mil euros, é o programa de capacitação, que visa
projetos que já têm o seu piloto lançado e alguma validação do seu modelo, mas
que ainda não têm uma equipa ainda muito profissional ou muitos apoios, ou que
têm de melhorar o modelo de negócios e encontrar a sua sustentabilidade, e nós
vamos apoiá-los para se capacitarem através do impacto desses projetos.
Aí, o que pedimos é que mostrem que têm
alguma validação, que estão comprometidos com o projeto, que têm algum
financiador interessado em investir no futuro. O que pedimos é uma manifestação
de interesse de uma instituição social, uma empresa, ou autarquia, que diga que
acredita neste projeto e que se ele for capacitado irão apoiá-lo no futuro.
Porque o que queremos é que o financiamento público incentive e alavanque o
financiamento privado futuro e que não seja simplesmente um financiamento que
crie dependência.
Portanto, numa primeira fase pedimos
apenas uma base mínima de validação, comprometimento no projeto e algum
interesse de alguma instituição social que queria investir.
Quando o projeto começa a crescer, no
caso das partilhas para o impacto, dizemos que vamos apoiar projetos que outros
queiram apoiar. Se uma fundação acredita num projeto e quer apoiá-lo, ou se um
empresa tem um projeto de impacto social que queira apoiar, se puserem metade
do financiamento necessário nós pomos a outra metade.
Nós vamos seguir os sinais no mercado
sobre quais os projetos mais viáveis e mais interessantes para apoiarmos. Este
é o segundo modelo. O terceiro modelo é os títulos de impacto social. Aí a
exigência é muito maior. A exigência é que façam o projeto, invistam, mas se
provarem que o projeto tem impacto social mensurável e que leva a poupanças
públicas, nós pagamos o projeto posteriormente.
Esse é um contrato que fazemos para
pagarmos o projeto no futuro mediante uma avaliação independente dos resultados
do projeto. Aí, o grau de exigência é de facto muito elevado em que se avalia
se o projeto foi valorizador e teve resultados.
Imaginem um projeto de reintegração de
ex-reclusos. Um recluso passa um ano na cadeia e é liberto. O grau de
reincidir-se no crime é enorme, é de 40% ou 50%. Quando o recluso reincide no
crime, volta a ser preso, tem um custo enorme na sociedade.
Se houver um apoio a ex-reclusos, que os
reinsere na sociedade e no mercado de trabalho, e que isso esteja provado que
reduz a reincidência no crime face a um grupo comparável e que isso tem ganhos
para o Estado em termos sociais e económicos, então aí nós pagamos esse
projeto.
Ao pagarmos, validamos também a solução
que depois pode ser adotada em maior escala enquanto política pública.
Portanto, esse é o terceiro.
No quarto, que é o fundo para a Inovação
Social, dizemos que não somos nós a escolher mas sim o mercado. Os
investidores-anjos, as fundações, os empreendedores, que querem investir em
projetos invistam e nós cofinanciamos e confiamos totalmente na vossa decisão, porque
é o vosso dinheiro que também está em jogo.
Estamos a tentar, por um lado, evitar
ciclos de dependência de ciclos públicos, financiando projetos que já têm apoio
ou podem vir a ter de financiadores privados, tanto filantrópicos como
comerciais. O que queremos é criar também um mercado de investimento social, ou
seja, de investimento reembolsável, mas alinhado com a lógica do impacto social
que é o tal investimento de impacto que se está a criar em todo o Mundo.
Duarte Marques
Muito obrigado. A última pergunta é do
Emanuel Pereira do Grupo Verde.
Emanuel Pereira
Bom dia. No início da sua apresentação
disse que esteve 15 anos fora de Portugal. A inovação é necessária e bem-vinda.
Teve necessidade de ir para fora do país para "aprender” o empreendedorismo e
há escassez deste tema e falta de apoios a nível nacional?
Será que as incubadoras de empresas podem
ser a solução para promover o empreendedorismo?
Filipe Santos
Quando saí de Portugal foi em 1998,
acabei o curso de Economia, comecei a trabalhar no Técnico como assistente, fiz
alguns projetos e depois quis prosseguir a carreira académica e fui para
Stanford porque era apaixonado pelo empreendedorismo.
Diria que na altura em Portugal falava-se
muito de empreendedorismo, mas fazia-se muito pouco. Em 1998 não havia de facto
uma dinâmica de empreendedorismo como a que temos hoje em dia. Senti a
necessidade de ir lá para fora, por um lado para aprender sobre
empreendedorismo numa outra realidade.
Acho que viver uns anos fora do país é
uma experiência altamente valorizadora para todos e recomendaria a todos
fazê-lo nem que seja por seis meses, ou um ou dois anos.
Curiosamente, não só ao fazerem-no
apercebem-se de uma outra realidade e aprendem imenso, como valorizam mais o
que temos em Portugal por vivermos lá fora. Eu valorizo imenso muitas das
coisas que temos em Portugal, até mais às vezes do que os que passaram os
últimos anos cá, porque sei o que é ter falta dessas coisas e que às vezes
damo-las por adquiridas, mas de facto são um ativo e qualidades de Portugal que
não existe noutros países.
Na altura fui para me desafiar, conhecer
uma nova realidade e depois pensei em regressar após o doutoramento mas senti
que poderia eventualmente ganhar com o continuar lá fora mais uns anos já com
uma carreira académica. O tempo que trabalhei no INSEAD foi excecional para me
ensinar o que era de facto o empreendedorismo e o nível de exigência que tem em
termos de dar aulas e da comunidade onde nos inserimos permitiu-me também
ganhar e valorizar muito.
Agora senti que era a altura certa para
regressar porque já tinha uma rede muito forte internacional, uma grande
experiência e podia contribuir para Portugal - tenho-o feito ao longo dos anos
com vários projetos, mas agora de regresso.
Acho que é uma experiência que recomendo
a todos, é uma experiência sobretudo de autodesafio e autovalorização e que nos
dá uma perspetiva muito mais ampla do que existe e nos permite valorizar mais
aquilo que temos em Portugal.
Tenho sido agradavelmente surpreendido
nos últimos anos pela dinâmica de empreendedorismo em Portugal. De facto, hoje,
fala-se e faz-se empreendedorismo, é valorizado, é uma opção de carreira para a
qual as pessoas estão atentas, tanto jovens como pessoas de meia idade que
querem desenvolver novos projetos.
Temos, já, casos de sucesso, empresas que
têm tido grande performance a nível até mundial como a primeira empresa
unicórnio, a Farfetch, de retalho de produtos online já vale mais de um bilião
de dólares.
Depois, há aqui um mecanismo interessante
que é: nós temos ativos enquanto país e temos uma dívida muito grande, por isso
a forma de cumprir o serviço da dívida é vender alguns ativos que temos feito
ao longo dos anos, empresas, ou aeroportos, ou estradas, ou correios, entre
outros.
Isto é sustentável se conseguirmos ao
mesmo tempo criar novos ativos e nova riqueza. A forma melhor de criar nova
riqueza está provado que é o novo empreendedorismo, porque do nada se consegue
criar ativos de empresas que valem biliões.
Portanto, só conseguimos sustentar também
a dívida futura e a economia portuguesa com um forte nível de empreendedorismo
a partir do qual se criem novos ativos valiosos, que eventualmente possam ser
comprados por outros mais tarde, mas ao serem comprados deixam a riqueza nos
nacionais portugueses que a vão reinvestir e criar um ciclo virtuoso de
riqueza.
É esse ciclo virtuoso de riqueza que
temos de criar em Portugal e o empreendedorismo que hoje temos acho que está a
ter bons sinais, mas lá está, há um ecossistema que se criou, houve fundos
públicos que promoveram o empreendedorismo, cofinanciaram investidores-anjos e
capitais de risco. Houve autarquias que criaram incubadoras. Houve
universidades como a Pedro Nunes em Coimbra e aqui em Lisboa outras que criaram
incubadoras. Todas estas peças do puzzle criaram um ecossistema que de facto
promove e valoriza o empreendedorismo.
Está a funcionar muito bem, ao ponto de
estar a atrair empreendedores estrangeiros para se sediarem e lançarem as suas
empresas em Portugal, que têm trabalho, competências altamente qualificadas e a
um custo muito razoável com a qualidade de vida que nós conhecemos.
Quando somos competitivos ao ponto de
atrair os empreendedores para se posicionarem em Portugal, estamos a começar a
vencer os desafios do empreendedorismo. Gostaria que o mesmo acontecesse com o
empreendedorismo social. Há incubadoras sociais, chamam-se impact hubs a nível mundial, há investidores-anjos a nível social,
há formas de promover o empreendedorismo social, há rede globais, que gostaria
que fossem trazidas para Portugal para promover de facto este ecossistema de
Inovação Social em Portugal.
Temos estas duas
alavancas, a do empreendedorismo e a do empreendedorismo social, a dinamizar a
economia portuguesa.
Dep.Carlos Coelho
Muito bem. Terminámos a fase das
perguntas obrigatórias e já não temos, infelizmente, tempo para as perguntas
livres.
O Professor Filipe Santos pediu para
fazer uma mensagem final com recomendações para todos nós e dispõe de 15
minutos para isso.
Filipe Santos
Muito bem. Queria trazer-vos um tema que
é a minha paixão que é a Inovação Social. Queria também falar-vos um bocadinho,
fazendo uma reflexão pessoal que é motivada por estar aqui perante mais de 100
jovens empenhados, cidadãos que escolheram a política como forma também de se
afirmarem e de contribuírem para Portugal.
Acho que o exercício da política é
provavelmente a profissão mais nobre que nós temos.
[APLAUSOS]
É preciso, hoje em dia, muita coragem
para ser político e é preciso enquanto se é político enfrentar muitos dilemas e
muitos desafios.
Gostaria de identificar alguns dos
desafios que vocês se calhar também conhecem e experimentam ou vão experimentar
no futuro; refletir um pouco sobre esses desafios e dar algumas pistas talvez
sobre a forma de desenvolver o exercício da política que seja nobre e que
responda às aspirações que a profissão tem.
O primeiro dilema diria que é Política versus políticas; em inglês isto é mais
claro porque há duas palavras diferentes, há o politics e o policies. Em
Portugal, a palavra política acaba por misturar duas coisas porque no fundo há
duas políticas.
Há política de alcançar e manter o poder,
e há política da forma como se exerce o poder. O que acontece, não só em
Portugal mas em todos os países, é que muitas vezes a política, politics , e a luta pelo poder abafa a
verdadeira policy que é o exercício
do poder.
Estamos agora também numa altura do
calendário pré-eleitoral e é o calendário da politics , da batalha política, da batalha eleitoral, o ganhar
vantagens sobre o oponente político, posicionar de forma melhor o que fazemos
face aos outros, a tática de como publicito a mensagem, no fundo é o jogo de
influências e de poder.
Esse jogo é excitante, é entusiasmante,
tem efeitos no curto-prazo, valoriza-me no curto-prazo, mas a verdadeira
política é a policy , a forma como se
exerce esse poder, a forma como se pensa as políticas futuras para o país, os
compromissos que se fazem e aí não é às vezes tão entusiasmante, excitante, ou
tão curto-prazo como a outra. O que acontece é que muitas vezes a prática da politics , abafa a prática da policy , que é aquela que é mais
potenciadora do desenvolvimento do país.
Portanto, o desafio para todos enquanto
políticos que querem ser, e que já o são em muitos casos, é não deixar que o
jogo político abafe ou acabe por desviar a vossa atenção do que é
verdadeiramente importante, que é o exercício da política enquanto tiverem
assumido um papel e uma responsabilidade que vos permite tomar decisões que
afetam a vida dos outros. Pensar como é que vão tomar as melhores decisões,
colocar os melhores recursos e dinamizar as melhores vontades para que o
resultado final seja o melhor possível. Mesmo que o resultado final seja, se
calhar, mais a longo-prazo.
É um desafio particularmente premente nas
próximas cinco semanas onde está toda a gente a pensar em politics e poucas pessoas a pensar em policy , ou a policy que
se está a pensar está sujeita à politics.
Se calhar é por isso que muitos jovens se
afastam da política, porque vêem-na como um jogo da conquista do poder e não
como um exercício de políticas de promoção de desenvolvimento. Se virem que a
política é uma oportunidade para fazer policy ,
acho que vamos conseguir atrair muitos mais jovens para a política. Se eles
virem que nesse exercício da política há oportunidade de ter impacto e de mudar
a vida das pessoas.
Essa também é um bocadinho a resposta à
pergunta inicial.
Aqui, temos o desafio do horizonte
temporal. Aquilo que verdadeiramente tem impacto, normalmente, tem impacto a
médio ou longo-prazo. As soluções de curto-prazo normalmente são ou remendos ou
só têm efeitos mais a médio e longo-prazo.
Os ciclos eleitorais são curtos, de
quatro anos, no caso do legislativo e portanto tem de mostrar resultados no
curto-prazo. Se calhar, se eu fizer coisas que são importantes no longo-prazo,
vou beneficiar o político que vem a seguir no ciclo. Como é que vou gerir este
dilema?
Posso, por exemplo, pensar na forma como
reestruturo o ensino, as creches em Portugal, isso vai ter efeitos claros no
país quando daqui a 15 ou 20 anos esses miúdos que passaram pela creche vão
acabar a universidade e arranjar emprego. Mas são 20 anos e daqui a 20 já lá
não estou. Porém foi aquela decisão que eu tomei de criar uma rede de creches
que fez a diferença.
Posso implementar um sistema de
reequilíbrio económico e de austeridade que reequilibra as finanças e o
benefício vai-se ver daqui a três, ou quatro, ou cinco anos, e se calhar não no
curto-prazo onde a crise se vai acentuar. Como é que giro isto? O desafio é que
muitas vezes devido aos ciclos políticos eu acabo por gerir o curto-prazo e por
evitar as decisões de longo-prazo que são as mais difíceis mas mais
transformadoras.
Portanto, aí é uma reflexão para vocês:
como é que na vossa vida política vão garantir que se focam na policy e não deixam a politics abafar a policy , e como é que vão garantir que conseguem pensar, nas
decisões que tomam, nos efeitos de longo-prazo e não só no que é necessário ou
o que vos dá vantagem no curto-prazo.
Não é fácil, há um dilema que todos nós
temos de encontrar no nosso equilíbrio e na nossa forma de fazer, mas que é
algo que queria deixar em termos de reflexão convosco.
O outro desafio é o das reformas, das tão
faladas reformas estruturais ou conjunturais. A questão aqui é que tudo o que
se quer fazer hoje em dia - e se calhar é a razão pela qual a política é tão
ingrata -, qualquer mudança vai chocar com interesses instalados.
Portanto, qualquer coisa que se queira
mudar é sempre difícil. Mas se não mudamos nada, também não avançamos enquanto
sociedade e economia.
Como lidámos com isto? Posso, enquanto
político, não mexer com nenhum interesse instalado e passar suavemente pela
política sem criar grandes ondas, mas também sem criar grandes transformações.
Mas se eu tentar enfrentar interesses instalados também tenho uma resistência
enorme e se calhar não consigo fazer nada.
Depois, há interesses legítimos e
interesses ilegítimos. Como é que consigo diferenciá-los? Um exemplo: fala-se
muito agora dos novos modelos de economia disruptiva, do Uber, dos táxis. Será
que o lobby dos táxis para proteger o
seu interesse é legítimo ou ilegítimo? Não é óbvio, não é?
Se eles têm de comprar uma licença para
terem um táxi e se o motorista da Uber não tem, é injusto. Por outro lado,
vamos parar o progresso, um serviço que os clientes gostam, preservando o poder
e protegendo um grupo instalado? Não é fácil.
Em todos os casos que vão encontrar ao
tentar implementar reformas vão ter interesses instalados que vão tentar
bloquear qualquer mudança que os prejudique e há, entre eles, interesses
ilegítimos e como é que vocês dão resposta?
Depois há outro desafio que é: quem é
prejudicado por qualquer alteração fala sempre mais alto do que quem
potencialmente será beneficiado. Mesmo que o que vocês façam vá beneficiar em
muito a sociedade, o benefício só é aparente mais tarde e o custo para as
pessoas é aparente imediatamente. Isso bloqueia muitas reformas.
Aqui posso dar algumas pistas. Acho que
muitas vezes, se vocês perceberem os mecanismos das instituições com que estão
a lidar, há pequenas regras ou alterações que as pessoas não se apercebem mas
que depois acabam por mudar o sistema passado algum tempo. Ou seja, ao mudarem
as regras do jogo, o jogo poderá mudar ao fim de algum tempo.
Às vezes, tem-se a ideia que para uma
grande mudança tenho que impor um grande choque, mas não, há o poder das
pequenas mudanças, incrementais. Duas ou três mudanças de regras que as pessoas
não se apercebem do alcance de facto o jogo pode mudar e o sistema pode ficar
mais virtuoso em termos do comportamento dos agentes.
Portanto, o que eu sugeria aqui é que
olhem para a oportunidade de através de pequenas mudanças de regras de
instituições, de comportamentos, de alterarem um bocadinho a dinâmica das áreas
onde estão a trabalhar, de forma a que as pessoas não se apercebendo irão
sofrer a mudança mais tarde.
Há coisa, por exemplo, que eu diria da
minha experiência, como a CReSAP muito ou mal criticada, acaba por ser um
elemento valorizador do sistema porque permite um escrutínio, uma
transparência, nas nomeações públicas que não existia anteriormente.
Apesar de ter tido muitas críticas, algumas
escolhas mal feitas, ou atrasos que provoca, de facto é uma regra que altera em
muito o sistema e vai valorizá-lo em muitas áreas daqui para a frente.
Este é só um exemplo de algumas regras
que se introduzem de governança, sendo esta fundamental para os sistemas.
Portanto, rodeiem-se de pessoas que percebam muito de instituições e de
governança, porque alterando a governança do sistema podem alterar em muito o
comportamento desse sistema e essas são formas de conseguir reformas sem chocar
com interesses instalados. Sem serem basicamente empurrados porque estão a
prejudicar os interesses de quem já está em campo.
Mas é um desafio e é o grande desafio da
política: tudo o que queremos fazer e que achamos que deve ser feito choca com
interesses que também têm as suas formas de se defenderem e de prejudicarem
essas alterações.
Por último, talvez aqui uma questão que
às vezes é crítica, mas mais pessoal, que é: qualquer posição de liderança, de
responsabilidade, dá-nos poder e influência. É quase natural da própria
natureza humana haver, por vezes, algum abuso numa posição dominante. Isso é
muito notório nas empresas.
Uma empresa quando é muito grande e
forte, assume-se como monopolista e tende a abusar da sua posição dominante.
Alguém que tem muito poder enquanto líder há mecanismos psicológicos que
começam quase que a validar o que fazemos, em autorreferência, e perdemos as
referências e começamos a ter comportamentos viciantes ou maus, sem nos
apercebermos.
Portanto, a honestidade e a humildade,
que numa posição de poder podemos assumir enquanto políticos, ajuda-nos a
evitar esta tendência de abusar da nossa posição dominante. Isto é fundamental
para um bom exercício da política do futuro.
Aqui só queria apontar alguns dos
desafios e da coragem que é preciso ter, hoje em dia, para ser político. Como
eu disse, acho que o exercício da política é um privilégio, é uma
responsabilidade, e é para mim a profissão mais nobre se for praticada numa
lógica de serviço aos outros e não só, mas também a valores e a causas que são
maiores do que nós.
Há causas que conhecemos e que nos são
caras, como as causas da liberdade, do progresso da democracia. Se em nome
dessas causas e em benefício dos outros exercermos a política, é mais fácil
conseguir trabalhar estes dilemas e desafios, e exercer a política não só de
uma forma que é nobre mas que também beneficia todos nós.
Portanto, parabéns nas escolhas que têm
feito, coragem nas escolhas que vão fazer de seguida, nos próximos meses e
anos, e espero que consigam de facto dar à política este sentido nobre que ela
tem, de exercício, de responsabilidade e de serviço aos outros.
Muito obrigado.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Muito bem. Em nosso e em vosso nome,
agradeço ao Prof. Filipe Santos a aula que nos deu. Foi a primeira vez que
tivemos a Inovação Social no currículo da Universidade de Verão.
Vamos acompanhar o nosso convidado à
saída. Peço a quem está destacado, para acompanharem os trabalhos.
Muito obrigado e até já.
Nuno Matias
Entretanto queria só dar a informação de
que já estão disponíveis os documentos dos governos para a simulação da
Assembleia que no final desta aula eu entregarei aos vossos conselheiros.
Portanto, durante o almoço quem quiser e tiver interesse, certamente já terá
acesso àquilo que são as propostas dos diversos governos.
Vamos votar já na utilidade do tema e
continuar com a avaliação.